quarta-feira, 11 de março de 2020

ARTIGO 103º-A/2 E 4 DO CPTA



Proc. Nº 02927/18.4BEBRG-S1   TCANorte        28.06.2019

I-Como bem entendeu o Tribunal a quo, os prejuízos alegados não se qualificam como prejuízos qualificados que exijam o levantamento do efeito suspensivo;
I.1-ademais, à luz de uma ponderação de interesses, a questão que se coloca é saber se para o levantamento deste efeito suspensivo automático o legislador não pretendeu impor aqui um regime mais exigente. Isto é, não basta a simples ponderação de interesses, é necessário demonstrar, mais do que a prevalência do interesse público, que seria gravemente prejudicial e que a suspensão teria consequências claramente desproporcionadas;
I.2-na hipótese vertente também ao nível da ponderação dos interesses em presença tudo conduz ao indeferimento da pretensão do Réu/Município;
I.3-é que, ponderados todos os elementos dos autos, conclui-se que nestes não estão devida e suficientemente demonstrados prejuízos para o interesse público decorrentes do diferimento da execução do acto de adjudicação e do contrato, não podendo afirmar-se, a partir do alegado, que a suspensão deste seja gravemente prejudicial para o interesse público ou para outros interesses, pelo que, não se concluindo que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostram superiores aos que podem resultar do seu levantamento, é de manter o efeito suspensivo ex lege

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
 
PSGSP, S.A., com sede na Rua S…, Estoril, instaurou acção de contencioso pré-contratual contra o Município de G..., ambos melhor identificados nos autos, pedindo, em síntese, a anulação do acto de adjudicação do “Concurso Público nº 9/18-Aquisição de serviços de segurança e de vigilância nas instalações e equipamentos do Município de G...”.
O Réu, além do mais, requereu o levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artº 103º-A, nºs 2 e 4 do CPTA.
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi determinado o não levantamento do efeito suspensivo automático resultante da propositura da acção.
Desta vem interposto recurso.
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Alegando o Réu concluiu:
1ª) Deveria ter sido julgado provado que o Réu tem a obrigação de manter em segurança, para além do respectivo edifício sede, muitas outras instalações dispersas pelo concelho, mais precisamente as referidas no caderno de encargos (fls. 428 a 432 do PA) e nas cláusulas especiais do caderno de encargos (fls. 479, 480, 482, 483 e 484 do PA) – artigo 39º, 1ª parte, da contestação.
2ª) Que naqueles locais “(…) permanecem e circulam várias pessoas e bens carecidos dos serviços de segurança e vigilância que constituem o objecto do contrato em causa” – artigo 39º, 2ª parte, da contestação – e que
“(…) se ficar suspenso o efeito do acto impugnado e a execução do contrato, as aludidas pessoas e bens ficarão sem qualquer segurança, à mercê de ataques, intrusões e vandalizações, com consequências para a respectiva integridade física e bom estado de conservação e com os inerentes prejuízos de valor incalculável” – artigo 40º da contestação – é matéria de facto notória e do conhecimento geral, pelo que não carece de prova (artigo 412º nº 1 do Código de Processo Civil) e deveria ter sido julgada provada.
3ª) O Réu alegou os factos necessários e suficientes para se concluir que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público e gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas aos interesses que a A. visa acautelar (artigo 103º-A nº 2 do CPTA).
4ª) Na hipótese de a final, a acção vir a proceder, a A. dispõe de mecanismos legais para ser ressarcida.
5ª) Devidamente ponderados os interesses públicos e os interesses privados em presença, os danos que resultariam do efeito suspensivo automático dos efeitos do acto impugnado e da execução do contrato seriam muito superiores àqueles que podem resultar do seu não levantamento, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências (artigo 120º nº 2 do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 103º-A nº 2 do CPTA).
