quarta-feira, 11 de março de 2020

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL; DECISÃO DE NÃO ADJUDICAÇÃO



Proc. Nº 00744/18.0BECBR    TCANorte        28.06.2019


I – No quadro normativo decorrente da aprovação do Código do Contratos Públicos, é a lei que consagra expressamente a existência do dever de adjudicar, através da injunção constante no nº 1 do artigo 76º do CCP, conjugada com a ressalva das situações previstas no artigo 79º nº 1 que ali é feita.
II – Só não haverá lugar à adjudicação, não recaindo, assim, sobre a entidade de adjudicante o dever de adjudicar, nas situações previstas no nº 1 do artigo 79º do CPP, a saber: quando (a) nenhum candidato se haja apresentado ou nenhum concorrente haja apresentado proposta; (b) todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas; (c) por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento; (d) circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar o justifiquem; (e) nos casos a que se refere o n.º 5 do artigo 47.º, a entidade adjudicante considere, fundamentadamente, que todos os preços apresentados são inaceitáveis; (f) no procedimento de diálogo concorrencial, nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da entidade adjudicante; (g) no procedimento para a celebração de acordo-quadro com várias entidades o número de candidaturas ou propostas apresentadas ou admitidas seja inferior ao número mínimo previsto no programa de concurso.
III – As hipóteses consagradas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 79º do CCP como justificativas de uma decisão de não adjudicação, em particular as contidas nas alíneas c) e d), não integram a falta de valia ou a perfomance das propostas, sendo de afastar o poder de não adjudicar ou qualquer possibilidade de não adjudicação quando esteja em causa a apreciação do mérito das propostas ou a sua idoneidade para realizar o interesse prosseguido com a decisão de contratar

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
 
A sociedade GC, S.A. (devidamente identificada nos autos) instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra o processo de contencioso pré-contratual em que é réu o MUNICÍPIO DE PC... e contra-interessadas REP, S.A., PDP – PTG, S.A., OEG, S.A. e RGP, S.A. (todas devidamente identificadas nos autos) no qual peticionou a anulação do ato que decidiu a não adjudicação no âmbito do Procedimento Concursal nº 3/2018 e determinou abertura de novo procedimento concursal (o procedimento nº 4/2018), bem como a condenação do réu na prática do ato de adjudicação no procedimento nº concursal nº 3/2018 à autora com a consequente celebração do respetivo contrato.
Por sentença de 05/03/2019 o Tribunal a quo, julgando procedente a ação, anulou a decisão de não adjudicação proferida no concurso n.º 3/2018, bem como a consequente decisão de abertura do novo procedimento n.º 4/2018 e todos os atos administrativos neste último praticados e condenou o réu Município a retomando o procedimento concursal n.º 3/2018 a partir da fase de audiência prévia dos concorrentes quanto ao relatório preliminar, praticar, a final, caso a tal nada mais obstar e sem prejuízo do disposto no art.º 77.º, n.º 2, do CCP, o ato de adjudicação da proposta da A. e a celebrar o contrato respetivo.
Inconformados, dela interpuseram recursos independentes o réu MUNICÍPIO DE PC... (fls. 874 ss. SITAF) e a contra-interessada OEG, S.A. (fls. 906 ss. SITAF).
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Pugna o recorrente réu MUNICÍPIO DE PC... no seu recurso pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por decisão que julgue totalmente improcedente ação, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 05.03.2019 que julgou procedente a acção de contencioso pré-contratual, instaurada pela Recorrida GC, S.A., por considerar que inexistem na situação dos autos (não foram invocadas pela entidade adjudicante na fundamentação do acto impugnado) quaisquer circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar que justificassem a decisão de não adjudicação (…) e também não ocorreram quaisquer circunstâncias imprevistas que tenham tornado necessária a alteração de aspectos fundamentais das peças do procedimento.
2. Não se conforma o ora Recorrente com a decisão recorrida, porquanto está a mesma eivada de um manifesto de erro de julgamento de direito.
3. Julgou a M. Juiz a quo que de uma banda, inexistem na situação dos autos (não foram invocadas pela entidade adjudicante na fundamentação do acto impugnado) quaisquer circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar que justificassem a decisão de não adjudicação.
4. Julgou ainda a M. Juiz a quo que de outra banda, também não ocorreram quaisquer circunstâncias imprevistas que tenham tornado necessária a alteração de aspectos fundamentais das peças do procedimento.
5. É certo que a entidade adjudicante não perdeu o interesse em adquirir gás propano a granel para as piscinas municipais do Município de Pc.... Não se tratou de um desaparecimento dos pressupostos da decisão de contratar. O que ocorreu foi uma alteração desses pressupostos, isto é, uma alteração dos termos previstos que justificaram a decisão de contratar. Factos ocorreram no desenrolar do concurso público n.º 3/2018 que levaram o Recorrente a alterar esses pressupostos em prol da defesa do interesse público, sem que com isso perdesse o interesse em contratar.
6. O júri do procedimento deparou-se com propostas que apresentaram um preço variável consoante as flutuações dos preços de mercado, ou seja, propostas que apresentavam preços não fixos. E tal circunstância deveu-se ao facto de o prazo contratual fixado pelo Recorrente ser apenas de dois anos (24 meses), o que levou a que os concorrentes se vissem obrigados a tomar em linha de conta a evolução dos preços, na medida em que o prazo de dois anos não lhes permitia a fixação de um preço unitário, sem acarretar prejuízos e riscos desproporcionais.
7. O júri do procedimento, após análise das propostas apresentadas, apercebeu-se de que o facto de ter estipulado um prazo contratual apenas de dois anos condicionava a apresentação de propostas com um valor fixo, na medida em que quanto maior fosse a duração do contrato, mais vantajosas seriam as propostas apresentadas do ponto de vista do interesse do Município.
