quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

PRINCÍPIOS IMPARCIALIDADE, TRANSPARÊNCIA E PUBLICIDADE - PRINCÍPIOS CONCORRÊNCIA, IGUALDADE E JUSTIÇA - PRINCÍPIO PROSSECUÇÃO INTERESSE PÚBLICO - FALTA FUNDAMENTAÇÃO - DESVIO PODER

Proc. Nº 853/09.7BELSB    TCAN    11 de Agosto de 2010

I. Vigora no direito concursal especiais exigências em matéria de transparência e do respectivo princípio, sendo que a transparência não se realiza apenas através do princípio da publicidade com a divulgação de tudo quanto possa contender ou relevar para os concorrentes se candidatarem e/ou formularem as respectivas propostas, mas igualmente mediante a concessão de garantias de vária ordem mormente.
II. Ocorre violação do princípio constitucional da imparcialidade, gerador de vício autónomo de violação de lei, sempre que sejam levados a cabo procedimentos que contenham o risco de consubstanciarem actuações parciais, independentemente da demonstração efectiva de ter ocorrido uma actuação destinada a favorecer algum dos interessados em concurso, com prejuízo de outros.
III. Já quanto ao princípio da publicidade o mesmo manifesta-se em duas direcções e mostra-se ligado também ao princípio da transparência. Assim, em primeiro lugar, devem ser dadas a conhecer a todos os que nele possam vir a estar ou estejam interessados todas as deliberações ou actos do concurso que tenham relevo no procedimento concursal. Por outro lado, todos os actos ou as fases em que se verifica qual é a concorrência existente ou em que se fixam as principais condições documentais e materiais de cada candidatura ou proposta devem decorrer publicamente perante os interessados.
IV.Resultando do acto adjudicatório em causa e dos relatórios preliminar e final no qual o mesmo se estriba a motivação da decisão, com a clareza, a contextualidade, a congruência e a suficiência legalmente exigidas, tem-se o mesmo como devida e regularmente fundamentado.
V. Ocorre desvio de poder quando a Administração, procurando prosseguir vários fins, acolhe um fim principal ou determinante que não seja o legalmente prescrito, ou seja, quando da prova produzida resulte para o Tribunal a convicção de que o motivo principalmente determinante da prática do acto administrativo não condiz com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“M…, LDA.”, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 12.01.2010, que julgou improcedente a acção administrativa de impugnação urgente [contencioso pré-contratual] pela mesma deduzida nos termos dos arts. 100.º e segs. do CPTA contra “MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA” e as contra-interessadas “L…, LDA.”, “A…”, “S…, LDA.” e o AGRUPAMENTO EMPRESAS “R… e A…, LDA.”, todos igualmente identificados nos autos, na qual peticionava a anulação do despacho de 06.03.2009, proferido pelo Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, que procedeu a adjudicação ao acima referido agrupamento de empresas do concurso público n.º 2008-FCPI-073-DGIE [fornecimento de 32.000 a 50.000 coldres de cintura para porte de pistolas de calibre 9x19 mm com patilha de segurança pelo serviço policial uniformizado].
Formula a recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 410 e segs. e fls. 619 e segs. na sequência de convite feito pelo despacho de fls. 614/615 - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem:
“...
1. Discorda-se da sentença, ora impugnada, que julgou improcedentes os vícios de violação de lei, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, e de forma por preterição de uma formalidade essencial no âmbito do procedimento concursal, ambos motivados pela omissão da definição da ponderação dos factores e subfactores a considerar para efeitos da adjudicação.
2. A referida sentença confunde a consagração do modelo de avaliação no programa de procedimento e a previsão de testes técnicos - cuja existência a Recorrente nunca questionou - com a densificação dos conceitos aí plasmados e o estabelecimento de descritores concretos, adequados à diferenciação das propostas apresentadas em sede de atribuição de pontuações, os quais nunca foram definidos.
3. O que está em causa, neste processo, é que não existiu uma definição prévia - a qual podia e devia ter ocorrido nos termos e prazos fixados no n.º 1 do artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho - da forma e critérios mediante os quais se justificaria a atribuição dos diversos níveis quantitativos definidos para a avaliação dos factores em causa, bem como das características dos equipamentos que determinavam a atribuição das respectivas pontuações.
4. Sendo que, não o tendo feito, o júri do procedimento concursal originou os vícios indicados e, consequentemente, não tendo apreciado esta questão e tendo julgado improcedentes os respectivos vícios a douta sentença incorreu num grave erro de julgamento e, consequentemente, numa clamorosa injustiça; isto porque, realizou uma referência inexacta dos factos ao direito e interpretou incorrectamente as normas jurídicas em questão, incorrendo, consequentemente, na sua violação.
5. Também se discorda da sentença na parte em que julgou improcedente o vício de forma por falta de fundamentação, incorrendo, consequentemente, num claro erro de julgamento.
6. De facto, o júri limitou-se a remeter a sua decisão para os resultados obtidos no âmbito dos testes técnicos, sustentando-a exclusivamente nos mesmos, sem qualquer fundamentação adicional, sendo incontestável que esses resultados não permitiram formar uma decisão clara, objectiva e justa.
7. O programa de procedimento e a actividade do júri são completamente omissos em relação à descrição dos resultados factuais a que correspondem as classificações atribuídas, não sendo possível perceber a que defeitos dos equipamentos correspondem as pontuações mais baixas, ou que valias do bem determinaram a atribuição de uma pontuação superior.
8. Do exposto, resulta claro que, por muito que a Entidade Demandada, bem como a sentença impugnada, afirmem o contrário, não se afigura possível a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelos testadores e pelo júri, com vista à atribuição de uma pontuação e à graduação das propostas, especialmente porque não subjaz qualquer fundamentação à tabela classificativa em questão.
9. Assim, considerando o disposto no n.º 2 do artigo 125.º do CPA, torna-se evidente que o relatório de avaliação das propostas padece de manifesta falta de fundamentação e, em consequência, o mesmo é anulável, afectando inevitavelmente a validade do acto de adjudicação subsequente.
10. Portanto, ao julgar improcedente o vício de forma por falta de fundamentação a sentença incorreu num erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis e, bem assim, por ter operado uma referência inexacta dos factos ao direito, ignorando e violando o dever de fundamentação patente nos artigos 124.º e seguintes do CPA.
11. Por mais uma vez se discorda da sentença, ora impugnada, porque julgou improcedente o vício de desvio de poder.
12. Isto porque, a actividade avaliativa do júri, desconsiderou por completo o fim legal que determinou a atribuição do poder discricionário de avaliação, facto objectivamente comprovável pelas deficiências avaliativas patentes no presente procedimento, discriminadas nas alegações e conclusões antecedentes.
13. Deficiências que, pela sua gravidade, não permitem a afirmação de que se encetou um procedimento tendente a encontrar a proposta economicamente mais vantajosa, ou seja, a prosseguir fim legal para o qual foi atribuído o poder discricionário. Portanto, é forçosa a conclusão de que o comportamento do júri foi tendente a beneficiar a proposta colocada em primeiro lugar. Pelo que, o procedimento adjudicatório padece de um vício de desvio de poder. Ao julgar improcedente a verificação do vício indicado a sentença incorreu num claro erro de julgamento.
14. A sentença contém, igualmente, um julgamento errado ao decidir pela improcedência do invocado vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto.
15. Isto porque, verificaram-se irregularidades no âmbito da realização dos testes técnicos que são susceptíveis de inquinar o procedimento concursal, justificando a anulação do acto de adjudicação e o contrato celebrado, por ter existido erro sobre os pressupostos de facto que conduziram à decisão final.
16. Desde logo, porque as características dos coletes e dos coldres utilizados, aliadas às características físicas dos testadores, não permitiram a realização dos testes técnicos em condições adequadas à atribuição de pontuações reais e justas aos equipamentos avaliados.
17. E também porque foram omitidas aos testadores informações relevantes sobre o funcionamento dos coldres, designadamente sobre as características e as funcionalidades específicas dos mesmos, sem as quais não seria possível atribuir pontuações que reflectissem as suas reais qualidades.
18. Sendo que, o vício invocado não depende da prova das questões subjectivas invocadas na douta sentença, pelo contrário, a procedência do erro é determinada pela demonstração objectiva das irregularidades e deficiências que marcaram os testes mencionados.
19. Em suma, a sentença ora impugnada incorreu num erro de julgamento ao julgar improcedente o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, determinado por uma incorrecta referência dos factos ao direito, bem como por uma interpretação errada do direito aplicável.
20. Para além do que, a sentença, incorre em outro erro de julgamento, ao considerar que não foi violado o princípio da prossecução do interesse público; violação que fica claramente comprovada por todas as ilegalidades demonstradas, nas alegações e conclusões antecedentes, bem como pela informação superveniente carreada para o processo.
21. A sentença, ora impugnada, andou mal, ao julgar improcedente a invocada violação do princípio da imparcialidade, decidindo que «não [resulta] da matéria de facto que o júri tenha tido uma actuação parcial».
22. Este juízo padece de um grave erro de julgamento, na medida em que interpreta e aplica de forma errada o princípio (critério de decisão) invocado, manifestando do mesmo uma visão redutora.
23. Na verdade, ficou demonstrado que o princípio da imparcialidade foi violado no procedimento concursal em crise, nomeadamente, na sua vertente procedimental, originando cumulativamente os seguintes vícios: vício de ponderação e vício de défice material de ponderação.
24. Pelo que, o acto de adjudicação que resultou deste procedimento é ilegal. Sendo que, ao julgar improcedente, de forma errada, a violação invocada, a sentença incorreu num erro de julgamento, por violação do principio de imparcialidade, consagrado, entre outros, no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho.
25. Mal andou, ainda, a sentença impugnada ao considerar improcedente a violação do principio da transparência.
26. Isto porque, é manifesto que o procedimento concursal não cumpriu com as exigências impostas por este princípio, nomeadamente: um dever de publicitação adequada da intenção de contratar, publicação adequada das regras de cada procedimento, definição clara e precisa das regras das principais decisões procedimentais.
27. À luz de quanto se expôs, o procedimento concursal e o acto de adjudicação que dele resultou e, bem assim, o contrato entretanto celebrado são ilegais por violarem o princípio da transparência. Em consequência, ao não avaliar e interpretar correctamente o princípio em causa, bem como, ao fazer uma subsunção inexacta dos factos a este princípio, a sentença ora impugnada incorporou um erro de julgamento, por violação do principio da transparência, consagrado, entre outros, no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho.
28. O Tribunal a quo, incorreu, ainda num erro de julgamento ao considerar improcedente a violação dos restantes princípios da contratação pública invocados. Os princípios da contratação pública invocados podem ser, genericamente, reconduzidos ao princípio da concorrência, verdadeira trave-mestra da contratação pública, com assento, entre outros, no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho.
29. De facto, podemos observar que, os princípios julgados improcedentes pela sentença impugnada, enquanto manifestações e corolários do princípio da concorrência, foram, efectivamente, violados no procedimento concursal, conforme resulta das alegações e conclusões antecedentes; sendo que, a sentença em crise não realizou dos mesmos uma interpretação correcta, nem soube subsumir adequadamente a matéria de facto ao seu conteúdo essencial.
30. A interpretação e aplicação, a que a sentença se furtou, imponha a consideração dos deveres e manifestações do referido princípio, que de seguida se indicam.
31. A exigência de que a satisfação do interesse cometido ao ente público, seja realizada da forma publicamente mais vantajosa, o que não aconteceu no procedimento em causa; facto ignorado pela sentença em apreço, conforme decorre das alegações e conclusões antecedentes.
32. O imperativo de que as propostas apresentadas sejam avaliadas, apenas, pelo seu mérito e que os concorrentes sejam tratados como opositores em condições de igualdade; o que não aconteceu e não foi tido em consideração pela sentença impugnada, conforme se demonstrou nas alegações e conclusões antecedentes.
33. Ao que se soma a exigência da prévia enunciação especificada (e ordenada) dos critérios e factores de adjudicação e, ainda, o dever de a ponderação atribuída aos factores de adjudicação ser capaz de reflectir as reais diferenças entre as propostas, ambos, claramente ignorados no âmbito do procedimento concursal, bem como na interpretação que a douta sentença realizou dos factos e do direito aplicável, conforme ficou demonstrado nas alegações e conclusões antecedentes.
