terça-feira, 10 de março de 2020

PROVIDÊNCIA RELATIVA A FORMAÇÃO DE CONTRATOS - IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO - EXTINÇÃO DA ASSOCIAÇÃO CO-CONTRATANTE - RENOVAÇÃO DE PROTOCOLO - PONDERAÇÃO DE INTERESSES - RISCO ASSOCIADO À DEMORA DO PROCESSO PRINCIPAL.



 Proc. nº 477/18.8BECTB  26.09.2019   TCASul
  
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório:

N….. S…. – ............................., LDA, sociedade comercial por quotas, titular do NIPC 508 275 …, com sede no Parque Empresarial de E…, Lote 20, 3020 - … COIMBRA, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, o presente processo cautelar relativo a procedimentos de formação de contratos, contra o MUNICÍPIO DA GUARDA, titular do NIPC 501 131 …, com sede na Praça do M….., 6301 – … GUARDA, no qual formulou o pedido de “suspensão da eficácia do ato administrativo (deliberação da Câmara Municipal da Guarda de 24 de setembro de 2018) que determinou a abertura do “Concurso público para concessão do direito de exploração para fins publicitários de espaços de domínio público municipal”, bem como a suspensão do concurso e a proibição da celebração ou da execução do contrato a que o mesmo pretende dar origem.”.

Por decisão de 26 de Outubro de 2018 do referido Tribunal foi rejeitado liminarmente o requerimento inicial do presente processo cautelar, tendo a Requerente interposto recurso da referida decisão, ao qual foi concedido provimento, por acórdão deste Tribunal de 24 de Janeiro de 2019, tendo sido revogada a decisão recorrida e determinada a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco a fim de que aí, se nada mais obstasse, os autos prosseguissem a sua normal tramitação.

Por sentença de 16 de Maio de 2019, foi julgada improcedente a excepção de caducidade do direito de acção da Requerente e improcedente o pedido de decretamento das providências cautelares requeridas.

