segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL - ADJUDICAÇÃO ILEGAL - MEIO PROCESSUAL ADEQUADO - PRESSUPOSTOS - DIREITO UNIÃO / DIREITO NACIONAL - PRIMADO DIREITO UE - NEXO CAUSALIDADE - "POSSIBILIDADE REAL ATRIBUIÇÃO CONTRATO" INDEMNIZAÇÃO - DANO EMERGENTE/LUCRO CESSANTE

Proc. Nº 213/06.1BELLE    TCAN     16 de Setembro de 2011

I. Dado o lesado/demandante haver estribado ou gizado a sua pretensão de reparação indemnizatória no quadro do instituto da responsabilidade civil pré-contratual, invocando danos cobertos por este instituto, o meio processual próprio, idóneo e adequado é a instauração duma acção administrativa comum.
II. Há que distinguir a indemnização devida pela inexecução (que dispensa o apuramento do montante indemnizatório correspondente à efectiva perda sofrida pelo exequente em resultado da prática do acto anulado) da indemnização devida pela prática do acto ilegal (que exige aquele apuramento e, como tal, outros desenvolvimentos processuais). Tratam-se de indemnizações autónomas e diferenciadas quer no tocante aos danos que ressarciam quer na forma do seu cálculo como ainda nos meios contenciosos próprios.
III. Do primado do Direito da União sobre o Direito nacional decorre a recusa de aplicação do direito nacional incompatível com o direito da UE, a supressão ou reparação das consequências de um acto nacional contrário ao direito comunitário e a obrigação dos Estados-membros o fazerem respeitar em estrita observância do princípio do efeito directo das normas europeias, do princípio da interpretação conforme e do princípio da responsabilidade do Estado por violação das obrigações europeias.
IV. Sem prejuízo do direito a reparação baseado directamente no direito da União é no âmbito do direito nacional da responsabilidade que incumbe aos entes demandados reparar as consequências dos prejuízos causados, entendendo-se que os requisitos estabelecidos pelas legislações nacionais em matéria de reparação dos prejuízos não podem ser menos favoráveis do que os aplicáveis a reclamações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência), nem ser organizados de maneira a, na prática, tornarem impossível ou excessivamente difícil a obtenção da reparação (princípio da efectividade).
V. Na precisão do requisito do nexo de causalidade em matéria de responsabilidade civil pré-contratual importa atentar no que se disciplina no n.º 7 do art. 02.º da Directiva 92/13/CEE quando ali se refere que o direito à indemnização fica subordinado à demonstração/prova da “… possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato que foi prejudicada por essa violação …”, normativo que pese embora respeitante aos chamados “sectores especiais” contém comando que deverá considerar-se como aplicável a todos os procedimentos de contratação pública por entidades adjudicantes não inseridas naqueles sectores.
VI. O direito à indemnização fundado na responsabilidade civil pré-contratual impõe que o requisito relativo ao nexo de causalidade se mostre preenchido com a demonstração/prova da “possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato”.
VII. Trata-se na terminologia legal duma “possibilidade” e não duma “efectiva” atribuição real do contrato ao lesado, o que corresponde a conceito que é necessariamente menos exigente que este último, porquanto o lesado para ser indemnizado apenas terá de provar aquela possibilidade e não de que o mesmo seria o efectivo seleccionado no acto de adjudicação e viria a outorgar o contrato.
VIII. Exige-se que aquela possibilidade seja “real” e, como tal, não se basta com uma possibilidade “hipotética”, o que afasta necessariamente do preenchimento do requisito aquelas situações, nomeadamente, em que o lesado apresentou proposta que se mostra graduada/posicionada em lugar que o afaste claramente da vitória no concurso ou ainda cuja proposta não cumpra o caderno de encargos visto nestes casos estarmos em face duma possibilidade meramente hipotética e nunca real.
IX. A demonstração daquela “possibilidade real” recai por lesado e não sobre a entidade adjudicante.
X. Uma situação de ilegal definição pelo acto de adjudicação de critérios/subcritérios, à luz dos quais foram analisadas todas as propostas dos concorrentes, reclama, por um lado, um novo juízo prognose e de análise quanto àquilo que seria a valoração do júri quanto às propostas apresentadas tendo agora em conta apenas os critérios que se mostravam definidos pelas peças concursais e, por outro, importa que entremos na aferição/análise do carácter exacto/vinculado ou não dos critérios concursais definidos e/ou da existência dum espaço de discricionariedade na valoração daqueles mesmos critérios para que cheguemos à demonstração de que a proposta do lesado constituía a melhor oferta em termos de graduação final.
XI. Já se estivermos perante situação de ilegal/ilícita adjudicação que envolva apenas valoração de proposta(s) de concorrente(s) que não poderia(m) ter sido admitida(s) e que deveria(m) ser excluída(s) o que importa para a efectivação do juízo de prognose é a retirada das necessárias consequências da declaração judicial de ilegalidade da proposta do concorrente adjudicatário, excluindo-a do concurso, mantendo-se no mais a graduação efectuada quanto às demais propostas dos outros concorrentes se nada foi alegado ou demonstrado em sentido inverso nos autos, mormente, de que as regras concursais nas quais se estribou a graduação do júri enfermavam de quaisquer ilegalidades e/ ou que a proposta apresentada pelo lesado não cumpria aquelas regras concursais e que, nessa medida, a mesma viesse a ter de ser também excluída.
XII. Tal juízo de prognose quanto posicionamento na graduação das propostas submetidas a concurso aliado à consideração de que o programa de concurso não prevê qualquer possibilidade de exercício/reserva por parte da entidade adjudicante quanto a uma eventual acto de não adjudicação do objecto concursal ou de não celebração/outorga do contrato e de que uma eventual reconstituição do procedimento na sequência da decisão judicial anulatória não imporia a elaboração pelo júri duma nova graduação das propostas das concorrentes [dado a ilegalidade ocorrida com a mesma não contender ou a implicar], permite-nos formular, “a posteriori” e na situação concreta, um juízo de forte probabilidade de que o lesado o “real” vencedor do concurso e, nessa medida, seria o “possível” seleccionado no acto adjudicatório final caso o procedimento fosse reconstituído.
XIII. Aceite que na definição da medida do dano indemnizável no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual se deve fazer apelo e aplicação das regras gerais da responsabilidade civil (arts. 562.º e segs. do CC) e que as denominadas “Directivas-recursos” não excluem a ressarcibilidade de qualquer tipo de danos [cfr. arts. 02.º, n.º 1, al. c) da Directiva 89/665/CEE e 02.º, n.ºs 1, al. d) e 7 da Directiva 92/13/CEE] afigura-se-nos que a indemnização a arbitrar numa situação como a vertente pode e deve abranger quer os danos emergentes como os lucros cessantes e isso independentemente destes respeitarem a um interesse contratual negativo ou positivo.
XIV. É que em consonância com a jurisprudência comunitária a obrigação de reparação indemnizatória terá a mesma medida do prejuízo e deve o montante da indemnização ter por objecto reconstituir, na medida do possível, o património da vítima, na certeza de que tal jurisprudência aceitando a distinção dano emergente/lucro cessante vem admitindo, por princípio, que ambos são susceptíveis de reparação indemnizatória.
XV. Demonstrado pelo lesado o nexo de causalidade entre a adjudicação ilícita/ilegal e o prejuízo relacionado com o lucro que o mesmo obteria com a execução/outorga do contrato julga-se assistir ao mesmo o direito a ser indemnizado pela quantia peticionada aquele título e referente ao benefício económico que para o mesmo derivaria da adjudicação e execução do contrato.