34. Por último, temos a clara violação do princípio da comparabilidade das propostas (enquanto corolário do principio da concorrência), violação que resulta, com clareza, das alegações e conclusões antecedentes; sendo que, o tribunal a quo se furtou a uma interpretação e aplicação correcta do mesmo, compactuando, consequentemente, com a sua violação.
35. De tudo o exposto, cumpre concluir que foram violados diversos princípios da contratação pública, genericamente reconduzíveis ao, basilar, princípio da concorrência, pelo que, o acto de adjudicação do concurso impugnado é ilegal, bem como o respectivo contrato. Sendo que, ao julgar improcedente a violação destes princípios a sentença impugnada incorreu num erro de julgamento …”.
Pugna pela revogação da decisão e total procedência da acção.
O R. “MAI”, aqui recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 512 e segs.), nas quais conclui nos termos seguintes:
“...
a) No procedimento concursal «sub judice» todos os concorrentes e respectivas propostas foram tratados nas mesmas condições factuais e de Direito, com as mesmas premissas e os mesmos critérios de adjudicação, em plena igualdade de circunstâncias e nas mesmas condições de concorrência culminando na ordenação das propostas de acordo com os critérios de adjudicação e de modo transparente tendo resultado na escolha da proposta economicamente mais vantajosa.
b) Tudo isto decorreu em plena conformidade e respeito pelo normativo vigente; tanto legal, como o regulamentar. Nomeadamente, em respeito pelos princípios da transparência e da publicidade, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade, da imparcialidade, da prossecução do interesse público e da proporcionalidade.
c) O respeito de tais princípios e respectivo normativo ficou ainda mais evidenciado quando o próprio Tribunal de Contas, em sessão ordinária diária de visto, de 06 de Julho de 2009, deliberou conceder visto a este processo.
d) A Douta Sentença ora impugnada, pelo seu teor, extensão e alcance mais não fez do que reconhecer as referias virtualidades.
e) Não se vislumbra, por isso, que a mesma mereça qualquer reparo, porquanto, em seu modesto entendimento a mesma decidiu de forma isenta e imparcial, com fundamentos de facto e de Direito válidos, consistentes e coerentes, razão pela qual a ela se adere na sua totalidade, pugnando-se pela sua manutenção na sua plenitude.
f) Não se verifica o alegado «vício de violação de lei e vício de forma - omissão da definição de ponderação dos factores e subfactores de adjudicação».
g) O artigo 26.º do programa do procedimento, refere que «O critério de adjudicação será a proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta os seguintes factores e ponderações». Também consta desse programa do procedimento que deve ser atendido o «… Regulamento de Avaliação de Propostas previsto no Anexo IX do programa de procedimento».
h) Considerando o critério de adjudicação e os factores/subfactores, os artigos 23.º e 26.º do programa de procedimento, bem como os Anexos VIII e IX para os quais aqueles artigos remetem é evidente que não se «impunha que, previamente à avaliação das propostas, o júri densificasse conceitos expondo, de foram transparente, a metodologia a adoptar» (os realces são nossos) como invoca a Recorrente, porque tudo isso está contido no programa do procedimento, o pouco que competia ao júri fazer foi feito na acta de 22 de Julho de 2008.
i) Na acta de 22 de Julho de 2008, em relação aos critérios de adjudicação Adequação à arma e operatividade e Versatilidade operacional e conforto (25% cada), lê-se em cada um destes critérios: «este critério é concretizado através de três testes … que em termos de ponderação valem o mesmo. Depois do somatório das pontuações dos 3 testes o total é dividido por 3 e essa a classificação que é atribuída à proposta neste critério e, posteriormente, a sua conversão em termos de percentagem».
j) No ponto 4.2 do Anexo IX do programa do procedimento diz-se «é pontuado do seguinte modo: ao mais baixo preço das propostas admitidas são atribuídos 5 pontos e ao preço mais elevado 1 ponto, as restantes propostas serão classificadas na proporção».
k) E o júri do concurso, no relatório preliminar, aplicou a definição registada na acta de 22.07.2008 (aplicado a cada um dos preços unitários na correspondência das respectivas quantidades de coldres (para 32.000, acima de 32.000, acima de 35.000, acima de 37.500, acima de 40.000 e acima de 45.000), concretiza-se atribuindo ao mais baixo preço unitário das propostas admitidas 5 pontos e ao preço unitário mais elevado 1 ponto, sendo as restantes propostas classificadas na proporção; esta formulação aplica-se aos preços unitários para uma quantidade de 32.000 e assim sucessivamente. A pontuação de cada proposta é a média das pontuações obtidas para os vários escalões - somam-se os totais das pontuações parciais e divide-se o resultado por 6 (número de preços unitários apresentados na proposta pelo concorrente). O momento em que se define proposta admitida, para efeito de aplicação do critério preço, é logo após a verificação dos requisitos e características excludentes previstas no Anexo I do caderno de encargos - momento em que os preços unitários das propostas que resultarem excluídas não serão atendidos».
l) Em abono da verdade a Recorrente sabe que a acta existia e comprovou-o no dia em que consultou o processo porque a acta estava, como sempre esteve, no processo.
m) Quanto às actas do acto público é preciso dizer que, foi na acta de dia 26 de Setembro de 2008 (cfr. acta de fls. 297-288 do PA) que se registaram os preços de cada uma das propostas apresentadas pelos concorrentes e que foram, os mesmos preços, inseridos no relatório do júri sem que fosse mencionada ou anexada a acta, assim como nos esclarecimentos vão respondidas algumas questões dos concorrentes, tendo o júri baseado as respostas na acta de definição de ponderações a que alude o n.º 1 do artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 197/99, os esclarecimentos foram enviados a TODOS os concorrentes no dia 8 de Agosto de 2008. Tudo anterior à elaboração do relatório a que alude o n.º 1 do artigo 107.º do citado diploma.
n) Não tem cabimento legal, nem processual e nem razoabilidade lógica o que a Recorrente alega, porque resulta demonstrado que foi definida a ponderação a aplicar aos diversos elementos que interferiram na aplicação do critério de adjudicação e ficou demonstrado que essa definição foi feita e aplicada em tempo.
o) Não houve omissão da definição da ponderação a aplicar aos diversos elementos que interferiram no juízo de adjudicação e a fundamentação da avaliação das propostas foi a necessária e bastante para a decisão clara e esclarecida da decisão de adjudicação.
p) Em consequência, o acto de adjudicação não padece de vício de violação de lei, e não resultam violados nenhuns princípios do Decreto-Lei n.º 197/99, porque o júri do concurso cumpriu o exigido quer pelo programa do procedimento, quer pelo caderno de encargos, assim como elaborou a respectiva acta de definição de ponderações, respondeu aos esclarecimentos, realizou o acto público procedeu à avaliação da capacidade técnica e financeira concorrentes e para avaliação cabal das propostas foram marcados os testes, a entrega das propostas/coldres para efeito de avaliação das propostas através da realização dos testes, foram ainda marcadas a data e método da marcação da consulta à pistola Glock 19, e agendou os testes para dia 24 e 27 de Outubro de 2008 e, por consequência, presidiu aos testes técnicos nesses dias.
q) Por outro lado não se verificam os alegados «vícios de desvio de poder e de vício de forma - falta de fundamentação».
r) O procedimento concursal goza de clareza e de objectividade, assim como os seus critérios de adjudicação, os seus factores/subcritérios, o modelo e a metodologia e a ponderação que lhe está subjacente e que lhe foi, também, conferida pela acta de definição de ponderação dos critérios nada foi incumprido na avaliação das propostas.
s) O «modelo de avaliação», ao contrário do que é invocado pela Recorrente, não assenta em elementos de ponderação valorativa de carácter eminentemente arbitrário e permite uma adequada avaliação da qualidade das propostas apresentadas a concurso.
t) A alegação da Recorrente em que o júri se «limitou a remeter a sua decisão para os resultados obtidos no âmbito dos testes técnicos, sustentando-se exclusivamente nos mesmos, sem qualquer ponderação ou fundamentação actual» acaba por não a beneficiar, pois são precisamente os resultados que permitem formar a decisão clara, objectiva e justa, como tal não arbitrária.
u) O próprio júri do concurso teve a oportunidade de citar, no relatório final (projecto de decisão), o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 06.10.2005 (Processo n.º 0227/04): «Comecemos por notar que tais «factores de ponderação» se referiam sem dúvida aos ‘quanta’ (‘de 1 a 5’) correspondentes às menções qualitativas (omisso, bom, muito bom, etc.) …. E daqui necessariamente decorre que os chamados ‘factores de ponderação’, enquanto referidos aos aspectos qualitativos de que ora curamos, não eram verdadeiramente factores ou elementos similares, mas algo radicalmente diferente, que já concernia por inteiro ao resultado ou fim qualitativo a que o procedimento de avaliação tendia. Portanto, em vez de prever factores concorrentes no processo de avaliação, a escala qualitativa dividida em cinco níveis limitava-se a disciplinar o «modus dicendi» do resultado a atingir».
v) Importa, por isso, salientar que a avaliação das propostas nos critérios «Adequação à arma e operatividade» e «Versatilidade operacional e conforto» baseou-se num modelo justo, imparcial e neutral em que todos os concorrentes têm um tratamento objectivamente igual.
w) A escala quantitativa ou valorativa constante do programa do concurso (mais precisamente do ponto 4.2 do Anexo IX) é aplicada em resultado de cada um dos testes relativos aos critérios, estando o modus faciendi de cada um dos testes descrito objectiva e detalhadamente sem lugar a arbitrariedade ou aleatoriedade, no anexo VIII do mesmo programa, e mediante a sua realização assim regulamentada o operador/testador tinha que proceder à sua apreciação qualitativa de cada proposta/coldre e mediante a qual era obtido o resultado quantitativo de cada testador.
x) Deste modo, não só é exequível como plenamente apreensível as qualidades das propostas em causa, pois de acordo com o já citado Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 06.10.2005 (Processo n.º 0227/04): «Comecemos por notar que tais ‘factores de ponderação’ se referiam sem dúvida aos ‘quanta’ (‘de 1 a 5’) correspondentes às menções qualitativas (omisso, bom, muito bom, etc.) …. Na verdade, a simples consideração de que as propostas são más, sofríveis ou boas no tocante a algum aspecto já traduz o próprio resultado de uma avaliação qualitativa, e não ainda o uso de meios inclinados a atingi-la».
y) Assim, o modelo de avaliação consagrado não viola os princípios da transparência e da publicidade, consagrados no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, antes é um corolário destes princípios porque os aplicou e respeitou.
z) A qualidade de cada proposta foi aferida em razão do critério da proposta economicamente mais vantajosa e é por demais evidente que as propostas se distinguem uma das outras pela sua qualidade (veja-se a classificação final transposta nas Figuras 18, 19 e 20 dos relatórios a que aludem os artigos 107.º e 109.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho).
aa) Em consequência, o júri do concurso elaborou o relatório fundamentado sobre o mérito das propostas de acordo com o que estatui o artigo 107.º, e por remissão, o artigo 105.º e 106.º, todos, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, bem como o estabelecido nos artigos 20.º a 24.º e pontos 3.1 e 3.2 do Anexo IX, todos, do programa do procedimento.
bb) Qualquer visado pelos relatórios de avaliação de propostas elaborados pelo júri do concurso foi permitido aperceber e conhecer o iter cognitivo imposto pelo programa do procedimento e por todos os documentos elaborados pelo júri do concurso, documentos relativamente aos quais a Recorrente não demonstrou interesse em ter acesso, porque não os solicitou, designadamente a acta de definição de ponderações dos critérios e pedidos de esclarecimentos.
cc) Também não colhe a argumentação aduzida pela Recorrente acerca «Erro sobre os pressupostos de facto».
dd) Os testes de dia 27 de Outubro de 2008 decorreram com a normalidade relatada da própria acta, não se tendo verificado inúmeras irregularidades susceptíveis de influenciar negativamente os resultados.
ee) Realce-se que, a Concorrente/Autora/Recorrente não apresentou ao júri do concurso qualquer reclamação ou invocação de qualquer irregularidade no dia 27.10.2008, dia de realização dos testes subsequentes aos testes técnicos de dia 24.10.20008, nem subsequentemente ao dia 27, só veio a invocar as alegadas irregularidades na pronuncia apresentada em sede de audiência prévia, após conhecimento inequívoco de que o relatório do júri não a posicionava como a proposta economicamente mais vantajosa, e posteriormente a ela a título de recurso hierárquico.