8. Concluiu o Recorrente que a alteração da duração do contrato a celebrar, de dois para três anos, traria benefícios económicos consideráveis para o Município, isto é, daria origem a uma poupança significativa na aquisição do bem móvel em causa, tal como efectivamente se veio a verificar pela análise das propostas apresentadas no concurso público n.º 4/2018.
9. Desta forma, ocorreu uma circunstância superveniente e imprevista que levou a uma alteração dos pressupostos da decisão de contratar e, consequentemente, a uma necessidade de alteração das peças do procedimento.
10. Ademais, o júri do procedimento deparou-se com a exclusão de quatro das cinco propostas apresentadas, pelo facto de não terem procedido à entrega de toda a documentação elencada na cláusula 12.ª do programa do concurso. O programa do procedimento e, consequentemente, o caderno de encargos reclamavam alterações substanciais de modo a proporcionarem ao destinatário uma melhor compreensão das suas exigências.
11. Desta forma, as peças do concurso público n.º 3/2018 reclamavam uma melhor clarificação, explicitação e desenvolvimento, facto que foi devidamente fundamentado na decisão de não adjudicação e que foi cumprido no concurso público aberto posteriormente, como demonstrámos com a exaustiva enumeração das alterações efectuadas nas peças do procedimento do concurso público n.º 4/2018 nas alegações do presente recurso.
12. Foram as referidas circunstâncias – necessidade de clarificação das peças do concurso e necessidade de alteração das mesmas, em concreto alteração da duração do prazo do contrato a celebrar com vista à obtenção de preços mais baixos na aquisição do bem móvel objecto do concurso público, com vista a proteger melhor os interesses do Município – que levaram o júri do procedimento a elaborar a proposta de decisão de não adjudicação com a consequente revogação da decisão de contratar, proposta que veio a ser deliberada em reunião ordinária de 20/11/2018 e confirmada pela entidade adjudicante em acta n.º 23/2018.
13. Tendo a execução de um contrato público em vista a satisfação de necessidades, caso a entidade adjudicante percepcione que não ponderou devidamente as circunstâncias que determinaram a decisão de contratar que condicionam a melhor satisfação das suas necessidades, deverá terminar o procedimento, sob pena de não estar a prosseguir o interesse público.
14. Ao julgar nos termos que se vêm de expor, é manifesto que a M. Juiz a quo ignorou por completo as inúmeras alterações a aspectos fundamentais das peças do procedimento que foram feitas no concurso público n.º 4/2018 – alterações no programa do procedimento e no cadernos de encargos que supra enumerámos exaustivamente.
15. Consequentemente, desconsiderou a M. Juiz a quo a poupança significativa que irá ocorrer com a celebração do contrato no âmbito do procedimento n.º 4/2018 ao invés da celebração do contrato no âmbito do procedimento n.º 3/2018 com a ora Recorrida. Foi tendo em vista esta poupança que ocorreu a necessidade de alteração das peças do procedimento, ou seja, tendo em vista a prossecução do interesse público do ponto de vista financeiro.
16. Sendo o Recorrente condenado a celebrar o contrato com a Recorrida no âmbito do concurso n.º 3/2018 tal irá implicar uma despesa no valor de € 155.060,00 (cento e cinquenta e cinco mil e sessenta euros) pelo fornecimento de gás a granel para o prazo de dois anos, o que significa um gasto anual no valor de € 77.530,00 (setenta e sete mil quinhentos e trinta euros).
17. Por sua vez, sendo celebrado o contrato no âmbito do concurso n.º 4/2018 com o concorrente que se encontra em 1º lugar, apresentando o preço mais baixo das propostas admitidas, o Recorrente irá ter uma despesa no valor de € 191.940,00 (cento e noventa e um mil novecentos e quarenta euros) pelo fornecimento de gás a granel para o período de 3 anos, o que significará um gasto anual de € 63.980,00 (sessenta e três mil novecentos e oitenta euros), ou seja, uma poupança efectiva de € 13.550,00 (treze mil quinhentos e cinquenta euros) anuais que, no prazo de três anos se traduzirá numa poupança de € 40.650,00 (quarenta mil seiscentos e cinquenta euros) face ao contrato a celebrar no âmbito do concurso n.º 3/2018.
18. Pelo exposto, não restam dúvidas de que o objectivo que levou o Recorrente à abertura de um novo procedimento – protecção do interesse público na sua vertente económica e financeira – foi atingido plenamente com o valor significativamente inferior das propostas apresentadas no concurso n.º 4/2018.
19. Pelo exposto, violou a decisão recorrida as alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP, por errada interpretação da lei, ao considerar que o Recorrente não tomou a decisão de não adjudicação no concurso público n.º 3/2018 ao abrigo das alíneas c) e d) do referido preceito normativo.
20. Ora, em consequência do que anteriormente ficou exposto relativamente à correcta fundamentação e posterior tomada de decisão de não adjudicação pelo Recorrente no concurso público n.º 3/2018 e consequente legítima e correcta abertura do concurso público n.º 4/2018, não poderá o Recorrente ser condenado a praticar o acto de adjudicação no concurso público n.º 3/2018 e, consequentemente, condenado a celebrar o contrato com a Recorrida GC S.A..
21. Julgando-se totalmente improcedente o pedido de anulação do acto de não adjudicação praticado no concurso público n.º 3/2018 e do acto de abertura do concurso público n.º 4/2018 pelo motivos expostos ao longo das presentes alegações de recurso, será forçoso também julgar improcedente o pedido de condenação do Recorrente Município de Pc... a praticar o acto de adjudicação à Recorrente no concurso público n.º3/2018 e o pedido de condenação a celebrar o contrato com a Recorrida.