6ª) A decisão recorrida viola, por isso, claramente, as normas do artigo 103º-A nºs 2 e 4 do CPTA.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, o despacho recorrido revogado e substituído por outro que determine o levantamento do efeito suspensivo automático dos efeitos do acto impugnado e da execução do contrato, para que se faça JUSTIÇA!
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A Autora juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
Termos em que, deve o requerimento para o levantamento do efeito suspensivo a que se refere o n.º 1 do artigo 103.º-A do CPTA ser indeferido, com as demais consequências legais.
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O MP, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
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Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
1) Por anúncio publicado no Diário da República, n.º 151, 2.ª Série, de 7 de Agosto de 2018 o Município de G... publicitou a abertura do “Concurso Público nº 9/18 - Aquisição de serviços de segurança e de vigilância nas instalações e equipamentos do Município de G...”;
2) O Preço base previsto no procedimento foi de € 2.000.000,00;
3) A Autora apresentou a sua proposta, cujo conteúdo se tem aqui por integralmente reproduzido (cfr. PA);
4) Por deliberação, tomada pela Câmara Municipal de G..., foi adjudicada a prestação objecto do procedimento concursal à Contra-interessada 2ES, S.A. (cfr. PA).
Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou:
Para além da matéria de facto dada como provada, inexiste outra factualidade que tenha sido alegada e que assuma interesse para a apreciação e decisão da questão sob escrutínio.
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DE DIREITO
É objecto de recurso o despacho que, pronunciando-se acerca do requerimento do aqui Recorrente, em que solicitou o levantamento do efeito suspensivo, nos termos do artigo 103º-A do CPTA, indeferiu tal pretensão.
Na sua óptica tal decisão violou o disposto nos nºs 2 e 4 de tal preceito.
Cremos que carece de razão.
Antes, atente-se no seu discurso fundamentador:
O art. 100º do CPTA prevê que: “1 – Para os efeitos do disposto na presente acção, o contencioso pré-contratual compreende as ações de impugnação ou de condenação à prática de atos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços.”
Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 103º-A, do CPTA, a impugnação de actos de adjudicação praticados no âmbito de procedimentos de formação de contratos abrangidos pelo artigo 100.º, do Código, nos quais se insere o contrato de empreitada de obras públicas, faz suspender automaticamente os efeitos do acto impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.
Por sua vez, consigna-se no n.º 2, deste artigo 103.º-A, que: “no caso previsto no número anterior, a entidade demandada e os contra-interessados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no n.º 2, do artigo 120º”.
Tendo a Entidade Demandada requerido, nos termos do disposto no art.º 103º- A, n.º 2, do CPTA, o levantamento do efeito suspensivo automático previsto no art.º 103º-A, n.º1, do CPTA, cumpre conhecer de tal pedido.
O n.º 4, do preceito normativo consigna que “O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.”
Dispõe o nº 2 do art. 120º do CPTA que: “ Nas situações previstas no artigo anterior, a adoção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”
Este juízo comparativo dos interesses em jogo exige que se proceda, em cada caso, à ponderação equilibrada dos interesses, contrabalançando os danos que a manutenção do efeito suspensivo acarreta para o interesse público ou interesse dos contra-interessados com a dimensão dos danos que o seu levantamento traz ao autor, operação que impõe que se proceda a um juízo de valor relativo fundado na comparação, e segundo critérios de proporcionalidade, dos interesses em presença.
Será, portanto, à luz da ponderação dos diversos interesses contrapostos e que se revelem como susceptíveis de serem lesados que se há-de decidir pelo levantamento ou manutenção do efeito suspensivo automático resultante da propositura da presente acção.
Apreciando.