ff) O júri do concurso não solicitou a designação de cinco dos efectivos da GNR e cinco efectivos da PSP e não os convocou para o efeito, a isso não estava obrigado o júri do concurso; veja-se, por exemplo, o Anexo VIII deste programa «A avaliação dos requisitos técnicos … serão realizados por dez testadores indicados pelo júri …».
gg) Na acta de 27 de Outubro de 2008 ficou registado que «Para realização dos testes em causa …, através duma convocação por método aleatório de entre efectivos da GNR e da PSP (cinco elementos a cada força de segurança) foram indicados pelo júri os seguintes operadores previstos no referido Anexo VIII do programa do procedimento e Anexo IX do Regulamento de Avaliação das Propostas …».
hh) Por outro lado, a realização dos testes correu de forma perfeitamente regular.
ii) No que concerne testes e ao uso do colete, no ponto 2 do teste h), Teste com o colete balístico exterior, do Anexo VIII do programa do procedimento, diz-se «A presença do colete não pode ser impeditivo da operação de saque da pistola», ou seja o uso do colete só não pode ser proibitivo da operação de sacar da pistola, pois existem razões de ordem volátil da factualidade e de ordem prática e operacional que só dizem respeito às forças de segurança. A realidade subjacente ao utilizador quotidiano do coldre nem sempre é a idealmente perfeita e essa realidade é que importa.
jj) O mesmo se aplica quanto à utilização de coldre para utilização de operacionais destros sendo o respectivo utilizador esquerdino. Aliás, sempre se dirá, quanto a esta circunstância, que no programa do procedimento ou no caderno de encargos nada obrigava à diferenciação ou referenciação de coldres para esquerdinos; se assim não fosse, como se garantiria que futuramente os elementos que venham a ser recém-integrados nas forças de segurança tenham, deixados pelos elementos que saem, coldres de utilização para esquerdos, ou vice-versa.
kk) Por outro lado, saliente-se o que consta da acta de 27.10.2008 «A fim de familiarizar os testadores com o objecto dos testes, foi-lhes explicado, pelos membros do júri, o funcionamento de cada um dos coldres e foram concedidos alguns minutos para os testadores manusearem cada um dos coldres e perceberem o funcionamento dos mesmos, antes de se proceder à realização dos testes propriamente ditos». Devendo-se realçar que quatro elementos do júri são elementos experientes das forças de segurança, habituados às lides das pistolas e respectivos coldres.
ll) Note-se que estes testadores constituem o universo da segurança pública que anda nas ruas a velar pela segurança dos cidadãos, com pistola e coldre.
mm) No procedimento o que importa realçar é que todas as propostas dos concorrentes, todas sem excepção, estiveram em igualdade de circunstâncias e nas mesmas condições de concorrência. Isto é, todas as propostas foram iniludível e indiscutivelmente avaliadas nas mesmas e exactas condições, pelo que neste aspecto a avaliação foi transparente, publicitada na medida que o júri permitiu que os testes fossem presenciados pelos concorrentes, assim como igual, concorrencial e sob a égide da estabilidade, porque mais não fez o júri do que fazer imperar as peças do procedimento - foi em acta de 09.10.2008, anexa aos dois relatórios do júri, que o júri deliberou que os testes podiam ser assistidos por dois representantes de cada concorrente.
nn) A Recorrente baralha realidades completamente diversas, confunde procedimento pré-contratual com outorga de contrato, e é evidente que após a adjudicação, em que já se garantiu a contratação da proposta economicamente mais vantajosa, e a formação contratual, que é decorrente desta, é a forma de rentabilizar, optimizar e tirar o melhor partido do investimento realizado ou a realizar, assim é a prossecução do interesse público e das regras contratuais e não das regras pré-contratuais.
oo) Os actos de avaliação das propostas e actos subsequentes respeitaram os princípios da transparência e da publicidade, dos princípios de legalidade, de justiça, de igualdade, de imparcialidade, de prossecução do interesse público e da proporcionalidade, impostos pelo Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, assim como não existe fundamento na violação do dever de fundamentação consagrado no Código do Procedimento Administrativo.
pp) De igual forma, o acto de adjudicação não se encontra ferido de invalidade, porque se baseia num relatório, a que alude o n.º 1 do artigo 109.º do citado diploma, legal, justo, concorrencial e imparcial, não padecendo dos vícios de forma por falta de fundamentação, de desvio de poder e vício de violação de lei como comprovado.
qq) Está perfeitamente evidenciado o pleno respeito pelo normativo vigente no procedimento concursal «sub judice» e aos Princípios que o regem, nomeadamente, os princípios da transparência e da publicidade, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade, da imparcialidade, da prossecução do interesse público e da proporcionalidade.
rr) A Sentença impugnada mais não fez do que, nos termos legais, reconhecer a plena validade dos pressupostos em que assentou o procedimento concursal, o acto adjudicatório e o consequente contrato outorgado (que aliás, já foi visado pelo Tribunal de Contas), não tendo reconhecido qualquer validade aos invocados vícios. Aplicando, assim, correctamente o Direito, face aos factos patenteados no processo administrativo …”.
As co-RR. contra-interessadas “R …, SRL” e “A…, LDA.”, enquanto agrupamento de empresas, vieram apresentar contra-alegações (cfr. fls. 571 e segs.):
“…
1.ª - A sentença recorrida não merece censura.
2.ª - O regime legal aplicável aos factos não consente a interpretação e aplicação que dele faz a Recorrente.
3.ª - O que determina o artigo 94.º, n.º 1, do DL n.º 197/99, de 8 de Junho, é que o júri defina, até ao termo do segundo terço do prazo fixado para a entrega das propostas, a ponderação a aplicar aos diferentes elementos que interfiram na aplicação do critério de adjudicação estabelecido.
4.ª - Tal como resulta da matéria de facto assente, tanto o critério de adjudicação - proposta economicamente mais vantajosa - como os elementos que interferem na aplicação do mesmo (preço, garantia, adequação à arma e operatividade, versatilidade operacional e conforto) como as próprias ponderações destes (40%, 10%, 25% e 25%, respectivamente) foram definidos aquando do lançamento do concurso.
5.ª - A Recorrente pretende atribuir ao artigo 94.º, n.º 1, do DL n.º 197/99, de 8 de Junho, um sentido e um alcance que o mesmo, declaradamente, não possui e que não tem na letra do preceito um mínimo de correspondência verbal (artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil).
6.ª - Em momento algum o artigo 94.º, n.º 1, do DL n.º 197/99, de 8 de Junho, impõe ou quis impor, nas palavras da Recorrente, a «(...) definição (...) da forma e critérios mediantes os quais se justificaria a atribuição dos diversos níveis quantitativos definidos para a avaliação dos factores em causa».
7.ª - Do mesmo modo, não impõe o referido preceito a indicação de descritores.
8.ª - Pelo que improcede o alegado vício de violação de lei.
9.ª - A alegada falta de fundamentação está prejudicada pela improcedência do vício de violação de lei, atenta a alegação correspondente.
10.ª - De todo o modo, deixa-se claro que a avaliação não se baseou «num modelo arbitrário e aleatório, do qual resultou um tratamento desigual e injusto dos concorrentes e das suas propostas, beneficiando uns em detrimento de outros», contrariamente ao que sustenta a Recorrente.
11.ª - A Recorrente confunde a livre margem de apreciação própria deste tipo de valorações (discricionariedade técnica) com arbítrio.
12.ª - A Recorrente não faz prova alguma das graves acusações que formula, ficando sem se saber de que modo é que houve um «tratamento desigual e injusto dos concorrentes».
13.ª - A Recorrente nada aponta à classificação atribuída, em concreto - não evidenciando minimamente em que termos é que a avaliação a prejudicou -, pretendendo que a lei em vigor à data do Concurso (DL n.º 197/99) não permitia a utilização do modelo de avaliação utilizado. A isto se resume a acção dos autos, sendo que não assiste razão à Recorrente.
14.ª - A avaliação das propostas foi efectuada no estrito cumprimento dos termos previamente definidos no Programa do Concurso, no qual se incluía a metodologia e o regulamento dos testes a realizar, pelo que está bom de ver que não procede o vício de desvio de poder.
15.ª - A Recorrente não alega e menos demonstra os motivos pelos quais se deve concluir que os critérios fixados pela Administração tiveram em vista o favorecimento de uma proposta concreta, em detrimento das demais.
16.ª - O mesmo sucede ao nível do alegado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, já que a Recorrente não fez prova dos factos que alega (como evidencia o probatório da sentença recorrida) susceptíveis de inquinar o resultado da avaliação. Tanto bastando para desatender, in totum, a alegação correspondente.
17.ª - O conteúdo da notícia publicada na edição do jornal «Diário de Notícias» de 12 de Janeiro de 2010, com a qual a Recorrente pretende assustar o Tribunal é falso e já foi cabalmente desmentido por carta dirigida pela R..., em 15 de Fevereiro de 2010, a Sua Exa. o Secretário de Estado Adjunto da Administração Interna.
18.ª - Tal como foi desmentida, pelo mesmo meio, a notícia de teor semelhante publicada na edição do jornal «Correio da Manhã» do dia 13 de Janeiro de 2010.
19.ª - Como bem se decidiu na sentença recorrida, deve ser desatendida a alegada violação de princípios basilares da contratação pública …”.
O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts.146.º e 147.º ambos do CPTA não veio apresentar qualquer parecer/pronúncia (cfr. fls. 612 e segs.).
Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, se pese embora por um lado, o objecto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redacção introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
As questões suscitadas e de que cumpre decidir resumem-se, em suma, em determinar se na situação vertente a decisão judicial recorrida ao julgar improcedente a pretensão deduzida pela A., nos termos e pelos fundamentos dela constantes, incorreu em erro de julgamento por desrespeito, nomeadamente, ao disposto nos arts. 08.º, 10.º, 11.º e 94.º, n.º1 do DL n.º 197/99, de 08.06, 124.º e 125.º, n.º 2 CPA, e bem assim aos princípios da prossecução do interesse público, da imparcialidade (vertente procedimental: vício de ponderação e vício de déficit material de ponderação), da transparência e da concorrência, para além de incorrecta apreciação do fundamento de ilegalidade relativo ao desvio de poder e ao erro sobre os pressupostos de facto [cfr. alegações e conclusões supra reproduzidas].

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:
I) A requerente apresentou proposta ao concurso público n.º 2008-FCPI-073-DGIE para o “Fornecimento de 32.000 a 50.000 coldres para o serviço policial uniformizado, para porte de pistolas calibre 9x19 com patilha de segurança” - facto admitido por acordo das partes.
II) Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 08 a 39 do PA - programa do procedimento do concurso público em apreço.
III) Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 70 a 72 do PA - acta datada de 22.07.2008.
IV) Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 522 a 530 do PA - acta datada de 27.10.2008.
V) Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 532 a 591 do PA - relatório do júri a que alude o n.º 1 do artigo 107.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8.06.
VI) Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 649 a 741 PA - relatório do júri a que alude o n.º 1 do artigo 109.º do Decreto-lei n.º 197/99, de 08.06.
VII) No dia 06.03.2009, o Secretário de Estado da Administração Interna, proferiu o seguinte despacho:
“Nos termos e com os fundamentos da Proposta de Adjudicação n.º 02/2009 - PIDDAC, da Direcção-Geral de Infra-Estruturas e Equipamentos (DGIE), e do relatório final do júri do concurso n.º 2008-FCPI- 073-DGIE, datado de 12 de Janeiro de 2009, e seus documentos anexos, no uso de competência que me foi delegada através de Despacho n.º 4765/2008, de 1 de Fevereiro, publicado no DR n.º 38, II.ª Série, de 22 de Fevereiro, determino que:
a) Seja adjudicado o fornecimento de 32.000 a 50.000 coldres de cintura, para o serviço policial uniformizado, para porte de pistolas calibre 9x19 mm com patilha de segurança ao concorrente Agrupamento de Empresas R… S.R.L. e A…, Lda. …” - ACTO IMPUGNADO - cfr. fls. 842 do PA.
VIII) No dia 17.04.2009 foi celebrado entre o Estado Português, representado pelo Director-Geral da DGIE e as empresas “R…, S.R.L.” e “A…, Lda.”, acordo escrito intitulado “Contrato n.º 18/2009”, relativo ao fornecimento de 32.000 a 50.000 coldres de cintura, para o serviço policial uniformizado, para porte de pistolas «Glock» calibre 9x19 com patilha de segurança - CONTRATO IMPUGNADO - cfr. doc. de fls. 1118 a 1134 do PA.