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Por seu turno a recorrente contra-interessada OEG, S.A. pugna no seu recurso pela revogação da sentença recorrida, por ser válido o ato de não-adjudicação, e subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, pela revogação da sentença na parte em que condena a Entidade Demandada a adjudicar a proposta da GC e a dar por excluída a proposta da OEG, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
1. A Recorrida GC vem, a título principal, impugnar o acto de não adjudicação, tomado pelo MUNICÍPIO DE PC..., em 20.11.2019, no âmbito do Concurso Público n.º 3/2018 aberto para aquisição de gás propano a granel para as Piscinais Municipais, Pavilhão Gimnodesportivo e Espaço Cardio-Fitness, pedindo a sua anulação.
2. O Tribunal a quo deu por procedente este pedido, concluindo existir “vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, da decisão de não adjudicação/revogação da decisão de contratar, proferida no âmbito do concurso n.º 3/2018”.
3. A OEG não pode concordar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, entendendo que esta, sim, é que incorre em erro na análise e valoração dos factos e na aplicação e interpretação do Direito vigente, como de seguida se passará a demonstrar.
4. Quanto aos factos relevantes, e dados por assentes na sentença recorrida, nada se tem a apontar, para os mesmos se remetendo como base da decisão de apelação que se requer venha a ser tomada por este Venerando Tribunal Central Administrativo Norte.
5. Do que se recorre é da sua valoração – designadamente da interpretação que o Tribunal a quo faz das regras do Programa de Concurso e do teor e respectivos pressupostos da decisão de não adjudicação – e, depois, consequentemente, da aplicação do Direito aos factos que em concreto e na realidade se verificaram.
6. Como decorre do procedimento, por proposta do Ex.mo Júri do Concurso, o MUNICÍPIO DE PC... decidiu tomar uma decisão de não adjudicação, ao abrigo do previsto no art.º 79.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CCP, nos termos das quais “não há lugar a adjudicação, extinguindo-se o procedimento, quando: (…) c) por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento; / d) circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar o justifiquem”.
7. O Tribunal a quo entendeu que os fundamentos invocados pela Edilidade Demandada para a não adjudicação no Concurso n.º 3/2018 não se subsumem nas hipóteses previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 79.º do CCP.
8. Se bem que se aceite o primeiro juízo da sentença, no sentido de que se devem considerar “afastadas as causas subjectivas de não adjudicação”, já não se pode aceitar que não se verifiquem causas objectivas para uma não adjudicação, cingindo-se a ora Recorrente ao entendimento vertido na sentença recorrida de que “não ocorreram quaisquer circunstâncias imprevistas que tenham tornado necessária a alteração de aspetos fundamentais das peças do procedimento”, ou seja, de que a Entidade Demandada não tinha motivos para tomar uma decisão de não adjudicação ao abrigo do disposto na alínea c), do n.º 1, do art.º 79.º do CCP.
9. O Tribunal a quo afirma que “compulsados os fundamentos invocados pelo R. para a decisão de não adjudicação, não se vislumbra, porém, em que medida os mesmos consubstanciam circunstâncias imprevistas que impusessem uma alteração das peças do concurso”, não fazendo, pois, a devida interpretação do que a Entidade Demandada verdadeiramente disse ou quis dizer, prendendo-se em demasia ao facto de tais circunstâncias terem sido percebidas apenas depois de conhecidos os termos das propostas.
10. Apesar de se afirmar na sentença recorrida que nestes casos se tratará “de circunstâncias supervenientes ou já existentes à data da elaboração das peças do procedimento, mas que não tenham sido previstas, sem culpa grave, pela entidade adjudicante, aferindo-se o facto da imprevisão “em função de todos os estudos, relatórios, memórias ou projectos que serviram de base à elaboração (retificação) das peças do procedimento e daquilo que nelas próprias se contém”. Acresce que, para que tais circunstâncias imprevistas possam justificar a não adjudicação, hão-de reportar-se a aspetos das peças do procedimento (não das propostas) e a aspetos fundamentais seus, que agora têm de ser necessariamente alterados”, o discurso de raciocínio leva a concluir que para o Tribunal a quo as circunstâncias imprevistas indicadas naquela alínea c) teriam de ser supervenientes ao momento em que a decisão de contratar é tomada.
11. Ora, entende a OEG, ao contrário, que a verdadeira razão que levou o MUNICÍPIO DE PC... a tomar esta decisão de não adjudicação se insere precisamente na alínea c), de acordo com o próprio texto da decisão que se transcreve:
O presente concurso, encontra-se atualmente em fase de audiência prévia sobre o Relatório Preliminar que for elaborado pelo Júri designado para este concurso, que o produziu em 18 de Outubro de 2018.
Dessa audiência prévia, resultaram pronúncias de alguns concorrentes relativamente a validades de algumas declarações, apresentação de propostas de base preço eventualmente não fixa, e outras, de que foi dado conhecimento a Vereação com a delegação de poder, tendo daí resultado que a Entidade Adjudicatária se apercebeu fundamentalmente de dois aspetos essenciais.