Inconformada, a Requerente interpôs o presente recurso da referida decisão, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
“I. I. O recurso incide sobre matéria de facto e matéria de direito.
II. A recorrente impugna a douta decisão recorrida, na medida em que indeferiu a adoção da providência requerida, pela não verificação do requisito da probabilidade da procedência da ação principal.
III. Impugna igualmente a decisão recorrida na parte em que decidiu dispensar a produção de prova por declarações de parte e testemunhal.
IV. Quanto ao recurso em matéria de facto, entende a requerente que se justifica aditar ao elenco dos factos provados o seguinte:
“L) O Protocolo foi sendo cumprido entre a requerente e o requerido mesmo depois do mês de maio de 2018
V. A requerente fundamenta a impugnação da decisão relativa à matéria de facto com o teor do documento n.º 11 junto ao requerimento inicial (documento não impugnado), designadamente no que se refere às mensagens de correio eletrónico com datas de 5 de abril de 2018, 5 de junho de 2018, 10 de setembro de 2018 e 12 de setembro de 2018.
VI. A requerente e o requerido cumpriram efetivamente o Protocolo, mesmo após a extinção da Associação, sem que o Município tivesse comunicado a denúncia no período de 3 meses anterior ao dia 1 de maio de 2018, o que significa que o Protocolo se manteve em vigor.
VII. Em abril de 2018 o Município remeteu à requerente as faturas (008/… e 008/.., ambas de 26 de fevereiro de 2018) e as guias de recebimento (95… e 95…, ambas de 5 de abril de 2018) referentes à renovação do Protocolo para o período posterior a 2018, o que resulta expressamente do documento 11 junto ao requerimento inicial (não impugnado pela ré) consubstanciado em mensagem de correio eletrónico de envio dos documentos supra referidos, no dia 5 de abril de 2018.
VIII. Mesmo em junho de 2018 (isto é, já depois do dia 1 de maio de 2018 a que correspondia o termo do prazo inicial do Protocolo), o requerido continuou a solicitar disponibilidade de suportes para campanhas institucionais do Município (cfr. mensagem de correio eletrónico que incorpora o doc 11 junto ao requerimento inicial), sendo que tal situação se repetiu pelo menos em 10 e 12 de setembro de 2018.
IX. Entende ainda a requerente que deve ser aditado à lista dos factos provados o seguinte:
“M)
A remoção dos suportes e o não licenciamento de novos atos de publicidade exterior em domínio público do Município implicará a impossibilidade de manter o cumprimento de contratos celebrados entre a requerente e os seus clientes e e implicará também uma diminuição muito significativa de faturação (ou supressão total de faturação, pelo menos no que se refere ao concelho da Guarda), sendo certo que a facturação implicada pelos painéis cuja remoção está em causa ascende a quase € 2.950,00 mensais (+ IVA)
.”
X. A requerente fundamenta a impugnação da decisão relativa à matéria de facto com o teor dos docs 6 a 9 do requerimento inicial (documentos não impugnados) dos quais resulta a faturação mensal proporcionada à requerente por força do cumprimento dos contratos em vigor para painéis da Guarda.
XI. Quanto ao recurso em matéria de direito, entende a recorrente que a douta decisão recorrida violou o disposto no art. 120.º, n.º 1 do CPTA, bem como os arts. 4.º, 7.º, n.º 2 e 10.º, n.º 1 do CPA e arts. 1.º-A, 279.º e 286.º do CCP.
XII. O Tribunal a quo decidiu não decretar a providência cautelar por não considerar verificado o requisito do fumus boni iuris.
XIII. No que se refere à renovação do protocolo, a palavra “poderá” utilizada na cláusula 2.ª do protocolo não está associada a qualquer acontecimento futuro e incerto; está sim associada à não verificação da denúncia por alguma das partes.
XIV. O contrato renova se nenhuma das partes o denunciar, isto é, se nenhuma das partes comunicar a oposição à renovação.
XV. A renovação depende do silêncio das partes, silêncio esse que corporiza um acordo tácito no sentido de aceitarem a renovação.
XVI. Quando ao conhecimento do acordo estabelecido entre os ex-associados da Associação para a Promoção da Guarda, é bastante evidente que a requerente tinha conhecimento de que o requerido assumiu a atividade da entidade extinta quanto à publicidade; com efeito, foi com o requerido que a requerente passou a lidar na sequência daquela extinção.
XVII. Mas a requerente não conhecia os termos concretos daquele acordo, designadamente no que se refere a reservas que tenham sido estipuladas quanto a prazos ou condições de vigência (nem dos autos resulta minimamente que esse conhecimento existisse ou tenha sido dado à requerente).