Nos termos do art. 712.º do CPC e por resultar dos autos adita-se a seguinte factualidade que se mostra útil à apreciação das questões suscitadas nos mesmos:
IX) O contrato referido em VIII) foi visado pelo Tribunal de Contas na sua sessão diária de vistos da 1.ª Secção de 06.07.2009 no âmbito do processo n.º 895/09 (cfr. documentos insertos a fls. 653/663 dos autos e certidão de fls. 670/675 dos autos.
«»
3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade antecedente, que, aliás, não foi objecto de qualquer impugnação importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional “sub judice”.
*
3.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF do Porto em apreciação da pretensão anulatória deduzida pela A., aqui recorrente, concluiu pela inverificação das ilegalidades assacadas ao acto/contrato objecto de impugnação.
*
3.2.2. DA TESE DA RECORRENTE
Argumenta a mesma que tal decisão judicial fez errado julgamento já que o acto/contrato em crise padece de todas as ilegalidades que lhe foram imputadas nos autos pelo que assim não haver concluído o TAF do Porto incorreu em violação do disposto nos arts. 08.º, 10.º, 11.º e 94.º, n.º1 do DL n.º 197/99, 124.º e 125.º, n.º 2 CPA, efectuando errada interpretação e aplicação dos princípios da prossecução do interesse público, da imparcialidade (vertente procedimental: vício de ponderação e vício de déficit material de ponderação), da transparência e da concorrência, bem como dos fundamento de ilegalidade relativos ao desvio de poder e ao erro sobre os pressupostos de facto.
*
3.2.3. DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.3.1. DA VIOLAÇÃO ART. 94.º, N.º 1 DL N.º 197/99 e PRINCÍPIOS DA IMPARCIALIDADE, DA TRANSPARÊNCIA e DA PUBLICIDADE (ARTS. 08.º e 11.º DAQUELE DL)
Sustenta a recorrente que não existiu uma definição prévia nos termos e prazos fixados no normativo em epígrafe da forma e dos critérios “… mediante os quais se justificaria a atribuição dos diversos níveis quantitativos definidos para a avaliação dos factores em causa, bem como das características dos equipamentos que determinavam a atribuição das respectivas pontuações …”, sendo que para além da “… consagração do modelo de avaliação no programa de procedimento …” impõe-se, por outro lado, “… a densificação dos conceitos aí plasmados e o estabelecimento de descritores concretos, adequados à diferenciação das propostas apresentadas em sede de atribuição de pontuações, os quais nunca foram definidos …”, pelo que não o tendo feito o júri do procedimento concursal gerou a ilegalidade indicada bem como a infracção aos princípios da imparcialidade e da transparência.
Vejamos, trazendo previamente à colação o pertinente quadro legal.
Resulta do art. 94.º do DL em referência, sob a epígrafe de «definição de critérios», que até “… ao termo do segundo terço do prazo fixado para a entrega das propostas, o júri deve definir a ponderação a aplicar aos diferentes elementos que interfiram na aplicação do critério de adjudicação estabelecido no programa do concurso …” (n.º 1), sendo que sem “… prejuízo do disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 99.º, a cópia da acta relativa à definição dos critérios a que se refere o número anterior deve ser entregue, no prazo de dois dias, aos interessados que a solicitem …” (n.º 2).
Dispõe-se, por sua vez, no art. 11.º daquele mesmo diploma, referente ao “princípio da imparcialidade”, que nos “… procedimentos devem ser ponderados todos os interesses públicos e privados relevantes, uns com os outros e entre si ...” (n.º 1) e que os “… programas de concurso, cadernos de encargos e outros documentos que servem de base ao procedimento não podem conter qualquer cláusula que vise favorecer ou prejudicar interessados em contratar, nem tão-pouco é permitida, na sua aplicação, qualquer interpretação que contemple tais propósitos …” (n.º 2).
E no art. 08.º, sob a epígrafe de «princípios da transparência e da publicidade», estipula-se que o “… critério de adjudicação e as condições essenciais do contrato que se pretende celebrar devem estar definidos previamente à abertura do procedimento e ser dados a conhecer a todos os interessados a partir da data daquela abertura …” (n.º 1), sendo que as “… entidades públicas devem garantir uma adequada publicidade da sua intenção de contratar …” (n.º 2).
Sendo este o pertinente quadro normativo a atender façamos, ainda, um breve enquadramento dos princípios em crise.
O princípio da imparcialidade consagrado não apenas no quadro legal reproduzido, mas ainda no art. 06.º do CPA, constitui uma emanação do comando constitucional vertido no art. 266.º da CRP e visa não só proteger o particular contra a Administração, mas, igualmente, a própria Administração em relação aos seus funcionários e agentes, revestindo em sede de procedimento concursal de papel fundacional e fomentador, sendo reputado como princípio de valor reforçado. É nele, conjuntamente com o princípio da igualdade, que assenta o próprio sistema de aquisição de meios e de serviços por parte da Administração, a ponto de incumpri-los é, nas palavras de M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira, “… pôr em causa a confiança e o crédito do público, do mercado em geral, no mercado administrativo, factores imprescindíveis da existência e eficiência deste …” (in: “Concursos e outros procedimentos de adjudicação administrativa. Das fontes às garantias”, pág. 87).
O princípio da imparcialidade ora objecto também de apreciação envolve dois aspectos diferentes já que:
a) Por um lado, traduz-se numa emanação ou corolário igualmente do princípio da justiça, enquanto encarado como dever da Administração Pública de actuar de forma isenta em relação aos particulares/concorrentes através de um comportamento recto que não favoreça os amigos nem prejudique os inimigos, exigindo do órgão decisor que a apreciação duma candidatura ou proposta seja feita sem atender a quaisquer interesses alheios àqueles que devem nortear a escolha da melhor proposta ou do melhor concorrente, mormente não podem ser atendidos afinidades políticas ou outras similares, simpatias ou preferência regionais ou locais, conhecimentos pessoais ou antigos, etc;
b) E por outro lado, consiste num meio de protecção da confiança do público nos órgãos da Administração, mercê de se traduzir na proibição imposta aos órgãos da Administração de intervierem em quaisquer procedimentos, actos ou contratos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal ou familiar, ou de pessoas com quem tenham relações de especial proximidade, a fim de que não possa suspeitar-se da isenção ou rectidão da sua conduta (cfr. Freitas do Amaral in: “Direito Administrativo”, vol. II, Lx 1988, págs. 204 e segs.; Freitas do Amaral e outros in: “Código de Procedimento Administrativo Anotado”, págs. 44 e 45; Marcelo Rebelo de Sousa in: “Lições de Direito Administrativo”, págs. 151 a 155; Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim in: “Código de Procedimento Administrativo” 2.ª edição actualizada, revista e aumentada, pág. 107; M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in: ob. cit., pág. 121; Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido Pinho in: “Código de Procedimento Administrativo Anotado”, 4.ª edição, págs. 89/90).
Tal como defendem J. Gomes Canotilho e Vital Moreira o princípio da imparcialidade consagrado no n.º 2 do art. 266.º da CRP constitui, tal como o princípio da igualdade, um limite material interno da actividade administrativa, sendo que "... a imparcialidade respeita essencialmente às relações entre a Administração Pública e os particulares, podendo circunscrever-se a dois aspectos fundamentais: a) o primeiro, relacionado com os princípios constitucionais consagrados no n.º 1, consiste, em que, no conflito entre o interesse público e os interesses particulares, a Administração deve proceder com isenção na determinação da prevalência do interesse público de modo a não sacrificar desnecessária e desproporcionalmente os interesses particulares (imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade); b) o segundo, refere-se à actuação da Administração em face dos vários cidadãos, exigindo-se igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público ..." (in: "Constituição da República Portuguesa Anotada", 2.ª edição revista e ampliada, vol. II, pág. 420).
O princípio da imparcialidade constitui claramente um limite interno à discricionariedade, impondo que a Administração não tome partido ou se incline ou beneficie uma parte em prejuízo de outra, antes tendo de se nortear na sua actuação segundo o ordenamento jurídico e com a finalidade da prossecução do interesse público que a motiva.
Como refere a este propósito Marcelo Rebelo de Sousa "... a função administrativa se caracteriza pela sua parcialidade ou vinculação ao princípio da prossecução do interesse público, e, ao mesmo tempo, pela sua imparcialidade ou dever de isenção dos titulares dos seus órgãos e agentes ..." (in: ob. cit., pág. 152).
Temos, ainda, e no que poderia relevar para a matéria de direito em questão, que vigora no direito concursal especiais exigências em matéria de transparência e do respectivo princípio, sendo que a transparência não se realiza apenas através do princípio da publicidade com a divulgação de tudo quanto possa contender ou relevar para os concorrentes se candidatarem e/ou formularem as respectivas propostas, mas igualmente mediante a concessão de garantias de que os sobrescritos contendo as propostas enquanto não abertos se mantém convenientemente guardados e inacessíveis, ou através do fazer tudo (quanto possível) na presença dos interessados, ou ainda o conceder um prazo razoável no acto público do concurso para consulta das propostas e sua documentação em função do respectivo número e tamanho, ou designar formal e antecipadamente quem são os membros das comissões de abertura e de avaliação de propostas, bem como decidir e fixar, antes de analisar as propostas, quais são os valores ponderados dos diversos critérios de adjudicação e os micro critérios em que se desdobrará a apreciação de cada um deles e manifestá-lo formalmente através, pelo menos, de acta devidamente autenticada.
Neste último aspecto, o do estabelecimento de critérios de apreciação de candidaturas a concursos não anunciados, temos que o mesmo, quando efectuado após o conhecimento do conteúdo das propostas e com possibilidade de influenciar a classificação, tem sido considerado pela jurisprudência como violador do princípio da transparência, que é corolário do princípio da imparcialidade.
Com efeito, tem-se vindo a entender que ocorre violação do princípio constitucional da imparcialidade, gerador de vício autónomo de violação de lei, sempre que sejam levados a cabo procedimentos que contenham o risco de consubstanciarem actuações parciais, independentemente da demonstração efectiva de ter ocorrido uma actuação destinada a favorecer algum dos interessados em concurso, com prejuízo de outros. Viola o princípio constitucional da imparcialidade e bem assim da transparência a fixação pelo júri dos critérios de avaliação em concurso depois de analisados os currículos/propostas dos candidatos/concorrentes pois tal, objectivamente, potencia a possibilidade de afeiçoamento de tais critérios e factores a um ou alguns dos candidatos/concorrentes, favorecendo um/uns em detrimento de outros.
Já quanto ao princípio da publicidade o mesmo manifesta-se em duas direcções e mostra-se ligado também ao princípio da transparência. Assim, em primeiro lugar, devem ser dadas a conhecer a todos os que nele possam vir a estar ou estejam interessados todas as deliberações ou actos do concurso que tenham relevo no procedimento concursal. Por outro lado, todos os actos ou as fases em que se verifica qual é a concorrência existente ou em que se fixam as principais condições documentais e materiais de cada candidatura ou proposta devem decorrer publicamente perante os interessados.
Munidos destes breves considerandos de enquadramento e revertendo, agora, ao caso vertente temos que não assiste razão à recorrente na crítica feita à decisão judicial recorrida.
Na verdade, presentes as peças concursais («Programa do Concurso» e «Caderno de Encargos») [cfr., nomeadamente, arts. 23.º, 26.º do «PC» e respectivos Anexos, mormente, anexos VIII) e IX)] e respectivo teor e visto o desenrolar do iter concursal do procedimento em questão não se vislumbra que no mesmo haja ocorrido qualquer infracção ao disposto no art. 94.º do DL n.º 197/99, bem como não se descortina violação dos princípios concursais aludidos em epígrafe e tidos por desrespeitados pela A./recorrente.
Assim, deriva do art. 26.º do «PC» que o “… critério de adjudicação será a proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta os seguintes factores e ponderações …”, sendo que consta do mesmo programa do procedimento que tal é feito atendendo ao Regulamento de Avaliação de Propostas previsto no Anexo IX do programa de procedimento, mais derivando do mesmo normativo que o “… Preço - 40%; Garantia - 10%: O tempo para além do disposto no artigo 9.º do caderno de encargos que o fornecedor se compromete a assumir a garantia técnica dos coldres); Adequação à arma e operatividade - 25%: Características do coldre de perfeita adaptação à arma em causa e funcionalidade dos seus mecanismos de retenção e das manobras de saque e recolocação da pistola no coldre; Versatilidade operacional e conforto - 25%: Capacidade de utilização do coldre em diferentes situações da actividade operacional e as suas características ergonómicas, incluindo peso e dimensão que melhor toleradas sejam pelo uso prolongado do coldre pelo utilizador …”.