Um, é o facto de haver concorrentes que apresentam a sua proposta com modelos que, embora procurem cumprir com as regras do concurso, foram sem dúvida concebidos para outro tipo de concurso, eventualmente com entidades privadas, com cujas regras se podem esgrimir outras condições de proposta. Embora tal não seja admissível, resulta, uma vontade de adaptar um modelo de proposta sem noção do afastamento às regras do CCP. Em parte pode dizer-se que o Programa de Procedimento deveria ter esse aspeto melhor acautelado, embora tal pudesse eventualmente ser suprido em sede de esclarecimentos. Este facto advém provavelmente da preocupação de o concurso ser com validade de dois anos, o que representa uma fronteira indistinta sobre a manutenção do preço atual ou consideração pelo concorrente da evolução do preço vara ele próprio de modo a poder concorrer com um preço fixo. Esta limitação, embora legal, pode não ter sido a melhor escolha. Por outro lado, entende-se que a adoção de um período mais dilatado que inequivocamente leve o concorrente a pensar o futuro com uma fronteira mas nítida e para um volume de negócio superior e face à instabilidade de preços, protege melhor os interesses do Município, adjudicando-se não para dois anos, como foi lançado o procedimento, mas para três anos como limita o CCP no seu artigo no seu artigo 48º.
Ao mesmo tempo podem as regras ser melhor clarificadas sem necessidade de recorrer a esclarecimentos.
Estamos, pois, no âmbito do disposto na alínea c) e de certo modo também na alínea d) do artigo 79° do mesmo CCP que define as causas de não adjudicação.
12. A meio do procedimento, a Entidade Adjudicante apercebeu-se que os termos e condições com que pensou o Contrato a celebrar prejudicavam o interesse público, designadamente por se ter previsto um prazo de apenas 24 meses para o Contrato e uma quantidade de combustível reduzida que não permitia ao mercado oferecer melhores descontos.
13. E a realidade assim o comprovou: no Concurso n.º 4/2018 as condições oferecidas pelos concorrentes foram substancialmente melhores do que aquelas que haviam sido oferecidas no primeiro procedimento.
14. Acresce que, como a própria Entidade Adjudicante se veio a aperceber, era necessário proceder a uma revisão significativa das peças do concurso, por nelas se encontrarem disposições e cláusulas menos claras, que se impunha melhorar, seja para benefício dos concorrentes, seja para próprio benefício do MUNICÍPIO.
15. Ora, estas razões são aquelas que, precisamente, são admitidas como causa de não adjudicação por esta norma legal, pois, na verdade, ainda que estas circunstâncias fossem previsíveis, ou pudessem ter sido previstas, no momento em que as peças do Concurso são aprovadas, o legislador, contudo, indica no art.º 79.º, n.º 1, alínea c), do CCP, que se basta com o facto de tais circunstâncias não terem sido previstas, podendo-o ser, isto é, ainda que fossem previsíveis.
16. Dos trabalhos preparatórios da decisão de contratar que tomou para abrir o Concurso n.º 3/2018, constantes dos factos provados, bem se vê que não foi feito o exercício que a Entidade Adjudicante acabou por fazer, ainda que só após a abertura das propostas, limitando-se os serviços camarários a copiar do passado para o presente as condições que haviam sido estipuladas em contratos anteriores.
17. Só então, mas ainda bem a tempo, se apercebeu a Entidade Adjudicante que uma das principais, se não a principal, finalidades do procedimento de contratação corria o risco de não ser alcançada: obter a melhor proposta possível com as melhores condições possíveis, só assim se protegendo o interesse público financeiro, impondo-se a alteração dos aspectos mais fundamentais das peças do Concurso: o preço-base, as quantidades estimadas de fornecimento e o prazo contratual.
18. O Tribunal a quo fixou-se exclusivamente no facto de a Entidade Adjudicante referir na sua decisão alguns aspectos das propostas apresentadas para concluir que “não tem tal circunstância qualquer ligação com o interesse público que é prosseguido pelo R. com o contrato visado no procedimento, mas antes com o próprio mérito ou valia das propostas apresentadas e com a maior ou menor capacidade que as mesmas revelaram de adaptação às exigências do procedimento em causa, para efeitos de realização do interesse público prosseguido com a decisão de contratar”.
19. Mesmo depois, quando a decisão se foca exactamente nas consequências prejudiciais para o interesse público originadas nos termos e condições das peças do Concurso, o Tribunal a quo vem então referir que, neste ponto, o que não encontra é o factor da imprevisão.
20. Ora, como decorre dos factos provados e da própria decisão, a imprevisibilidade está no facto de se não ter previsto que um período mais dilatado – que é legalmente permitido – levaria a que o mercado oferecesse melhores condições, o que efectivamente veio a acontecer, sendo precisamente para esses casos que o art.º 79.º, n.º 1, alínea c), do CCP foi pensado.
21. O Tribunal a quo, afinal, acaba por confundir circunstâncias imprevistas com circunstâncias supervenientes, dando como se fossem os mesmos os pressupostos das alíneas c) e d) do n.º 1, do art.º 79.º do CCP, o que redunda numa incorrecta interpretação legal e resultou numa errada aplicação do Direito aos factos em presença, tendo designadamente levado o Tribunal a quo a interpretar a decisão impugnada num sentido que não era o que a motivou.
22. No fundo o Tribunal a quo parece entender que o CCP não permite à Entidade Adjudicante que reformule o teor das peças antes aprovadas, a menos que algo de surpresa aconteça depois de tal aprovação, o que leva a inutilizar o que o legislador consagrou na referida alínea c).
23. Assim, por se verificarem aquelas circunstâncias imprevistas e ser manifesta a necessidade de alterar aspectos fundamentais do procedimento, é válida a decisão impugnada, pelo que deve ser revogada a sentença recorrida quando nela se decide que o MUNICÍPIO DE PC..., com base nas razões constantes da decisão impugnada, não podia ter tomado, como tomou, um acto de não-adjudicação ao abrigo da alínea c), do n.º 1, do art.º 79.º.
24. O Tribunal a quo errou na interpretação da decisão de não-adjudicação e dos seus reais fundamentos e intentos, errando também ao interpretar e aplicar a verdadeira previsão do art.º 79.º, n.º 1, alínea c), do CCP.
