quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

PEDIDO - APERFEIÇOAMENTO.

Proc. Nº 8353/11   TCAS    19 Janeiro 2012

O pedido deve ser expressamente referido, de forma clara e inteligível, há-de ser determinado e preciso, coerente com a causa de pedir, correspondendo ao corolário lógico entre os factos alegados e as correspondentes normas jurídicas invocadas. Não deve ser formulado de forma implícita, subentendida ou suposta, sob pena de estar deficientemente formulado. Porém, a deficiência na formulação do pedido não corresponde necessariamente à sua ineptidão. Em caso de um pedido deficientemente formulado compete ao juiz mandar aperfeiçoar o mesmo, face aos artigos 7º, 87º, n.º 1, alínea a), 88º, n.º 2, 102º do CPTA e 508º, n.º2, do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA. Esta obrigação do juiz é uma obrigação vinculada, se em causa está uma simples irregularidade.

Recorrente: J…….., Construção …………., Lda
Recorrido: Instituto de Segurança Social, IP
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
Vem interposto recurso do despacho do TAF de Lisboa que julgou inadmissível o pedido de modificação objectiva da lide formulado pelo ora Recorrente, extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide e improcedente o pedido de condenação do ora Recorrido como litigante de má fé.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões:

».
O Recorrido apresentou conta alegações, formulando as seguintes conclusões:«

».
Sem vistos, vem o processo à conferência.
Os Factos
A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:

»

Nos termos do artigo 712º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, acrescentam-se os seguintes factos, dados por assentes, por provados:
18) Em 18.04.2011 foi enviado ao TAC de Lisboa pelo ora Recorrido o req. de fls.109 a 111 e os docs. de fls. 113 a 121, que aqui se dão por reproduzidos, informando-se da deliberação do CD do Recorrido de 13.04.2011 e requerendo-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
19) Em 04.05.2011 o ora Recorrente enviou para o TAC de Lisboa o req. de fls. 142 a 148, que aqui se dá por integralmente reproduzido, refere o seguinte: «o acto administrativo plasmado no doc. 1 do requerimento do R. é parcialmente nulo, na parte em que anulou e revogou o procedimento concursal. (…) Tal nulidade que expressamente se invoca deve ser declarado e reconhecido pelo presente Tribunal, por ser fundamental para a boa decisão da presente causa e ainda ao abrigo dos princípios da economia processual, directamente aplicáveis por força do disposto no art. º 1º do CPTA e dos art.ºs 137º e 264º, n.º2 e 3 do CPC, sob pena de, não o fazendo, obrigar a A. a nova acção para obter aquele efeito jurídico» e, a final, indica o seguinte: «Termos em que deve o acto administrativo proferido pelo R. ser julgado parcialmente nulo, na parte em que anulou e revogou o procedimento concursal, devendo, em consequência, ser indeferido o requerimento de inutilidade superveniente da lide».
20) Em 09.05.2011 o ora Recorrido enviou para o TAC de Lisboa o req. de fls. 152 a 156, que aqui se dá por integralmente reproduzido, onde responde ao anterior requerimento do ora Recorrente.
21) Por despacho de 15.05.2011, de fls. 158 verso, foi relegado para final o conhecimento da inutilidade superveniente da lide e determinada a notificação às partes para apresentarem alegações.
22) O Recorrido apresentou as alegações de fls. 160 a 163 e o Recorrente de fls. 168 a fls. 177, onde requer, a final, nas alíneas a) a c) dessas alegações, o seguinte: «deve ser proferida decisão que, julgando provada e procedente a presente acção, decida: a) julgar nula a decisão de anulação do procedimento concursal plasmada na segunda parte do acto administrativo do R. de 13.04.2011; b) julgar nula a decisão de caducidade da adjudicação de 10.02.2011; c) ser o Réu condenado a prosseguir o concurso, no cumprimento da sua própria decisão de revogação da caducidade da adjudicação (constante da primeira parte do acto administrativo de 13.04.2011), celebrando com a A. o contrato previsto no artigo 94º do CCP».