A Entidade Demandada alega apenas, e de forma genérica, que “(…) se ficar suspenso o efeito do acto impugnado e execução do contrato, as aludidas pessoas e bens ficarão sem qualquer segurança, à mercê de ataques, intrusões e vandalizações, com consequências para a respectiva integridade física e bom estado de conservação e com inerentes prejuízos de valor incalculável”
Quanto ao objectivo legislativo de criação do efeito suspensivo automático discorrem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao CPTA, 4ª edição, pág. 839, que “o efeito suspensivo associado à impugnação jurisdicional do ato de adjudicação visa garantir a eficácia da reacção jurisdicional, impedindo que o contrato venha a ser celebrado enquanto o tribunal não emitir uma pronúncia sobre a pretensão impugnatória deduzida contra o ato de adjudicação visa, pois evitar que a celebração do contrato imediatamente após o decurso do período de standstill venha a gerar uma situação de facto consumado, constituindo um obstáculo à reconstituição do procedimento pré-contratual, no caso de vir mais tarde a ser reconhecida jurisdicionalmente a ilegalidade da adjudicação.”.
Quanto aos pressupostos de que depende a concessão do levantamento do efeito suspensivo automático esclarecem estes autores que “(…) afigura-se da maior importância notar que, ao exigir um grave prejuízo para o interesse público ou uma clara desproporção das consequências lesivas para outros interesses envolvidos (aqui se incluindo os interesses do adjudicatário), o preceito faz depender o levantamento do efeito suspensivo automático do preenchimento de pressupostos exigentes, no que diz respeito aos danos que podem resultar da manutenção do efeito suspensivo: a regra é o efeito suspensivo automático, que só deve ser levantado em circunstâncias particularmente exigentes.
Não pode deixar, pois, de ser nesta perspectiva que deve ser lida a remissão que é feita no segmento final do nº 2 para o critério previsto no artigo 120.º, n.º 2, e, a essa luz, a disposição constante do n.º 4, nos termos da qual “o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.”.
Com efeito, a referência que no n.º 2 é feita ao critério do n.º 2 do artigo 120.º significa que o juiz deve formular um juízo de valor relativo entre a situação do impugnante e os interesses públicos e privados que se lhe contrapõem. Ora, se, como se infere do mesmo n.º 2, o levantamento do efeito suspensivo só pode ser concedido na condição de que “o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”, o juiz só pode levantar o efeito suspensivo quando, na comparação do peso relativo dos interesses em presença, conclua que os danos dele decorrentes para o interesse público ou para os interesses dos contrainteressados seriam consideravelmente superiores àqueles que podem advir para o impugnante da celebração e execução do contrato, não sendo, assim, suficiente que o tribunal verifique que os danos que, para os interesses contrapostos aos do impugnante, resultariam da manutenção do efeito suspensivo sejam apenas superiores àqueles que, para o impugnante, podem resultar do seu levantamento.” (sublinhado nosso).
Ainda, sobre a exigência da especial gravidade do prejuízo, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, págs. 643/645, 2017 – 4ª edição referem que: «A referência, no nº 2, ao “grave prejuízo para o interesse público” e à lesão “claramente desproporcionada dos outros interesses envolvidos” tem, entretanto, o alcance de clarificar que, para a obtenção do levantamento do efeito suspensivo, não é suficiente a invocação abstracta pelos requerentes de prejuízos genéricos, sendo antes exigível a demonstração em concreto dos danos que a manutenção do efeito suspensivo acarreta para o interesse público ou os interesses privados relacionados com a adjudicação, para o que haverá que atender à natureza do contrato que é objecto do procedimento pré-contratual, à sua efectiva importância para a satisfação de necessidades colectivas, ao período de tempo que previsivelmente decorrerá até ao julgamento da acção e, se for caso disso, à situação em que se encontra a execução do contrato e as prestações e investimentos já realizados».
No que se refere à teorização dos requisitos de levantamento do efeito suspensivo refere o Acórdão do TCAS de 14/07/2016, in www.dgsi.pt,
«I - Do art.º 103.º-A do CPTA revisto resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação - cumulativa - dos seguintes requisitos:
a) Grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
b) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.
II - O requisito enunciado no antecedente ponto I, alínea a), implica a alegação da pertinente factualidade, cujo ónus probatório recai sobre a entidade demandada e os contra-interessados, os quais deverão oferecer a competente prova com o requerimento em que é deduzido o incidente (cfr. art. 293º n.º 1, conjugado com o art. 292º, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).