25. Como demonstrado, resulta à saciedade que a Entidade Adjudicante veio a constatar, o que antes não previra – ainda que o pudesse ter previsto -, que as condições exigidas e fixadas nas peças do concurso impediam que viesse a obter melhores condições por parte dos concorrentes, sendo que ficou demonstrado nestes autos que a alteração dos aspectos fundamentais das peças do Concurso que foram promovidas levaram a um benefício económico para o Município de €38.670,00, o que relativamente é uma poupança muito significativa face aos preços globais deste caso.
26. Assim, não só a decisão tinha em si toda a justificação, como esta ficou desde logo demonstrada, pelo que não pode ser mantida a sentença recorrida, devendo ser revogada e alterada a decisão jurisdicional de anulação da decisão de não adjudicação tomada pelo MUNICÍPIO DE PC..., sendo este um acto válido, justificado e com o devido fundamento, promotor do interesse público que deve neste caso relevar, e, em consequência, não pode igualmente dar-se por anulada a decisão de contratar que deu origem ao Concurso n.º 4/2018, tomada pelo Município de Pc... em 07.12.2018, devendo este procedimento prosseguir os seus termos até final, o que respeitosamente se requer venha a ser decidido por este Venerando Tribunal Superior.
27. Quanto à segunda parte da sentença ora em crise deve dizer-se que esta se revela absolutamente surpreendente e inadmissível, constituindo um exercício do poder jurisdicional que ultrapassa em muito os seus limites e se baseia na assunção de factos que é não só incorrecta como impossível de acontecer no momento em que a decisão é tomada.
28. Relembre-se que, no Concurso n.º 3/2018, foram apresentadas cinco propostas, duas delas – a da REP e a da OEG – mais baratas do que a da Recorrida GC.
29. No entanto, do Relatório Preliminar aprovado pelo Júri resulta uma proposta de decisão no sentido de que as propostas apresentadas pelas concorrentes PTG, RGP e OEG deveriam ser excluídas, nos três casos pelos mesmos motivos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
30. Em segundo lugar, daquele Relatório resulta que a proposta da REP, por aplicação do critério de adjudicação definido pela Entidade Adjudicante, deveria merecer a adjudicação, ficando a proposta da GC classificada em 2.º lugar.
31. É certo que a ora Recorrida GC apresentou pronúncia no sentido de ver excluída, também, a proposta apresentada pela concorrente REP, que a precedia na classificação, mas sucede que foi precisamente nesta fase que o Município de Pc... veio a decidir que não haveria lugar à adjudicação, extinguindo o Concurso n.º 3/2018, sendo revogada a decisão de contratar.
32. É esta, e esta só, a decisão que a Recorrida impugnou através da presente acção, como aliás a sentença recorrida afirma, logo ao princípio, para justificar a aplicação de medidas provisórias ao abrigo do art.º 103.º-B, do CPTA.
33. Ora, destes factos, designadamente das decisões que nele são apontadas, não se encontra qualquer decisão tomada pela Entidade Adjudicante sobre a admissão ou exclusão das propostas apresentadas, muito menos uma decisão de adjudicação, e ainda menos que a ora Recorrida teria direito à adjudicação no final do Concurso n.º 3/2018. Pelo contrário.
34. Para isso seria necessário, desde logo, que a Entidade Adjudicante tivesse tomado uma decisão que acolhesse o sentido decisório proposto pelo Ex.mo Júri no Relatório Preliminar daquele primeiro procedimento quanto à exclusão das propostas apresentadas pela PTG, a RGP e a ora Recorrente OEG.
35. Antes disso, sempre faltaria ao Júri elaborar e aprovar o Relatório Final e que o mesmo fosse acolhido pelo MUNICÍPIO DE PC....
36. Ora, os relatórios do Júri de um Concurso, muito mais quando é o preliminar, não são nem definitivos nem vinculativos nem produzem quaisquer efeitos externos, sendo meramente instrutórios de uma decisão final que com eles até pode não concordar, pelo que, mesmo que o Júri viesse a manter as suas primeiras conclusões num Relatório Final, este poderia não vir a ser aceite pela Entidade Adjudicante.
37. Não houve Relatório Final e muito menos foi tomada uma verdadeira decisão de exclusão daquelas três propostas pelo MUNICÍPIO DE PC..., para além de que se ficou sem saber se o Ex.mo Júri do Concurso iria, ou não, alterar a proposta de decisão que havia adiantado no Relatório Preliminar, nem se encontra no procedimento qualquer manifestação do Júri sobre o que, através da pronúncia que apresentou em audiência prévia, foi defendido pela GC, no sentido de ver excluída a proposta da REP, que surgia destacada em 1.º lugar no Relatório Preliminar.
38. Muito menos se encontra uma decisão da Entidade Adjudicante a esse respeito.
39. O único facto dado como provado é que a proposta da OEG era mais barata do que a apresentada pela GC, pelo que, sendo incorrecta uma decisão de exclusão da proposta da OEG – decisão que nunca veio a ser tomada e que se demonstrará que não pode ser tomada -, mesmo que a proposta da REP devesse ser excluída – como aparentemente deveria ter acontecido -, certo é que a proposta da GC não alcançaria nunca o 1.º lugar na classificação, pois sempre ficaria atrás da OEG.
40. Para chegar a uma decisão definitiva de adjudicação em favor da GC, era ainda necessário que houvesse: a) uma ponderação por parte do Júri das pronúncias apresentadas sobre o Relatório Preliminar e a aprovação de um novo Relatório; b) a abertura de uma segunda fase de audiência prévia caso o sentido decisório do primeiro Relatório se alterasse; c) novo Relatório de avaliação e classificação das propostas por parte do Júri, o qual podia, de novo, alterar a anterior proposta de decisão; d) aprovação de Relatório Final a ser levado ao órgão decisor; e) decisão por parte do MUNICÍPIO DE PC..., a qual podia até ser diferente da proposta do Júri.