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“MUNICÍPIO DE LOULÉ” (abreviada e doravante «ML») e “V…, SA”, inconformados, vieram de per si interpor recursos jurisdicionais, respectivamente, das decisões do TAF do Porto datadas de 26.11.2007 [julgou improcedentes as excepções: inominada prevista no art. 07.º do DL n.º 48051; de erro no meio processual empregue; de falta de interesse em agir; e de prescrição] e de 28.09.2009 [julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum deduzida pela A. “V…, SA” contra o R. «ML» condenando este apenas no pagamento à A. da quantia de 3.000,00 € referentes a danos (relativos ao pagamento de honorários a advogados na acção de anulação do acto de adjudicação), valor esse acrescido de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, e que improcedeu no mais o pedido de condenação do R. no pagamento de indemnização que havia sido computado no valor global líquido de 56.658,45 €, e bem assim dum pedido ilíquido relativo aos lucros cessantes em quantia a liquidar ulteriormente, valores estes acrescidos ainda dos juros de mora legais desde a citação].
Formula o R., aqui recorrente jurisdicional, nas respectivas alegações (cfr. fls. 286 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“...
A - A partir da entrada em vigor do CPTA e da consequente revogação das normas processuais contidas na LPTA e do DL 256-A/77 a execução do julgado anulatório passou a ser comandada pelo novo Código, mesmo que a sentença a executar tenha sido proferida e tenha transitado no domínio do regime revogado, desde que o respectivo processo tenha sido instaurado após a sua entrada em vigor.
B - Tendo sido instaurada acção administrativa comum tendo em vista a obtenção daquele ressarcimento, importa apurar se é possível aproveitar os actos já praticados nesta acção e proceder à sua convolação para o processo adequado porque a tanto obriga o disposto no art. 199.º do CPC e os princípios pro actione e da celeridade processual - (Acórdão do STA de 15.02.07, proferido no processo 01067/06, in www.dgsi.pt).
C - Tendo em vista a eventual convolação desta acção num processo executivo, importa apurar se o direito de execução do julgado anulatório não havia já caducado à data da entrada em vigor do CPTA pois que, se assim for, essa convolação será legalmente inútil e, por respeito ao princípio da economia dos actos processuais, inadmissível (…) (Acórdão do STA de 15.02.07, proferido no processo 01067/06, in www.dgsi.pt).
D - A douta decisão recorrida, ao remeter para final, a decisão das excepções oportunamente deduzidas, e ao permitir que a tramitação da pretensão da Autora V… SA, seja realizada através de acção administrativa comum, labora em manifesto erro de julgamento, consistente numa deficiente interpretação/aplicação do disposto no artigo 176.º n.º 1 e 2 do CPTA, aliás verificada a impossibilidade de convolação da acção administrativa comum, porquanto o direito de executar o douto acórdão anulatória houvera caducado, restava ao Tribunal absolver a Recorrente da instância …”.
E a A., aqui também recorrente jurisdicional, apresenta nas respectivas alegações (cfr. fls. 294 e segs.), as seguintes conclusões:
“...
1.ª - De acordo com o concurso público para fornecimento de duas máquinas varredoras e aspiradoras de 4m3 de capacidade foi estabelecido como critério de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa e seriam tidos em consideração, por ordem decrescente de importância os factores: qualidade, fiabilidade, robustez e segurança do equipamento; adaptabilidade das características técnicas do equipamento às funções a desempenhar; preço global e condições de pagamento; qualidade, condições e custo de assistência técnica; período de garantia; prazo de entrega.
2.ª - O acto de adjudicação tem como pressuposto único o projecto de decisão final tendo a ordem de classificação sido: 1.º C…; 2.º C… (variante I); 3.º V…; 4.º T…; 5.º S…; 6.º R…; 7.º C… (variante II).
3.ª - E a ordem do concurso sem as propostas da C… (base e variante I) seria: 1.º V… (3,86); 2.º T…, Lda. (3,83); 3.º S… (3,49); 4.º R… (3,34); 5.º C… (variante II);
4.ª - Ao contrário do que a douta sentença refere, a comparação entre os diversos candidatos ao concurso já foi realizada e é definitiva, pelo que não poderia agora o júri alegar que a ponderação sobre a classificação atribuída e respectivas percentagens sobre os itens considerados (25%, 23%, 20%, 12% e 9%), teria de ser alterada em função da exclusão da C…, Lda. na exacta medida dessa exclusão;
5.ª - A ponderação é e foi atribuída individualmente a cada candidato e por cada item, ou seja o júri considerou a proposta dos candidatos de forma autónoma e definitivamente;
6.ª A exclusão de dois candidatos por não preencherem os requisitos necessários para o concurso em nada interfere na classificação atribuída aos demais concorrentes.
7.ª - E a ponderação relativa entre os candidatos, de que resulta a ordenação final dos mesmos, em caso algum pode ser alterada. Não há fundamento legal para o júri modificar a posição definida no projecto de decisão final pelo simples facto de ter sido excluído outro candidato e legalmente considerado:
8.ª - Se assim não fosse e se o júri pudesse reapreciar as propostas dos diferentes candidatos legalmente admitidos ao concurso - e que são exactamente as mesmas - a decisão de adjudicação que não mantivesse a posição relativa entre eles seria ilegal por violação dos princípios e regras que o júri tem de observar (princípio da proibição do arbítrio e da auto-vinculação às classificações previamente atribuídas).
9.ª - Razão por que a recorrente teria e tem necessariamente de ser classificada em primeiro lugar no concurso.
10.ª - Preenchido está assim o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano (art. 563.º do Código Civil), pelo que esta tem direito a receber a quantia de 52.508,45 euros, para além do montante de 3.000 euros.
11.ª - Ao decidir como decidiu a douta sentença incorreu em erro de julgamento (decisão contra os factos apurados; ou subsidiariamente a sentença é nula por violação da al. c) do n.º 1 do art. 668.º do Código de Processo Civil ou, ainda subsidiariamente, ser a mesma declarada nula por violação da al. d) do n.º 1 desta disposição).
12.ª - Nestes termos, deve a douta Sentença ser revogada por violação, entre outros, da al. a) do art. 55.º do DL 197/99, art. 563.º do Código Civil, art. 2.º do DL 48051, art. 668.º n.º 1 do Código de Processo Civil e em consequência ser o recorrido condenado a pagar ao recorrente a quantia de 55.508,45 euros e respectivos juros …”.
O R., enquanto recorrido, veio produzir contra-alegações (cfr. fls. 321 e segs.) nas quais termina pugnando pela manutenção do julgado, concluindo nos seguintes termos:
“…
A - Os pressupostos de facto, em que a Recorrente suporta o seu recurso, não estão, nem sequer indiciariamente, evidenciados na douta sentença recorrida (fls. 275 e segs.) e correspondente resposta à matéria de facto, contida na base instrutória (fls. 270 e segs.).
B - A leitura conjugada da Resposta à Base Instrutória (fls. 271) e à matéria de facto assente, em sede sentença (cfr. fls. 275 e segs.) impõe a conclusão, que a Recorrente não logrou provar o dano, nomeadamente, o lucro que deixou de auferir, no montante de 52.508,45 € (lucro ilíquido) deixando ainda por provar o nexo de causalidade entre o dano e facto ilícito (que anulado o acto, ficava automaticamente classificada em 1.º lugar) …”.
O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA emitiu pronúncia no sentido da parcial procedência do recurso jurisdicional interposto pelo R. ficando prejudicado o conhecimento do recurso deduzido pela A. (cfr. fls. 339/340), pronúncia essa objecto de contraditório não mereceu qualquer resposta (cfr. fls. 341 e segs.).
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que se, por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das suas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º todos do CPC “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se:
A) Quanto ao recurso jurisdicional deduzido pelo R. relativamente às decisões judiciais proferidas em 26.11.2007 e 28.09.2009 as mesmas enfermam de nulidade [omissão de pronúncia - art. 668.º, n.º 1, al. d) do CPC - a referência na primeira página do corpo das alegações à al. b) do citado normativo constitui mero lapso como se depreende da leitura do resto daquela peça processual] e de erro no julgamento traduzido este na incorrecta e ilegal aplicação do disposto nos arts. 199.º CPC e 176.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA;
B) Quanto ao recurso jurisdicional deduzido pela A. relativamente à decisão judicial proferida em 28.09.2009 [que julgou apenas parcialmente procedente a pretensão indemnizatória pela mesma deduzida], se esta decisão enferma de nulidades [art. 668.º, n.º 1, als. c) e d) do CPC] e de erro no julgamento de facto e de direito traduzido este na ilegal aplicação do disposto nos arts. 55.º, n.º 1, al. a) do DL n.º 197/99, 563.º CC, e 02.º do DL n.º 48051 [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resulta da discussão da causa como assente a seguinte factualidade:
I) A A. é uma sociedade anónima que se dedica à comercialização por grosso e retalho e distribuição de equipamentos de limpeza industrial e urbana, viaturas para limpeza de ruas, gestão de oficinas para apoio das vendas de bens e serviços prestados - facto admitido por acordo das partes.
II) Por acórdão do STA, de 19.03.2003, proferido no âmbito do recurso n.º 493/03, transitado em julgado em 04.04.2003, foi anulado o acto de adjudicação à «C…, Lda.» de fornecimento de duas máquinas varredoras e aspiradoras de 04 m³ de capacidade - cfr. documento n.º 01 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, e admissão por acordo das partes.
III) Esta adjudicação havia sido efectuada, em 27.03.2001, no âmbito de concurso público para fornecimento de duas máquinas varredoras e aspiradoras de 04 m³ de capacidade, pela Câmara Municipal de Loulé, cujo anúncio foi publicado no DR n.º 218, de 20.09.2000 (III Série) - cfr. documento n.º 02 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, e admissão por acordo das partes.
IV) O acto de adjudicação referenciado em II) foi anulado, por vício de violação de lei, porquanto a proposta da adjudicatária «C…, Lda.» não preenchia os requisitos ínsitos no caderno de encargos, ou seja, as máquinas a fornecer não satisfaziam o requisito mínimo de a potência do motor ser superior a 90 KW - cfr. documentos n.ºs 01, 02 e 03 juntos com a petição inicial e admissão por acordo das partes.
V) As máquinas, da marca “RAVO 5002 ST”, foram adquiridas pelo R. à «C…, Lda.», tendo sido, tal equipamento, entregue em Abril de 2001 - facto admitido por acordo das partes.
VI) O R. tem vindo a usar, desde então até à presente data, na respectiva actividade - varrer e aspirar os arruamentos do concelho - o equipamento referenciado em V) - facto admitido por acordo das partes.
VII) Tais máquinas, com o decurso do tempo e uso, sofreram o natural desgaste decorrente da sua utilização - facto admitido por acordo das partes.
VIII) A presente acção administrativa comum foi intentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé em 27.03.2006 - cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial e registo informático do SITAF.
IX) O Município de Loulé foi citado para os termos desta acção em 30.03.2006 - cfr. teor do aviso de recepção ínsito nos autos.
X) O equipamento constante da proposta da A., marca “MORO/SCHMIDT CEANGO S4WIC”, preenchia o requisito ser a potência do motor superior a 90 KW.
XI) A A. dispõe de instalações comerciais e oficinas em Matosinhos e em Lisboa.
XII) Estas instalações destinam-se à comercialização de veículos varredores, bem como ao armazenamento e fornecimento de peças e a prestação de assistência.
XIII) Tendo ao seu serviço, à data dos factos a que se reportam os presentes autos, 50 (cinquenta) trabalhadores.
XIV) A filial da A. em Lisboa seria a delegação que, pela sua posição geográfica, prestaria assistência aos veículos que seriam fornecidos ao R..
XV) A A. desenvolve a sua actividade em todo o país.
XVI) Mas para aumentar a sua quota no mercado específico do sul do país, manteve sempre em stock quer equipamentos, quer peças de substituição.
XVII) Promovendo a angariação de clientes, difusão e venda dos seus produtos.
XVIII) A A. ganhou uma parte considerável dos concursos públicos onde apresentou proposta com equipamento idêntico ao descrito no n.º X).
XIX) A A. se tivesse fornecido esses veículos ao R. teria obtido um lucro imediato de venda de 52.508,45€.
XX) O período de tempo estimado pelos fabricantes dos veículos em apreço como “esperança de vida” dos mesmos é de 10 anos.
XXI) Após a venda do equipamento, a A. presta assistência e manutenção das máquinas, vendendo consumíveis para os veículos.
XXII) Com a venda das peças, acessórios e consumíveis e respectiva assistência, durante 10 anos, a A. teria um lucro correspondente a cerca de 8% do valor da venda.
XXIII) A A. pagou aos advogados que patrocinaram o processo identificado em II) a quantia, a título de honorários, de 3.000,00€.
XXIV) Caso a adjudicação tivesse sido realizada à A., as máquinas em causa beneficiariam de um período de garantia de 26 meses, com assistência gratuita de mão-de-obra.
XXV) Decorrido o período de garantia, o R. poderia efectuar a assistência e eventuais reparações das máquinas, através de qualquer outra empresa e/ou das suas próprias oficinas, encomendando directamente, para o efeito, o material necessário no que concerne a consumíveis não específicos da máquina em causa, filtros, óleos e já não quanto a braços mecânicos, escovas varredoras e outros.
XXVI) Relativamente às peças e materiais de consumo corrente, tais como filtros de óleo, óleos e peças comuns a quaisquer motores, a sua aquisição poderia ser efectuada a outros fornecedores, não sendo, nem tendo, que ser adquirida à firma fornecedora do equipamento.
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3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada importa, agora, entrar na análise dos fundamentos dos recursos jurisdicionais “sub judice”, começando por conhecer em primeiro lugar o recurso deduzido pelo R..
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3.2.1. DO RECURSO JURISDICIONAL DO R.
3.2.1.1. DAS DECISÕES JUDICIAIS RECORRIDAS
O TAF do Porto em apreciação dos fundamentos de defesa apresentada em sede de contestação pelo aqui ora recorrente veio a considerar na decisão judicial prolatada em 26.11.2007 (despacho saneador com fixação da matéria de facto assente e base instrutória), por um lado, que a invocada a excepção inominada prevista no art. 07.º do DL n.º 48051 não poderia como tal ser qualificada mas antes como realidade integradora de eventual interrupção do nexo causalidade e/ou de culpa do lesado na produção ou agravação dos danos e, nessa medida, apenas factor limitador da extensão ou âmbito da indemnização a apurar e analisar apenas em momento ulterior a quando do julgamento do mérito da pretensão indemnizatória “sub judice” (cfr. fls. 171/173 dos autos e págs. 02 a 04 da numeração daquela decisão); e, por outro lado, considerou totalmente improcedentes as excepções de falta de interesse em agir (cfr. fls. 173 dos autos e pág. 04 da numeração da referida decisão), de prescrição (cfr. fls. 174/178 dos autos e págs. 05 a 09 da numeração daquela decisão) e de erro no meio processual empregue (cfr. fls. 177/178 dos autos e págs. 08 e 09 da numeração da mesma decisão).
E na decisão proferida em 28.09.2009 foi considerado que no despacho saneador foram julgadas “… improcedentes as excepções …” e fixada a “… matéria de facto assente e base instrutória da causa …”.
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3.2.1.2. DA TESE DO RECORRENTE
Contra tal julgamento se insurge o R. sustentando que, no caso, o tribunal “a quo” nos juízos efectuados incorreu para além de nulidade [por omissão de pronúncia - art. 668.º, n.º 1, al. d) do CPC] e ainda em erro no julgamento de direito, sendo este último por ilegal interpretação e aplicação do disposto, mormente, nos arts. 199.º CPC e 176.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA.
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3.2.1.3. DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1.3.1. DA NULIDADE DA DECISÃO JUDICIAL
Argumenta o R. que a decisão judicial aqui ora sindicada omitiu e desrespeitou os seus deveres de pronúncia, infringindo o disposto na al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, já que “… compulsada a decisão de fls. 273, verifica-se houve questões (se a A. podia utilizar este meio processual) cujo conhecimento foi relegado para final …” pelo que “… a questão da possibilidade (ou não) deste meio processual, prende-se necessariamente, com o interesse em agir e com a eventual caducidade, que desta forma ficaram sem apreciação e decisão …”.
Analisemos.

I. Estipula-se no art. 668.º do CPC, sob a epígrafe de “causas de nulidade da sentença” e na parte que ora releva, que é “… nula a sentença: … d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento ...”.
As situações de nulidade da decisão encontram-se legalmente tipificadas no art. 668.º, n.º 1 do CPC, cuja enumeração é taxativa, comportando causas de nulidade de dois tipos [de carácter formal - art. 668.º, n.º 1, al. a) CPC - e várias causas respeitantes ao conteúdo da decisão - art. 668.º, n.º 1, als. b) a e) CPC], sendo que a qualificação como nulidade de decisão de ilegalidades integradoras de erro de julgamento não impede o Tribunal “ad quem” de proceder à qualificação jurídica correcta e apreciar, nessa base, os fundamentos do recurso.

II. Caracterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infracção ao disposto na alínea do art. 668.º do CPC em questão temos que a mesma se prende com o dever que impende sobre o julgador de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2 CPC).
Trata-se, nas palavras de M. Teixeira de Sousa, do “... corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º, 2.ª parte) …” que “… significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
(...) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221).
Questões para este efeito são “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …” (cfr. A. Varela in: RLJ, Ano 122.º, pág. 112) e não podem confundir-se “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …” (cfr. J. Alberto dos Reis in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 143).
Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido.
Afirma ainda neste âmbito M. Teixeira de Sousa que o “... tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. (...) Verifica-se, pelo contrário, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte] se na sentença, contrariando o disposto no art. 659.º, n.º 2, o tribunal não discriminar os factos que considera provados (...) ou se abstiver de apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor (...).
Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. (...)
Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou a excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder.
… Como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento [art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte], ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer. (...).
O excesso de pronúncia pode ser parcial ou qualitativo, consoante o tribunal conheça de um pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte. Este excesso de pronúncia parcial ou qualitativo também conduz à nulidade da decisão [arts. 661.º, n.º 1 e 668.º, n.º 1, al. e)], mas ele é distinto do excesso de pronúncia previsto no art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte, pela seguinte razão: - se o tribunal condena no pedido formulado, mas utiliza um fundamento que excede os seus poderes de conhecimento, a hipótese cabe na nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte; - mas se o tribunal, mesmo utilizando os fundamentos admissíveis, condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, o caso inclui-se na previsão do art. 668.º, n.º 1, al. e).
(...) O art. 661.º, n.º 3 (...) constitui uma excepção a este fundamento de nulidade da decisão …” (in: ob. cit., págs. 220 a 223).
A sentença ou o acórdão constituem decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, num caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses (públicos e/ou privados) no âmbito das relações jurídicas administrativas (cfr. arts. 01.º e 04.º ambos do ETAF).
Os mesmos conhecem do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para aquele caso concreto, pelo que a sentença ou o acórdão podem estar viciados de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:
- Por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
- Por outro, como actos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretados e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do art. 668.º do CPC.

III. Munidos deste enquadramento quanto ao conceito de nulidade de decisão judicial e em particular da nulidade sob análise temos que, no caso, falha a assacada nulidade quanto às decisões em crise por infracção à al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.
Desde logo e na lógica do que se mostra decidido nos autos, analisados seu teor e fundamentos, não se descortina existir qualquer omissão de pronúncia.
Havendo, é certo, alguma “miscelânea” na análise conjunta das excepções/questões suscitadas e sua consequente decisão temos, todavia, que em sede de despacho saneador não veio a ser relegado para final o conhecimento da questão do uso incorrecto deste meio processual ou da sua possibilidade de dedução (ou não), porquanto nos termos em que foi considerada e qualificada a pretensão indemnizatória da A. entendeu-se, quer a quando da análise da alegada falta de interesse em agir quer especial e particularmente a propósito da apreciação da excepção de prescrição, que este meio processual era também idóneo e próprio para a efectivação do direito de indemnização objecto da pretensão formulada nos autos e como tal inexistia qualquer erro no uso do meio processual empregue, conclusão esta que havia sido inicialmente “declarada em termos tabelares” através do uso do jargão o “… processo é o próprio …” e cuja fundamentação veio a ser firmada “a posteriori”.
Atente-se, ainda, que a questão/excepção da falta de interesse em agir se mostrou objecto de juízo de improcedência, sendo que em momento algum o R. haja invocado na sua contestação, de forma clara e inequívoca, qualquer excepção de eventual caducidade do uso do meio processual e que a mesma tivesse dessa forma ficado sem apreciação e decisão, na certeza de que na economia do juízo feito na decisão judicial objecto de impugnação a propósito da excepção de prescrição tal sempre se mostraria improcedente ou mesmo irrelevante.
O saber e determinar se o juízo/enquadramento que foi feito da pretensão se mostra acertado trata-se de argumentação conducente a um eventual erro no julgamento de facto/direito havido, erro esse que manifestamente não se integra na previsão da al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC e que em sede própria se cuidará.
De harmonia com o atrás exposto, temos que no caso em apreço improcede a nulidade assacada à decisão judicial em crise [conclusão D) conjugada com pontos II) e III) do corpo das alegações].
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3.2.1.3.2. DO ERRO JULGAMENTO
Invoca o R., enquanto fundamento material de recurso, que estando a A. munida de decisão judicial anulatória a mesma dispunha de título executivo e como tal o único meio processual de que poderia lançar mão para lograr obter a execução e a reparação dos danos alegadamente sofridos seria através da acção executiva instaurada nos termos dos arts. 157.º e segs. e 173.º e segs. todos do CPTA, e nunca com recurso à acção administrativa comum.
Vejamos, cotejando previamente do quadro normativo tido por conveniente e respectivo enquadramento, tendo presente que se impõe caracterizar que tipo de pretensão indemnizatória a A. se propôs efectivar, cuidando se no caso vertente nos deparamos com situação em que ocorra causa legítima de inexecução da decisão judicial anulatória, bem como analisar da natureza e dos limites dos danos indemnizáveis decorrentes de acto adjudicatório ilegal e dos meios processuais adequados à sua discussão e efectivação.

