segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

VÍCIO DE FORMA. - PRINCIPIO DA INOPERÂNCIA DOS VICIOS.

Proc. 5396/09   TCAS   12 de Janeiro de 2012

Quando a anulação do acto administrativo, por vicio anulatório, conduza à repetição da operação e desta resulte a manutenção da posição relativa do concorrente, para este não trazendo qualquer vantagem, não deve anular-se o acto, face ao principio da inoperância dos vícios ou utile per inutile non vitiatur.

Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:


O MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA inconformado com a sentença do TAF de Castelo Branco, de 22 de Abril de 2009, que julgou procedente a acção administrativa especial intentada por Rui ………………, com sinais nos autos, e consequentemente anulou “ o acto administrativo consubstanciado na deliberação [de 12 de Abril de 2008] do júri de Admissão ao 5º Curso de Especialização em Inactivação de Explosivos e Segurança em Subsolo , pelo qual o Autor foi excluído do mesmo” , dela recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões :
“ 1.º - o regulamento do concurso, publicado na O.S. constante de fls. 20 a 25 do PA não refere nem muito menos impõe que a alteração à ordem das provas, constante do seu ponto ou número 10, apenas possa ter lugar dentro de cada uma das duas fases que a compõem;
2.º - a alteração efectuada pelo Júri do concurso encontra-se fundamentada e teve em vista a protecção do interesse público, bem como poupar os próprios candidatos a novas e injustificadas deslocações, não estando demonstrado que dela haja sido originada qualquer restrição ou violação de direitos do A. aqui recorrido;
3.º - a alteração referida na conclusão anterior, além de tomada antes de conhecidos os candidatos, foi dada a conhecer ao A. antes da efectivação das provas, dela não tendo o mesmo reclamado nem de qualquer modo a ela se tendo oposto ou manifestado discordância;
4.º - independentemente do resultado da entrevista, o Júri estava vinculado ao resultado do exame psicológico, o qual era decisivo para a passagem do A. à segunda fase das provas, sendo por isso inútil ou desprovido de relevância o resultado obtido na entrevista realizada antecipadamente;
5.º - a decisão recorrida não demonstra ter existido violação de qualquer direito do A.;
6.º - a constituir vicio de forma, tal alteração sempre constituiria uma irregularidade meramente formal, não assumindo carácter invalidante e desprovida de efeito útil;
7.º - a decisão recorrida violou o disposto no ponto ou numero 10.2 do regulamento do concurso e no n.º 2 do artigo 202.º e no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição.”
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O ora Recorrido contra – alegou pugnando pela manutenção do decidido.
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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida a qual, se dá aqui por reproduzida nos termos e para os efeitos do disposto no art. 713º nº 6 do Cód. Proc. Civil.