41. Acresce que ao longo de todos estes trâmites seria – e será - ainda possível e mesmo obrigatório – ao Ex.mo Júri, e própria à Entidade Adjudicante, “pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito de análise e da avaliação das mesmas” e, bem assim, “solicitar aos (…) concorrentes que (…) procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas (…) causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data da apresentação da proposta”, como determina o art.º 72.º, n.ºs 1 e 3 do CCP.
42. Mesmo que a adjudicação acabasse por recair na proposta da GC, é-lhe impossível defender que a Entidade Adjudicante, em sede de impugnação administrativa, não viesse a reverter a sua decisão, seja por considerar que a proposta da REP não devia ter sido excluída ou, se esta o fosse, que a proposta da OEG deveria ter sido admitida.
43. Por fim, em caso algum a Recorrida se poderia ter atrevido a pedir a condenação da Entidade Adjudicante à celebração do contrato, pois mesmo que a adjudicação lhe viesse a ser concedida, sempre poderiam ocorrer diversas situações que levariam à caducidade da adjudicação, seja por insuficiência, incorrecção ou desrespeito do prazo de entrega dos documentos de habilitação, seja por falta à outorga do contrato por exemplo.
44. Mas assim não entendeu o Tribunal a quo que levou a cabo a instrução integral do procedimento e fixou a decisão que, no seu entender, devia ser tomada, sem que outra pudesse haver.
45. Tal viola, desde logo, o disposto nos art.ºs 67.º a 69.º do CCP, que determinam que é a um júri, devidamente nomeado para o efeito, que cabe, em primeira mão, apreciar as propostas e elaborar os respectivos relatórios de avaliação.
46. Sendo o trabalho desenvolvido pelo Júri meramente instrutório e não vinculativo para a própria Entidade Adjudicante, e as suas conclusões simples propostas de decisão, sem qualquer eficácia externa, estas são, portanto, decisões inimpugnáveis, como se retira a contrario do disposto no art.º 51.º, n.º 1, do CPTA, designadamente através da acção de contencioso pré-contratual regulada nos art.ºs 100.º e seguintes do CPTA.
47. Acresce que a decisão de contratar e, em especial, a decisão de adjudicação, cabe ao órgão administrativo competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, como determina o art.º 36.º, n.º 1, do CCP.
48. Como dito, o acto do MUNICÍPIO DE PC... que foi impugnado nos autos – o único acto que foi tomado por quem tem poderes decisórios – foi um acto de não-adjudicação, pelo que a decisão a que o Tribunal foi chamado a tomar era, primeiro, a de julgar da legalidade ou ilegalidade de tal acto de não-adjudicação, de acordo com o previsto e dentro dos limites estabelecidos no art.º 3.º, n.º 1, do CPTA.
49. Na hipótese de se entender que não se verificavam os pressupostos para que esta decisão de não-adjudicação pudesse ter sido tomada, o pedido condenatório possível e admissível sempre se deveria limitar a que a Entidade Demandada viesse a ser condenada no acto ambivalente e que era devido, isto é, que a Entidade Demandada fosse condenada a ordenar a prossecução do procedimento pré-contratual que se havia quedado na fase do primeiro Relatório Preliminar, podendo o Tribunal a quo condenar ainda a Entidade Adjudicante a tomar, no final do Concurso, um acto de adjudicação.
50. Era também esse o único direito que a Recorrida podia invocar, nos termos do art.º 76.º do CCP, que corresponde ao cumprimento dever de adjudicação a que a Entidade Adjudicante está adstrita pelo facto de ter aberto um Concurso Público.
51. Foi este dever que foi omitido ou mesmo que se poderá considerar violado pela decisão de não-adjudicação impugnada.
52. Assim, a única lesão, ou ameaça de lesão, que podia ser invocada pela Recorrida enquanto concorrente, era a de não ver satisfeito o seu direito a que o procedimento pré-contratual terminasse com um acto de adjudicação.
53. Pelo que cumular a impugnação de um ato de não-adjudicação com um pedido de condenação a um acto de adjudicação com um conteúdo determinado, e mais ainda, à celebração de um contrato sem que estivesse ainda decidido a quem a adjudicação viria a caber, resulta ilegal e inadmissível nos termos do art.º 4.º do CPTA, ilegalidade que se reflecte na decisão recorrida que a admitiu.
54. Por outro lado, cabendo aos órgãos competentes da Entidade Adjudicante – seja ao Júri, seja depois ao órgão decisor – a prerrogativa de análise, avaliação, admissão ou exclusão, e por fim classificação de todas as propostas apresentadas, não é possível julgar da sua actuação antes desta se dar por concluída, mesmo que se trate de um acto que, depois de terminada a fase instrutória do procedimento, acabe por se verificar ser de conteúdo estritamente vinculado.
55. Ora, no caso, para além de faltar um elemento essencial à causa – o seu objecto mediato, isto é, um acto de adjudicação que pudesse ser julgado pelo Tribunal -, não é possível sustentar que apenas uma solução seria legalmente possível, sem que antes se pudesse dar espaço à Entidade Adjudicante para finalizar a instrução do procedimento e tomar, no final, posição sobre o caso, pelo que resultam violados os art.ºs 3.º, n.º 1, 4.º, 71.º e 95.º, n.ºs 5 e 6, todos do CPTA, sendo evidente o desrespeito do princípio da separação de poderes constitucionalmente consagrado, pelo que sentença recorrida não se pode manter nesta parte, devendo ser revogada.