I. Assim, decorre do art. 173.º do CPTA que sem “… prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado …” (n.º 1), sendo que para “… efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar actos dotados de eficácia retroactiva que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como no dever de remover, reformar ou substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação …” (n.º 2).
Deriva do art. 176.º do mesmo diploma que quando “… a Administração não dê execução à sentença de anulação no prazo estabelecido no n.º 1 do artigo anterior, pode o interessado fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição …” (n.º 1), que a “… petição, que é autuada por apenso aos autos em que foi proferida a sentença de anulação, deve ser apresentada no prazo de seis meses contado desde o termo do prazo do n.º 1 do artigo anterior ou da notificação da invocação de causa legítima de inexecução a que se refere o mesmo preceito …” (n.º 2), devendo o A. naquela peça processual “… especificar os actos e operações em que considera que a execução deve consistir, podendo, para o efeito, pedir a condenação da Administração ao pagamento de quantias pecuniárias, à entrega de coisas, à prestação de factos ou à prática de actos administrativos …” (n.º 3), sendo que quando “… a Administração tenha invocado a existência de causa legítima de inexecução, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 163.º, deve o autor deduzir, se for caso disso, as razões da sua discordância e juntar cópia da notificação a que se refere aquele preceito …” (n.º 6) e no “… caso de concordar com a invocação da existência de causa legítima de inexecução, o autor pode solicitar, no prazo estabelecido no n.º 2, a fixação da indemnização devida, sendo, nesse caso, aplicável o disposto no artigo 166.º …” (n.º 7).
E do art. 178.º resulta que quando “… julgue procedente a invocação da existência de causa legítima de inexecução, o tribunal ordena a notificação da Administração e do requerente para, no prazo de 20 dias, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução, podendo o prazo ser prorrogado quando seja previsível que o acordo se possa vir a concretizar em momento próximo …” (n.º 1), sendo que na “… falta de acordo, seguem-se os trâmites previstos no artigo 166.º …” (n.º 2).
Previa-se, por sua vez, no art. 45.º do aludido Código [preceito para o qual remete ainda o art. 102.º, n.º 5] que quando “… em processo dirigido contra a Administração, se verifique que à satisfação dos interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade absoluta ou que o cumprimento, por parte da Administração, dos deveres a que seria condenada originaria um excepcional prejuízo para o interesse público, o tribunal julga improcedente o pedido em causa e convida as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida …” (n.º 1), que na “… falta de acordo, o autor pode requerer a fixação judicial da indemnização devida, devendo o tribunal, nesse caso, ordenar as diligências instrutórias que considere necessárias …” (n.º 3) e cumpridos os trâmites previstos no número anterior fixar “… o montante da indemnização devida …” (n.º 4) sendo que o “… disposto nos números anteriores não impede o autor de optar por deduzir pedido autónomo de reparação de todos os danos resultantes da actuação ilegítima da Administração …” (n.º 5).
De harmonia ainda com o disposto no art. 02.º, n.º 2 do CPTA temos que a todo o direito corresponde uma acção destinada a fazê-lo reconhecer em juízo ou a realizá-lo coercivamente, sendo que o contencioso administrativo, tal como o civil, é informado pelo princípio do dispositivo o qual tem como corolários, entre outros, o facto do processo só se iniciar sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido e nunca por impulso do juiz - “nemo iudex sine actore; ne iudex procedat ex-officio” - nisto consistindo o designado princípio do pedido; para além de competir, em exclusivo às partes aduzirem toda a factualidade necessária à decisão da causa pelo juiz; do mesmo princípio decorre, ainda, o facto do “thema decidendum” ser circunscrito pelas partes.

II. Temos, por outro lado, que no CPTA se mostram previstas como formas de processo principais a acção administrativa comum, a acção administrativa especial e os processos urgentes (cfr. seus arts. 35.º e 36.º), prevendo-se, ainda, nos arts. 157.º, 173.º, 175.º e 176.º e segs. do mesmo Código a acção para execução de sentença proferida por um tribunal administrativo na qual podem também ser reparados danos que a Administração haja produzido na esfera jurídica de um cidadão.
E resulta ainda dos arts. 02.º, n.º 2, al. f) e 37.º, n.º 2, al. f) do CPTA que uma pessoa lesada pela prática de acto ilegal pode peticionar a condenação da Administração ao pagamento duma indemnização fundada em responsabilidade civil mediante a dedução de pretensão em acção administrativa comum, pretensão essa que poderá ser feita sem prévia impugnação contenciosa no quadro e com observância do regime inserto no art. 38.º do CPTA.

III. Presente o quadro normativo antecedente temos que a execução duma decisão judicial anulatória de acto ilegal consiste na prática pela Administração - a quem incumbe tirar as consequências da anulação - dos actos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do acto ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o acto não tivesse sido praticado.
Com efeito, em termos de princípio geral temos como dado adquirido que no âmbito da execução de decisões judiciais anulatórias a Administração deve procurar reconstituir a situação actual hipotética, ou seja, deve procurar repor a situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado de molde a que a ordem jurídica seja reintegrada, actividade que passa pela realização, agora, do que se deveria ter realizado se a ilegalidade não tivesse inquinado o procedimento, isto é, passa pela prática dos actos jurídicos e das operações materiais necessárias à mencionada reconstituição e pela eliminação da ordem jurídica de todos os efeitos positivos ou negativos que a contrariem.

IV. Por outro lado, a decisão judicial anulatória possui um efeito constitutivo o qual, por regra, consiste na invalidação do acto impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento.
E detém, de igual modo, também um outro efeito que advém da força do caso julgado ou do dever de respeitar o julgado, denominado de efeito conformativo, preclusivo ou inibitório, dever esse que proíbe a reincidência, excluindo a possibilidade da Administração reproduzir o acto com as mesmas ilegalidades individualizadas e assim declaradas pelo juiz administrativo sob pena de incorrer em nulidade [cfr. art. 133.º, n.º 2, al. h) do CPA].
Tal decisão judicial anulatória goza, ainda, dum outro efeito que é o da reconstituição da situação hipotética actual, também chamado de efeito repristinatório, efeito reconstitutivo ou reconstrutivo.
É à luz deste efeito que a Administração tem o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade.
Na verdade, e como resulta do n.º 1 do citado art. 173º, supra reproduzido, os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um acto administrativo podem situar-se em três planos, ou seja, o da reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação (1.º), o do cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu, durante a vigência do acto ilegal, porque este acto disso a dispensava (2.º) e da eventual substituição do acto ilegal, sem reincidir na ilegalidade anteriormente cometida (3.º).
E na observância e cumprimento destes deveres, a Administração, dependendo dos casos, pode ter de actuar por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado (art. 173.º, n.º 1 do CPTA) e de praticar, quando for caso disso, actos administrativos retroactivos, desde que esses actos “não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos” (cfr. n.º 2 do citado normativo).

V. Existem, todavia, casos em que essa forma de execução do julgado não pode ser realizada, quer porque a referida reconstituição é impossível quer porque, atento o grave prejuízo para o interesse público que dela decorreria, não é exigível.
Daí que nesses casos a lei admite que a Administração invoque essa impossibilidade ou essa inexigibilidade como fundamento para a recusa da reconstituição da realidade nos termos atrás mencionados, cumprindo ao Tribunal verificar a procedência dos fundamentos invocados e, sendo caso disso, desonerá-la da obrigação de executar a decisão judicial invalidatória (cfr. arts. 175.º, n.º 2 e 163.º, n.º 1 ambos do CPTA).
Na definição proposta por Diogo Freitas do Amaral, cuja actualidade permanece intacta, as causas legítimas de inexecução são “… situações excepcionais que tornam lícita, para todos os efeitos, a inexecução das sentenças dos tribunais administrativos, obrigando, no entanto, ao pagamento de uma indemnização compensatória ao titular do direito à execução …” (in: “A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos”, pág. 123).
Atente-se que a impossibilidade de cumprimento do julgado anulatório não se reconduz à mera dificuldade ou onerosidade da execução da prestação, porquanto a mesma configura-se como um absoluto impedimento irremovível à sua efectivação decorrente da existência de um obstáculo de natureza material ou legal inultrapassável (cfr., entre outros, Freitas do Amaral in: ob. cit., pág. 128; Ac. do STA de 14.07.2008 - Proc. n.º 035910B in: «www.dgsi.pt/jsta»).

VI. Note-se, todavia, que a obrigação de realizar uma prestação apenas existe ou ocorre enquanto e na medida em que aquela prestação se mostre possível.
Tal como afirma M. Aroso de Almeida num “… momento em que já se consumou de modo irreversível a situação de facto constituída pelo acto anulado, não é possível equacionar a substituição desse acto por outro de conteúdo diferente. Que sentido faria, na verdade, a emissão, com efeitos retroactivos, de um acto que viesse a determinar a produção de efeitos incompatíveis com aqueles que, de modo irreversível, resultaram do acto anulado? (…).
…, a existência efectiva, na sequência de anulação, da possibilidade da prática de um acto administrativo de conteúdo diferente daquele que foi anulado é essencial para que, ao mesmo tempo, se justifique e seja possível a substituição do acto anulado por outro, no reexercício da mesma competência. E isto por uma razão simples: se, no caso em apreço, não existe a possibilidade da prática de um acto administrativo de conteúdo diferente daquele que foi anulado, isso deve-se ao facto de já não subsistir, no plano dos factos, a necessidade de interesse público a que o acto anulado pretendeu dar resposta, mercê da alteração irreversível do quadro factual entretanto ocorrida. (…).
Reconhecer isto é, naturalmente, reconhecer relevância à situação de facto constituída pelo acto anulado. …, o reconhecimento de que o novo acto substitutivo do acto anulado não viria a dar hoje resposta a uma necessidade de interesse público deixou de existir em consequência do acto anulado e, portanto, no reconhecimento dos efeitos irreversíveis que a execução material do acto anulado produziu no plano dos factos. … Encontramo-nos, com efeito, perante um tipo de situação em que não se pode deixar de reconhecer o que, de facto, aconteceu sob a égide do acto anulado durante o período de tempo que precedeu o momento da sua anulação e, portanto, os limites da construção da anulação como uma ficção. A situação de facto irreversivelmente constituída ao abrigo do acto anulado impede, na verdade, a Administração de retomar o procedimento como se ainda estivessem em aberto as opções de que dispunha à partida. A verdade é que essas opções já não estão em aberto e não há ficção que se possa sobrepor a essa realidade …” (em “Renovação do acto anulado e causa legítima de inexecução: revisitação do tema” in: CJA, n.º 73, págs. 28 e 29) (sublinhados nossos).
E continua o citado Professor “… era, pois, acertada a orientação que o STA vinha assumindo, de rejeitar a possibilidade de renovação de actos anulados cujos efeitos já se tivessem consumado no plano dos factos. Numa tal situação, afigura-se … de entender que, nem é possível reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, nem é possível substituir o acto anulado por outro que não reincida nos mesmos vícios. Existe, por isso, uma causa legítima de inexecução da sentença de anulação, da qual decorre o direito do impugnante a ser indemnizado pelos danos resultantes da impossibilidade de obter a execução da sentença …” (in: loc. cit., págs. 29/31) (sublinhados nossos).

VII. Chegados aqui e munidos dos considerandos de enquadramento antecedentes temos que à luz dos contornos fácticos e jurídicos do caso “sub judice” nos deparamos com situação em que a execução do douto acórdão anulatório que anulou a deliberação da Câmara Municipal Loulé de 27.03.2001 [que procedeu à adjudicação do concurso que tinha por objecto o fornecimento de duas máquinas varredoras e aspiradoras de 4 m3 de capacidade por violação do art. 08.º, n.º 1 do DL n.º 197/99 com referência à cláusula 1 do ponto 20.1 do «PC»] se revela como impossível de se concretizar.
É que do circunstancialismo apurado deriva que tal deliberação veio a ser contratualizada e plenamente executada em termos do objecto do concurso com a entrega pela ali adjudicatária ao R. das máquinas de limpeza pretendidas, entrega essa que teve lugar em Abril de 2001 e sendo que as mesmas máquinas desde então estão a ser usadas e utilizadas para os fins para que foram adquiridas e sujeitas à normal degradação/deterioração decorrentes do seu uso [cfr. n.ºs IV), V), VI) e VII) dos factos provados].
Pese embora anulado o acto administrativo impugnado em sede de recurso contencioso de anulação deduzido ainda no quadro do DL n.º 134/98 temos que a execução do julgado não se mostraria como possível através da prática doutro acto adjudicatório com conteúdo diverso mas agora uma vez observado o quadro normativo pertinente. Com efeito, com a plena execução ou o integral cumprimento do objecto do concurso e sua consolidação no plano do fáctico-jurídico não se afiguraria já fazer sentido e admissível a execução do julgado anulatório no plano dos factos e do direito com uma nova adjudicação e aquisição de mais duas novas máquinas pelo R. sem que para o efeito tivesse qualquer necessidade ou utilidade.
A situação de facto irreversivelmente constituída ao abrigo do acto anulado e sua execução/materialização impedia, na verdade, a Administração de retomar o procedimento como se ainda estivessem em aberto todas as opções de que dispunha à partida. É que essas opções já não estavam em aberto e não há ficção que se possa sobrepor a essa realidade através dum “simulacro” de retoma do procedimento a que se seguiria, em tese, um novo acto adjudicatório que poderia ter conteúdo diverso.
A existência efectiva, na sequência de invalidação, da possibilidade da prática de um acto administrativo de conteúdo diferente daquele que foi julgado ilegal e inválido mostra-se essencial para que, ao mesmo tempo, se justifique e seja possível a substituição do acto anulado por outro no âmbito do reexercício da mesma competência.
Tal quadro configuraria assim, no nosso juízo, uma causa legítima de inexecução da decisão judicial exequenda, causa essa que apenas permitiria fundar o direito da exequente/impugnante em ser indemnizada pelos danos resultantes da impossibilidade de obter a execução da decisão judicial em questão, indemnização essa a obter através da dedução da competente execução de julgado no quadro dos arts. 157.º e segs. e 173.º e segs. do CPTA já que a partir da entrada em vigor do CPTA e da consequente revogação das normas processuais contidas mormente na LPTA e no DL n.º 256-A/77 a execução do julgado anulatório (desde que o respectivo processo tenha sido instaurado após a sua entrada em vigor) passou a ser disciplinada por aquele novo Código e isso mesmo que a decisão judicial a executar haja sido proferida e tenha transitado no domínio do regime revogado.
Mas será que a A. para defesa da sua esfera jurídica e das posições por si tituladas estava condicionada ou limitada àquela pretensão indemnizatória e sua efectivação através daquele meio processual?