E no n.º 1 do art. 23.º daquele Programa do procedimento é referido que a “… apreciação das propostas inclui a realização de testes técnicos presididos pelo júri, descritos no Anexo VIII ao presente programa de procedimento, que têm por objectivo verificar as características, as especificações e os requisitos técnicos e operacionais definidos no Anexo I ao caderno de encargos, como avaliar as características do coldre para efeito de aplicação dos factores previstos no artigo 26.º …”.
Por sua vez, consta do anexo VIII do «PC» que a “… avaliação dos requisitos técnicos previstos no Anexo I do caderno de encargos serão realizados por dez testadores indicados pelo júri e os testes técnicos decorrerão do seguinte modo (sendo as restantes características e requisitos técnicos e operacionais de verificação directa) …”, definindo-se os procedimentos de cada um dos testes nos pontos I e II, sendo que os testes de impacto, de pressão e de retenção eram de superação, pois caso as propostas não superassem aqueles testes as mesmas seriam liminarmente excluídas. Naquele ponto II é ainda descrito o “modus faciendi” dos restantes testes dedicados “… aos critérios de avaliação referidos no artigo 26.º do programa do procedimento …”.
E do citado art. 26.º conjugado com o ponto II do Anexo VIII, quanto ao critério «adequação à arma e operatividade», resulta que as características “… do coldre de perfeita adaptação à arma em causa e funcionalidade dos seus mecanismos de retenção e das manobras de saque e recolocação da pistola no coldre …”, sendo que após a realização de cada um dos três testes e a correspondente avaliação os operadores/testadores atribuíam a sua respectiva pontuação, figurando quando ao teste de verificação do grau de adaptação da arma ao coldre que “… o testador com o coldre seleccionado na mão (com a arma introduzida no seu interior), com todos os mecanismos de retenção desactivados, empunha a arma sem a sacar, movimentando-a em todas as direcções para verificar se a arma se move dentro do coldre ...”, operação após a qual os “… operadores procedem à avaliação do coldre atribuindo a valoração na escala de 0 a 6 pontos …”.
Quanto ao teste para verificar a facilidade de empunhar a arma e operar os mecanismos de retenção do coldre o testador consta que com “… a pistola dentro do coldre e este colocado no cinturão, empunha a arma sem a sacar activando e desactivando os mecanismos de segurança, usando uma só mão ...”, teste esse após a qual novamente os “… operadores procedem à avaliação do coldre atribuindo a valoração na escala de 0 a 6 pontos …”.
No que diz respeito ao teste de sacar e colocar a arma no coldre dedicados ao mesmo critério de adjudicação o testador figura que com “… a arma dentro do coldre e com este colocado no cinturão, com os mecanismos de retenção desactivados, o testador saca e coloca a pistola no coldre, usando uma só mão. Repete a operação cinco vezes ...”, avaliando-se e pontuando-se de seguida nos mesmos termos.
Já quanto ao critério de adjudicação da «versatilidade operacional e conforto» consta a seguinte descrição: “Capacidade de utilização do coldre em diferentes situações da actividade operacional e as suas características ergonómicas, incluindo peso e dimensão que melhor toleradas sejam pelo uso prolongado do coldre pelo utilizador …”, sendo que após a realização de cada um dos três testes, e a correspondente avaliação, os operadores/testadores atribuíam a sua pontuação.
Assim, no «teste em viatura» “… o testador deve entrar numa viatura, do lado direito, e, com as portas fechadas, deve sacar e introduzir a pistola no coldre com uma só mão; repete a operação 5 vezes, seguidamente deve sair da respectiva viatura ...”, teste após o qual “… operador procede à avaliação do coldre atribuindo a pontuação de 0 a 6 pontos ...”.
Já no «teste com o colete balístico exterior» o testador “… com um colete balístico exterior colocado, com a pistola dentro do coldre e este colocado no cinturão, opera os mecanismos de retenção do coldre sacando e introduzindo a arma no mesmo. Considera-se superado o teste se o testador sacar a pistola do coldre apenas com o recurso a uma mão. A presença do colete não pode ser impeditivo da operação de saque da pistola ...”, sendo que caso o teste fosse superado, então “… o testador procedia à avaliação do coldre atribuindo a pontuação de 0 a 6 pontos …”.
E no «teste do conforto» consta que o “… testador, com a pistola dentro do coldre e este colocado no cinturão, anda em passo apressado e/ou corrida, efectua vários movimentos de rotação e inclinação do tronco e agachamentos …” teste este após o qual também o “… testador procede à avaliação do coldre atribuindo a pontuação de 0 a 6 pontos …”.
Por sua vez, temos ainda que consta do Anexo IX, a que se reporta aquele art. 26.º do «PC», que “… tem por objecto o estabelecimento do suporte basilar e do enquadramento metodológico para a análise e avaliação das propostas do concurso público do fornecimento dos coldres …”, indicando que as “… propostas serão avaliadas tendo em conta os factores de apreciação estabelecidos no artigo 26.º do programa do procedimento …”. Surpreende-se do ponto 4.2. do mesmo que para “… aferir e operacionalizar os critérios de avaliação, o júri do concurso recorrerá a testes técnicos com avaliação diversa: alguns testes serão eliminatórios, caso em que o respectivo coldre será admitido ou eliminado; nos restantes testes, a avaliação é obtida com recurso a uma escala de 0 a 6, com média arredondada às centésimas, conforme tabela a seguir indicada: 0 - Muito mau; 1 - Mau; 2 - Insuficiente; 3 - Suficiente; 4 - Bom; 5 - Muito Bom; 6 - Excelente …”. E do ponto 3 do mesmo Anexo IX consta que o “… júri do concurso será responsável pela elaboração de relatório fundamentado sobre o mérito das propostas, que exporá o mérito de cada proposta dos concorrentes qualificados, face ao critério de adjudicação estabelecido no artigo 26.º do programa do procedimento, e estabelecerá fundamentadamente a classificação das propostas por ordem decrescente, apontando o concorrente ao qual deverá ser adjudicada a proposta ...”, na certeza de que, como vimos, os arts. 26.º e 23.º do «PC» são indissociáveis e estão intrinsecamente ligados.
Ora tendo em consideração o critério de adjudicação e os factores/subfactores, elencados nos artigos 23.º e 26.º do «PC», conjugados, nomeadamente, com os Anexos VIII e IX para os quais aqueles artigos remetem, afigura-se-nos como evidente que, no caso, para além do que veio a ser feito pelo júri na reunião havida em 22.07.2008 [registado na pertinente acta, acta essa que esteve ao dispor de todos os concorrentes, incluindo a recorrente, e que em momento algum foi objecto de qualquer pedido de esclarecimento, foi posta em causa ou impugnada no procedimento concursal e nos autos judiciais «sub judice»], não se lhe impunha uma especial e exigente actividade densificadora dos conceitos e dos factores definidos para avaliação em presença tal como alega a A./recorrente, já que o teor do que constava daquele Programa era e é suficiente ou bastante para tal operação de avaliação e classificação das propostas apresentadas a concurso. Na aludida acta de 22.07.2008, em relação aos critérios de adjudicação «adequação à arma e operatividade» e da «versatilidade operacional e conforto» (25% cada), consta que em cada um destes critérios que “… este critério é concretizado através de três testes … que em termos de ponderação valem o mesmo. Depois do somatório das pontuações dos 3 testes o total é dividido por 3 e essa a classificação que é atribuída à proposta neste critério e, posteriormente, a sua conversão em termos de percentagem …” (cfr. acta de fls. 70-72 do PA apenso), observando-se na e com a sua elaboração o que se mostra previsto e definido pelo art. 94.º do DL n.º 197/99.
Note-se que em relação aos outros critérios «preço» e «garantia» o mesmo ocorre, porquanto face ao ponto 4.2) do Anexo IX, mormente quanto ao «preço - 40%», ali se fez constar ainda que “… é pontuado do seguinte modo: ao mais baixo preço das propostas admitidas são atribuídos 5 pontos e ao preço mais elevado 1 ponto, as restantes propostas serão classificadas na proporção ...”, sendo que a actividade do júri expressa nos respectivos relatórios produzidos no concurso (desde logo, no relatório preliminar - cfr. págs. 12 e 22 a 27 do relatório fls. 532-591 do PA apenso) revela a aplicação da definição registada na acta de 22.07.2008 em articulação com tudo o que demais se mostrava concretizado e definido pelo «PC» e «CE».
Atente-se, ainda, que em conformidade com o ponto 2 do Anexo IX [onde se mencionava que o “… júri do concurso pode solicitar, no âmbito das suas competências, designadamente no que se refere aos estudos de apoio à decisão, a colaboração de consultores e outros técnicos de apoio, aos quais poderão ser solicitados trabalhos e relatórios técnicos …”] o júri indicou como consultores-coordenadores dos testes técnicos dois elementos, um da GNR e outro da PSP tal como resulta da acta relativa à reunião do dia 09.10.2008 (cfr. acta de fls. 451-457 do PA apenso).
Temos, pois, que no caso vertente e quanto à matéria em questão a tarefa do júri do concurso estava facilitada porquanto os conceitos, os descritores, os factores/sub factores e a metodologia a adoptar pelo mesmo na sua tarefa estavam já definidos com suficiente clareza e concretização no «PC», não se impondo, para além do que foi efectuado pelo júri na reunião de 22.07.2008, outros adicionais procedimentos concretizadores como é pretendido e sustentado pela A./recorrente.
Na sequência do ora acabado de expender e presentes a factualidade supra fixada, que não se mostra minimamente posta em causa, e os considerandos antecedentes relativos aos princípios da imparcialidade, da transparência e da publicidade não se descortina qualquer infracção aos mesmos princípios por parte do acto administrativo impugnado e juízo de legalidade que sobre o mesmo incidiu na decisão judicial em recurso, porquanto não se vislumbra no âmbito do procedimento concursal em presença qualquer actuação parcial, não transparente ou que tivesse envolvido preterição das exigências de publicidade, por parte da entidade adjudicante na abertura, condução e decisão do concurso.
Assim não se evidencia ocorrer qualquer desacerto quando se sustentou na aludida decisão, na parte que aqui releva, que no “… anexo VIII ao programa de procedimento encontram-se descritos os testes técnicos a realizar quanto ao critério «Adequação à arma e operatividade» que abrangiam o «teste de verificação do grau de adaptação da arma ao coldre», o «teste para verificar a facilidade de empunhar a arma e operar os mecanismos de retenção ao coldre» e o «teste de sacar e colocar a arma no coldre», sendo ainda previstos nos referido anexo os testes técnicos a realizar no âmbito do critério de «versatilidade operacional e conforto», sendo referido que «após o teste o operador procede à avaliação do coldre, atribuindo a pontuação de 0 a 6 pontos», sendo que o anexo IX - «regulamento de avaliação das propostas» estabelecia - no respectivo ponto 4.2. que a pontuação seria obtida de acordo com a aplicação da seguinte escala 0 - Muito Mau, 1 - Mau, 2 - Insuficiente, 3 - Suficiente, 4 - Bom, 5 - Muito Bom e 6 - Excelente.
Vejamos, face ao exposto, se era necessária a densificação referida pela A..
O n.º 1 do art. 23.º do programa de procedimento refere que «a apreciação das propostas inclui a realização de testes técnicos presididos pelo júri, descritos no anexo VIII ao presente programa de procedimento, que têm por objectivo verificar as características, as especificações e os requisitos técnicos e operacionais definidos no Anexo I ao caderno de encargos, como avaliar as características do coldre para efeitos de aplicação dos factores previstos no artigo 26.º».
Por sua vez o anexo VIII do programa de procedimento previa que «A avaliação dos requisitos técnicos previstos no Anexo I do caderno de encargos serão realizados por dez testadores indicados pelo júri e os testes técnicos decorrerão do seguinte modo (sendo as restantes características e requisitos técnicos e operacionais de verificação directa …”, passando depois a descrever modo como se processariam os testes de impacto, de pressão e de retenção - testes estes que se não fossem superados as propostas seriam excluídas.