III – Não basta à entidade demandada e aos contra-interessados alegarem – e provarem – a existência de prejuízos para o interesse público e para os outros interesses envolvidos, sendo necessária a alegação – e prova – da existência de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. IV – O requisito acima enunciado no ponto I, alínea b), significa que a manutenção ou levantamento do efeito suspensivo depende de um juízo de ponderação de danos, devendo o efeito suspensivo ser levantado quando os danos com a manutenção sejam superiores aos danos com o levantamento, estes últimos a alegar pelo autor na resposta ao incidente, na qual também deverá oferecer a competente prova (cfr. art. 293º n.º 1, conjugado com o art. 292º, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).»
Ora, competindo à Entidade Demandada a alegação e prova de que o diferimento da execução do acto e do contrato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, como decorre do art. 103º-A nº 2 do CPTA e art. 342º nº 1 do Cód. Civil, e esta não o tendo feito, ou seja, não tendo sequer alegado factos concretos integradores daqueles conceitos jurídicos, não pode ser outra a decisão senão a de manutenção do efeito suspensivo ope legis, consagrado 103º-A, nº1 do CPTA, por dos elementos constantes dos autos resultar uma insuficiente demonstração/concretização dos prejuízos para o interesse público decorrentes do diferimento de execução do acto de adjudicação e do contrato.
Assim, ponderados todos os elementos dos autos, conclui-se que nestes não estão devida e suficientemente demonstrados prejuízos para o interesse público decorrentes do diferimento da execução do acto de adjudicação e do contrato, não podendo afirmar-se, a partir do alegado, que a suspensão deste seja gravemente prejudicial para o interesse público ou para outros interesses, pelo que, não se concluindo que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostram superiores aos que podem resultar do seu levantamento, é de manter o efeito suspensivo ex lege.
X
Antes de se entrar na argumentação do Recorrente, importa tecer algumas considerações introdutórias sobre o artigo 103º-A do CPTA, por forma a melhor se compreender o conteúdo do despacho.
Dispõe este artigo que “a impugnação dos atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnando ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado”.
Esta nova disposição resulta da transposição da Directiva nº 2007/66/CE, de 11 de dezembro, que veio introduzir alterações à “Directiva Recursos” (Directiva nº 89/665/CEE, de 21 de dezembro), visando “(…) melhorar a eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos, atento às deficiências que estas apresentavam, onde «figura, em especial, a inexistência de um prazo que permita interpor um recurso eficaz entre o momento da decisão de adjudicação e o de celebração do contrato em causa», o que «conduz a que as entidades adjudicantes, que pretendam tornar irreversíveis as consequências da decisão de adjudicação contestada, procedam rapidamente à assinatura do contrato” (cfr. considerando nº 4 da aludida Directiva).
A intenção dessa Directiva foi, assim, a de evitar a constituição de situações de facto consumado na pendência dos processos judiciais resultante de uma «corrida à assinatura» dos contratos” (Acórdão do TCA Sul de 28/10/2010, proc. 06616/10).
Refere António Cadilha que a “Diretiva 2007/66/CE teve por principal finalidade corrigir ou atenuar a situação (…) de défice de tutela jurisdicional dos participantes em procedimentos de contratação pública, em particular no que respeita à possibilidade de impugnação, em momento útil, do ato decisivo deste tipo de procedimentos (o ato de adjudicação).
Tal défice resultava de algumas deficiências que atingiam, em termos de configuração e eficácia, os sistemas de contencioso em matéria de contratação pública que vigoravam nos vários Estados-membros no início do processo de revisão da Diretiva “Recursos”. (…) A prática demonstrava que a «anulação de contratos públicos na sequência da anulação de atos pré-contratuais da entidade adjudicante era uma situação claramente excecional». A celebração e início de execução do contrato tendia a tornar material ou juridicamente irreversíveis as infrações ao direito da contratação pública - pelo menos no plano da reparação natural, por via da reconstituição da situação jurídico-procedimental existente antes de tais infrações” (Contencioso pré-contratual, in “Julgar”, 2014, pág. 208).