O Direito
Nas conclusões 1 a 8 do recurso vem o Recorrente defender que com o requerimento que apresentou em 04.05.2011 «aceita o acto revogatório e considera que o mesmo constitui confissão integral dos factos peticionados na pi, na parte em que este acto revogou o acto administrativo impugnado, mas impugnando o acto revogatório na parte em que este, de forma inovadora no procedimento, revogou todo o procedimento concursal» e que terminou tal requerimento «apresentando um novo pedido», que indica como sendo de «nulidade parcial do acto revogatório, na parte em que anulou o concurso e a procedência da acção, ou seja, o prosseguimento do concurso». Ao assim não considerar, a sentença recorrida, segundo o Recorrente, viola o artigo 64º, n.º 1, do CPTA.
Determina o artigo 64º, n.º 1, do CPTA, que quando na pendência do processo seja proferido acto revogatório com efeitos retroactivos do acto impugnado, acompanhado de nova regulação da situação, pode o autor requerer que o processo prossiga contra o novo acto. O n.º 3 desse artigo esclarece que «o disposto no n.º1 é aplicável a todos os casos em que o acto impugnado seja total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro com os mesmos efeitos».
Ora, face à matéria provada, resulta que o novo acto de 13.04.2011 do CD do ISS, revogou com efeitos retroactivos o acto então impugnado e procedeu, ainda, a uma nova regulação da situação, porquanto determinou a revogação e a anulação do procedimento concursal.
No processo administrativo, tal como no processo civil, impera o princípio do dispositivo. As partes são livres no impulso que dão ao processo, mas também são as responsáveis por esse impulso. Apenas às partes incumbe formular o seu pedido e não pode a sentença condenar em quantidade superior ou em objecto diverso. Uma vez apresentada a acção, a mesma deve manter-se quanto ao pedido e à causa de pedir, salvo em caso de a lei permitir a modificação objectiva da instância (cf. artigos 3º, n.º 1, 264º, 268º, 273º, 508º e 661º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA).
A doutrina indica comummente como características para o pedido, a existência, a inteligibilidade, a determinação, a compatibilidade, a licitude, a viabilidade, a probidade e a juridicidade (cf., vg, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, págs. 243 a 247; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Editora Lex , Lisboa, 1997, págs. 301 a 304 ou António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. 1, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, págs. 119 a 214).
Assim, o pedido deve ser expressamente referido, de forma clara e inteligível, há-de ser determinado e preciso, coerente com a causa de pedir, correspondendo ao corolário lógico entre os factos alegados e as correspondentes normas jurídicas invocadas. Não deve ser formulado de forma implícita, subentendida ou suposta, sob pena de estar deficientemente formulado. Porém, a deficiência na formulação do pedido não corresponde necessariamente à sua ineptidão. Esta, só se verifica se o pedido for ininteligível. Quando, por imperícia na alegação, o pedido estiver só deficientemente formulado, não há que considerar o mesmo inepto ou inexistente.
Face aos factos provados, deriva que o ora Recorrente, no seu requerimento de 04.05.2011, não indicou, a final, de forma expressa, clara e precisa, que modificava a sua demanda, formulando um agora novo pedido. Não disse de forma clara que pretendia alargar a demanda e impugnar o acto de 13.04.2011, do CD do ISS, quer pelas razões por si já aduzidas na PI, quer por outras razões, quanto à parte em que determinou a anulação do próprio procedimento concursal. Diferentemente, utilizou a seguinte expressão para alcançar tal intento: «Termos em que deve o acto administrativo proferido pelo R. ser julgado parcialmente nulo, na parte em que anulou e revogou o procedimento concursal, devendo, em consequência, ser indeferido o requerimento de inutilidade superveniente da lide». Não alegou, portanto, o ora Recorrente, de forma clara e totalmente escorreita, como derivaria das regras de bem articular, que pretendia manter a anterior instância, com relação a um ou aos três concretos pedidos que formulou na PI, ou antes, que pretendia alargá-la, procedendo à sua modificação objectiva, tal como lhe era permitido pelos artigos 64º e 86º do CPTA, passando a impugnar não apenas o acto já sindicado, mas, ainda, o acto de 13.04.2011, do CD do ISS, na parte em que determinou a anulação do próprio procedimento concursal. Identicamente, não disse se pretendia que a demanda prosseguisse apenas para o pedido condenatório formulado na alínea c) da PI e contra o novo acto. Ou, que deixava de formular algum dos pedidos concretamente indicados na PI e que passava a formular um diferente pedido, ou ainda, que acrescentava este aos pedidos já formulados. Utilizou o ora Recorrente, a expressão acima transcrita, que não é uma formulação totalmente clara.