Seguidamente, no ponto II do mesmo Anexo VIII previa-se o modo de realização do teste de verificação do grau de adaptação da arma ao coldre, do teste para verificar a facilidade para empunhar a arma e operar os mecanismos de retenção do coldre, o teste de sacar e colocar a arma do coldre (no que concerne ao critério adequação da arma e operatividade) sendo referido que após cada um dos testes os operadores procederiam à avaliação do coldre atribuindo a pontuação de 0 a 6.
O mesmo procedimento será seguido no que concerne ao critério versatilidade operacional e conforto sendo, para aferir tal critério, realizados três testes: o teste em viatura, o teste com o colete balístico exterior e o teste de conforto, sendo descritos os modos como tais deveriam ser realizados, prevendo-se, também quanto a estes testes, a atribuição de pontuação entre 0 e 6.
Por sua vez o ponto 3.1. do anexo IX referia que «o júri do concurso será responsável pela elaboração de relatório fundamentado sobre o mérito das propostas, que exporá o mérito de cada proposta dos concorrentes qualificados, face ao critério de adjudicação estabelecido no artigo 26.º do programa de concurso, e estabelecerá fundamentalmente a classificação das propostas por ordem decrescente, apontando o concorrente ao qual deverá ser adjudicada a proposta».
Face ao vem de ser dito, ao contrário do sustentado pela A., não acolhe o Tribunal a argumentação da A. de que se impunha que, previamente à avaliação das propostas, tais critérios fossem densificados, encontrando-se a metodologia a adoptar em cada um dos testes explicitada de forma clara.
Acresce que, conforme bem refere a entidade demandada, o que restava ao júri fazer, neste âmbito, foi deliberado na reunião realizada no dia 22 de Julho de 2008, tendo, nessa data sido deliberado, no que concerne aos critérios em apreço que «depois do somatório das pontuações dos 3 testes o total é dividido por 3 e é essa a classificação que é atribuída à proposta neste critério e posteriormente, a sua conversão em termos de percentagem», pelo que o procedimento em apreço e o subsequente acto de adjudicação não violou o art. 94.º, n.º 1 do DL n.º 197/99, …, não se verificando qualquer preterição de formalidade essencial prévia ao acto de adjudicação, avulsamente referida pela A. no item 45.º da p.i., nem contrariou os princípios da legalidade, enquanto «bloco de normas», a que a Administração se encontra adstrita, nem da imparcialidade - não resultando da matéria de facto que o júri tenha tido uma actuação parcial - e da transparência, dado o procedimento concursal não revelar qualquer acto ou omissão susceptíveis de legitimar a conclusão da A. …”.
Improcede, pois, este fundamento de recurso.
3.2.3.2. DA VIOLAÇÃO ARTS. 124.º e 125.º CPA (DEVER FUNDAMENTAÇÃO)
Sustenta a A./recorrente que a decisão judicial recorrida incorreu em erro de julgamento porquanto o acto administrativo objecto de impugnação enfermava de ilegalidade [falta de fundamentação], infringindo o disposto nos normativos em epígrafe.
Analisemos.
Nos termos do disposto no art. 124.º do CPA “… devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente: a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; b) Decidam reclamação ou recurso; c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial; d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais; e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior …” (n.º 1), sendo que salvo “… disposição da lei em contrário, não carecem de ser fundamentados os actos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal ..." (n.º 2).
E do artigo seguinte decorre, ainda, que a “… fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto ...” (n.º 1), sendo que equivale “… à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto …” (n.º 2).
Também deriva do n.º 3 do art. 08.º do DL n.º 197/99 que a “… escolha de propostas deve ser sempre fundamentada …”.
Decorre, ainda, do n.º 1 do art. 109.º do DL n.º 197/99 que o “… júri pondera as observações dos concorrentes e submete à aprovação da entidade competente para autorizar a despesa um relatório final fundamentado …”.
Os normativos ora em parte reproduzidos correspondem ao cumprimento de directiva constitucional decorrente do actual art. 268.º, n.º 3 da CRP no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjectivo do administrado à fundamentação, sendo que com a consagração de tal dever se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à Administração de actuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade.
Do cotejo dos normativos citados temos que fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado acto, acto este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa já que o que importa é que, de forma sucinta, se conheçam as premissas do acto e que se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório, sendo que na menção ou citação das regras jurídicas aplicáveis não devem aceitar-se como válidas as referências de tal modo genéricas que não habilitem o particular a entender e aperceber-se das razões de direito que terão motivado o acto em questão, pelo que importa e se impõe que a decisão contenha os preceitos legais aplicados e que conduziram a tal decisão.
A fundamentação consiste, portanto, em deduzir de forma expressa a decisão administrativa com as premissas fácticas e jurídicas em que assenta, visando, assim, impor à Administração que pondere antes de decidir, contribuindo para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem a responsabilidade da decisão além de permitir ao administrado seguir o processo mental que a ela conduziu.
Conforme é jurisprudência uniforme e constante a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal em face de cada caso ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos actos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.Com tal dever de fundamentação visa-se captar a transparência da actividade administrativa, sendo que tal dever, nos casos em que é exigido, constitui um importante sustentáculo da legalidade administrativa e um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de um elemento fulcral na interpretação do acto administrativo.
Para se atingir aquele objectivo basta uma fundamentação sucinta, mas a mesma carece de ser clara, concreta, congruente e de se mostrar contextual.
A fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
É contextual a fundamentação quando se integra no próprio acto e dela é contemporânea.
A fundamentação é, por sua vez, clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi iter cognoscitivo-valorativo da decisão, sendo congruente quando a decisão surge como conclusão lógica e necessária de tais razões.
Revertendo ao caso em presença temos, para nós, que considerando a factualidade apurada e considerandos acabados de desenvolver, o acto administrativo objecto da presente acção administrativa impugnatória urgente se mostra dotado de fundamentação suficiente porquanto um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do acto em causa e seu procedimento antecedente para o qual remete [cfr. n.ºs V), VI) e VII) da factualidade apurada e PA apenso] fica em condições de saber a motivação da adjudicação feita.
Na verdade, do acto em causa e dos relatórios preliminar e final no qual o mesmo se estriba resulta a motivação da decisão, com a clareza, a contextualidade, a congruência e a suficiência legalmente exigidas.
Não se vislumbra que o «modelo de avaliação» assente em elementos de ponderação valorativa de carácter eminentemente arbitrário e não permita uma adequada avaliação da qualidade das propostas apresentadas a concurso, nem se vislumbra que, no caso vertente, a remissão e sustentação da decisão para e nos resultados numéricos/pontuações obtidos no âmbito dos testes técnicos, envolva déficit de fundamentação, tanto mais que tais resultados permitem formar e tomar a decisão de modo claro, objectivo e justo.
O júri nos respectivos relatórios explicitou com suficiência, clareza e congruência, a motivação da pontuação a atribuir para cada item dos critérios de adjudicação.
De facto, como bem sustenta o ente público demandado “… a qualidade de cada proposta foi aferida em razão do critério da proposta economicamente mais vantajosa e não inclui, apenas, os critérios «Adequação à arma e operatividade» e «Versatilidade operacional e conforto», …, e é por demais evidente que as propostas se distinguem uma das outras pela sua qualidade, veja-se a classificação final transposta nas Figuras 18, 19 e 20 dos relatórios a que aludem os artigos 107.º e 109.º do Decreto-Lei n.º 197/99 …”, na certeza de que a “… escala quantitativa ou valorativa constante do programa do concurso (mais precisamente do ponto 4.2 do Anexo IX) é aplicada em resultado de cada um dos testes relativos aos critérios, estando o modus faciendi de cada um dos testes descrito objectiva e detalhadamente sem lugar a arbitrariedade ou aleatoriedade, no anexo VIII do mesmo programa, e mediante a sua realização assim regulamentada o operador/testador tinha que proceder à sua apreciação qualitativa de cada proposta/coldre e mediante a qual era obtido o resultado quantitativo de cada testador …”
Ora conforme tem sido jurisprudência firmada “… as decisões administrativas de classificação ou valoração do mérito devem considerar-se suficientemente fundamentadas desde que das respectivas actas constem, directamente ou por remissão para outras peças do procedimento, os elementos, factores, parâmetros ou critérios com base nos quais o órgão decisor procedeu à ponderação determinante do resultado concreto a que chegou …” sendo ainda que no “… âmbito de tais procedimentos, como é o caso do procedimento concursal, considera-se satisfeito o dever de fundamentação da classificação operada desde que se mostrem vertidas na grelha classificativa previamente elaborada pelo júri as valorações atribuídas a cada «item», e que, posteriormente, seja consignada em acta a pontuação atribuída, sem necessidade de se justificar aquela pontuação, sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação …” [cfr., entre outros, Acs. do STA 06.10.1999 - Proc. n.º 042394, de 03.04.2003 - Proc. n.º 01126/02, de 09.04.2003 - Proc. n.º 0299/03, de 03.02.2005 - Proc. n.º 952/04, de 06.10.2005 - Proc. n.º 0227/04 in: «www.dgsi.pt/jsta»].
Também este TCA Norte no seu acórdão de 04.05.2006 (Proc. n.º 00344/05.5BECBR in: «www.dgsi.pt/jtcn»), por nós igualmente relatado, se entendeu que no “… âmbito de tais procedimentos considera-se satisfeito o dever de fundamentação da classificação operada desde que se mostrem vertidas na grelha classificativa previamente elaborada pelo júri as valorações atribuídas a cada «item», e que, posteriormente, seja consignada em acta a pontuação atribuída, sem necessidade de se justificar aquela pontuação, sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação …”.
Analisados procedimentos e motivação que foram desenvolvidos no concurso em análise temos que os mesmos se mostram elaborados em consonância com tal orientação jurisprudencial, que reiteramos, não se exigindo do júri do concurso uma fundamentação suplementar àquela que já consta da pontuação atribuída pelos testadores a cada um dos itens que envolveu a realização dos testes previstos no «PC» à luz das regras na e para eles definida pelo mesmo Programa, na certeza de que do facto do júri ter aderido às pontuações atribuídas pelos testadores tal não permite concluir no sentido apontado pela A..
Temos, por conseguinte, de considerar que o concreto acto objecto de impugnação se mostra dotado de fundamentação nada mais se exigindo na e para a perfeição da explicitação/motivação da decisão concursal de adjudicação e contrato outorgado na sua sequência, já que, inclusive, foram dadas possibilidades à A./recorrente para a reconstituição do iter cognoscitivo e valorativo do acto em termos de um qualquer destinatário normal, colocado na situação da mesma, ficar a saber as diversas operações e motivações com base nas quais foi atribuída a classificação a cada uma das concorrentes em confronto no concurso de tal modo que a mesma não pode invocar que lhe foi cerceado o cabal exercício das suas garantias administrativas e contenciosas como, aliás, se infere da própria petição inicial produzida nos autos. Esta revelou ou revela ter tido perfeita e inequívoca a compreensão do alcance do acto impugnado.
De tudo o supra exposto temos, em suma, que a decisão judicial ao concluir pela improcedência da ilegalidade formal (falta de fundamentação) não enferma do erro de julgamento que lhe foi assacado no presente recurso.
3.2.3.3. DO DESVIO DE PODER
Quanto à ilegalidade em epígrafe a mesma pressupõe uma discrepância entre o fim legal e o fim real ou fim efectivamente prosseguido pela Administração, traduzindo-se, nas palavras de Freitas do Amaral, "... no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir tal poder ...” (in: “Curso de Direito Administrativo” vol. II, pág. 394) (cfr. ainda Marcello Caetano in: “Manual de Direito Administrativo”, vol. I, pág. 506; Marcelo Rebelo de Sousa in: “Direito Administrativo Geral - Actividade Administrativa”, Tomo III, pág. 256; M. Esteves de Oliveira in: “Direito Administrativo”, pág. 575).
Note-se que para existir tal ilegalidade não interessa saber se a Administração se desviou do fim legal porque interpretou mal a lei, visto tal constituir erro de direito, ou porque, intencionalmente, quis mesmo prosseguir um fim contrário à lei, isto é, por má fé.
O desvio de poder comporta duas modalidades principais:
a) O desvio por motivo de interesse público; e
b) O desvio por motivo de interesse privado.