56. Admitir e manter a jurisprudência fixada pelo Tribunal a quo levaria a que, a partir de agora, qualquer concorrente, logo na fase prévia de um procedimento pré-contratual, viesse junto de Tribunal pedindo-lhe que, em substituição dos órgãos administrativos competentes, tomasse uma decisão de adjudicação em sua substituição, em particular quando o critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
57. Para além de que a decisão final a tomar no Concurso n.º 3/2018 não é líquida, estando ainda tudo por decidir, pois mesmo que se entendesse que o Tribunal a quo poderia tomar a seu cargo a instrução e a decisão do procedimento, o que apenas como hipótese se admite e refere, nunca, nos termos da Lei e das próprias regras do Concurso n.º 3/2018, a proposta da OEG podia ser excluída – como em definitivo nunca veio a ser.
58. Os motivos avançados no Relatório Preliminar para a exclusão da OEG, como aliás para as duas outras concorrentes, e que resultam do probatório dado como assente no respectivo ponto 14, foram os seguintes:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
59. Ora, lendo o Programa de alto a baixo resulta insofismável que os documentos exigidos naquela Cláusula 12.ª, se destinavam a ser apresentados não com a proposta, mas sim em fase de habilitação, apenas e só, pelo adjudicatário, resultando incorrecta a epígrafe desta cláusula e o texto do seu n.º 1, onde se devia ler, respectivamente, “Documentos de Habilitação” e “1 – Após a notificação da adjudicação, o adjudicatário deverá entregar: (…)”.
60. Na verdade, se bem se olhar à documentação que é pedida na alínea b), do n.º 1, desta Cláusula 12.ª, verifica-se que a mesma corresponde exactamente àquela que está elencada no art.º 81.º do CCP, que trata, precisamente, dos documentos de habilitação que devem ser apresentados pelo adjudicatário.
61. Deve, contudo, fazer-se a ressalva que o que é pedido na alínea a) anterior remete, também por lapso, para o Anexo I do PP – e Anexo I do CCP – quando resulta manifesto que se quereria dizer Anexo II do PP – e Anexo II do CCP.
62. Demonstrativo de quanto afirmado é o facto deste Anexo I já estar pedido, e bem, na referida Cláusula 11.ª, n.º 2, alínea a), do PP, resultando totalmente desconexo que se viesse a elencar, em cláusulas diferentes, a documentação que deveria instruir a proposta, seja repetindo documentação já pedida, seja acrescentando outra que, nos termos da Lei, não deve nem pode ser exigida na fase de apresentação das propostas aos concorrentes.
63. Tanto assim é que no elenco das causas de exclusão fixadas na Cláusula 14.ª do PP não se encontra referência à Cláusula 12.ª.
64. Por fim, prova determinante desta interpretação é o facto de no clausulado do PP não se encontrar nenhuma norma expressa referente aos documentos de habilitação que o adjudicatário deve apresentar na devida fase, o que bem demonstra o lapso de redacção da referida Cláusula 12.ª, o que seria obrigatório que se verificasse, nos termos do art.º 132.º, n.º 1, alínea f), do CCP, que determina que “o programa do concurso público deve indicar: (…) f) os documentos de habilitação, diretamente relacionados com o objeto do contrato a celebrar, a apresentar nos termos do artigo 81.º”.
65. Acrescenta-se ainda que, nos termos da alínea h), desta mesma norma legal, “o programa do concurso público deve indicar: (…) h) os documentos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 57.º”, que são, precisamente, os documentos que única e obrigatoriamente devem ser apresentados com a proposta pelos concorrentes, o que foi cumprido pela OEG.
66. Sendo manifesto o lapso de redacção da Cláusula 12.ª do PP, esta deve ser reintegrada de acordo com o previsto no art.º 51.º do CCP que determina que “as normas constantes do presente Código relativas às fases de formação e de execução do contrato prevalecem sobre quaisquer disposições das peças do procedimento com elas desconformes”, impondo-se uma leitura correctiva do disposto na Cláusula 12.ª do PP no sentido de ali ver elencada a documentação que, apenas e só, em fase de habilitação, deveria ser apresentada pelo adjudicatário, para além de se ler as normas de exclusão expostas no PP também de acordo com o que prevê, imperativamente, o CCP.
67. E, também neste passo, a sustentação jurídica do sentido decisório expresso no Relatório Preliminar para a exclusão da proposta da OEG não colhe, porquanto a falta daquela documentação não seria, nunca por nunca, integrante da previsão da alínea n), do n.º 2, do art.º 146.º, do CCP.
68. Determina esta norma que, no relatório preliminar, o júri do procedimento deve excluir as propostas “n) que sejam apresentadas por concorrentes em violação das regras referidas no n.º 4 do artigo 132.º, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente”, que refere que “o programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência”.
69. Tal nada tem que ver com a não apresentação de documentação, a qual, nos termos do próprio PP e do CCP, a OEG apresentou integralmente, embora se saiba que esta norma tem sido lida muitas vezes como nela se integrando documentação adicional que a Entidade Adjudicante exija para além daquela que expressamente está listada no art.º 57.º do CCP.
70. Em todo o caso, sempre se entendeu que tais exigências adicionais não poderiam dar azo a uma exclusão de uma proposta quando tais exigências em nada relevam para a sua avaliação, o que no caso acontece.
71. Dos documentos que se diz faltarem na proposta da OEG, nenhum deles contribui ou tem qualquer relevância para a avaliação dos seus atributos e a verificação da sua correcta e suficiente apresentação, nem mesmo quanto aos termos e condições da proposta a que a Entidade Adjudicante pretenda que a concorrente se vincule no que toca a aspectos não submetidos à concorrência pelas peças do concurso.