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Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Castelo Branco que julgou procedente a acção administrativa especial intentada por Rui …………………, e consequentemente anulou “ o acto administrativo consubstanciado na deliberação [de 12 de Abril de 2008] do júri de Admissão ao 5º Curso de Especialização em Inactivação de Explosivos e Segurança em Subsolo , pelo qual o Autor foi excluído do mesmo”.
A sentença em crise entendeu estar verificado o vício de forma consubstanciado na infracção do ponto 10.2 da Ordem de Serviço, na qual fora publicado o aviso de abertura do concurso, com o fundamento que, de seguida, se reproduz na íntegra:
“ No presente caso, resultou demonstrado que o A., assim como outros candidatos, realizou a respectiva entrevista de selecção antes de lhe ter sido comunicado o resultado da avaliação psicológica. Ora, não cabia nos poderes do júri do concurso a que se alude nos presentes autos, o de alterar a ordem da prestação da realização das provas de selecção fora da linha divisória estabelecida entre provas de carácter eliminatório e provas complementares de selecção. É que a parte final do referido ponto 10.2 do regulamento do concurso em causa, apenas permite que apenas sejam alteradas a ordem de realização das provas, dentro de cada uma das duas fases de avaliação citada. Assim o júri do concurso a que se alude nos presentes autos, estava impedido de subverter a dita ordem sequencial das duas fases avaliativas, pelo que não deveria ter tomado uma deliberação como aquela que consta do nº 5 da matéria de facto assente.”
Analisemos a questão que se prende em saber se a alteração à ordem das provas efectuada pelo júri tem carácter invalidante, como foi sustentado na sentença em crise, ou se, pelo contrário, como argumenta o ora Recorrente, a constituir vício de forma, tal alteração seria uma irregularidade meramente formal, não assumindo carácter invalidante e desprovida de efeito útil.
Com especial relevo para a decisão importa pois destacar o item 5 da factualidade dada como assente na sentença em crise, transcrevendo para o efeito o seguinte trecho da acta nº 1 do júri, datada de 19 de Setembro de 2007, constante de fls. 27 a 29 do PA:
“ (…) relativamente à prestação de provas no âmbito deste concurso, o juri deliberou ainda por unanimidade que, por forma a evitar deslocações excessivas por parte dos candidatos oriundos dos Comandos sediados fora de Lisboa, o conjunto das provas físicas, provas de aptidão funcional, exame psicológico de selecção e entrevista profissional iriam ser realizadas, sequencialmente, em dois dias úteis. Esta deliberação implica a feitura de entrevista profissional ( prova complementar de selecção) a candidatos que ainda desconhecem os resultados do seu exame psicológico de selecção, pelo que só serão considerados para efeitos de concurso os resultados da entrevista profissional dos candidatos aptos no exame psicológico de selecção (…)”.
Como adiantamos supra, o Mmo. Juiz a quo sustentou que não cabia nos poderes do júri “(…) alterar a ordem da prestação da realização das provas de selecção fora da linha divisória estabelecida entre provas de carácter eliminatório e provas complementares de selecção”, porquanto, em seu entender, o ponto 10.2 do regulamento do concurso apenas permite a alteração dentro de cada uma das duas fases de avaliação.
Discordamos contudo de tal entendimento.
Com efeito, em parte alguma do Regulamento se refere que uma tal alteração apenas poderá ter lugar dentro de cada uma das duas fases de avaliação, não havendo, por conseguinte, qualquer distinção, seja ela no tocante a ambas as fases ou circunscrita a cada uma. Aliás, a própria sistematização de todo o ponto 10 do Regulamento não permite apontar no sentido sustentado pela decisão recorrida, já que a norma figura após as referências a ambas das fases e na mesma linha destas, sendo por isso comum a todo o ponto 10, necessariamente aos “métodos de selecção” e não apenas a qualquer um deles.
Tal alteração foi, aliás, deliberada pelo júri ainda antes da realização das provas de selecção e encontra-se devidamente justificada pela necessidade de, existindo um elevado e não previsto numero de candidatos oriundos de Comandos sediados fora de Lisboa, evitar as respectivas deslocações para estes e o seu novo regresso, com o consequente acréscimo de custos para o erário publico, o que aconselhou a que a entrevista pudesse ter lugar mesmo antes de ser conhecido o resultado do exame psicológico, sem contudo, retirar ou invalidar o carácter (eliminatório) de cada uma das provas definido no mesmo aviso.
De resto, à data da realização da entrevista o júri não conhecia as provas prestadas pelo A. , aqui recorrido, em sede de exame psicológico, nem tão pouco o resultado destas, já que elas foram aplicadas por uma terceira entidade – o Gabinete de Psicologia da PSP – e só a esta competia a respectiva avaliação e classificação, sendo certo que o júri a esta estava vinculado.
Por outro lado, como resulta da deliberação do júri, o resultado da entrevista, além de sigiloso quer em relação ao candidato quer no tocante a terceiros, incluindo os demais candidatos, ficou condicionado à passagem do entrevistado à fase seguinte, ou seja, o resultado da entrevista profissional apenas teria relevância e somente seria conhecido se o candidato fosse considerado apto no exame psicológico.
Não há por conseguinte subversão por parte do júri do resultado das provas com o intuito de prejudicar o candidato na entrevista, porquanto, além do mais, não só ignorava o resultado do exame psicológico, como este dele não dependia. E sempre o resultado da entrevista estava condicionado á passagem à segunda fase das provas.
Situação diversa ocorreria caso o Autor, tendo transitado à segunda fase, viesse a ser excluído por eventualmente haver obtido nota desfavorável na entrevista realizada, podendo aqui, neste caso, questionar, porém, justificadamente, não a alteração da ordem da entrevista mas a respectiva valoração.
Temos pois que se tratou de uma alteração meramente formal, previamente transmitida a todos os candidatos, incluindo o Autor, insusceptível de os prejudicar, não assumindo natureza invalidante, sendo certo que o júri, ao assim ter deliberado, por unanimidade, mais não fez do que salvaguardar o interesse público resultante da diminuição dos custos para o erário público, preservando simultaneamente o carácter eliminatório de cada uma das provas sem contudo menosprezar os direitos de cada um dos candidatos.
E tratando-se de uma irregularidade meramente formal e não invalidante da deliberação do júri, ela seria desprovida de qualquer utilidade para o Autor, já que não tendo sido reconhecido qualquer outro vício na decisão impugnada, o procedimento a adoptar pelo júri, na sequência da sentença anulatória, sempre passaria por voltar a reunir, retirar da acta nº 1 a deliberação, na parte em que determinou a realização sequencial em dois dias úteis das provas de exame psicológico e da entrevista profissional, dando sem efeito o resultado desta ultima, como se ela não tivesse existido, aplicando, de seguida, os resultados obtidos nas provas pertencentes à primeira fase concursal. Como o Autor foi considerado “não apto” no exame psicológico, sempre ele deveria ser excluído do concurso, obtendo-se o mesmo resultado quer se mantivesse ou não a anulação do acto administrativo decidido pela sentença em crise.
Esta tem sido, aliás, a posição jurisprudencialmente sustentada, como se pode, a titulo de exemplo, ver no Acórdão do STA – 1ª Secção, de 12 de Março de 2003, in Rec. nº 349/03, AD 505, pag. 1 e ss., no sentido de que, quando a anulação do acto administrativo, por vicio anulatório, conduza à repetição da operação e desta resulte a manutenção da posição relativa do concorrente, para este não trazendo qualquer vantagem, deixando –o na mesma posição classificativa, não deve anular-se o acto, face ao principio da inoperância dos vícios ou utile per inutile non vitiatur.
Concluímos do exposto que o júri do concurso não violou o ponto 10.2 da Ordem de Serviço rectius, do regulamento ou aviso concursal.
Porque assim não entendeu, a sentença em crise merece a censura que lhe é dirigida devendo por isso ser revogada.
Em conformidade, procedendo todas as conclusões da alegação da Recorrente, é de conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, mantendo consequentemente o acto impugnado na ordem jurídica.
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Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, mantendo consequentemente o acto impugnado na ordem jurídica.
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Custas pelo ora Recorrido em ambas as instâncias, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC .

Lisboa, 12 de Janeiro de 2012
António Vasconcelos
Carlos Araújo
Teresa de Sousa

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