(No mesmo sentido, cfr. o mesmo autor e Carlos Cadilha, em O Contencioso Pré-Contratual e o Regime de Invalidade dos Contratos Públicos. Perspetivas Face à Diretiva 2007/66/CE (Segunda Diretiva «Meios Contenciosos», 2013, págs. 49, 53 e 54).
Importa ainda salientar que “o perigo de constituição de uma situação de «facto consumado», em caso de não suspensão do procedimento pré-contratual, encontra-se aqui, por definição, preenchido, já que, se o contrato for celebrado e executado na pendência da acção, se e quando for proferida sentença favorável ao autor, já não haverá qualquer procedimento pré-contratual para retomar nem qualquer contrato para executar; haverá antes uma impossibilidade de reconstituição da situação actual hipotética em que o autor se encontraria caso o acto ilegal não tivesse sido praticado, o que esvazia a tutela primária do autor e o remete para uma tutela meramente indemnizatória, secundária face à reparação natural” (Marco Caldeira, “Novidades no domínio do contencioso pré-contratual”, em O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate, 2014, pág. 173).
Por estes motivos, a regra consagrada no CPTA, após a revisão de 2015, é a de que a impugnação de ato de adjudicação faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado. Só assim não será se “o diferimento da execução do ato for gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (…)” (artigo 103º-A/2).
Dito de outro modo, à luz do mencionado artigo 103º-A, a regra geral é a da proibição de execução do acto, só podendo tal efeito suspensivo automático ser afastado se se demonstrar que tal é gravemente prejudicial para o interesse público ou que os danos que resultariam da sua suspensão seriam claramente superiores àqueles que resultariam do seu levantamento.
É, pois, ao abrigo deste novo regime legal que deve ser entendido e apreciado, quer o requerimento apresentado pelo aqui Recorrente, quer o despacho em apreço.
Vejamos:
Em abono da sua pretensão invocou o Réu (artigos 39º a 43º da Contestação):
-Tal como resulta das peças do procedimento o Réu tem a obrigação de manter em segurança, para além do respectivo edifício sede, muitas outras instalações dispersas pelo concelho, onde permanecem e circulam várias pessoas e bens carecidos dos serviços de segurança e vigilância que constituem o objecto do contrato em causa.
Mais acrescentando:
Mas, se ficar suspenso o efeito do acto impugnado e a execução do contrato, as aludidas pessoas e bens ficarão sem qualquer segurança, à mercê de ataques, intrusões e vandalizações, com consequências para a respectiva integridade física e bom estado de conservação e com os inerentes prejuízos de valor incalculável.
Tendo concluído, no artigo 43º da Contestação:
Assim, devidamente ponderados os interesses públicos e os interesses privados em presença, os danos que resultariam do efeito suspensivo automático dos efeitos do acto impugnado e da execução do contrato seriam muito superiores àqueles que podem resultar do seu não levantamento, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências (artigo 120º nº 2 do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 103º-A nº 2 do CPTA).
Voltando ao preceito:
“Artigo 103.º-A
Efeito suspensivo automático
1-A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.
2-No caso previsto no número anterior, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no nº 2 do artigo 120.º
3-No caso previsto no número anterior, o demandante dispõe do prazo de sete dias para responder, findo o que o juiz decide no prazo máximo de 10 dias, contado da data da última pronúncia apresentada ou do termo do prazo para a sua apresentação.
4-O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.”
Ora, como temos entendido em situações semelhantes à dos autos, a utilização das expressões “gravemente prejudicial para o interesse público” e “gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos” aponta manifestamente para a excepcionalidade do levamento do efeito suspensivo.