XVIII. Por outro lado, não é razoável que os ex-associados possam opor a terceiros alterações entre ambas estipuladas quanto aos termos de protocolos celebrados entre a Associação (extinta) e terceiros, quando os terceiros não tiveram qualquer intervenção / aceitação / adesão nessas alterações.
XIX. Relativamente à questão dos prejuízos, o Tribunal não produziu prova e não se pronunciou minimamente sobre os prejuízos que para a recorrente decorrem do não decretamento da providência, optando por analisar apenas os prejuízos eventualmente decorrentes para o requerido.
XX. Relativamente aos prejuízos do requerido o decretamento da providência não representará mais do que manutenção do regular cumprimento de um Protocolo que o requerido válida e voluntariamente assumiu, Protocolo esse que já vigora desde 2014, sem que dele resultem quaisquer prejuízos do ponto de vista dos interesses públicos que ao Município cumpre acautelar.
XXI. Já no que se refere à requerente, a remoção dos suportes e o não licenciamento de novos atos de publicidade exterior em domínio público do Município implicará a impossibilidade de manter o cumprimento de contratos celebrados entre a requerente e os seus clientes,
XXII. E implicará também uma diminuição muito significativa de faturação (ou supressão total de faturação, pelo menos no que se refere ao concelho da Guarda), sendo certo que a faturação implicada pelos painéis cuja remoção está em causa ascende a quase € 2.950,00 mensais (+ IVA).
XXIII. A prova documental junta (designadamente quanto às faturas apresentadas) permitiria que se desse como provado o prejuízo que para a requerente resulta do não decretamento da providência. Contudo,
XXIV. À requerente deveria ter sido dada a possibilidade de produzir prova relativa à alegada perda de prestígio ou perda de contratos, considerando as características específicas do serviço que presta e dos clientes com quem lida.
XXV. A administração pública está vinculada à prossecução do interesse público e ao princípio geral da boa-fé, não podendo afetar a posição dos particulares, salvo quando tal se revele estritamente indispensável a prossecução das suas missões (arts. 4.º, 7.º, n.º 2 e 10.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo [CPA]).
XXVI. Em matéria de contratos, a administração está vinculada ao princípio da tutela da confiança, cumprindo pontualmente os contratos e não praticando atos que contrariem ou dos quais decorra a impossibilidade de cumprimento dos mesmos (arts. 1.º-A, 279.º e 286.º do Código dos Contratos Públicos [CCP]).
XXVII. O requerido desrespeitou as obrigações decorrentes do Protocolo, em prejuízo do conteúdo contratual da posição (legítima e sustentada do ponto de vista jurídica) da requerente.
Termos em que deverão V. Ex.as, Venerandos Juízes Desembargadores, conceder provimento ao presente recurso substituindo a douta decisão impugnada por outra que conceda a providência requerida.
Quando assim se não entenda, deve o esperado provimento do recurso implicar a revogação da sentença impugnada com prolação de decisão que determine a produção de prova (por declarações de parte e inquirição de testemunhas) por referência aos prejuízos que para a recorrente decorrem do não decretamento da providência, em qualquer caso fazendo-se Justiça! (…)”.

A Entidade Requerida apresentou contra-alegação de recurso, na qual formulou as seguintes conclusões:
“A) A douta sentença recorrida fez uma correcta apreciação dos factos alegados e provados pelos documentos juntos pelas partes.
B) Daí que não mereça qualquer reparo ou censura a matéria de facto dada como provada e respectiva fundamentação.
C) Da mesma forma mácula alguma fere a fundamentação de Direito que serviu de suporte à Decisão recorrida.
D) Soçobram, pois, as alegações e conclusões do recurso da recorrente.
E) Na verdade, com rigor e objectividade, o Mmº Juiz a quo procedeu à análise da prova junta aos autos da qual decorre, ex abundanti, a não verificação do requisito do fumus boni iuris, pelas razões e com os fundamentos que já efectuou no processo cautelar nº 127/19.5BECTB-A.
F) A douta sentença recorrida fez uma correcta ponderação dos interesses e eventuais prejuízos, da recorrente e da recorrida.
G) Decidiu – e bem – a douta sentença recorrida que, atendendo que com a adopção da presente providência o aqui recorrido teria danos económicos e imateriais e que o interesse da recorrente – num juízo perfunctório e sumário – não é digno de tutela jurídica, deverá ser indeferida a pretensão da recorrente.
H) Consequentemente, confirmando-se a douta sentença recorrida e negando-se provimento ao presente recurso, far-se-á a habitual
JUSTIÇA”.