VIII. No nosso juízo a resposta a dar a esta questão deve ser claramente negativa.
É que face ao quadro normativo atrás enunciado temos que perante situação susceptível de fundar pretensão indemnizatória por responsabilidade civil pré-contratual derivada de comportamento ilegal e ilícito da entidade adjudicante, aqui R., que preteriu os concorrentes, mormente, a aqui A., na graduação do concurso em referência, ilegalidade essa que veio a ser decretada judicialmente com consequente anulação do acto de adjudicação, e sendo que, como vimos e pudemos concluir supra, também não era possível assegurar a plena reconstituição da situação jurídica violada e dessa forma atribuir ao lesado, através da renovação do acto, a posição jurídica vantajosa que almejava com a candidatura ao concurso, dúvidas não temos que o accionamento que melhor permitia tutelar aquela posição jurídica é aquele que foi utilizado pela A..

IX. É que estribando ou gizando a A. a sua pretensão na efectivação de reparação indemnizatória no quadro do instituto da responsabilidade civil pré-contratual tal como se mostra articulado nos autos o meio processual próprio, idóneo e adequado seria a instauração duma acção administrativa comum pelo que o entendimento firmado pelo tribunal “a quo” nesta matéria não enferma de qualquer erro de julgamento.

X. Tal como é sustentado a este propósito por Carlos F. Cadilha “… o interesse no accionamento da responsabilidade civil pré-contratual surge (i) ou em situação de facto consumado, quando, não tendo sido reparada a ilegalidade cometida, no plano dos factos, se torne necessário reagir por via processual, para obter uma indemnização pecuniária sucedânea, através de acção de indemnização autónoma que venha a ser instaurada em alternativa ao processo executivo, (ii) ou quando se pretenda obter uma indemnização pela prática do acto ilegal independentemente da sua prévia impugnação contenciosa, em aplicação do disposto no artigo 38.º do CPTA, (iii), ou ainda naquelas situações em que, face à especificidade do caso, a acção de indemnização constitua o meio processual mais adequado à tutela dos interesses ofendidos, por não ser viável recorrer à acção impugnatória ou à acção de condenação à prática do acto devido …” (in: Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas - Anotado”, 2.ª edição, pág. 107) (cfr. ainda M. Aroso de Almeida e Carlos F. Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª edição revista, págs. 254 e segs.).
Na certeza de que e como refere ainda aquele Autor quando “… pelo contrário, tiver sido obtida a eliminação contenciosa de acto administrativo lesivo, produzido no âmbito de um procedimento pré-contratual, e o lesado tenha optado por instaurar o competente processo executivo, a possibilidade de conversão desse processo num pedido indemnizatório pressupõe o acordo das partes ou uma decisão de procedência do fundamento invocado pela Administração para o incumprimento da sentença (…). No entanto, a indemnização que vier a ser fixada, nessa circunstância, corresponde ao valor pecuniário que for devido pelo facto da inexecução e destina-se a ressarcir o exequente pela impossibilidade ou inconveniência de se efectuar a reparação em espécie mediante a reconstituição da situação jurídica violada; tal significa que não está aí em causa uma indemnização por responsabilidade civil pré-contratual, nem tão pouco uma indemnização que se destine a cobrir todos os danos que possam ter resultado da actuação ilegítima da Administração, mas apenas uma indemnização pelo facto da inexecução, e que não obsta a que o interessado possa lançar mão de uma acção autónoma de responsabilidade para obter o ressarcimento de outros danos ainda subsistentes. … Quando se nos depare um pedido indemnizatório por inexecução de sentença, não pode falar-se, por conseguinte, numa indemnização correspondente ao interesse contratual negativo ou ao interesse contratual positivo, mas antes - e, designadamente, em situações de afastamento ilegal ou preterição num concurso - numa indemnização pela perda de oportunidade de nele poder obter um resultado favorável, e que terá de ser fixada segundo critérios de equidade …” (in: ob. cit., págs. 107/108).

XI. Também o STA no seu acórdão de 02.06.2010 (Proc. n.º 01541A/03 in: «www.dgsi.pt/jsta») efectua a distinção atrás enunciada quanto aos tipos e fundamentos das pretensões indemnizatórias e danos pelas mesmas cobertos e os respectivos meios processuais próprios para a sua efectivação, sustentando para o efeito que “… o recurso à atribuição de uma indemnização como forma de compensar a inexecução do julgado é uma via alternativa e de último recurso à via normal da reconstituição natural.
… a perda da possibilidade de reconstituição da situação natural, independentemente de outros eventualmente existentes, constitui, por si só, um dano real que importará indemnizar. Por ser assim, isto é, por se tratar de um dano perfeitamente identificado e de contornos bem definidos vem afirmando que a reparação desse singular direito deve ser alcançada de forma rápida e expedita, preferencialmente, através do acordo das partes. Do que se trata, como referem Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, é «de assegurar ao exequente, no âmbito de um processo declarativo sumário, uma compensação pelo facto da inexecução», a qual é objectiva e independente de culpa (…).
Haveria, assim, que distinguir a indemnização devida pela inexecução - que dispensava o apuramento do montante indemnizatório correspondente à efectiva perda sofrida pelo Exequente em resultado da prática do acto anulado - da indemnização devida pela prática do acto ilegal - a exigir aquele apuramento e, portanto, a exigir outros desenvolvimentos processuais - visto tratarem-se de indemnizações autónomas e diferenciadas quer no tocante aos danos que ressarciam quer na forma do seu cálculo. No primeiro caso, esse cálculo far-se-ia no próprio processo de execução através de meios sumários e expeditos e, no segundo, o mesmo seria feito através da formulação de um pedido autónomo nos termos do n.º 5 do art. 45.º do CPTA, isto é, através da instauração de um processo declarativo especial autónomo (…).
… Estando, assim, adquirido que o meio processual adequado a apurar o efectivo prejuízo - economicamente verificável - sofrido pela Exequente em resultado da prática do acto anulado e a proporcionar a atribuição da correspondente indemnização é a acção a que alude no art. 45.º/5 do CPTA, improcede a sua pretensão de ser aqui indemnizada pelos prejuízos alegadamente sofridos pelo facto de não ter sido posicionada no … concurso ora em causa (…). Tal pedido, como já se disse, só poderá ser satisfeito na acção a que alude o art. 45.º/5 do CPTA visto só nela se poder indagar se aquela alegação tem fundamento e analisar se o apontado prejuízo tem relação directa e causal com o acto anulado.
Resta, pois, identificar os prejuízos decorrentes da inexecução que aqui se podem compensar pois só esses poderão obter ressarcimento nesta acção executiva.
E tais prejuízos são unicamente os correspondentes à frustração do Acórdão não poder ser executado e de, por causa disso, a Exequente não poder ser colocada na situação que teria não fora a ilegalidade que determinou a anulação do acto …”.

XII. Face a tudo o atrás vimos expondo tem-se, assim, como totalmente improcedente o invocado erro de julgamento [conclusões A) a D)].
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3.2.2. DO RECURSO JURISDICIONAL DA A.
3.2.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF do Porto em apreciação da pretensão indemnizatória formulada pela A. considerou-a apenas parcialmente procedente porquanto no caso apenas julgou provado e causal o dano patrimonial relativo aos honorários com a constituição de advogado [3.000,00€], desatendendo no mais a indemnização relativa aos demais danos patrimoniais peticionados [52.508,45€ referentes ao lucro que obteria com a adjudicação do concurso e fornecimento dos veículos do mesmo objecto; valor a fixar/liquidar ulteriormente relativo ao lucro que obteria com a venda ao R. das peças, acessórios e consumíveis bem como com a assistência a prestar decorrentes do fornecimento daquelas viaturas de limpeza; 150,00€ com os custos de deslocação do seu legal representante para o acto de abertura das propostas; e 1.000,00€ com os custos com os estudos e preparação da proposta apresentada a concurso] por ausência de demonstração do requisito do nexo de causalidade.
π
3.2.2.2. DA TESE DA RECORRENTE
Contra tal julgamento se insurge a A. e apenas em parte [no que tange ao juízo de improcedência do pedido indemnizatório no valor de 52.508,45€ relativo ao lucro que obteria com a adjudicação do concurso] sustentando que, no caso, o tribunal recorrido incorreu para além de nulidades [art. 668.º, n.º 1, als. c) e d) do CPC] ainda em erro de julgamento consubstanciado na ilegal interpretação e aplicação do disposto nos arts. 55.º, n.º 1, al. a) do DL n.º 197/99, 563.º CC, e 02.º do DL n.º 48051, pelo que a isto se reconduz o objecto de recurso.
π
3.2.2.3. DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.2.3.1. DAS NULIDADES DA DECISÃO JUDICIAL
Argumenta a A., ora recorrente, que a decisão judicial aqui ora sindicada é nula porquanto, por um lado, na mesma existe oposição entre os fundamentos e a decisão e, por outro, omitiu/desrespeitou os limites de pronúncia, infringindo o disposto no art. 668.º, n.º 1, als. c) e d) do CPC.
Analisemos, tendo aqui presentes os considerandos desenvolvidos sob o ponto 3.2.1.3.1), que ora se reiteram, quanto à caracterização do regime das nulidades de decisão e em particular da nulidade ali em alusão.

I. Estipula-se, ainda, na al. c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC que é “… nula a sentença: … c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ...”.

II. Caracterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infracção ao disposto na aludida alínea temos que a mesma, como tem sido decidido e afirmado em vários arestos, se consubstancia unicamente na contradição que se localiza no plano da sua expressão formal, redundando num vício insanável do chamado “silogismo judiciário”, ou seja, é uma contradição de ordem formal que se refere aos fundamentos estabelecidos e utilizados na sentença e não aos que resultam do processo [cfr. entre outros, Ac. do STA de 03.03.2010 - Proc. n.º 0284/09 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. do TCA Norte de 30.10.2008 - Proc. n.º 00860/05.9BEBRG, de 15.01.2009 - Proc. n.º 00191/08.2BEMDL-A, de 14.01.2010 - Proc. n.º 00828/07.0BEPRT, de 15.04.2010 - Proc. n.º 00692/08.2BECBR in: «www.dgsi.pt/jtcn», de 25.03.2010 - Proc. n.º 02352/06.0BEPRT - inédito].
Na verdade, esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 158.º e 659.º, n.ºs 2 e 3 do CPC do juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto da sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).

III. Tal significa, como ensinava J. Alberto dos Reis, que “… a sentença enferma de vício lógico que a compromete …”, isto é, “ … a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas a resultado oposto …” (in: “Código Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 141) (cfr., no mesmo sentido, Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora in: “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, págs. 689/690).
Refere a este propósito Miguel Teixeira de Sousa que “… a decisão é nula quando os seus fundamentos estiverem em oposição com a parte decisória (…), isto é, quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem logicamente a uma conclusão oposta ou, pelo menos, diferente daquela que conta da decisão (…). Esta nulidade é o correspondente, quanto à decisão do tribunal, da ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir …” (in: ob. cit., pág. 224).
E na mesma linha Lebre de Freitas sustenta que entre “… os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial …” (in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, pág. 670).

IV. Com efeito, esta nulidade nada tem que ver com “o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro da construção do silogismo judiciário”, que atrás se referiram, ou com a “inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão”, porquanto não existe a oposição, geradora desta nulidade, se o julgador erra na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável ou se, porventura, ele errou na indagação da norma aplicável ou na sua interpretação.
Se o juiz tiver entendido, erradamente, que os factos apurados acarretam determinadas consequências jurídicas e conseguiu exprimir tal entendimento nos fundamentos invocados e destes retira a conclusão lógica, haverá um erro de julgamento e mas não há a nulidade da oposição entre os fundamentos e a decisão.

V. Munidos dos considerandos antecedentes de enquadramento quanto ao conceito de nulidade de decisão judicial e em particular da primeira das nulidades em questão temos que, no caso, a mesma falha.
Na verdade, à luz do enquadramento supra efectuado temos que, na situação vertente, analisada a estrutura global da decisão recorrida verifica-se que a respectiva conclusão decisória [improcedência parcial da pretensão indemnizatória quanto ao segmento do pedido aqui em questão] está logicamente encadeada com a respectiva motivação fáctico-jurídica desenvolvida pelo julgador “a quo” que a elaborou [ausência de preenchimento cumulativo dos pressupostos de responsabilidade civil do R. (no caso do nexo de causalidade) e conducentes à obrigação de indemnizar], não ocorrendo, por conseguinte, o vício de nulidade invocado pela recorrente enquanto fundado na citada alínea.
Atente-se que na sua esfera de previsão não se enquadra minimamente a fundamentação aduzida em sede de recurso jurisdicional como alegadamente integradora de nulidade ou a ela conducente. O invocado pela recorrente enquanto fundamentador da pretensa nulidade da decisão recorrida constitui ou integra, ao invés, um eventual erro de julgamento, pois, no caso “sub judice”, não resulta das conclusões, nem das próprias alegações em si, nem da decisão judicial em crise, a existência de contradição lógica entre os fundamentos indicados na mesma e a decisão tomada, mas apenas a indicação de que, com os elementos existentes nos autos, se devia ter chegado a conclusões diferentes e que, consequentemente, aquela decisão devia ter sido diversa quanto ao julgamento da pretensão indemnizatória em questão.