Socorrendo-nos de novo das palavras de Freitas do Amaral (in: ob. cit., págs. 394 e segs.), para se determinar se se verifica o desvio de poder impõe-se proceder às seguintes operações:
1.º - Apurar qual o fim visado pela lei ao conferir a certo órgão administrativo um determinado poder discricionário;
2.º - Investigar depois qual o motivo principalmente determinante da prática do acto administrativo em causa;
3.º - Resolver se este motivo principalmente determinante condiz ou não com aquele fim legalmente estabelecido.
Esta ilegalidade do acto só se verificará quando a Administração, procurando prosseguir vários fins, acolhe um fim principal ou determinante que não seja o legalmente prescrito, ou seja, quando da prova produzida resulte para o Tribunal a convicção de que o motivo principalmente determinante da prática do acto administrativo não condiz com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário.
Note-se que, todavia, desde que prossiga o fim legal a Administração não está impedida de acessoriamente prosseguir outros fins.
Munidos destes considerandos de enquadramento quanto à ilegalidade em epígrafe terá a decisão judicial recorrida efectuado um incorrecto juízo?
A resposta à questão terá necessariamente de ser negativa.
Presente a factualidade alegada e a provada temos que, de facto, o acto/contrato impugnado não padece de “desvio de poder” como bem se concluiu na decisão judicial recorrida, acompanhando-se o ali sustentado quando se afirmou que no “… caso concreto verifica-se que a falência da argumentação aduzida pela A. no que concerne ao invocado vício de forma por falta de fundamentação gera a improcedência do vício em apreço não tendo a A. demonstrado - ou melhor alegado - factos que permitam concluir pela procedência do vício em apreço, sendo que a actividade valorativa e cognoscitiva levada a cabo pelo júri - vertida nos supra referidos relatórios - permite concluir que o poder discricionário - próprio de qualquer acto avaliativo - não teve como fito beneficiar a proposta do concorrente classificado em primeiro lugar …”.
Na verdade, não se vislumbra dos elementos factuais apurados nos autos que a entidade adjudicante na sua decisão final haja procurado prosseguir um fim principal ou determinante que não seja o legalmente prescrito [«escolha da proposta economicamente mais vantajosa»], que haja actuado acolhendo motivação que não condiga com o fim visado pela lei na concessão do poder em crise de molde a que haja proferido decisão de adjudicação visando favorecer a concorrente R. aqui igualmente recorrida.
Improcede, por conseguinte, também este fundamento de recurso.
3.2.3.4. DO ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO
Sustenta a A. que ocorre a ilegalidade em referência dado terem existido várias irregularidades no âmbito da realização dos testes técnicos que inquinaram o resultado e a decisão final do procedimento.
Analisemos.
Constitui ilegalidade integradora de violação de lei em epígrafe a discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas aplicáveis, sendo que se pode verificar ou ocorre quer no exercício de poderes vinculados como no exercício de poderes discricionários.
O erro sobre os pressupostos de facto que serviram de motivação ou base ao acto administrativo gera, assim, ilegalidade conducente à invalidade do mesmo.
A decisão final dum determinado procedimento administrativo deve, pois, assentar em pressupostos de facto e de direito correctos e tidos como verificados de facto.
Passando ao caso vertente importa, desde logo, referir que à luz da factualidade que se mostra fixada e que não foi sindicada pela A./recorrente este fundamento de ilegalidade tem-se como insubsistente, não se inferindo minimamente demonstrados as alegadas irregularidades pretensamente havidas a quando da realização dos testes técnicos e que se mostram claramente contraditadas nos autos pelos RR. [cfr. contestações e contra-alegações produzidas nesta sede - cfr., v.g., arts. 114.º a 159.º da contestação e arts. 97.º a 145.º das contra-alegações produzidos nos autos pelo R. “MAI”], na certeza de que no procedimento concursal em presença está em causa o fornecimento de «coldres» e não de «coletes», pelo que as pretensas irregularidades reportadas aos «coletes» fornecidos e testados estão fora do âmbito do litígio.
Temos, por outro lado, que todas as propostas das concorrentes, todas sem excepção, estiveram em igualdade de circunstâncias e nas mesmas condições de concorrência no âmbito da realização dos aludidos testes, e assim foram avaliadas nas mesmas e exactas condições, sendo que o júri permitiu que os testes fossem presenciados pelas concorrentes enquanto garantia da transparência, publicidade, legalidade e imparcialidade do procedimento.
Ora a terem existido tais pretensas irregularidades na execução dos testes técnicos e face aos termos e condições de total equiparação em que os mesmos ocorreram temos que nada se mostra alegado em que medida os mesmos inquinaram os resultados do concurso e sua decisão a ponto de conduzir ou se poder minimamente concluir que a A. haja sido minimamente prejudicada.
Daí e como bem se concluiu neste âmbito na sentença sob apreciação a A. referiu “… que o acto de realização dos testes técnicos com vista à avaliação dos equipamentos, que decorreu no dia 27 de Outubro de 2008, pautou-se pela verificação de inúmeras irregularidades, susceptíveis de influenciar negativamente os respectivos resultados.
Começou por referir a circunstância de nem todos os militares convocados para os testes terem comparecido, na referida data, para os realizar, tendo sido escolhidos, aleatoriamente, outros que se encontravam na parada para efectuar os aludidos testes, o que reflecte uma «profunda falta de organização e a aleatoriedade que presidiu ao acto de realização dos testes …», tendo ainda referido que alguns dos coletes e dos coldres distribuídos para a realização dos testes eram desadequados às características físicas dos respectivos utilizadores, como foi o caso do coldre entregue à militar Rita Soromenho, da G.N.R., que é canhota, a quem foi entregue um coldre para pessoas destras, bem como o colete que foi distribuído à agente Dora Alves, da P.S.P. a quem foram distribuídos coletes de tamanho médio quando as características físicas da agente exigiam a utilização de coletes de tamanho pequeno.
Mencionou ainda que, de acordo com a acta de 27 de Outubro de 2008 «… foram concedidos alguns minutos para os testadores manusearem cada um coldres e perceberem o funcionamento dos mesmos, antes de se proceder à realização dos testes propriamente ditos …», o que, no entender da A., é insuficiente para que os testadores se inteirassem do funcionamento de cada um dos dez coldres apresentados a concurso.
Apreciando e decidindo:
Importa, desde logo, referir que não mencionou a A. em que medida os factos por si alegados - que, no limite, apenas permitem a conclusão segundo a qual os testes não terão sido realizados nas condições ideais - influíram nos resultados dos testes realizados e tendo influído em que medida se verificou tal hipotética influência para permitir ao Tribunal concluir pela verificação do vício em apreço.
Com efeito, referir que os testes não foram realizados por todos os testadores que para tal estavam designados e que o material entregue a alguns dos mesmos era desadequado às respectivas características físicas não permite concluir pela verificação do vício em apreço, não tendo a A. referido em que medida tais factos tiveram influência nas classificações atribuídas, sendo que, por outro lado, no que concerne ao tempo concedido aos testadores para manusearem cada um dos coldres e perceberem o funcionamento dos mesmos, também não refere a A. que os minutos concedidos, por escassos, influenciaram as diversas classificações atribuídas, sendo que, no que concerne à alegação em apreço - a escassez de tempo concedido - não pode deixar de ser completado com o segmento da frase que antecede a transcrição efectuada pela A. com o seguinte teor: «a fim de familiarizar os testadores com o objecto dos testes, foi-lhes explicado, pelos membros do júri, o funcionamento de cada um dos coldres …», pelo que o acto de adjudicação não padece do invocado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto …”.
Não assiste, também, neste âmbito razão à A. posto que à luz da factualidade supra apurada e considerandos atrás expendidos não ocorre minimamente a ilegalidade em presença.
Improcede, desta feita, também este fundamento de erro de julgamento sustentado no recurso.
3.2.3.5. DOS DEMAIS PRINCÍPIOS CONTRATAÇÃO INVOCADOS [DA CONCORRÊNCIA, DA LEGALIDADE, DA JUSTIÇA, DA IGUALDADE, DA PROPORCIONALIDADE, DA PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO]
Decorre do n.º 1 do art. 07.º do DL n.º 197/99, sob a epígrafe “princípios da legalidade e da prossecução do interesse público”, que na “… formação e execução dos contratos, as entidades públicas e privadas devem observar as regras e princípios previstos no presente diploma, não podendo, designadamente, ser adoptados procedimentos diferentes dos nele tipificados, excepto quando previstos na lei …”, sendo que nos termos do art. 09.º do mesmo DL, relativo ao “princípio da igualdade”, se refere que na “… formação dos contratos públicos devem proporcionar-se iguais condições de acesso e de participação dos interessados em contratar, segundo critérios que traduzam juízos de valor dos aspectos decisivos para contratar, coordenados com o objecto específico do contrato …” (n.º 1) e que iniciado “… o procedimento, não pode ser feita discriminação de qualquer natureza entre os interessados em contratar nem admitir-se qualquer interpretação das regras que disciplinam a contratação que seja susceptível de determinar uma discriminação entre os concorrentes e aqueles que não apresentaram candidaturas ou propostas …” (n.º 2).
Estipulava-se no art. 10.º também daquele diploma, referente ao “princípio da concorrência”, que na “… formação dos contratos deve garantir-se o mais amplo acesso aos procedimentos dos interessados em contratar, e em cada procedimento deve ser consultado o maior número de interessados, no respeito pelo número mínimo que a lei imponha …”.
E derivava do art. 12.º do aludido DL [princípio da proporcionalidade] que observados “… os limites fixados no presente diploma, deve ser escolhido o procedimento mais adequado ao interesse público a prosseguir, ponderando-se os custos e os benefícios decorrentes da respectiva utilização …” (n.º 1), sendo que na “… tramitação dos procedimentos apenas se devem efectuar as diligências e praticar os actos que se revelem indispensáveis à prossecução dos fins que legitimamente se visam alcançar …” (n.º 2).
Por fim, preceitua-se no art. 06.º do CPA, sob a epígrafe de “princípio da justiça e da imparcialidade” que no “… exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação …”.
Presente o quadro legal antecedente e efectuando o desenvolvimento de alguns considerandos a seu respeito temos que o princípio da concorrência reclama nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa e de André Salgado Matos que se mostre assegurado ou garantido “… o mais amplo acesso aos procedimentos por parte dos interessados em contratar, e que, em cada procedimento, seja consultado o maior número possível de interessados, no respeito pelo número mínimo que a lei imponha …”, sendo que o mesmo “… visa, quer a salvaguarda do normal funcionamento do mercado e a protecção subjectiva dos concorrentes [… arts. 81.º, f), e 99.º, a), c) CRP], quer a melhor prossecução do interesse público que preside à celebração do contrato, na medida em que a concorrência permite em regra que aquela se faça nas melhores condições financeiras para a administração …” (in: “Contratos Públicos - Direito Administrativo Geral”, Tomo III, pág. 75).
Também Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira sustentam a este propósito que é “… na concorrência (no apelo e defesa do mercado, ínsitos nestes procedimentos), que assenta, na verdade, o valor nuclear dos procedimentos (mais ou menos) concursais: é a ela que estes se dirigem e é no aproveitamento das respectivas potencialidades que se baseia o seu lançamento.
Com a existência de um procedimento dirigido à concorrência assegura-se, na medida do possível, que, na satisfação de interesses administrativos que lhes estão cometidos (e que implicam dispêndio de dinheiros públicos ou cedência de bens ou utilidades administrativos), os entes públicos o façam da forma publicamente mais vantajosa possível.
E, quanto mais pessoas se apresentarem perante a Administração, como eventuais futuros contratantes, quanto mais pessoas quiserem negociar com ela, no mercado administrativo, melhor: maior será o leque de ofertas contratuais - e o leque de escolha da Administração - e mais procurarão os concorrentes optimizar as suas propostas.
É esta uma das razões por que os procedimentos concursais foram legalmente erigidos no principal modus negociandi do mercado administrativo.
Chamar a concorrência, lançar um concurso, pressupõe, portanto, considerar os concorrentes como opositores uns dos outros, permitindo-se-lhes que efectivamente compitam e concorram entre si, que sejam medidos (eles ou as suas propostas) sempre e apenas pelo seu mérito relativo, em confronto com um padrão ou padrões iniciais imutáveis …” (in: ob. cit., págs. 100 e 101).
Quanto ao princípio da prossecução do interesse público temos que importa ainda considerar que no n.º 1 do art. 266.º da CRP se preceitua que a “… Administração Pública visa a prossecução do interesse público …”, sendo que em concretização daquele comando constitucional o legislador ordinário veio dispor também no art. 04.º do CPA, sob a epígrafe de “princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos”, que compete “… aos órgãos administrativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos …”.