O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 e 147.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pronunciou-se no sentido de que deve ser negado provimento ao mesmo.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.
*
II. Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, consistem em apreciar e decidir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto e se violou o disposto no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, bem como nos artigos 4.º, 7.º, n.º 2 e 10.º, n.º 1 do CPA e artigos 1.º-A, 279.º e 286.º do CCP.
*

III – Fundamentação:
3.1. De facto:
A sentença recorrida julgou indiciariamente provada a seguinte factualidade:
A) Em 10-01-2007 foi constituída a associação “Agência para a promoção da Guarda”, associação de direito privado sem fins lucrativos, com o objetivo de promover e modernizar a zona de intervenção urbana, tendo como associados fundadores a Entidade Requerida e a Associação Comercial da Guarda e extinguindo-se, nomeadamente, mediante deliberação da Assembleia-Geral (conforme escritura de constituição e estatutos da mesma, a fls. 17 e 18 e de fls. 1 a 16, respetivamente, dos documentos juntos com a oposição);
B) Em 05-09-2013 a Entidade Requerida celebrou um Protocolo de Colaboração com a Agência para a promoção da Guarda, com início de vigência no dia seguinte, mediante o qual esta última obrigava-se a gerir, no concelho da Guarda, os suportes publicitários e mobiliário urbano discriminados nesse Protocolo, podendo contratar com terceiros para cumprir com as obrigações assumidas (conforme Protocolo de fls. 19 a 21 dos documentos juntos com a oposição);
C) A Requerente tem como objeto social, entre outras, a instalação, manutenção e gestão de painéis e outros suportes publicitários (conforme certidão do registo comercial constante do documento n.º 1 junto com o requerimento inicial);
D) Em 07-04-2014 a Requerente celebrou com a Agência para a promoção da Guarda um Protocolo, que entrou em vigor no dia 02-05-2014, para instalação de 11 mini-outdoors na cidade da Guarda; esse direito foi-lhe concedido em regime de exclusividade, pelo período de quatro anos, mediante o pagamento de € 3.300,00 mensais acrescido de IVA; à exceção dos encargos com seguros que garantissem riscos a terceiros, a Requerente não teria quaisquer outros encargos financeiros e/ou licenciamentos além do pagamento acordado (conforme Protocolo e respetiva adenda, de 20-04-2014 constante do documento n.º 4 junto com o requerimento inicial);
E) Ficou estipulado que “O Protocolo de exclusividade terá a duração de quatro anos, findo os quais poderá o mesmo ser renovado, caso não seja denunciado por algum dos intervenientes até três meses antes do términus do último ano protocolado” (conforme cláusula 2ª do Protocolo referido na alínea precedente);
F) Em 27-02-2015 a Agência para a promoção da Guarda foi dissolvida por se ter esgotado o objeto para que foi constituída, tendo sido acordado entre os associados fundadores a repartição entre ambos do património pertencente à mesma; mais ficou estipulado que “A manutenção dos contratos de publicidade em vigor será plenamente assegurada até ao seu términus pela C.M.G.; A gestão da Publicidade, do mobiliário urbano e consequente ocupação do domínio público, anteriormente por protocolo ou contrato atribuído à APGUR, passa automaticamente e na sua íntegra para a C.M.G.; Com a dissolução da APGUR as partes assumem que se acham revogados todos os protocolos, acordos ou contratos existentes que as vinculariam com a entidade dissolvida” (conforme deliberação da respetiva Assembleia Geral constante do documento n.º 5 junto com o requerimento inicial e Acordo relativo ao património da dissolvida, de fls. 22 a 24 dos documentos juntos com a oposição - as cláusulas citadas são as n.º 4, n.º 5 e n.º 6);
G) Em 20-09-2018 o Vice-Presidente da Câmara Municipal da Guarda propôs à respetiva Assembleia Municipal que fosse desencadeado o procedimento de concurso público com vista à celebração de um contrato de concessão do uso privativo do domínio público do Município para instalação de mobiliário urbano e sua exploração publicitária, a qual foi aprovada tanto pela Câmara Municipal da Guarda (em 24-09-2018) como pela Assembleia Municipal (em 28-09-2018) (conforme propostas de fls. 31 a 34 e de fls. 26 a 30 e deliberações a fls. 34 dos documentos juntos com a oposição);
H) O anúncio do concurso público referido na alínea precedente foi publicado em Diário da República no dia 08-10-2018; o objeto do mesmo é a Concessão do Direito de Exploração para Fins Publicitários de Espaços de Domínio Público Municipal, pelo prazo de quatro anos não passível de renovação, mediante uma remuneração anual mínima de € 10.544,32, acrescida de IVA; encontra-se previsto, como cláusulas a inserir no contrato a celebrar, nomeadamente, a obrigação para o adjudicatário da instalação de 16 painéis publicitários, sendo que 25% dos mesmos deverá ser disponibilizado ao Município da Guarda para publicidade institucional e informativa na cidade da Guarda; que é da responsabilidade da Entidade Requerida a desinstalação das peças de mobiliário urbano que estão instaladas ao abrigo dos anteriores contratos celebrado pela mesma e que sempre que o local de instalação de uma peça de mobiliário urbano coincida com o local onde se encontre instalada uma peça a desinstalar, o plano de instalação deve assegurar que o tempo que medeia entre uma e outra operação é o menor possível (conforme anúncio publicado na Parte L da II Série do Diário da República n.º 193 [constante do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial]; cláusulas 1ª e 2ª do programa do concurso [constante do documento n.º 3-A junto com o requerimento inicial] e cláusulas 2ª, 14ª, 10ª, 35ª, n.º 1 e 12ª, n.º 3 do caderno de encargos [documento n.º 3-B junto com o requerimento inicial]);
I) A Requerente é proprietária de 16 suportes publicitários que se encontram instalados no Município da Covilhã (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude das suas funções [artigo 5º, n.º 2, alínea c) e 412º, n.º 2 do CPC], dado que o atual Juiz titular deste processo é igualmente Juiz titular no processo cautelar n.º 127/19.5BECTB-A, que, à exceção dos Contrainteressados, opõe as mesmas Partes e onde se encontra junto como documento n.º 14 do requerimento inicial um ofício de notificação da Entidade Requerida à Requerente no qual a primeira comunica à segunda que não lhe renovava a licença de ocupação de espaço em domínio público com mini-outdoors para o ano de 2019 e lhe impunha a obrigação de remover até ao final do mês de janeiro de 2019 todas as estruturas e outdoors das quais fosse proprietária, indicando, precisamente, que são 16 esses suportes publicitários; o Tribunal não junta esse documento aos autos [artigo 412º, n.º 2, segunda parte do CPC] dado que é do conhecimento de ambas as Partes);
J) A Requerente propôs a ação administrativa n.º 127/19.5BECTB, da qual esta providência cautelar depende, no dia 06-03-2019, no qual peticionou, entre outros, “Ser proibida a celebração ou a execução do contrato a que pretende dar origem o “Concurso público para concessão do direito de exploração para fins publicitários de espaços de domínio público municipal”, cujo aviso de abertura foi publicado no dia 8 de outubro de 2018, na II Série do Diário da República, Anúncio de procedimento n.º 8214/2018” (conforme comprovativo de entrega da petição inicial a fls. 1 [documento n.º 0065860…] do SITAF dessa ação administrativa e petição inicial a fls. 5 [documento n.º 0065860…] do SITAF: factos que o Tribunal tem conhecimento em virtude das suas funções [artigo 5º, n.º 2, alínea c) e 412º, n.º 2 do CPC], dado que o atual Juiz titular deste processo é igualmente Juiz titular nesse processo n.º 127/19.5BECTB e que opõe as mesmas Partes; o Tribunal não junta esses documentos aos autos [artigo 412º, n.º 2, segunda parte do CPC] dado que é do conhecimento de ambas as Partes).”.