Porém, não obstante os termos da formulação do novo pedido, naquele articulado, não pode o mesmo ser, pura e simplesmente, considerado ininteligível ou inexistente. Terá, antes, de se considerar um pedido deficientemente formulado. Por conseguinte, competiria ao juiz mandar aperfeiçoar o mesmo, esclarecendo-se qual a concreta pretensão do ora Recorrente. Este convite ao aperfeiçoamento do pedido era uma exigência dos artigos 7º, 87º, n.º 1, alínea a), 88º, n.º 2, 102º do CPTA e 508º, n.º2, do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA (cf. ainda, a propósito da obrigação de prolação do despacho de aperfeiçoamento, Pedro Madeira de Brito, «O Novo Princípio da Adequação Formal», in Aspectos do Novo Código de Processo Civil, Editora Lex, Lisboa, págs. 34 a 36, 68 e 69; Paula Costa e Silva, «Saneamento e Condensação no Novo Processo Civil: a Fase da Audiência Preliminar», in, Aspectos…, op. cit, págs. 216 e 223 a 234. Na jurisprudência, vide Acs. do STJ n.º 6A3687, de 21.11.2005, TRL n.º 5124/07.0TVLSBL1-8, de 02.07.2009, TRP n.º 635538, de 29.11.2006 ou TRP n.º 632391, de 05.07.2006, todos in dgsi.mj.pt). Na mesma senda, como corolário do princípio da tutela efectiva, no artigo 7º do CPTA, determinou-se a obrigação de o juiz interpretar as normas processuais no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.
Do teor do pedido, tal como foi formulado a final no requerimento de 04.05.2011 do ora Recorrente, ainda é possível apreender os efeitos jurídicos pretendidos pelo mesmo. Tais efeitos serão, modificar a instância, alargando-a ao acto de 13.04.2011, do CD do ISS, que pretende que seja apreciado pelas razões legais que invocou na PI, e ainda, que seja declarado tal acto parcialmente nulo, na parte em que anulou e revogou o procedimento concursal. Esse efeito jurídico, retira-se, também, do teor do correspondente articulado, quando o ora Recorrente indica que «o acto administrativo plasmado no doc. 1 do requerimento do R. é parcialmente nulo, na parte em que anulou e revogou o procedimento concursal. (…) Tal nulidade que expressamente se invoca deve ser declarado e reconhecido pelo presente Tribunal, por ser fundamental para a boa decisão da presente causa e ainda ao abrigo dos princípios da economia processual, directamente aplicáveis por força do disposto no art. º 1º do CPTA e dos art.ºs 137º e 264º, n.º2 e 3 do CPC, sob pena de, não o fazendo, obrigar a A. a nova acção para obter aquele efeito jurídico».
A sentença recorrida julgou «inadmissível o pedido de modificação objectiva da instância». Na referida decisão foi entendido que ocorreu uma revogação anulatória, por substituição, fundada na ilegalidade do acto revogado, que ficou destruído “ab initio”. Aí é referido o seguinte: «confrontado com a revogação do acto impugnado na pendência dos presentes autos, o Autor optou por manter o propósito deduzido na petição inicial de declaração da nulidade ou anulação da decisão de caducidade de adjudicação (o acto revogado), acrescido do pedido de declaração de nulidade do acto revogatório de anulação do concurso, pedido este formulado ao abrigo do art. 137 e 264 n.º 2 e 3 do CPC. Ora, além da desadequada e errónea invocação dos art 137 e 264 do CPC para sustentar a admissibilidade do seu pedido de declaração de nulidade do acto revogatório, afigura-se que os moldes em que o Autor formula os pedidos após a prolação do acto de substituição retroactiva não é passível de se subsumir na previsão do art. 64 n.º1 do CPTA, porquanto, em rigor, o Autor não requereu o prosseguimento dos autos contra o novo e único acto em vigor (como seria suposto), admitindo a possibilidade da imputação de vícios já assacados ao acto revogado, tal como o preceito legal enunciado prevê; antes optou por manter o pedido já deduzido contra o acto revogado, a que fez acrescer um pedido adicional contra o acto revogatório. A peticionada modificação objectiva da instância com os contornos definidos no requerimento do Autor, após a tomada de conhecimento da revogação do acto impugnado, e mantidos nas alegações não é, pois, legalmente admissível, nos termos do art. 64 n.º1 do CPTA. Pelo que os pedidos deduzidos supra enunciados não poderão ser conhecidos pelo Tribunal».