VI. Também quanto à nulidade decorrente da pretensa infracção à al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC outra conclusão não se pode extrair que não seja também a da sua improcedência.
Com efeito, lida atentamente a decisão judicial objecto de impugnação temos que na mesma o Mm.º Juiz “a quo” não omitiu, nem se excedeu, quanto aquilo que constituem os seus deveres e limites de pronúncia.
Se tal pronúncia é a correcta à luz do quadro factual e normativo isso já não releva em sede da nulidade enunciada pela referida alínea visto a bondade substancial ou ausência desta não constituem fundamento de nulidade mas, ao invés, erro no julgamento de facto e de direito com a consequente revogação.
De harmonia com o atrás exposto, temos que no caso em apreço improcedem as nulidades assacadas à decisão judicial em crise [conclusões 11.ª) e 12.ª)].
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3.2.2.3.2. DO ERRO JULGAMENTO
Alega a A. que a decisão judicial impugnada no segmento em que desatendeu a sua pretensão indemnizatória [quanto ao dano patrimonial relativo ao lucro que obteria com o vencimento do concurso e fornecimento das máquinas de limpeza no valor de 52.508,45€] padece de erro no julgamento de facto e de direito, traduzindo-se numa errada subsunção dos factos e interpretação/aplicação do que se mostra disposto nos arts. 55.º, n.º 1, al. a) do DL n.º 197/99, 563.º do CC e 02.º do DL n.º 48051.
Apreciemos, cotejando do pertinente quadro normativo e efectuando o necessário enquadramento.

I. Assim, previa-se no art. 55.º do DL n.º 197/99, à data dos factos vigente, que a “… adjudicação é feita segundo um dos seguintes critérios: a) O da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta, entre outros e consoante o contrato em questão, factores como o preço, qualidade, mérito técnico, características estéticas e funcionais, assistência técnica e prazos de entrega ou de execução; b) Unicamente o do mais baixo preço …” (n.º 1), que o “… critério de adjudicação escolhido deve ser indicado nos documentos que servem de base ao procedimento, com explicitação, no caso da alínea a) do número anterior, dos factores que nele intervêm, por ordem decrescente de importância …” (n.º 2), sendo que na “… análise do conteúdo das propostas não se pode, em qualquer circunstância, ter em consideração, directa ou indirectamente, factores relacionados com as habilitações profissionais ou capacidade financeira ou técnica dos concorrentes …” (n.º 3).
Decorria do n.º 1 do art. 02.º da Directiva 89/665/CEE que os “… Estados-membros velarão por que as medidas tomadas para os efeitos dos recursos referidos no artigo 1.º prevejam os poderes que permitam: … c) Conceder indemnizações às pessoas lesadas por uma violação …”, resultando ainda do n.º 7 do art. 02.º da Directiva 92/13/CEE que quando “… uma pessoa introduza um pedido de indemnização por perdas e danos relativo aos custos incorridos com a preparação de uma proposta ou a participação num procedimento de celebração de um contrato, apenas terá de provar que houve violação do direito comunitário em matéria de celebração dos contratos ou das normas nacionais de transposição desse direito e que teria tido uma possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato que foi prejudicada por essa violação …” [note-se que este regime normativo mantém-se com a Directiva 2007/66/CE não obstante as alterações introduzidas por este diploma].
Do art. 563.º do CC, sob a epígrafe de “nexo de causalidade”, resulta, por sua vez, que a “… obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão...”.
Estipula-se, por seu turno, no n.º 1 do art. 02.º do DL n.º 48051 que o “… Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício …”.

II. Em consonância com a jurisprudência firmada pelo TJUE (doravante apenas «TJ») sobre a protecção judicial “… os recursos disponíveis não devem ser menos eficientes do que aqueles que se aplicam a queixas semelhantes baseadas no direito interno (princípio da equivalência) e não devem ser tais que, na prática, tornem impossível ou excessivamente difícil obter a protecção judicial (princípio da eficácia) …” [cfr., entre outros, Acs. TJ de 05.03.1996 no seu n.º 83 («Brasserie du Pêcheur» - Procs. n.ºs C-46/93 e C-48/93) in: Col. 1996, P. I-1029 e in: «http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/», de 27.03.2003 nos seus n.ºs 55 e 56 («Santex» - Proc. n.º C-327/00), de 07.01.2004 no seu n.º 67 («Wells» - Proc. n.º C-201/02), de 19.09.2006 no seu n.º 57 («i-21 Germany» e «Arcor» - Procs. n.ºs C-392/04 e C-422/04), de 25.11.2010 no seu n.º 72 («Fuß» - Proc. n.º C 429/09), de 30.06.2011 nos seus n.ºs 55 e 56 («Meilicke e o.» - Proc. n.º C-262/09) in: «http://curia.europa.eu/»; e Comunicação Interpretativa da Comissão (2006/C 179/02) sobre o direito comunitário aplicável à adjudicação contratos não abrangidos, ou apenas parcialmente, pelas directivas comunitárias relativas aos contratos públicos in: JOUE, C 179/7, de 01.08.2006], sendo que o mesmo Tribunal vem decidindo “… que o princípio da responsabilidade de um Estado-Membro por prejuízos causados aos particulares por violações do direito comunitário que lhe sejam imputáveis é inerente ao sistema do Tratado …” e que “… este princípio é válido para qualquer violação do direito comunitário por um Estado-Membro, independentemente da entidade do Estado-Membro cuja acção ou omissão está na origem do incumprimento …” [cfr., entre outros, Acs. TJ de 30.03.2003 nos seus n.ºs 30 e 31 («Kobler» - Proc. n.º C-224/01 e jurisprudência no mesmo citada) e de 25.11.2010 no seu n.º 46 («Fuß» - Proc. n.º C-429/09) in: «http://curia.europa.eu/»].

III. Temos, ainda, que em matéria de aferição dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos em sede de violação do Direito da UE atinente aos procedimentos de formação e celebração de contratos públicos e do regime legal a aplicar importa ter presente o que foi decidido pelo TJ no âmbito de procedimentos judiciais movidos contra o Estado Português.
Assim, aquele Tribunal em sede do acórdão de 14.10.2004 (Proc. n.º C-275/03 in: «http://curia.europa.eu/») considerou que o Estado Português por não haver revogado o DL n.º 48051 no segmento em “… que subordina a indemnização das pessoas lesadas em consequência da violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que o transpõem à prova da existência de culpa ou dolo, … não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 1.º, n.º 1, e 2.º, n.º 1, alínea c), da Directiva 89/665/CEE do Conselho, … que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos …”.
Extrai-se da sua fundamentação a seguinte linha argumentativa: “… Contrariamente ao que é afirmado pelo Governo português, resulta do Decreto-Lei n.º 48051, que se mantinha em vigor na data em que expirou o prazo estabelecido no parecer fundamentado, que a atribuição de indemnizações às pessoas lesadas por uma violação do direito comunitário aplicável à celebração de contratos de direito público ou das normas nacionais que o transpõem está subordinada à prova de que os actos ilegais do Estado ou das pessoas colectivas de direito público foram cometidos com culpa ou dolo.… Tal como resulta dos seus primeiro e segundo considerandos, a Directiva 89/665 visa reforçar os mecanismos existentes, quer no plano nacional quer no plano comunitário, para assegurar a aplicação eficaz das directivas comunitárias em matéria de contratos de direito público, na medida em que os mecanismos que existiam em geral neste domínio, tanto ao nível nacional como comunitário, nem sempre permitiam velar pelo cumprimento das disposições comunitárias (acórdão de 4 de Fevereiro de 1999, Köllensperger e Atzwanger, C-103/97, Colect., p. I-551, n.º 3).
… Para este efeito, o artigo 1.º, n.º 1, da referida directiva impõe aos Estados-Membros a obrigação de garantir que as decisões ilegais das entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e tão rápidos quanto possível (v., designadamente, acórdão de 28 de Outubro de 1999, Alcatel Áustria e o., C-81/98, Colect., p. I-7671, n.ºs 33 e 34).
… Entre os processos de recurso que a Directiva 89/665 obriga os Estados-Membros a criar para garantir que as decisões ilegais das entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos desse tipo figura expressamente, no artigo 2.º, n.º 1, alínea c), desta directiva, o processo que permita conceder indemnizações às pessoas lesadas em consequência da violação da lei.
… Ora, se é certo que a legislação portuguesa prevê a possibilidade de obter indemnizações no caso de violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que o transpõem, não se pode todavia considerar que a mesma constitui um sistema de protecção jurisdicional adequado, na medida em que exige a prova da existência de culpa ou dolo por parte dos agentes de determinada entidade administrativa. Assim, o concorrente lesado por uma decisão ilegal da entidade adjudicante corre o risco de ser privado do direito de exigir o pagamento de uma indemnização em virtude do dano que lhe foi causado com essa decisão, ou, pelo menos, de a obter tardiamente, por não conseguir fazer prova da existência de dolo ou culpa.
… O facto de o juiz nacional não aplicar as disposições restritivas deste diploma para desencadear a responsabilidade da Administração Pública não tem qualquer efeito sobre o incumprimento, que consiste em manter em vigor a referida norma na ordem jurídica interna. Com efeito, é especialmente importante, a fim de ser satisfeita a exigência de segurança jurídica, que os particulares beneficiem de uma situação clara e precisa permitindo-lhes conhecer a plenitude dos seus direitos e invocá-los, se for caso disso, perante os órgãos jurisdicionais nacionais (v. acórdão de 19 de Setembro de 1996, Comissão/Grécia, C-236/95, Colect., p. I-4459, n.º 13) …” [no sentido de dever ser considerada contrária à directiva qualquer legislação nacional que, de uma forma ou de outra, subordina o direito do proponente a uma indemnização à prova da existência de culpa da entidade adjudicante ver ainda, entre outros, Ac. TJ de 30.09.2010 nos seus n.ºs 39 a 43 («Strabag e o.» - Proc. n.º C-314/09 in: «http://curia.europa.eu/»].
E reiterando este entendimento o TJ, no âmbito de acção por incumprimento movida também contra o Estado Português, veio a proferir acórdão datado de 10.01.2008 (Proc. n.º C-70/06 in: «http://curia.europa.eu/») no qual considerou que ainda não havia sido cumprida a sua anterior decisão, porquanto ainda não se mostrava revogado o DL n.º 48051 no domínio normativo em questão, o que motivou o sancionamento daquele comportamento omissivo, decisão esta que está claramente na origem da alteração que veio a ser introduzida ao art. 07.º, n.º 2 da Lei n.º 67/07, de 31.12 (diploma que veio revogar aquele DL e aprovar o novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas) pela Lei n.º 31/08, de 17.07, que veio substituir o segmento original “insuficiente” e “confuso/dubitativo” pela fórmula “… de acordo com os requisitos da responsabilidade civil extracontratual definidos pelo direito comunitário …”.

IV. Temos, ainda, que a emergência do Direito da União, que nos termos do art. 08.º, n.º 4 da CRP vigora automaticamente na ordem jurídica interna de cada um dos Estados-membros, impôs a estes uma alteração do paradigma do regime da responsabilidade civil [ao nível da responsabilidade da Administração no âmbito mormente do procedimento pré-contratual e dos contratos de direito público], até por força, designadamente, dos princípios comunitários da primazia do Direito Europeu, da lealdade comunitária e da interpretação conforme aos Tratados e às normas jurídicas da União.

V. Conforme vem sendo reiteradamente afirmado pelo TJ do primado do Direito da União sobre o Direito nacional decorre a recusa de aplicação do direito nacional incompatível com o direito da UE, a supressão ou reparação das consequências de um acto nacional contrário ao direito comunitário e a obrigação dos Estados-membros o fazerem respeitar, o princípio do efeito directo das normas europeias, o princípio da interpretação conforme e o princípio da responsabilidade do Estado por violação das obrigações europeias (cfr. Alessandra Silveira, em “Cinquenta anos de integração à luz da jurisprudência principialista do Tribunal de Justiça - a lealdade europeia” in: “50 Anos do Tratado de Roma”, Quid Juris, 2007, págs. 110/111, e in: “Princípios de Direito da União Europeia - doutrina e jurisprudência”, págs. 95 e segs.).
O primado dos tratados que regem a UE e das demais normas emanadas das suas instituições sobre o direito interno português sugere uma prevalência externa de todas as normas da União que no entender de J. Gomes Canotilho e de Vital Moreira se traduz num “primado de aplicação” por contraponto ao “primado constitucional” (vide in: “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2007, vol. I, págs. 264/272) (cfr. ainda J.J. Gomes Canotilho in: “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7.ª edição, págs. 825/828).
Nas palavras daqueles Professores uma das dimensões da primazia do direito da União consiste em afastar as normas de direito ordinário internas preexistentes que sejam incompatíveis com o direito da União e em tornar inválidas ou, pelo menos ineficazes e inaplicáveis, as normas subsequentes que o contrariem já que “… em caso de conflito, os tribunais nacionais devem considerar inaplicáveis as normas anteriores incompatíveis com normas de direito da UE e devem desaplicar as normas posteriores, por violação da regra da primazia …” (vide in: ob. cit., pág. 271) (cfr., também, J.J. Gomes Canotilho in: ob. cit., págs. 827/828).

VI. E em consonância com o princípio da interpretação conforme ou compatível com o Direito da União o intérprete e aplicador do direito nacional “… devem atribuir às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições europeias …” sendo que “… todo o direito nacional aplicável deve ser interpretado em conformidade com o Direito da União …” (cfr. Alessandra Silveira in: “Princípios …”, págs. 127 e 128) [cfr. igualmente, entre outros, Acs. TJ de 13.11.1990 nos seus n.ºs 08 e 09 («Marleasing SA» - Proc. n.º C-106/89) in: «http://eur-lex.europa.eu/», de 04.07.2006 nos seus n.ºs 108 a 111 («Adeneler» - Proc. n.º C-212/04), de 28.07.2011 no seu n.º 59 («Samba Diouf» - Proc. n.º C-69/10) in: «http://curia.europa.eu/»], impondo-se aos órgãos jurisdicionais nacionais que façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração o direito interno, considerado no seu todo, e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, para garantir a plena efectividade dos normativos duma directiva da UE que estejam em causa e chegar a uma solução conforme com a finalidade pelos mesmos prosseguida.