Quanto aos factos não provados, a sentença recorrida considerou que “Não existem outros factos, com interesse para a presente decisão, que importe destacar como não provados.”.

*
3.2. De Direito.
3.2.1. A ora Recorrente instaurou o presente processo cautelar no qual peticionou que fosse decretada a providência cautelar de suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal da Guarda de 24 de Setembro de 2018, que determinou a abertura do “Concurso público para concessão do direito de exploração para fins publicitários de espaços de domínio público municipal”, bem como, a suspensão do concurso e a proibição da celebração ou da execução do contrato, a que o mesmo pretende dar origem.
O artigo 132.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), com a epígrafe: “Processos cautelares relativos a procedimentos de formação de contratos”, prevê no seu n.º 1, que “Os processos cautelares relativos a procedimentos de formação de contratos não abrangidos pelo regime dos artigos 100.º a 103.º-B, dirigidos designadamente a obter a suspensão da eficácia de atos praticados no âmbito do procedimento, a suspensão do próprio procedimento e a proibição da celebração ou da execução do contrato, regem-se pelo presente Título, com ressalva do disposto nos números seguintes.”.
E o critério de decisão deste tipo de processos cautelares está previsto no n.º 4 deste artigo, nos seguintes termos: “A concessão da providência depende do juízo de probabilidade do tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adoção da providência se mostrem superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adoção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de outras providências.”.
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2017, 4.ª edição, págs. 1051-1052 “Como diz o preceito, a decisão sobre a concessão da providência depende do juízo que o tribunal formule sobre se, uma vez ponderados os interesses em presença, for de entender que os danos que resultariam da adoção são superiores ou inferiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adoção: naturalmente, a providência será concedida se os danos que dela resultarem se mostrarem inferiores aos prejuízos que poderiam resultar da sua não adoção e será recusada na hipótese inversa.
A concessão das providências, neste domínio, depende, assim, da ponderação dos possíveis danos para os interesses em presença, em moldes sensivelmente idênticos àqueles em que ela se encontra prevista no artigo 120.º, n.º 2 (1324). Ao contrário do que, em geral, resulta do artigo 120.º, n.º l, o periculum in mora e o fumus boni iuris não são, pois, instituídos, neste domínio, como critérios de cuja apreciação autónoma dependa a concessão das providências(l325). Compreendendo-se, hoje, que se questione a razão da diferenciação assim estabelecida, uma vez que na revisão de 2015 - como foi explicado na nota 1 - o Código optou por circunscrever o âmbito de aplicação do presente artigo aos processos respeitantes aos procedimentos de formação dos contratos não abrangidos pelas Diretivas recursos, não havendo qualquer razão para os submeter a critérios de atribuição de providências diferentes daqueles que, nos termos gerais, resultam dos n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º.
Uma ressalva deve ser, em todo o caso, introduzida, para assinalar que, também
neste domínio, não podem deixar de intervir, ainda que indiretamente, considerações atinentes ao periculum in mora e ao fumus boni iuris, embora em moldes diferentes daqueles que decorreriam da aplicação do artigo 120.º, n.º 1. Com efeito, quando o preceito em análise exige que, na ponderação dos "interesses susceptíveis de serem lesados", se atenda aos prejuízos que podem resultar da não adoção da providência, é evidente que ele pressupõe que o requerente da providência corre o risco de sofrer prejuízos se a providência não for a dotada. Também neste domínio, não pode haver, portanto, providência sem que, para o requerente, exista um risco associado à demora do processo principal. Cumpre, aliás, recordar que é pressuposto da adoção de toda e qualquer providência cautelar que, no caso concreto, essa adoção se mostre necessária para assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal (cfr. nota 1 ao artigo 120.º). Como resulta do artigo 112.º, n.º 1, este é um requisito essencial, que decorre do próprio sentido funcional da tutela cautelar: onde não haja qualquer risco de inutilidade da sentença a proferir no processo principal, não se justifica a concessão de qualquer providência cautelar. Isto não significa, no entanto, transpor a fórmula do periculum in mora, nos termos em que ela é instituída no n.º 1 do artigo 120.º, como requisito de que dependa a atribuição de providências no domínio em análise. O que sucede no n.º 4 do presente artigo é que "a lei não ignora o prejuízo mas limita-se a fazer uma referência genérica, abstendo-se de qualificar a sua gravidade". Não exige, portanto, o preenchimento dos requisitos específicos que, nos casos não abrangidos pelo presente artigo 132.º, o n.º 1 do artigo 120.º estabelece no que respeita ao periculum in mora.”.
Este entendimento foi também o seguido na sentença recorrida, que considerou que o legislador afastou-se do regime geral definido no artigo 120.º do CPTA, quando no n.º 4, do artigo 132.º do CPTA estabeleceu o critério para a decisão deste tipo de providências cautelares, como resulta do seguinte excerto da mesma «Contudo, deve-se ter presente que “… a adopção de uma providência correctiva da ilegalidade pressupõe, logicamente, que seja apreciada, ainda que sumariamente, a alegada ilegalidade, o que significa que o requisito do fumus boni iuris é um requisito incontornável neste tipo de providências. Discordamos, nesta medida, que não esteja implícito no juízo de ponderação de interesses uma apreciação perfunctória do fumus boni iuris, devendo considerar-se ínsito quer na noção de prejuízos causados no interesse do requerente, em virtude de só poder verdadeiramente afirmar-se que existe um perigo de produção de prejuízos adveniente da morosidade do processo principal se lhe assistir aparentemente razão, quer na referência ao interesse público, porquanto não deve prevalecer um interesse público que não seja prosseguido com respeito pelo bloco de ilegalidade” (conforme explicita Ana Gouveia Martins, em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 85, janeiro/fevereiro 2011, página 12).