Parece evidente que o legislador pretendeu que o desvio à regra geral da suspensão dos efeitos do acto de adjudicação impugnado apenas ocorra quando a entidade demandada ou os contra-interessados aportem ao processo factos concretos que permitam demonstrar cabalmente que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
E isto ao ponto de, em sede da ponderação de interesses determinada pelos nºs 2 e 4 do normativo em questão, se poder concluir que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostram superiores aos que podem advir do seu levantamento.
Trata-se, portanto, de um critério mais exigente que a simples ponderação de danos, como indiscutivelmente resulta do disposto no nº 2 do artº 103º-B. Neste sentido, ensinam Mário Aroso e Carlos Cadilha: “Ora, se como se infere do mesmo nº 2, o levantamento do efeito suspensivo só pode ser concedido na condição de que “o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”, o juiz só pode levantar o efeito suspensivo quando, na comparação do peso relativo dos interesses em presença, conclua que os danos dele decorrentes para o interesse público ou para os interesses dos contrainteressados seria consideravelmente superiores àqueles que podem advir para o impugnante da celebração e execução do contrato, não sendo, assim, suficiente que o tribunal verifique que os danos que, para os interesses contrapostos aos do impugnante, resultariam da manutenção do efeito suspensivo sejam apenas superiores àqueles que, para o impugnante, podem resultar do seu levantamento.” (em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 4ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, pág. 844).
É ainda importante repetir que a consagração do efeito suspensivo automático no artigo 103º-A, há muito reclamado pela Doutrina, decorre da necessidade de transpor, de forma efectiva, para o ordenamento jurídico português a Directiva 2007/66/CE, que veio alterar a Directiva 89/665/CE, usualmente apelidada de Directiva Recursos.
Esse desiderato foi, aliás, manifestado de forma clara e expressa no próprio preâmbulo do DL 214-G/2015, de 2 de outubro, que refere:
“O aspeto mais relevante reside, no entanto, no novo artigo 103.º-A, que, no propósito de proceder finalmente à transposição das Diretivas Recursos, associa um efeito suspensivo automático à impugnação dos atos de adjudicação e introduz um regime inovador de adoção de medidas provisórias no âmbito do próprio processo do contencioso pré-contratual.”
Esta intenção do legislador reforça, naturalmente, a excepcionalidade do levantamento do efeito suspensivo, sob pena de total frustração dos ditames impostos pela referida Directiva, que visam evitar a situação de facto consumado e a irreversibilidade decorrente da celebração e execução material do contrato.
Como salienta o Professor Pedro Gonçalves, “…o eixo decisivo de preocupação das directivas reside na eficácia processual, em concreto, na possibilidade efectiva de uma impugnação de actos pré-contratuais antes da celebração ou do início da execução do contrato e de, nesse âmbito, se disponibilizarem meios idóneos e urgentes que impeçam que o contrato se celebre ou que comece a ser executado. O risco essencial que o direito comunitário procura prevenir é o da consolidação de uma situação irreversível decorrente da entrada em execução de um contrato, que inviabilize, de forma definitiva, a realização do interesse substantivo da empresa impugnante. Esta constitui, insiste-se, a preocupação fundamental das directivas-recursos.” (em Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, Cadernos de Justiça Administrativa nº 62, mar./abr. 2007, pág.5).
No mesmo sentido Cláudia Viana adianta: “… a finalidade das “directivas- recursos” é prevenir o “facto consumado” - no caso, o contrato celebrado -, procurando-se evitar, corrigir e sancionar, em tempo útil e oportuno, as decisões ilegais das entidades adjudicantes, sendo que a concessão de uma indemnização constitui uma solução subsidiária e excecional, pois, como sublinha o legislador europeu, os Estados membros devem garantir a aplicação do direito dos contratos públicos “sobretudo numa fase em que as violações podem ainda ser corrigidas” e, por isso, devem instituir processos de “recurso eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível.” (in A interpretação e aplicação do artº 128º do CPTA em conformidade com o direito europeu dos contratos públicos, Cadernos de Justiça Administrativa nº 91, pág. 59).