VII. Na sequência ainda do que vimos referindo em sede de enquadramento da questão aqui em análise importa recordar que, sem prejuízo do direito a reparação baseado directamente no direito da União [assente na verificação de três pressupostos: (i) norma jurídica violada vise atribuir direitos aos particulares; (ii) violação seja suficientemente caracterizada; e (iii) nexo de causalidade directo entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e o prejuízo sofrido pelas pessoas lesadas], é no âmbito do direito nacional da responsabilidade que incumbe ao Estado reparar as consequências do prejuízo causado, entendendo-se que os requisitos estabelecidos pelas legislações nacionais em matéria de reparação dos prejuízos não podem ser menos favoráveis do que os aplicáveis a reclamações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência), nem ser organizados de maneira a, na prática, tornarem impossível ou excessivamente difícil a obtenção da reparação (princípio da efectividade) [cfr. entre outros, Acs. TJ de 30.09.2003 nos seus n.ºs 47 e 58 («Köbler» - Proc. n.º C-224/01), de 13.03.2007 no seu n.º 123 («Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation» - Proc. n.º C-524/04), de 26.01.2010 no seu n.º 31 («Transportes Urbanos y Servicios Generales» - Proc. n.º C-118/08), de 25.11.2010 no seu n.º 62 («Fuß» - Proc. n.º C-429/09) in: «http://curia.europa.eu/»].

VIII. Note-se, ainda, que a violação do Direito da União quando cause lesão ao particular constitui uma ilicitude equiparável à violação de norma do bloco legal interno legitimando nessa medida aquele a accionar a entidade administrativa no sentido da efectivação da responsabilidade pelos danos causados.
É que as situações de efectivação de responsabilidade civil como a aqui ora em questão revelam claros elementos de conexão com o direito da União porquanto emerge(m) de acto(s) que infringe(m) ou direito interno que o transpõe ou directamente regras ou princípios comunitários que não foram ou foram mal transpostos.
Atente-se, que na generalidade das situações, a infracção aos princípios e normas que disciplinam os procedimentos contratuais de escolha dum adjudicatário traduzem-se ou redundam numa violação dos direitos e interesses dum ou dos demais candidatos ou concorrentes.

IX. Daí que de harmonia com os considerandos enunciados nos pontos antecedentes importa que, no juízo sobre a situação vertente, o julgador o faça aferindo e analisando os pressupostos da responsabilidade civil em presença tendo presente aquilo que no ordenamento comunitário se preceitua e, bem assim, aquilo que tem sido a construção jurisprudencial nesse âmbito, sob pena de se assim não for feito e de se fazer aplicação unicamente dos pressupostos decorrentes do DL n.º 48051 se estar a infringir a jurisprudência obrigatória do TJ referida e parcialmente transcrita sob o ponto III) e a fazer incorrer o Estado-Juiz em responsabilidade civil extracontratual por incumprimento do direito da União [cfr., em matéria de sujeição de responsabilidade do Estado-Juiz por violação do direito da União, entre outros os Acs. TJ de 30.09.2003 («Köbler» - Proc. n.º C-224/01) e de 13.06.2006 («Traghetti del Mediterraneo SpA» - Proc. n.º C-173/03) in: «http://curia.europa.eu/»].

X. Assim e para a economia das questões em discussão nos autos a que cumpre dar resposta importa restringir o nosso juízo à análise da existência de prejuízos e do respectivo nexo de causalidade entre a ilegalidade e aqueles prejuízos.
Neste âmbito importa aferir e definir que tipo de danos são passíveis de indemnização em sede da fonte de responsabilidade civil invocada pela A. e traçar o enquadramento e contornos também do requisito do nexo de causalidade exigido.

XI. Segundo jurisprudência recente do TJ tecida a este propósito [cfr. Ac. de 09.12.2010 nos seus n.ºs 86 a 92 (Proc. n.º C-568/08 - «Combinatie Spijker Infrabouw-De Jonge Konstruktie») in: «http://curia.europa.eu/»] o “… artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Directiva 89/665 indica claramente que os Estados-Membros devem prever a possibilidade de conceder indemnizações em caso de violação das regras do direito da União em matéria de adjudicação de contratos públicos, mas não contém nenhuma precisão quanto às condições nas quais uma entidade adjudicante pode ser responsabilizada, nem quanto à determinação do montante da indemnização que pode ser condenada a pagar.
… Esta disposição constitui uma concretização do princípio da responsabilidade do Estado pelos danos causados aos particulares por violações do direito da União que lhe sejam imputáveis. Segundo jurisprudência desenvolvida depois da adopção da Directiva 89/665, mas desde então constante, este princípio é inerente à ordem jurídica da União. O Tribunal de Justiça declarou que os particulares lesados têm um direito a reparação, desde que estejam preenchidos três requisitos, a saber, que a norma do direito da União violada tenha por objecto conferir-lhes direitos, que a violação dessa norma seja suficientemente caracterizada e que haja um nexo de causalidade directo entre essa violação e o dano sofrido pelos particulares (acórdãos de 19 de Novembro de 1991, Francovich e o., C-6/90 e C-9/90, Colect., p. I-5357, n.º 35; de 5 de Março de 1996, Brasserie du pêcheur et Factortame, C-46/93 e C-48/93, Colect., p. I-1029, n.ºs 31 e 51; e de 24 de Março de 2009, Danske Slagterier, C-445/06, Colect., p. I-2119, n.ºs 19 e 20).
… No seu estado actual, a jurisprudência do Tribunal de Justiça não enunciou, relativamente aos recursos em matéria de adjudicação de contratos públicos, critérios mais detalhados com base nos quais o prejuízo deve ser determinado e avaliado.
… No que respeita à legislação da União, deve realçar-se que a Directiva 89/665 foi amplamente alterada pela Directiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, que altera as Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE (JO L 335, p. 31), adoptada após a data dos factos que deram origem ao litígio no processo principal. Contudo, nessa ocasião, o legislador da União absteve-se de adoptar disposições a este respeito.
… Na falta de disposições da União neste domínio, compete à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro fixar os critérios com base nos quais o prejuízo resultante de uma violação do direito da União em matéria de adjudicação de contratos públicos deve ser determinado e avaliado (v., por analogia, acórdãos de 19 de Junho de 2003, GAT, C-315/01, Colect., p. I-6351, n.º 46, e de 30 de Setembro de 2010, Strabag e o., C-314/09, ainda não publicado na Colectânea, n.º 33), desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade (v., neste sentido, acórdão de 13 de Julho de 2006, Manfredi e o., C-295/04 a C-298/04, Colect., p. I-6619, n.º 98).
… Resulta de jurisprudência constante que as modalidades processuais das acções destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a acções similares de direito interno (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efectividade) (v., designadamente, acórdãos de 16 de Dezembro de 1976, Rewe-Zentralfinanz e Rewe Zentral, 33/76, Colect., p. 813, n.º 5; de 13 de Março de 2007, Unibet, C-432/05, Colect., p. I-2271, n.º 43; de 15 de Abril de 2008, Impact, C-268/06, Colect., p. I-2483, n.º 46, e de 8 de Julho de 2010, Bulicke, C-246/09, ainda não publicado na Colectânea, n.º 25).
… no que diz respeito à responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares por violações do direito da União que lhe sejam imputáveis, os particulares lesados têm direito a reparação, desde que a norma do direito da União violada tenha por objecto conferir-lhes direitos, que a violação dessa norma seja suficientemente caracterizada e que haja um nexo de causalidade directo entre essa violação e o dano sofrido. Na falta de disposições do direito da União neste domínio, compete à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro, uma vez satisfeitas as referidas condições, fixar os critérios com base nos quais o prejuízo resultante de uma violação do direito da União em matéria de adjudicação de contratos públicos deve ser determinado e avaliado, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade …”.

XII. Cientes do entendimento antecedente firmado pelo TJ quanto à matéria em crise cumpre aferir no quadro normativo interno, respeitados que se mostrem os princípios da equivalência e da efectividade, das condições/requisitos do dano indemnizável resultante duma violação do direito da União em matéria de adjudicação de contratos públicos e do nexo da causalidade entre aquela violação e o dano.

XIII. Considerando os termos da decisão judicial aqui objecto de impugnação [que conclui no sentido de que “in casu” não ocorria o requisito do nexo de causalidade - vide págs. 05/06 da mesma] importa, desde logo, centrar nossa atenção cuidando da verificação deste último requisito, caracterizando previamente os seus contornos.
Assim, este requisito da exigência duma ligação causal do acto aos danos invocados respeita nas palavras de Afonso N. Figueiredo Patrão ao “juízo de prognose póstuma” sobre se o acto/comportamento lesivo “… é ou não apto a provocar tal prejuízo …” (in: “Responsabilidade Extracontratual da Comunidade Europeia”, págs. 486/487).

XIV. E nesta sede na precisão do conceito importa atentar no que se disciplina no já citado n.º 7 do art. 02.º da Directiva 92/13/CEE quando ali se refere que o direito à indemnização fica subordinado à demonstração/prova da “… possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato que foi prejudicada por essa violação …”, normativo que pese embora respeitante aos chamados “sectores especiais” contém comando que deverá considerar-se como aplicável a todos os procedimentos de contratação pública por entidades adjudicantes não inseridas naqueles sectores (cfr. Carlos A. Fernandes Cadilha in: ob. cit., pág. 108; Esperança Mealha em “Responsabilidade civil nos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos” in: Revista Julgar n.º 05, pág. 111; Paulo Mota Pinto em “Responsabilidade por violação das regras de concurso para celebração de um contrato” in: “Estudos da Contratação Pública - II”, págs. 293 e 294, nota 49).

XV. A densificação do conceito ao nível comunitário relativo ao nexo de causalidade [“causalidade directa” ou “nexo suficientemente directo” entre ilegalidade e dano surgido] tem vindo a ser feita pelo TJ desde o acórdão de 04.02.1975 («Compagnie Continental France» - Proc. n.º 169/73 in: Recueil de Jurisprudence, 1975, pág. 117) correspondendo em grande medida à teoria da causalidade adequada embora se restrinja a ressarcibilidade aos danos cuja actuação foi causa directa.

XVI. No que tange à situação de efectivação do direito à indemnização fundado na responsabilidade civil pré-contratual em presença o requisito relativo ao nexo de causalidade preenche-se com a demonstração/prova pelo lesado da “possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato”.
Aliás, como se sustentou no acórdão do então «TPI» (actual «TG») de 21.05.2008 nos seus n.ºs 125 e 126 (Proc. n.º T-495/04 - «Belfass SPRL» in: «http://curia.europa.eu/») o “… recorrente não fez prova de que, se não fosse a ilegalidade declarada relativamente ao lote n.º 2, ter-lhe-ia certamente sido adjudicado o contrato para esse lote. Se o Conselho não tivesse juntado o seu relatório de avaliação originário aos seus pedidos, não teria sido possível verificar com que base as suas propostas, mesmo que o Conselho não tivesse actuado culposamente, podiam ter sido excluídas do concurso controvertido.
… Ora, sobre esta última questão, uma vez que o Conselho, em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, apresentou o relatório de avaliação originário, que foi transmitido à recorrente, o Tribunal não pode deixar de declarar que esta última, mesmo sem a ilegalidade declarada no n.º 106, não teria obtido a adjudicação do contrato no que diz respeito ao lote n.º 2. Com efeito, a proposta da recorrente está classificada, no relatório de avaliação originário apresentado pelo Conselho, em oitava e última posição …”.

XVII. Trata-se na terminologia legal duma “possibilidade” e não duma “efectiva” atribuição real do contrato ao lesado.
Corresponde assim a conceito que é necessariamente menos exigente que este, porquanto o lesado para ser indemnizado apenas terá de provar aquela possibilidade e não de que o mesmo seria o efectivo seleccionado no acto de adjudicação e outorgaria o contrato, sendo que a demonstração daquela “possibilidade real” impende ou recai por lesado e não sobre a entidade adjudicante e, como bem acentua Esperança Mealha, “… deve revelar um grau de probabilidade que só poder ser aferido em concreto, pois o juízo de prognose que é possível formular a posteriori dependerá do teor do acto em causa, do momento do procedimento em que foi praticado, dos fundamentos da sua invalidade e do tipo de danos invocados …” (in: loc. cit., pág. 112).

XVIII. Mas, como vimos, a possibilidade que é exigida é uma possibilidade “real” de obtenção da adjudicação e que, como tal, não se basta com uma possibilidade “hipotética” da obter, o que afasta necessariamente do preenchimento do requisito aquelas situações, nomeadamente, em que o lesado apresentou proposta que se mostra graduada/posicionada em lugar que o afaste claramente da vitória no concurso ou ainda cuja proposta não cumpra o caderno de encargos visto nestes casos estarmos em face duma possibilidade meramente hipotética e nunca real.

XIX. Revertendo ao caso em apreciação temos, para nós, que o julgador “a quo”, presentes a factualidade apurada e os considerandos de enquadramento antecedentes, não efectuou acertado juízo na análise do requisito do nexo de causalidade.
Na verdade, vista a factualidade que se mostra apurada nos autos afigura-se-nos que a A. logrou demonstrar o requisito do nexo de causalidade legalmente exigida consubstanciada na “possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato”.
É que tal como deriva dos factos apurados e documentos juntos aos autos [cfr., respectivamente, n.ºs II), III), IV), V), VII), X), XIX) da factualidade apurada; docs. juntos com a petição inicial e insertos a fls. 16/35 e 49/68, e ainda os de fls. 197/209; bem como PA apenso (A - procedimento - fls. 04/72, 73/75, 230/239, 240/261, 262/293; e B) - propostas das várias concorrentes)] o acto de adjudicação do concurso de fornecimento/aquisição das duas máquinas de varredoras e aspiradoras foi anulado judicialmente por se ter considerado que a entidade adjudicante, aqui R., considerou propostas da adjudicatária que infringiam o programa de concurso e seu caderno de encargos visto as máquinas que vieram a ser adquiridas e postas em uso não cumpriam os requisitos exigidos pelas peças concursais.