E acrescenta: “Admite-se, contudo, que, para evitar uma análise autónoma e exaustiva deste requisito, que poderia dificultar a concessão de providências no âmbito dos procedimentos pré-contratuais, o requisito do fumus boni iuris não configure um critério material de decisão prévio e autónomo relativamente ao critério da ponderação de interesses e constitua apenas um elemento mais a ter em conta no juízo de balanço dos vários prejuízos em presença” (autora e obra citada, páginas 12 e 13). (…)”.
3.2.2. Nas conclusões IV a VIII da alegação de recurso a Recorrente impugnou a decisão da matéria de facto efectuada pelo Tribunal a quo, defendendo “que se justifica aditar ao elenco dos factos provados o seguinte:
“L) O Protocolo foi sendo cumprido entre a requerente e o requerido mesmo depois do mês de maio de 2018”.
A Requerente fundamentou a impugnação da decisão relativa à matéria de facto com o teor do documento n.º 11 junto ao requerimento inicial (documento não impugnado), designadamente no que se refere às mensagens de correio eletrónico com datas de 5 de abril de 2018, 5 de junho de 2018, 10 de setembro de 2018 e 12 de setembro de 2018. Alegando, assim, que a requerente e o Requerido cumpriram efetivamente o Protocolo, mesmo após a extinção da Associação, sem que o Município tivesse comunicado a denúncia no período de 3 meses anterior ao dia 1 de maio de 2018, o que significa que o Protocolo se manteve em vigor. E que em Abril de 2018 o Município remeteu à requerente as faturas (008/... e 008/..., ambas de 26 de fevereiro de 2018) e as guias de recebimento (95... e 95..., ambas de 5 de abril de 2018) referentes à renovação do Protocolo para o período posterior a 2018, o que resulta expressamente do documento 11 junto ao requerimento inicial (não impugnado pela ré) consubstanciado em mensagem de correio eletrónico de envio dos documentos supra referidos, no dia 5 de Abril de 2018. Referiu, ainda, que mesmo em junho de 2018 (isto é, já depois do dia 1 de maio de 2018 a que correspondia o termo do prazo inicial do Protocolo), o requerido continuou a solicitar disponibilidade de suportes para campanhas institucionais do Município (cfr. mensagem de correio eletrónico que incorpora o doc 11 junto ao requerimento inicial), sendo que tal situação se repetiu pelo menos em 10 e 12 de setembro de 2018.
O artigo 640.º, n.º 1, do CPC, prevê os ónus que estão a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, nos seguintes termos:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.
E no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, estabelece-se que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Como se considerou no Ac. deste TCA Sul, de 22 de Agosto de 2019, proc. n.º 580/18.4BEBJA, consultável em www.dgsi.pt “a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC).
Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela. Mas terá que se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida.
Igualmente, a matéria de facto que se exige fixada e que pode justificar a alteração em sede de recurso é apenas a que releve para a decisão da causa e não qualquer outra que haja sido alegada pelo A. e R. Ou seja, ainda que seja alegada determinada matéria de facto e ainda que a mesma resulte provada nos autos, se a mesma for irrelevante para a decisão a proferir, não há-de ser tomada em consideração pelo juiz em sede de 1.ª instância e tal omissão também não conduz a um erro decisório.”.
Ora, no caso em apreciação, nos presentes autos de processo cautelar face à decisão proferir nos presentes autos, que tem necessariamente natureza perfunctória, e que se rege pelos critérios estabelecidos no artigo 132.º, n.º 6, do CPC carece, desde logo, de relevância o aditamento da alegação referida pela Requerente, sob a alínea “L”. A que acresce que, em rigor, não se trata de um facto, mas de uma conclusão que a Requerente extraiu das mensagens de correio electrónico e das facturas que juntou com o requerimento inicial, sob a designação de documento 11.
Contudo, analisado o referido documento 11, por um lado, do mesmo não se extrai, inequivocamente, tal conclusão, e por outro lado, tal “factualidade” não carece de relevância para a decisão dos presentes autos, como melhor se verá infra.
Pelo que, nesta parte não pode proceder o presente recurso.
Nas conclusões IX e X da alegação de recurso a Recorrente impugnou a decisão da matéria de facto efectuada pelo Tribunal a quo, defendendo que dado o teor dos documentos 6 a 9 juntos com o requerimento inicial, deve ser aditada à lista dos factos provados, o seguinte:
“M) A remoção dos suportes e o não licenciamento de novos atos de publicidade exterior em domínio público do Município implicará a impossibilidade de manter o cumprimento de contratos celebrados entre a requerente e os seus clientes e implicará também uma diminuição muito significativa de faturação (ou supressão total de faturação, pelo menos no que se refere ao concelho da Guarda), sendo certo que a facturação implicada pelos painéis cuja remoção está em causa ascende a quase € 2.950,00 mensais (+ IVA).”.
Entendemos, contudo, que não assiste razão à Recorrente, pois, não obstante esta ter alegado a referida matéria – ainda que de forma genérica e em parte conclusiva (cfr. artigos 50.º a 56.º do requerimento inicial) - a mesma é destituída de relevância para a decisão a proferir, pelo que, a não consideração da referida matéria pelo Tribunal a quo não enferma de erro de julgamento.
Em face do que não merecem provimento as conclusões IV a X da alegação de recurso.
3.2.3. Nas conclusões XIII a XVII da alegação de recurso a Recorrente discorda da interpretação da cláusula 2.ª do Protocolo efectuada pelo Tribunal “a quo”, defendendo que o mesmo se renova se nenhuma das partes o denunciar, “isto é, se nenhuma das partes comunicar a oposição à renovação.” e que a “renovação depende do silêncio das partes, silêncio esse que corporiza um acordo tácito no sentido de aceitarem a renovação.”. Referindo que tinha conhecimento de que o requerido assumiu a actividade da entidade extinta quanto à publicidade, pois foi com o requerido que a passou a lidar na sequência daquela extinção, mas que não conhecia os termos concretos daquele acordo.
Na sentença recorrida entendeu-se que a questão principal e que se revela decisiva para a resolução do presente litígio consiste em saber se o Protocolo que a Requerente celebrou com a Agência para a promoção da Guarda em 07-04-2014 se renovou no final do prazo estipulado para a respectiva vigência (como sustenta a Requerente) ou não (como sustenta a Entidade Requerida), pois a Requerente sustenta a sua pretensão no pressuposto de que esse Protocolo se renovou.
Nesta conformidade, considerou-se o seguinte, na sentença recorrida:
«Em 10-01-2007 foi constituída a Agência para a promoção da Guarda que, em 05-09-2013, celebrou um Protocolo de Colaboração com a Entidade Requerida, a fim de gerir, no concelho da Guarda, os suportes publicitários e mobiliário urbano desta última, podendo contratar com terceiros para cumprir com as obrigações assumidas.
E assim o fez, celebrando, em 07-04-2014, um Protocolo com a Requerente para a instalação de 11 mini-outdoors na cidade da Guarda.
Esse direito foi concedido à Requerente em exclusividade e isentava a mesma de quaisquer outros encargos financeiros e/ou licenciamentos além do pagamento de € 3.300,00 mensais acordado.
Quanto ao prazo de duração e renovação, ficou estipulado na cláusula 2ª desse Protocolo que “O Protocolo de exclusividade terá a duração de quatro anos, findo os quais poderá o mesmo ser renovado, caso não seja denunciado por algum dos intervenientes até três meses antes do términus do último ano protocolado”.
Daí que haja de recorrer às diretrizes interpretativas fornecidas pela Doutrina a fim de deslindar o alcance desta cláusula, desde logo tendo em conta que “A interpretação negocial prossegue um momento de realização do Direito: a dominante juspositiva, logo social, impõe-se, pois, em todo o seu percurso”.
Nesse ensejo, há que atender a “dois valores ou dois princípios aparentemente contrapostos e de cuja combinação resulta o regime negocial: a autonomia privada e a tutela da confiança”, sendo que “ambos os princípios se articulam entre si para, mutuamente, se tornarem aplicáveis” (…) “não havendo oposição, mas antes complementação interpenetrada”, devendo “frisar-se que todo o sistema da tutela da confiança pode ser chamado a contribuir para as soluções interpretativas”. Deste modo, “a interpretação do negócio deve ser assumida como uma operação concreta, integrada em diversas coordenadas. Embora virada para as declarações concretas, ela deve ter em conta o conjunto do negócio, a ambiência em que ele foi celebrado e vai ser executado, as regras supletivas que ele veio afastar e o regime que dele decorra”, sem olvidar que “a própria interpretação não pode deixar de atender à boa fé – portanto aos valores fundamentais do ordenamento que aí se jogam” (recorremos aos ensinamentos de António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I – Introdução, Doutrina Geral e Negócio Jurídico, 2ª edição, Almedina, 2000, páginas 545, 547, 548 e 551)
Assim, tomando como orientação as diretrizes apontadas, desde logo – e colocando a tónica no valor da autonomia privada - se constata que o teor literal desta cláusula não é conclusivo quanto à renovação automática ou não do Protocolo: de facto, o vocábulo “poderá” coloca dúvidas a esse respeito.
Em seguida – e apreciando sob o prisma do princípio da tutela da confiança - essa cláusula tem de ser interpretada atendendo aos acontecimentos que se sucederam durante a vigência do Protocolo.
É que, em 27-02-2015 a Agência para a promoção da Guarda foi dissolvida, tendo a Entidade Requerida assumido a gestão da publicidade, do mobiliário urbano e consequente ocupação do domínio público que havia sido atribuído a essa Agência no Protocolo celebrado em 05-09-2013, revogando expressamente o mesmo (conforme cláusulas n.º 5 e n.º 6 do acordo relativo ao património da dissolvida).
E relativamente ao Protocolo celebrado entre essa Agência e a Requerente em 07-04-2014, ficou expressamente estipulado que a Entidade Requerida assegurava a manutenção do mesmo até ao fim do seu prazo de vigência (conforme cláusula n.º 4 do acordo relativo ao património da dissolvida).
E a Requerente necessariamente teve conhecimento dos termos do acordo relativo ao património da dissolvida de 27-02-2015, dado que junta aos autos a ata da Assembleia-Geral da Agência para a promoção da Guarda que atesta essa dissolução (documento n.º 5 junto com o requerimento inicial), assim como demonstra ter conhecimento desse acordo e respetivo conteúdo nos artigos 17º e 18º do requerimento inicial.
Perante esta factualidade, são fortes as ilações a retirar no sentido de que o Protocolo celebrado entre as Partes em 07-04-2014 não se renovou no fim do prazo de quatro anos estipulado para a respetiva vigência.
De facto, o que resulta do atrás exposto – quer atendendo ao teor literal da cláusula, quer à tutela da confiança quer, inclusive, aos ditames da boa-fé - é que as Partes sabiam e estavam conscientes, desde, pelo menos, a data da dissolução da Agência para a promoção da Guarda (em 27-02-2015), que no final dos quatro anos que havia sido estipulado para a vigência do Protocolo celebrado em 07-04-2014, o mesmo não se iria renovar.
Daí que, tendo o referido Protocolo iniciado a produção dos seus efeitos em 02-05-2014 e tendo um prazo de vigência de quatro anos, aceita-se a posição assumida pela Entidade Requerida no sentido em que o mesmo cessou os seus efeitos em 31-05-2018.
E o assim decidido é para manter.
Ora, como resulta dos factos provados a Associação para a Promoção da Guarda foi dissolvida.
Prevê-se no artigo 40.º dos Estatutos desta Associação, que a extinção da associação, designadamente, “
quanto às formas de extinção e seus efeitos
”, “regular-se-á de conformidade com o disposto no Código Civil.”.
É, assim, aplicável ao caso sub iudice o disposto nos artigos 157.º e ss. do Código Civil (CC).
Nos termos do artigo 182.º, n.º 1, alínea a) do CC “As associações extinguem-se:
a) Por deliberação da assembleia geral;”.
O que sucedeu no caso dos autos, como se provou – cfr. alínea F) dos factos assentes.
Tal como se previu no artigo 39.º, alínea a) dos respectivos Estatutos, a Associação extingue-se por deliberação da assembleia geral.
No artigo 184.º prevêem-se os efeitos da extinção, nos seguintes termos:
1. Extinta a associação, os poderes dos seus órgãos ficam limitados à prática dos actos meramente conservatórios e dos necessários, quer à liquidação do património social, quer à ultimação dos negócios pendentes; pelos actos restantes e pelos danos que deles advenham à associação respondem solidariamente os administradores que os praticarem.
2. Pelas obrigações que os administradores contraírem, a associação só responde perante terceiros se estes estavam de boa fé e à extinção não tiver sido dada a devida publicidade.”.
É, assim, irrelevante que a Requerente não conhecesse os termos do “acordo estabelecido entre os ex-associados da Associação para a Promoção da Guarda”, “designadamente no que se refere a reservas que tenham sido estipuladas quanto a prazos ou condições de vigência”, bastando-lhe que soubesse que a mesma tinha sido extinta e que tinha conhecimento que a Entidade Requerida assumiu a actividade da entidade extinta quanto à publicidade.