Como impressivamente refere Marcelo Rebelo de Sousa a “… administração pública e o direito administrativo só podem compreender-se com recurso à ideia de interesse público …”, este “… é o norte da administração pública …” (in: ob. cit., Tomo I, pág. 201).
A definição do que constitui o “interesse público” comporta quer uma perspectiva mais ampla sendo entendido como o “interesse colectivo”, o “interesse geral duma determinada comunidade”, o “bem comum”, quer uma perspectiva mais restrita correspondendo, então, à “esfera das necessidades a que a iniciativa privada não pode responder e que são vitais para a comunidade na sua totalidade e para cada um dos seus membros”.
Note-se que é na lei (Constituição e lei ordinária) que se mostram definidos os interesses públicos que devem ser prosseguidos obrigatoriamente pela Administração Pública não sendo esta a fazê-lo e estando-lhe vedada, sob pena de ilegalidade e de sujeição dos prevaricadores a outras sanções, a possibilidade de prossecução de interesses particulares, para além de que sobre a mesma impende também o dever de boa administração (cfr. art. 10.º do CPA - princípio da eficiência) e está limitada na sua actuação pelo princípio do respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos.
Nas palavras de M. Esteves de Oliveira e outros “… a «prossecução dos interesses públicos» seria … o «volante» (ou o «acelerador») da Administração Pública: os «direitos e interesses protegidos» são as barreiras da estrada em que ela circula, levando-a a fazer, aqui e ali, «curvas» e desvios mais pronunciados, a optar por medidas menos radicalmente viradas para a satisfação do interesse público do que aquelas que se tomariam, se este fosse o único critério da sua determinação …” (in: ob. cit., pág. 98).
Atente-se, todavia, que a noção e definição do que seja o “interesse público” se revela como sendo de conteúdo variável já que a sua concretização está dependente da evolução dos tempos ou do permanente devir, pelo que o que ontem constituía interesse público hoje poderá não sê-lo e o de hoje não o será possivelmente amanhã.
Refere ainda a este propósito Marcelo Rebelo de Sousa que “… a administração goza de uma ampla margem de livre decisão quanto ao “modus faciendi” da sua prossecução: um tribunal pode anular um acto da administração por ele prosseguir um interesse privado ou um interesse público diferente do definido por lei para o exercício da competência em causa, mas não pode anulá-lo, com fundamento no mesmo princípio, por considerar que ele não prossegue da melhor maneira o interesse público legalmente definido …” (in: ob. cit., Tomo I, pág. 202).
No que diz respeito ao princípio da legalidade temos que o mesmo, para além dos afloramentos constantes do art. 02.º da CRP, resulta ainda do n.º 2 do art. 266.º da nossa Lei Fundamental, sendo que decorre do n.º1 do art. 03.º do CPA que os “… órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos …”.
Constitui pedra basilar do Estado de direito a subordinação jurídica de todos os poderes públicos, nomeadamente o da Administração, sendo o princípio da legalidade o concretizador de tal fundamento.
A subordinação jurídica implica que os órgãos e agentes da Administração Pública só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos.
Tal princípio tem por conteúdo não apenas o respeito da lei, em sentido formal ou em sentido material, mas abrange ou implica a subordinação da Administração a todo o bloco legal (a CRP, a lei ordinária, o regulamento, os direitos resultantes de contrato administrativo e de direito privado ou de acto administrativo constitutivo de direitos, bem como aos princípios gerais de Direito e mesmo ao Direito Internacional que vigore na ordem jurídica interna), sendo que o mesmo princípio tem por objecto todos os tipos de comportamentos da Administração Pública e comporta duas modalidades:
a) A preferência da lei (veda à administração que a mesma contrarie o direito vigente) e
b) A reserva da lei (exige-se que a administração na sua actuação, mesmo que não contrária ao direito, tenha fundamento numa norma jurídica), sendo que esta se projecta, por sua vez, em duas maneiras complementares:
1) A precedência de lei (exprime a necessária anterioridade do fundamento jurídico-normativo que preside à actuação administrativa), e
2) A reserva de densificação normativa (exigência daquele mesmo fundamento jurídico-normativo estar e se mostrar dotado dum grau de suficiente pormenorização que permita antecipar adequadamente tal actuação administrativa) (cfr., para maiores desenvolvimentos, Freitas do Amaral in: ob. cit., págs. 40 e segs.; Marcelo Rebelo de Sousa in: ob. cit., Tomo I, págs. 153 e segs.; M. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco Amorim in: ob. cit., págs. 86 e segs.; Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido Pinho in: ob. cit., págs. 48/51).
Já quanto ao princípio da igualdade temos que como refere Marcelo Rebelo de Sousa (in: ob. cit., Tomo I, págs. 218/219) o mesmo “... postula, … em primeiro lugar, que se determine se determinadas situações devem ou não ser consideradas como substancialmente idênticas; e, em segundo lugar, que se assegure o tratamento dessas situações de forma congruente com a sua semelhança ou dissemelhança substanciais.
A igualdade ou disparidade substanciais das situações da vida não têm que ser absolutas; têm é que se verificar em relação aos aspectos que se mostrem relevantes à luz do poder administrativo em concreto exercido e do fim para o qual ele foi legalmente conferido. Por isso mesmo, a igualdade ou disparidade não são puramente fácticas, mas também de qualificação jurídica …”.
E continua aquele Professor uma “... vez apurada a identidade substancial entre situações, o princípio da igualdade implica, por um lado, que não se trate desigualmente o que deve ser igual (sentido negativo) e que se trate de forma igual o que deve ser igual (sentido positivo).
(...) Quanto ao conteúdo específico da conduta que a administração deve adoptar par cumprir o princípio da igualdade, devem distinguir-se as situações de proibição de discriminação das de obrigação de diferenciação. A proibição de discriminação obedece ao propósito de vedar toda a discriminação intolerável, quer a que se traduz em tratar desigualmente o que deve ser desigual, quer a que se exprime em tratar igualmente o que deve ser desigual; assim sendo, implica o dever de não agir (não introduzindo desigualdades no que deve ser igual ou introduzindo igualdades no que dever ser desigual), bem como o dever de agir (tratando igualmente o que deve ser igual e impedindo que se trate desigualmente o que deve ser igual). A obrigação de diferenciação subordina-se à ideia de introduzir todas as diferenciações necessárias para atingir a igualdade substancial, quer tratando desigualmente o que é igual, quer tratando desigualmente o que é desigual e deve ser igual (discriminação positiva) …”.
O princípio da igualdade traduz, no fundo, a ideia geral de proibição do arbítrio que vincula de igual modo o agir e actuar da Administração, não aceitando a discriminação, ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do art. 13.º da CRP, proibindo-se, no que âmbito em análise, a discriminação de qualquer natureza entre os interessados em contratar, não se admitindo-se qualquer interpretação das regras que disciplinam a contratação que possa ser susceptível de determinar uma discriminação entre os concorrentes e aqueles que não apresentaram candidaturas ou propostas.
Passando, agora, ao enquadramento do princípio da proporcionalidade também em questão temos que decorre ainda do n.º 2 do art. 05.º, n.º 2 do CPA que as “… decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar …”.
Na actuação administrativa terá, por conseguinte, de existir uma proporção adequada entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir, já que a proporcionalidade terá de se verificar entre o fim da lei e o fim do acto, entre o fim da lei e os meios escolhidos para atingir tal fim e entre as circunstâncias de facto que dão causa ao acto e as medidas tomadas.
Este princípio tem grande aplicação na actividade administrativa e, em especial, na actividade que se insere na denominada “discricionariedade técnica ou administrativa” ("justiça administrativa"), sendo que, nesse âmbito, não deverá o juiz, em princípio, sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida daquele poder, salvo situações como de incompetência do órgão, de inobservância de formalidades essenciais no decurso do processo, de falta ou insuficiência de fundamentação da decisão final, de erro nos pressupostos, de desvio de poder, de erro manifesto, inadmissibilidade ostensiva dos critérios usados, ou mostrarem-se estes manifestamente desacertados e inaceitáveis.
Por último, o princípio da justiça, nas palavras de J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, "... aponta para a necessidade de a Administração pautar a sua actividade por certos critérios materiais ou de valor, constitucionalmente plasmados, como, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana, o principio da efectividade dos direitos fundamentais ..." (in: "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3.ª edição, pág. 925).
Não é, por conseguinte, por critérios de justiça abstracta que deve ser regulada a conduta da Administração mas sim por critérios objectivos e universais (cfr. Freitas do Amaral, in: “Direito Administrativo”, vol. II, Lisboa 1988, pág. 201; M. Esteves de Oliveira e outros, in: ob. cit., pág. 106, nota I).
O princípio em questão significa ou implica que a Administração pública deve, na sua actuação, harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados, comportando no seu seio, pelo menos três corolários, que se podem elencar em outros tantos princípios e que consistem:
a) No princípio da justiça "stricto sensu", segundo o qual todo o acto administrativo praticado com base em "manifesta injustiça" é contrário à Constituição e à lei ordinária e como tal é ilegal;
b) No princípio da igualdade;
c) E no principio da proporcionalidade (cfr. Freitas do Amaral, in: ob. cit., vol. II, Lisboa 1988, págs. 201 a 203).
Aliás como defende Marcelo Rebelo de Sousa no princípio da justiça conjuga-se a consecução da igualdade com a salvaguarda dos direitos fundamentais, pelo que o aludido princípio "... não apresentará, senão em casos-limite, autonomia jurídica em relação a outros princípios em que ele se desdobra (ou lhe são instrumentais), como os da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade, da imparcialidade e da protecção de direitos e interesses legalmente protegidos.
Ele constitui (...) uma última 'ratio' da subordinação da Administração ao Direito, permitindo invalidar aqueles actos que, não cabendo em nenhuma das condicionantes jurídicas expressas da actividade administrativa, constituem, no entanto, uma afronta intolerável aos valores elementares da Ordem Jurídica, sobretudo aos plasmados em normas respeitantes à integridade e dignidade das pessoas, à sua boa-fé e confiança no Direito ..." (in: "O concurso público na formação do contrato administrativo", págs. 24/25; cfr. M. Esteves de Oliveira e outros, in: ob. cit. pág. 106, nota I).
Presentes estes considerandos genéricos de enquadramento importa, agora, reverter ao caso sob análise e aferir da sua infracção.
Ora presente a situação “sub judice” e tudo o que anteriormente se foi referindo quer em sede de análise dos demais fundamentos de ilegalidade quer em sede de enquadramento dos princípios em referência, não se descortina, tal como se conclui com acerto na decisão judicial recorrida, que haja ocorrido infracção a qualquer dos princípios concursais aludidos em epígrafe e tidos por violados no procedimento concursal.
Vista a factualidade que se mostra alegada e provada, repita-se não sindicada nesta sede, e presentes os quadros normativos e de enquadramento antecedentes, temos que não se vislumbra em que medida é que a decisão de adjudicação e demais actos/condutas desenvolvidos ao longo do concurso [aviso de abertura até decisão final] hajam desrespeitado os princípios da concorrência, da legalidade, da justiça, da igualdade, da proporcionalidade e da prossecução do interesse público, não envolvendo em particular o acto de adjudicação e contrato outorgado, qualquer afectação das exigências impostas por tais princípios.
Temos, pois, que não se mostram procedentes as criticas assacadas pela A./recorrente ao decidido nos autos ora objecto de apreciação, improcedendo também este fundamento de recurso.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional “sub judice” e manter a decisão judicial recorrida com todas as legais consequências.
Custas nesta instância a cargo da A., aqui recorrente, sendo que na mesma a taxa de justiça, não revelando os autos especial complexidade, se atenderá ao valor resultante da secção B) da tabela I anexa ao Regulamento Custas Processuais (doravante RCP) [cfr. arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, 447.º-D, do CPC, 04.º “a contrario”, 06.º, 12.º, n.º 2, 25.º e 26.º todos do referido Regulamento, e 189.º do CPTA].
Valor para efeitos tributários: 30.000,01€ [cfr. art. 12.º, n.º 2 do RCP].
Notifique-se.
D.N..

Restituam-se, oportunamente, aos ilustres representantes judiciários das partes os suportes informáticos que hajam sido gentilmente disponibilizados.

Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” art. 01.º do CPTA).

Porto, 11 de Agosto de 2010
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador

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