Por conseguinte, a sentença sindicada entendeu, nessa parte bem, que o pedido formulado pelo ora Recorrente, no requerimento de 04.05.2011, o havia sido de forma deficiente. Mas, em vez de determinar o correspondente aperfeiçoamento, considerou que o pedido, tal como vinha formulado, era inadmissível, por vir assente numa errónea invocação legal e por estar formulado em termos não subsumíveis no artigo 64º, n.º 1, do CPTA, por o ora Recorrente não ter requerido o prosseguimento dos autos contra o novo e único acto em vigor.
Ora, do teor do requerimento de 04.05.2011 do A., ora Recorrente, e das alegações entretanto apresentadas, verifica-se, que o mesmo considera que o acto revogatório não revogou apenas o acto então impugnado, de determinar a caducidade da adjudicação, mas, ainda, que procedeu a uma diferente regulação jurídica, porquanto determinou a anulação do próprio procedimento concursal. Assim, pretendia o ora Recorrente que o acto de 13.04.2011, do CD do ISS, fosse apreciado com base nas invalidades que já havia invocado para o acto revogado e, ainda, por outras razões jurídicas, que indica, na parte em que determinou a anulação do próprio procedimento concursal, e, nessa medida, fosse considerado nulo.
Porque formulou tal pretensão de forma imperfeita, haveria que determinar-se o correspondente aperfeiçoamento do pedido, para que o Autor esclarecesse a sua concreta pretensão. Não julgar o mesmo inadmissível.
Esta obrigação do juiz era uma obrigação vinculada, porque em causa estava uma simples irregularidade na forma como o A., ora Recorrente, havia formulado o pedido no requerimento de 04.05.2011. Essa irregularidade foi compreendida pelo Tribunal, tal como decorre da sentença proferida, acima transcrita. Logo, havia que determinar-se o aperfeiçoamento do pedido e não a «inadmissibilidade» da forma como foi peticionada a modificação objectiva da instância.
Acresce, que na PI o A. formulou três diferentes pedidos. Um, para que fosse declarada nula ou anulada a decisão de caducidade de adjudicação. Outro, para ser «reconhecido que a A. entregou à Ré atempadamente todos os documentos necessários á sua habilitação no referido concurso». Um terceiro pedido, para que fosse a «Ré condenada a prosseguir o concurso, nomeadamente celebrando com, a A. o contrato previsto no artigo 94º do CPP». Desta forma, se é verdade que o acto de 13.04.2011, do CD do ISS, ao revogar a decisão de determinar a caducidade da adjudicação, faz desaparecer os efeitos jurídicos pretendidos com os dois primeiros pedidos ali formulados, já o mesmo não acontece com o último pedido, relativo à condenação da R. a prosseguir o concurso. Este último pedido apresenta-se em cumulação real com os primeiros. Por conseguinte, os efeitos que se pretendiam com a sua formulação, manter-se-ão após a prolação do acto revogatório. Logo, também não é certo o que se afirma na decisão recorrida, que existe uma «impossibilidade superveniente da lide, por perda do objecto processual, ou seja dos actos impugnados», porquanto o A., ora Recorrente, na PI, havia formulado ainda um pedido condenatório, que sempre se manteria, não obstante a revogação do acto inicialmente sindicado.
Assim, face aos três pedidos formulados na PI, a revogação anulatória do acto inicialmente sindicado, também não determina, por si só, a impossibilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância, tal como determinado na sentença recorrida. Sempre subsistiria o pedido condenatório, que não ficou prejudicado com a revogação do acto anulado.
Em suma, errou a decisão recorrida, quando face ao requerimento de 04.05.2011 do Autor, ora Recorrente, entendeu inadmissível o pedido de modificação objectiva da instância, em vez de determinar o aperfeiçoamento do pedido ali formulado, por se tratar de um pedido deficiente.
Nas conclusões 9 a 11 vem o Recorrente insurgir-se contra a decisão prolatada na parte em que considerou extinta a instância por inutilidade superveniente e condenou a A. em custas. Ora, nesta parte, está prejudicado o conhecimento do recurso, já que ao determinar-se a revogação da sentença recorrida, pelas razões antes indicadas, deixa de manter-se a decisão também quanto às custas.
Pelo exposto, acordam em:
a) Conceder provimento ao recurso e revogar a decisão proferida, determinando-se que se convide o A., ora Recorrente, a aperfeiçoar o pedido formulado no requerimento de 04.05.2011, seguindo depois os autos os seus demais termos.
b) condenar o Recorrido nas custas respectivas.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2012
(Sofia David)
(Carlos Araújo)
(Teresa de Sousa)

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