O que sucedeu, pois, como referiu a Recorrente “foi com o requerido que a requerente passou a lidar na sequência daquela extinção.”.
Assim, os ex-associados não opuseram à Requerente qualquer alteração aos termos do protocolo celebrado entre a Requerente e a extinta Associação. Na verdade, a este respeito nada se provou. Pelo contrário, provou-se que a Entidade Recorrida deu execução ao Protocolo até ao terminus do mesmo, não tendo a mesma poderes para o renovar. Ora, com a extinção da pessoa colectiva cessa a personalidade jurídica e consequentemente a capacidade para assumir quaisquer outros direitos e obrigações.
Face à extinção de uma das partes - a Associação para a Promoção da Guarda – o “Protocolo” não se renovou automaticamente.
Em face do que improcedem as conclusões XI a XVIII da alegação da Recorrente.
3.2.4. Imputou, também, a Recorrente à sentença recorrida erro de julgamento relativamente à questão dos prejuízos, defendendo que o Tribunal não produziu prova e não se pronunciou minimamente sobre os prejuízos que para a Recorrente decorrem do não decretamento da providência, optando por analisar apenas os prejuízos eventualmente decorrentes para o requerido.
Defendeu, na conclusão XX, que relativamente aos prejuízos do requerido o decretamento da providência não representará mais do que manutenção do regular cumprimento de um Protocolo que o Requerido válida e voluntariamente assumiu, Protocolo esse que já vigora desde 2014, sem que dele resultem quaisquer prejuízos do ponto de vista dos interesses públicos que ao Município cumpre acautelar.
É evidente que não assiste razão à Recorrente neste ponto, pois, por um lado como vimos, com a extinção da Associação, ocorreu a insusceptibilidade de renovação do Protocolo e por outro lado, como resulta dos factos provados a Entidade Recorrida assumiu que “A manutenção dos contratos de publicidade em vigor será plenamente assegurada até ao seu terminus pela C.M.G”, não se tendo provado que a mesma tenha assumido o compromisso de renovação do contrato.
No que respeita aos alegados prejuízos invocados pela Requerente ora Recorrente, importa, desde já, referir que face à ausência de alegação concreta pela Requerente de factos relativos à situação económico-financeira da mesma, que no caso de virem a ser julgados indiciariamente provados permitissem concluir que com a verificação dos prejuízos alegados pela Requerente – conclusões XXI a XXIV – ocorreria uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação para a Recorrente, a sentença recorrida não incorreu no imputado erro de julgamento, designadamente, de não produção de prova por declarações de parte e testemunhal.
Por outro lado, como se considerou na sentença recorrida a “questão que agora se coloca, é sopesar o interesse da Requerente em que seja suspenso o procedimento de formação do contrato em causa nos autos ou, caso venha a suceder, a respetiva execução, atendendo à circunstância de que o pressuposto em que a mesma assenta para sustentar esse interesse, aparentemente, não se verifica.
Ou seja, a Requerente apenas terá prejuízos com a outorga e execução do contrato em causa, na medida em que seja provável que o Protocolo que celebrou em 2014 se renovou em 2018, uma vez que, como o objeto de ambos é coincidente (incidem sobre a concessão do direito de exploração para fins publicitários de espaços de domínio público municipal) com a execução do contrato a mesma ver-se-á impedida de poder prosseguir a sua atividade.
Ora, a partir do momento em que o Tribunal assume que não é provável que o Protocolo celebrado pela Requerente em 2014 se tenha renovado em 2018, falece pela base o interesse que a Requerente demonstra para que seja adotada a providência requerida, o que se reflete nos prejuízos que para a mesma podem advir com a outorga e execução do contrato em apreço, dado que, verificando-se os mesmos, não terão tutela jurídica suficiente para serem acautelados.”.
Quanto aos interesses da Entidade Recorrida para dar prevalência aos mesmos considerou o Tribunal a quo que as “cláusulas do caderno de encargos denotam que enquanto a Entidade Requerida não diligenciar no sentido de retirar os 16 suportes publicitários propriedade da Requerente, não poderá executar o contrato objeto do concurso público que lançou, com os prejuízos daí advenientes, tanto em termos de não cumprimento das suas obrigações contratuais (as quais poderão consubstanciar uma obrigação de indemnização), como em termos de falta de publicitação de eventos relevantes para o respetivo Município (que igualmente é contemplado no respetivo caderno de encargos).
A estes danos acrescem os prejuízos económicos decorrentes de não receber a remuneração anual mínima de € 10.544,32, acrescida de IVA, que foi estipulada no caderno de encargos.
Deste modo, atendendo que com a adoção da presente providência a Entidade Requerida teria danos económicos e imateriais e que o interesse da Requerente – num juízo perfuntório e sumário – não é digno de tutela jurídica, deverá ser indeferida a pretensão da Requerente.”.
Ora, face à extinção da Associação para a Promoção da Guarda, o Protocolo não se renovou automaticamente, e tendo os direitos e obrigações decorrentes do mesmo sido assumidos pela Entidade Recorrida apenas até ao terminus do mesmo, a renovação automática do Protocolo não podia ocorrer, pelo que, não tinha a Recorrente direito à renovação automática do Protocolo, não incorrendo, assim, a sentença recorrida na invocada violação dos princípios da proporcionalidade e da tutela da confiança previstos, respectivamente, nos artigos 7.º, n.º 2 e 10.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), bem como, não violou o disposto nos artigos 1.º-A, 279.º e 286.º do Código dos Contratos Públicos (CCP).
Tal como, a sentença recorrida não incorreu na violação do “Princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos”, previsto no artigo 4.º do CPA.
Em face do que improcede in totum o presente recurso.
*
As custas do recurso serão suportadas pela Recorrente – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais.
*
IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e consequentemente manter a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente.
Lisboa, 26 de Setembro de 2019.


____________________________
(Helena Afonso – relatora)
____________________________
(Pedro Nuno Figueiredo)

_____________________________
(Cristina dos Santos)

Sem comentários:

Enviar um comentário