Ora, perante estas linhas de pensamento, bem se vê, ao contrário do que o Recorrente sustenta, que o teor do seu requerimento se revela manifestamente insuficiente para alicerçar o levantamento do efeito suspensivo. Dito de outro modo, os factos que a Entidade Demandada alega, mesmo os que se podiam dar como provados, não evidenciam a necessária excepcionalidade da situação.
No fundo, não evidenciam a produção de um prejuízo qualificado, mas apenas, e quando muito, de um prejuízo necessário - ou seja, o que resulta da suspensão dos efeitos do contrato -. Concretamente, todos os alegados prejuízos, nomeadamente no que diz respeito a questões de segurança de bens e pessoas, - embora certamente relevantes - enquadram-se no prejuízo necessário na medida em que são uma consequência normal da não entrada em vigor do novo contrato.
Como bem entendeu o Tribunal a quo, os prejuízos alegados não se qualificam como prejuízos qualificados que exijam o levantamento do efeito suspensivo.
Ademais, à luz de uma ponderação de interesses, a questão que se coloca é saber se para o levantamento deste efeito suspensivo automático o legislador não pretendeu impor aqui um regime mais exigente. Isto é, não basta a simples ponderação de interesses, é necessário demonstrar, mais do que a prevalência do interesse público, que seria gravemente prejudicial e que a suspensão teria consequências claramente desproporcionadas. Pode-se suscitar dúvidas porque o nº 4 do mesmo artigo refere: “O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento”, que é o critério do artigo 120º. Agora, a meu ver, no anteprojecto já existia este nº 4 e este nº 4 era um lapso, porque quando se via a parte das alterações introduzidas, quando foi republicado o nº 4 do art. 103º-B foi copiado por engano para o art. 103º-A. Infelizmente, esse lapso não foi corrigido. Portanto, eu julgo que devemos ignorar o nº 4 e ter noção que apesar de ser um critério de ponderação de interesses, não é o critério de ponderação geral. É um critério mais exigente.” (cfr. Ana Gouveia Martins, em Intervenção no colóquio “A Revisão do CPTA” subordinada ao tema “Meios pré-cautelares, cautelares e seus incidentes (comuns e em procedimentos de formação de contratos)”.
Na hipótese vertente, como bem se advoga nas contra-alegações, também ao nível da ponderação dos interesses em presença tudo conduz ao indeferimento da pretensão do Réu/Município. Nesta matéria, importa aduzir que mesmo que se considerasse que os prejuízos invocados pela Entidade Demanda são prejuízos qualificados, sempre se dirá que nem por isso deverá o pedido de levantamento do efeito suspensivo ser deferido. E isto por existir uma alternativa que melhor se adequa ao princípio da boa administração e bem assim melhor salvaguarda o interesse público - recurso ao ajuste direto previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 24º do CCP – e, por outro lado, e pelo contrário, porque perante um eventual cenário de levantamento do efeito suspensivo, sempre se dirá que os prejuízos suportados pela Autora serão avultados e, em qualquer dos casos, sempre superiores aos que o não levantamento poderia hipoteticamente causar à Entidade Demandada.
Assim, ponderados todos os elementos dos autos, conclui-se que nestes não estão devida e suficientemente demonstrados prejuízos para o interesse público decorrentes do diferimento da execução do acto de adjudicação e do contrato, não podendo afirmar-se, a partir do alegado, que a suspensão deste seja gravemente prejudicial para o interesse público ou para outros interesses, pelo que, não se concluindo que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostram superiores aos que podem resultar do seu levantamento, é de manter o efeito suspensivo ex lege - lê-se na decisão e aqui corrobora-se.
Improcedem as conclusões do Apelante, o que conduz à manutenção na ordem jurídica do despacho sub judice.
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e D.N.
Porto, 28/06/2019
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Nuno Coutinho



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