XX. Extrai-se da fundamentação do acórdão do STA de 19.03.2003 (Proc. n.º 0492/03 inserto nos autos e consultável in: «www.dgsi.pt/jsta») que “… tendo o Júri, na informação relativamente à qual foi manifestada concordância na deliberação recorrida, considerado que a potência do equipamento apresentado pela ora recorrida particular era de 89 KW, mas que «as diferenças verificadas entre as potências indicadas nas propostas e a potência solicitada no Caderno de Encargos é irrelevante face ao cumprimento das restantes características técnicas exigidas no Caderno de Encargos e ainda face aos objectivos que se pretende atingir com a aquisição deste tipo de equipamento, nomeadamente, varredura e limpeza das zonas urbanas e suburbanas do concelho de Loulé», a questão a apreciar no recurso contencioso é se é legalmente admissível este entendimento. (…) é irrelevante para afastar a ilegalidade do acto recorrido o que a Autoridade Recorrida refere no presente recurso jurisdicional no que concerne à potência do equipamento proposto pela Recorrida Particular estar regulada para 90 KW (potência esta que, aliás, sendo de 90 KW, não é «superior a 90 Kw», como era exigido no caderno de encargos). (…) Ora, aquela posição assumida na deliberação recorrida é manifestamente inadmissível, à face do preceituado no art. 8.º do Decreto-Lei n.º 197/99, …, que regula o regime da aquisição de bens por autarquias locais [seus arts. 1.º e 2.º, alínea d)]. (…) Na verdade, no n.º 1 daquele art. 8.º, enunciando o princípio da transparência e da publicidade, estabelece-se que «o critério de adjudicação e as condições essenciais do contrato que se pretende celebrar devem estar definidos previamente à abertura do procedimento e ser dados a conhecer a todos os interessados a partir da data daquela abertura». (…) No caso em apreço, no anúncio do concurso estabelecia-se que não seriam admitidas propostas com alterações às cláusulas do caderno de encargos (ponto 5 do anúncio, cuja cópia consta de fls. 15) e entre estas cláusulas incluiu-se a de que as máquinas deveriam ser equipadas com motores diesel de potência superior a 90 kw (cláusula 1 do ponto 20.1, cuja cópia consta de fls. 13). (…) Assim, não tendo sido anunciada a admissibilidade de propostas em que as máquinas fossem equipadas com motores não superiores àquela potência, é ilegal, por força daquele art. 8.º, n.º 1, a aceitação de propostas em que as máquinas não fossem equipadas com motor que satisfizesse esse requisito. … Por isso, a deliberação recorrida é anulável, por vício de violação de lei …”.

XXI. Temos, por conseguinte, que as propostas da adjudicatária foram ilegalmente consideradas e deveriam ter sido excluídas, enfermando de ilegalidade material que as inquinava e que afectou a validade da decisão adjudicatória, sendo que a execução da decisão judicial anulatória se mostrava e mostra de impossível repetição já que fornecidas/adquiridas que foram pelo R. as máquinas varredoras/aspiradoras em Abril de 2001 e postas a uso desde então não se afigura mais exequível no plano dos factos e do direito, como já aludimos supra e aqui se reitera [cfr. ponto 3.2.1.3.2) n.º VII)], retomar o procedimento e voltar a emitir uma nova decisão adjudicatória.
A plena execução ou o integral cumprimento do objecto do concurso e sua consolidação no plano do fáctico-jurídico tornou sem sentido ou admissível a execução do julgado anulatório no plano dos factos e do direito, não fazendo qualquer sentido uma nova adjudicação e aquisição de mais duas novas máquinas pelo R. sem que para o efeito este tenha qualquer necessidade ou utilidade.

XXII. Resulta, por outro lado, que a ilegalidade material verificada e que deveria ter conduzido à exclusão das propostas da adjudicatária pelos seus termos e elementos colhidos dos autos e respectivos apensos não inquina ou afecta a graduação que foi feita das propostas das demais concorrentes, sendo a mesma nesse âmbito de manter.
Com efeito e desde logo, não estamos em presença duma ilegalidade da decisão adjudicatória do concurso consubstanciada numa ilegal definição dos critérios/subcritérios que impusesse a formulação, à luz dos critérios concursais, dum novo juízo por parte do júri do concurso e a definição duma nova graduação das propostas das concorrentes.
É que no caso concreto o problema não se coloca quanto a uma ilegal definição de critérios/subcritérios que hajam sido definidos pela entidade adjudicante e à luz dos quais foram analisadas todas as propostas das concorrentes, situação essa que reclamaria, essa sim, um novo juízo de análise pelo júri de todas as propostas apresentadas tendo agora em conta apenas os critérios que se mostravam definidos pelas peças concursais e em que importaria entrarmos então na aferição do carácter exacto dos critérios concursais definidos e/ou da existência dum espaço de discricionariedade na valoração daqueles mesmos critérios e na demonstração de que a proposta do lesado constituía a melhor oferta em termos de graduação final.
Na situação vertente temos que para a economia do procedimento e dos autos apenas se imporia a retirada das necessárias consequências da declaração judicial de ilegalidade das propostas da concorrente adjudicatária, excluindo-as do concurso, mantendo-se no mais a graduação efectuada quanto às demais propostas das outras concorrentes já que nada foi alegado ou demonstrado em sentido inverso nos autos, mormente, de que as regras concursais nas quais se estribou a graduação do júri enfermavam de quaisquer ilegalidades e/ ou que a proposta apresentada pela A. não cumprisse aquelas regras concursais [deriva, aliás, provado que o equipamento constante da proposta da A. cumpria o «PC» e «CE» mormente quanto ao requisito da potência do equipamento a fornecer - n.º X) dos factos provados] e que, nessa medida, a mesma viesse a ser excluída.

XXIII. Daí que eliminadas/excluídas da graduação as propostas que haviam sido apresentadas pela concorrente que foi a adjudicatária surgiria posicionada no 1.º lugar do concurso a proposta formulada da A. [cfr. fls. 10 e 20/27 do PA-A) e fls. 16/35 e 49/68 dos presentes autos], o que apontaria no sentido da vitória do concurso e como tal da verificação do requisito em análise visto deter a mesma aquilo que é denominado duma “posição de resultado garantido” por Paulo Mota Pinto [in: loc. e ob. cit., pág. 289].
Tal posicionamento na graduação das propostas submetidas a concurso aliado à consideração de que o programa de concurso não previa qualquer possibilidade de exercício/reserva por parte da entidade adjudicante quanto a uma eventual acto de não adjudicação do objecto concursal ou de não celebração/outorga do contrato e de que uma eventual reconstituição do procedimento na sequência da decisão judicial anulatória não imporia, como vimos, a elaboração pelo júri duma nova graduação das propostas das concorrentes [dado a ilegalidade ocorrida com a mesma não contender ou a implicar], permite-nos formular, “a posteriori” e na situação concreta, um juízo de forte probabilidade de que a A. seria a “real” vencedora do concurso e, nessa medida, seria a “possível” seleccionada no acto adjudicatório final caso o procedimento fosse reconstituído.

XXIV. Assim, e para efeitos do juízo de prognose a efectuar na análise do requisito em presença temos de concluir, ao invés do considerado na decisão judicial recorrida, pelo seu preenchimento, estando demonstrado o nexo de causalidade entre o acto ilícito e os prejuízos invocados consubstanciado na “possibilidade real” de ser atribuído à A., aqui recorrente, o contrato em crise.

XXV. Assente que o requisito do nexo de causalidade se mostra verificado importa, então, passar à aferição do requisito do dano indemnizável.
Assim, afigura-se consensual que para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o acto ilícito tenha gerado um prejuízo a alguém.
Refere M. Almeida Costa que “… dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica …” (cfr. “Direito das Obrigações”, 11.ª edição, revista e aumentada, pág. 591), sendo que nas palavras de L. Meneses Leitão “… o conceito de dano terá … que ser definido num sentido simultaneamente fáctico e normativo, ou seja, como a frustração de uma utilidade que era objecto de tutela jurídica …” (in: “Direito das Obrigações”, vol. I, 7.ª edição, pág. 335).
Na fórmula avançada por F. Pereira Coelho “… por dano deve entender-se por um lado o prejuízo real que o lesado sofreu 'in natura', em forma de destruição, subtracção ou deterioração dum certo bem corpóreo ou ideal …” (in: "O problema da causa virtual na responsabilidade civil", pág. 250). E avança com exemplos “… dano será ... a perda ou a deterioração duma certa coisa, o dispêndio de certa soma em dinheiro para fazer face a uma despesa tornada necessária, o impedimento da aquisição dum determinado bem, a dor sofrida …”.
E Margarida Cortez sustenta que o dano é a “… expressão da diferença entre a situação actual hipotética e a situação actual efectiva ou real do lesado …” (in: “Responsabilidade civil da Administração por actos ilegais e concurso de omissão culposa do lesado”, BFDUC, Studia Iuridica 52, pág. 129).

XXVI. Não existe dúvida de espécie alguma de que é ao lesante e não ao lesado que a lei impõe a obrigação de reparar ou mandar reparar os danos causados a este.

XXVII. Em geral há que referir, desde logo, que o nosso ordenamento jurídico-administrativo interno [nomeadamente, CPA, DL n.º 197/99, DL n.º 59/99] inexistia à data a que se reportam os factos em análise/discussão qualquer normativo que expressamente regulasse e previsse a definição dos danos indemnizáveis decorrentes de responsabilidade pré-contratual emergente de procedimento de formação de contrato público, sendo certo que o citado art. 02.º, n.º 7 da Directiva 92/13/CEE não se mostrava transposto [actualmente o mesmo se passa após publicação do Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo DL n.º 18/08) já que temos apenas algumas regras sobre a medida de indemnização e todas respeitantes às despesas e encargos - cfr. arts. 27.º, n.º 6, 76.º, n.º 3, 105.º, n.º 3 do referido código].

XXVIII. Nessa medida, vemo-nos remetidos para aquilo que constitui o quadro normativo geral inserto no Código Civil («CC»), donde se extrai que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) (arts. 562.º, 563.º e 566.º do CC), na certeza de que a doutrina civilista que vem se pronunciando sobre a medida no dano indemnizável no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual aponta igualmente no sentido da aplicação à mesma das regras gerais da responsabilidade civil acabadas de referir [cfr. António Menezes Cordeiro in: “Tratado de Direito Civil I - Parte Geral”, Tomo I, 3.ª edição, págs. 517/519; Ana Prata in: “Notas sobre responsabilidade pré-contratual”, pág. 188; Jorge Sinde Monteiro em “Culpa in contrahendo” in: CJA n.º 42, págs. 05 e segs., em especial, pág. 09].

XXIX. Consagra-se no art. 566.º do CC como regra o princípio da restauração ou reposição natural. Mas como advertia A. Vaz Serra a “… reposição natural não supõe necessariamente que as coisas são repostas com exactidão na situação anterior: é suficiente que se dê a reposição de um estado que tenha para o credor valor igual e natureza igual aos do que existia antes do acontecimento que causou o dano. Com isto, fica satisfeito o seu interesse …” (in: BMJ n.º 84, pág. 132).

XXX. Tal princípio só é substituído ou completado pelo princípio da indemnização em dinheiro, nos termos do art. 566.º, n.º 1 do citado código, em três situações taxativas: 1) Quando for impossível a restauração natural; 2) Quando essa restauração não reparar integralmente os danos; 3) Quando a restauração natural seja excessivamente onerosa para o devedor.

XXXI. Como decorre do n.º 1 do art. 564.º do aludido Código o dever de indemnizar em matéria de “danos patrimoniais” compreende não só o prejuízo causado, ou seja, os “danos emergentes” (“prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão” - cfr. Antunes Varela in: “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª edição, pág. 599), como também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, os “lucros cessantes” (“benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão” - cfr. Antunes Varela in: ob. cit., pág. 599) sendo que nos termos do n.º 2 daquele mesmo normativo na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; e se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

XXXII. Afigura-se-nos consensual tal como sustenta Carlos A. Fernandes Cadilha (in: ob. cit., págs. 107/108), reiterando-se a este propósito o que supra consta da citação deste Autor no ponto 3.2.1.3.2./n.º X) da presente decisão, que a problemática em sede da responsabilidade civil pré-contratual do ressarcimento do interesse contratual positivo ou do interesse negativo apenas se coloca nos casos em que apesar do uso dos meios contenciosos o lesado não logrou obter ou assegurar a reconstituição da situação jurídica violada mercê da atribuição ao mesmo, mediante renovação do acto, “… da posição vantajosa a que este aspirava com a sua apresentação ao concurso …”, cingindo-se assim tão-só “… às situações em que, não tendo havido lugar à reintegração da ordem jurídica violada ou ao pagamento de indemnização por inexecução, tenha vindo a ser intentada acção autónoma de indemnização com base em responsabilidade civil pré-contratual …”, situação que é aquela que, como concluímos supra, aqui temos em presença.

XXXIII. Daí que e estando-se em face de situação em que ocorreu invalidação (anulação) do acto de adjudicação por ilegal preterição da A. na graduação do concurso público de aquisição/fornecimento das duas máquinas varredoras e aspiradoras pelo aqui R. impõe-se aferir do direito à indemnização pela mesma peticionada e que lhe foi negada pela decisão judicial recorrida relativa ao interesse contratual positivo [enquanto vantagem ou benefício económico que deriva da conclusão/execução do negócio/contrato] que se mostra computada no valor de 52.508,45€, dado que o recurso jurisdicional apenas ao mesmo se reconduz.

XXXIV. Não nos é desconhecida a doutrina e jurisprudência tradicional que vem sendo afirmada no sentido duma leitura restritiva do âmbito dos danos indemnizáveis no quadro da responsabilidade civil pré-contratual e da distinção feita em função dos tipos de comportamentos ilícitos imputados à entidade adjudicante [(i) ilegal afastamento do candidato ou preterição na graduação do concurso que venha a ser assim objecto de declaração judicial invalidatória respectivamente do acto de exclusão ou do acto de adjudicação; (ii) invalidade ou ineficácia do contrato por violação de normas injuntivas ou vícios de procedimento; (iii) recusa de contratar ou revogação da decisão de contratar; e (iv) alteração das condições de contratar após adjudicação quando tenha impedido o adjudicatário de outorgar o contrato], preconizando que a indemnização nessas situações ou se restringia apenas ao denominado interesse contratual negativo («dano de confiança»), ou distinguindo em função daqueles tipos de comportamentos ilícitos não atribuindo ou só muito excepcionalmente admitindo a indemnização dos prejuízos relativos ao interesse contratual positivo («dano de cumprimento») [negando a indemnização do interesse contratual positivo ver na jurisprudência, entre outros, os Acs. do STA de 23.09.2003 - Proc. n.º 01527/02, de 29.09.2005 - Proc. n.º 0179/05, de 13.10.2006 - Proc. n.º 0875/05, de 12.02.2009 - Proc. n.º 01068/08, de 07.10.2009 - Proc. n.º 0823/08 in: «www.dgsi.pt/jsta»; sobre a problemática ver, entre outros, Carlos A. Fernandes Cadilha in: ob. cit., págs. 101/110; Maria João Estorninho in: “Direito Europeu dos Contratos Públicos. Um Olhar Português”, págs. 412 e segs.; Paulo Mota Pinto, in: loc. e ob. cit., págs. 279 e segs.; e Esperança Mealha in: loc. cit. págs. 113/115].

XXXV. Verifica-se, contudo, que mesmo a doutrina [cfr. António Menezes Cordeiro in: ob. cit., págs. 517/519; Ana Prata in: ob. cit., págs. 176 e segs.; Jorge Sinde Monteiro in: loc. cit., pág. 09; Maria João Estorninho in: ob. cit., pág. 414; Paulo Mota Pinto in: loc. e ob. cit., págs. 288 e segs.; e Esperança Mealha in: loc. cit. pág. 114] e jurisprudência (civilística) [cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 25.09.2002 (Proc. n.º ) e de 14.07.2010 (Proc. n.º 3684/05.0TVLSB.L1.S1) in: «www.dgsi.pt.jstj»] vem evoluindo no sentido de que a medida do dano no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual, estando ela sujeita às regras gerais da responsabilidade civil, deverá em certas situações comportar não apenas a indemnização do interesse contratual negativo mas também do interesse contratual positivo, cabendo na reparação indemnizatória os danos emergentes e os lucros cessantes.
Refere Paulo Mota Pinto a propósito, nomeadamente, das situações de “adjudicação ilícita a outro concorrente” e em que o lesado, sendo detentor da tal “posição de resultado garantido”, exista vinculação do organizador do concurso deve o mesmo “… ter direito a uma indemnização correspondente ao interesse contratual positivo por aplicação das regras gerais …”, indemnização essa que “… incluirá … o que o lesado teria lucrado com essa celebração - embora possa igualmente ser computada, nos termos de uma «presunção de rentabilidade» ou de amortização, com base nas despesas ou custos em que incorreu …” (in: loc. e ob. cit., págs. 289/290).

XXXVI. Aceite que na definição da medida do dano indemnizável no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual se deve fazer apelo e aplicação das regras gerais da responsabilidade civil (arts. 562.º e segs. do CC) e que as denominadas “Directivas-recursos” não excluem a ressarcibilidade de qualquer tipo de danos [cfr. arts. 02.º, n.º 1, al. c) da Directiva 89/665/CEE e 02.º, n.ºs 1, al. d) e 7 da Directiva 92/13/CEE] afigura-se-nos que a indemnização a arbitrar numa situação como a vertente pode e deve abranger quer os danos emergentes como os lucros cessantes e isso independentemente destes respeitarem a um interesse contratual negativo ou positivo.

XXXVII. É que em consonância com a jurisprudência comunitária a obrigação de reparação indemnizatória “… terá a mesma medida do prejuízo …” e deve o montante da indemnização, segundo a jurisprudência «Grifoni», ter “… por objecto reconstituir, na medida do possível, o património da vítima …”, na certeza de que esta jurisprudência aceitando a distinção dano emergente/lucro cessante vem admitindo, por princípio, que ambos são susceptíveis de reparação indemnizatória [cfr. Afonso N. Figueiredo Patrão in: ob. cit., págs. 513, 521 e 526/527; Esperança Mealha in: loc. cit. pág. 114; Acs. TJ de 03.02.1994 no seu n.º 40 («Grifoni» - Proc. n.º C-308/87 in: Colectânea Jurisprudência 1994, págs. I-341) e de 27.01.2000 no seu n.º 63 («Mulder» - Procs. apensos n.ºs C-104/89 e C37/90 in: «http://curia.europa.eu/»].

XXXVIII. Pode, aliás, ler-se no acórdão do TJ de 27.01.2000 [«Mulder»], acabado de citar, que é “… jurisprudência constante que a reparação do prejuízo tem por objectivo reconstituir, na medida do possível, o património da vítima da ilegalidade do comportamento das instituições comunitárias (v. acórdão Grifoni/CEEA, …, n.º 40). A fim de repor as vítimas na situação em que se encontrariam se o acto danoso não se tivesse verificado, é essencialmente o prejuízo realmente sofrido que deve ser reparado. Deste modo, há que avaliar o lucro cessante, na medida do possível, com base nos dados e valores individuais que reflectem a situação real de cada demandante …”.

XXXIX. E no acórdão daquele mesmo Tribunal de 05.03.1996 nos seus n.ºs 82 e 87 [«Brasserie du Pêcheur» - Procs. apensos n.ºs C-46/93 e C-48/93 in: «http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/»] pode ler-se igualmente que “… a reparação dos prejuízos causados aos particulares em virtude de violações do direito comunitário deve ser adequada ao prejuízo sofrido, por forma a garantir uma protecção efectiva dos seus direitos …” e que “… importa sublinhar que a exclusão total, a título do prejuízo reparável, do lucro cessante não pode ser aceite em caso de violação do direito comunitário. … especialmente a propósito de litígios de ordem económica ou comercial, uma tal exclusão total do lucro cessante é susceptível de tornar impossível, de facto, a reparação do prejuízo …”.

XL. Munidos e cientes dos considerandos acabados de expender; presente a factualidade lograda provar [cfr., respectivamente, n.ºs II), III), IV), X) e XIX) da factualidade apurada]; tendo-se como demonstrado pela A. o nexo de causalidade entre a adjudicação ilícita/ilegal e o prejuízo relacionado com o lucro que a mesma obteria com a execução/outorga do contrato, julga-se assistir àquela o direito a ser indemnizada pela quantia peticionada e computada no valor de 52.508,45€ referente ao benefício económico que para a mesma derivaria da adjudicação e execução do contrato.
De tudo o supra exposto resulta, em suma, que a decisão judicial ao desatender a pretensão da A. no segmento que se mostra sindicado incorreu em erro de julgamento, termos em que procede este fundamento de recurso [demais conclusões].
*
Sumariando, nos termos do n.º 7 do art. 713.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:
I. Dado o lesado/demandante haver estribado ou gizado a sua pretensão de reparação indemnizatória no quadro do instituto da responsabilidade civil pré-contratual, invocando danos cobertos por este instituto, o meio processual próprio, idóneo e adequado é a instauração duma acção administrativa comum.
II. Há que distinguir a indemnização devida pela inexecução (que dispensa o apuramento do montante indemnizatório correspondente à efectiva perda sofrida pelo exequente em resultado da prática do acto anulado) da indemnização devida pela prática do acto ilegal (que exige aquele apuramento e, como tal, outros desenvolvimentos processuais). Tratam-se de indemnizações autónomas e diferenciadas quer no tocante aos danos que ressarciam quer na forma do seu cálculo como ainda nos meios contenciosos próprios.
III. Do primado do Direito da União sobre o Direito nacional decorre a recusa de aplicação do direito nacional incompatível com o direito da UE, a supressão ou reparação das consequências de um acto nacional contrário ao direito comunitário e a obrigação dos Estados-membros o fazerem respeitar em estrita observância do princípio do efeito directo das normas europeias, do princípio da interpretação conforme e do princípio da responsabilidade do Estado por violação das obrigações europeias.
IV. Sem prejuízo do direito a reparação baseado directamente no direito da União é no âmbito do direito nacional da responsabilidade que incumbe aos entes demandados reparar as consequências dos prejuízos causados, entendendo-se que os requisitos estabelecidos pelas legislações nacionais em matéria de reparação dos prejuízos não podem ser menos favoráveis do que os aplicáveis a reclamações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência), nem ser organizados de maneira a, na prática, tornarem impossível ou excessivamente difícil a obtenção da reparação (princípio da efectividade).
V. Na precisão do requisito do nexo de causalidade em matéria de responsabilidade civil pré-contratual importa atentar no que se disciplina no n.º 7 do art. 02.º da Directiva 92/13/CEE quando ali se refere que o direito à indemnização fica subordinado à demonstração/prova da “… possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato que foi prejudicada por essa violação …”, normativo que pese embora respeitante aos chamados “sectores especiais” contém comando que deverá considerar-se como aplicável a todos os procedimentos de contratação pública por entidades adjudicantes não inseridas naqueles sectores.
VI. O direito à indemnização fundado na responsabilidade civil pré-contratual impõe que o requisito relativo ao nexo de causalidade se mostre preenchido com a demonstração/prova da “possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato”.
VII. Trata-se na terminologia legal duma “possibilidade” e não duma “efectiva” atribuição real do contrato ao lesado, o que corresponde a conceito que é necessariamente menos exigente que este último, porquanto o lesado para ser indemnizado apenas terá de provar aquela possibilidade e não de que o mesmo seria o efectivo seleccionado no acto de adjudicação e viria a outorgar o contrato.
VIII. Exige-se que aquela possibilidade seja “real” e, como tal, não se basta com uma possibilidade “hipotética”, o que afasta necessariamente do preenchimento do requisito aquelas situações, nomeadamente, em que o lesado apresentou proposta que se mostra graduada/posicionada em lugar que o afaste claramente da vitória no concurso ou ainda cuja proposta não cumpra o caderno de encargos visto nestes casos estarmos em face duma possibilidade meramente hipotética e nunca real.
IX. A demonstração daquela “possibilidade real” recai por lesado e não sobre a entidade adjudicante.
X. Uma situação de ilegal definição pelo acto de adjudicação de critérios/subcritérios, à luz dos quais foram analisadas todas as propostas dos concorrentes, reclama, por um lado, um novo juízo prognose e de análise quanto àquilo que seria a valoração do júri quanto às propostas apresentadas tendo agora em conta apenas os critérios que se mostravam definidos pelas peças concursais e, por outro, importa que entremos na aferição/análise do carácter exacto/vinculado ou não dos critérios concursais definidos e/ou da existência dum espaço de discricionariedade na valoração daqueles mesmos critérios para que cheguemos à demonstração de que a proposta do lesado constituía a melhor oferta em termos de graduação final.
XI. Já se estivermos perante situação de ilegal/ilícita adjudicação que envolva apenas valoração de proposta(s) de concorrente(s) que não poderia(m) ter sido admitida(s) e que deveria(m) ser excluída(s) o que importa para a efectivação do juízo de prognose é a retirada das necessárias consequências da declaração judicial de ilegalidade da proposta do concorrente adjudicatário, excluindo-a do concurso, mantendo-se no mais a graduação efectuada quanto às demais propostas dos outros concorrentes se nada foi alegado ou demonstrado em sentido inverso nos autos, mormente, de que as regras concursais nas quais se estribou a graduação do júri enfermavam de quaisquer ilegalidades e/ ou que a proposta apresentada pelo lesado não cumpria aquelas regras concursais e que, nessa medida, a mesma viesse a ter de ser também excluída.
XII. Tal juízo de prognose quanto posicionamento na graduação das propostas submetidas a concurso aliado à consideração de que o programa de concurso não prevê qualquer possibilidade de exercício/reserva por parte da entidade adjudicante quanto a uma eventual acto de não adjudicação do objecto concursal ou de não celebração/outorga do contrato e de que uma eventual reconstituição do procedimento na sequência da decisão judicial anulatória não imporia a elaboração pelo júri duma nova graduação das propostas das concorrentes [dado a ilegalidade ocorrida com a mesma não contender ou a implicar], permite-nos formular, “a posteriori” e na situação concreta, um juízo de forte probabilidade de que o lesado o “real” vencedor do concurso e, nessa medida, seria o “possível” seleccionado no acto adjudicatório final caso o procedimento fosse reconstituído.
XIII. Aceite que na definição da medida do dano indemnizável no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual se deve fazer apelo e aplicação das regras gerais da responsabilidade civil (arts. 562.º e segs. do CC) e que as denominadas “Directivas-recursos” não excluem a ressarcibilidade de qualquer tipo de danos [cfr. arts. 02.º, n.º 1, al. c) da Directiva 89/665/CEE e 02.º, n.ºs 1, al. d) e 7 da Directiva 92/13/CEE] afigura-se-nos que a indemnização a arbitrar numa situação como a vertente pode e deve abranger quer os danos emergentes como os lucros cessantes e isso independentemente destes respeitarem a um interesse contratual negativo ou positivo.
XIV. É que em consonância com a jurisprudência comunitária a obrigação de reparação indemnizatória terá a mesma medida do prejuízo e deve o montante da indemnização ter por objecto reconstituir, na medida do possível, o património da vítima, na certeza de que tal jurisprudência aceitando a distinção dano emergente/lucro cessante vem admitindo, por princípio, que ambos são susceptíveis de reparação indemnizatória.
XV. Demonstrado pelo lesado o nexo de causalidade entre a adjudicação ilícita/ilegal e o prejuízo relacionado com o lucro que o mesmo obteria com a execução/outorga do contrato julga-se assistir ao mesmo o direito a ser indemnizado pela quantia peticionada aquele título e referente ao benefício económico que para o mesmo derivaria da adjudicação e execução do contrato.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) Negar total provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo R.;
B) Conceder provimento ao recurso jurisdicional deduzido pela A. e, em consequência, pelos fundamentos antecedentes revogar a decisão judicial recorrida no segmento em que desatendeu o pedido relativo ao dano patrimonial referido no n.º XIX) da factualidade provada, condenando o R. a pagar à A. a quantia de 52.508,45€ devida aquele título, quantia esta acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
Custas nesta instância quanto a ambos os recursos a cargo do R., sendo que na mesma a taxa de justiça é reduzida a metade [arts. 73.º-A, n.º 1, 73.º-E, n.º 1, al. a), 18.º, n.º 2 todos do CCJ, 446.º do CPC e 189.º do CPTA].
Notifique-se.
D.N..

Restituam-se, oportunamente, os suportes informáticos que hajam sido gentilmente disponibilizados.

Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA).

Porto, 16 de Setembro de 2011
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador
Ass. Rogério Paulo da Costa Martins

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