72. Em segundo lugar, seria obrigatório que o PP previsse, expressamente, que o não cumprimento daquela exigência fosse cominado com a exclusão da proposta, o que também não acontece, pelo que a proposta da OEG nunca poderia ser excluída por este motivo, resultando evidente que, se o procedimento pré-contratual tivesse prosseguido, a intenção de exclusão expressa no Relatório Preliminar haveria de ser, a dado passo, alterada, mais que não fosse por força de uma decisão judicial.
73. Aliás, como se disse já, mesmo que se entendesse que a Entidade Adjudicante poderia exigir estes documentos com a proposta, a sua falta não poderia degenerar em motivo de exclusão sem que à OEG fosse dada a oportunidade, ao abrigo do art.º 72.º, n.º 3, do CCP, de vir a apresentar “documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta”, como é o caso de todos os documentos que se dizem estar em falta na proposta da OEG.
74. No entanto, mais uma vez, outro foi o entendimento do Tribunal a quo, que, em lugar de fazer uma interpretação das normas do Programa nos termos do CCP, apenas as leu no sentido que mais prejudicasse a OEG e favorecesse a Recorrida, por razões que não se vislumbram, violando assim o disposto nos art.ºs 70.º, n.º 2, e 146.º, n.º 2, do CCP, e os princípios da proporcionalidade e do favor concorrente, pelo que se requer respeitosamente a sua revogação.
75. O Tribunal a quo, para além de largamente ultrapassar os seus poderes de jurisdição e a fronteira da separação de poderes, acaba por conduzir o procedimento contra os mais básicos princípios da contratação pública e da decisão administrativa, o que bem demonstra a falta de vocação para assumir as responsabilidades a que se arrogou.
76. Donde se entende que, mesmo que este Venerando Tribunal acorde no sentido de anular a decisão de não-adjudicação, a condenação consequente se deve cingir a que o procedimento volte à fase de audiência preliminar em que se estava no momento em que foi tomada a decisão impugnada nestes autos.
77. Quanto muito, em substituição da decisão recorrida, e dentro dos limites permitidos pelos art.ºs 71.º e 95.º do CPTA, se determine que a Entidade Adjudicante deve ainda, no âmbito dos seus poderes instrutórios, dar cumprimento ao previsto no art.º 72.º, em particular no seu n.º 3, no sentido de ponderar e só depois concluir se as causas de exclusão que havia apontado no Relatório Preliminar podem ou não ser supridas, e de que forma, pelos concorrentes ali indicados, designadamente a OEG.
78. Em suma, a decisão recorrida carece, manifestamente, de correcção, pelo que se apela a este Ilustre Tribunal Central Administrativo Norte no sentido de se obter uma decisão que, dados os factos em presença e o Direito vigente, determine, nos estritos limites das suas competências, o que verdadeiramente pode ser exigido à Entidade Adjudicante no sentido desta poder, enfim, ver satisfeitas as suas necessidades da melhor maneira através da conclusão do procedimento pré-contratual em crise, devendo ser-lhe concedida a devida precedência na tomada da decisão que, nos ternos da Lei, a ela, em primeiro lugar, cabe tomar.
*
A recorrida autora contra-alegou (fls. 984 ss. SITAF) pugnando pela improcedência de ambos os recursos, com manutenção da decisão recorrida, formulando, a final, o seguinte quadro conclusivo:
A) O presente recurso foi interposto pelo Réu MUNICÍPIO DE PC... é pela Contrainteressada OEG, S.A. da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo é Fiscal de Coimbra em 5 de março de 2019, que julgou procedente a ação o de contencioso pré -contratual intentada pela Autora GC, S.A., é, em consequência, anulou a decisão de não adjudicação proferida no concurso n.º 3/2018, bem como a consequente decisão de abertura do novo procedimento n.º 4/2018 é todos os atos administrativos neste último praticados e nessa sequência condenou a Entidade Demandada, retomando o procedimento concursal n.º 3/2018 a partir da fase de audiência prévia dos concorrentes quanto ao relatório preliminar, a praticar, a final, caso a tal nada mais obstar é sem prejuízo do disposto no artigo 77.º, n.º 2 do CCP, o ato de adjudicação o da proposta da Autora é a celebrar o contrato respetivo.
B) O Recorrente Município de Pc..., descobriu que o preço da legalidade é do Estado de Direito são, na verdade, 13 mil euros.
C) Os recursos apresentados pelo Município e pela OEG criam, salvo o devido respeito, uma simbiose perfeita de incoerências e, até, excessos, tendentes à manutenção ou perpetuação do status quo ante: a OEG a fornecer, com concurso ilegal (e a segunda) ou com ajuste direto material sem fim a vista. O que é estranho, desde logo se pensarmos que são o Réu e a Contrainteressada e a medida provisória decretada, de suspensão, deveria ser para beneficiar a agora Recorrida;
D) A argumentação dos Recorrentes, especialmente do Município, não é apenas, data maxima venia, errada é ilegal, não merecendo a sentença quaisquer dos reparos que lhe são feitos, a posição assumida pelos Recorrentes é, sobretudo, profundamente incoerente, ao ponto da insustentabilidade.
E) Este Recorrente, só para efeitos do presente recurso, tenta demonstrar, debalde, que o interesse público é, quase em exclusivo, a redução do valor a pagar pelo Município, por comparação o com os valores obtidos nos contratos anteriores e, bem assim, no concurso que pretendeu anular. No entanto, é o mesmo Município que, como vimos, lesto e sem reservas, vem afirmar, neste mesmo processo judicial, que o interesse público que tem de ser servido é, naturalmente, o fornecimento de gás, e que nada tem contra a suspensão, de termo naturalmente incerto, do procedimento de contratação, desde que isso signifique a manutenção da OEG.
F) Sendo que manter a OEG, significa a manutenção, sem fim a vista (considerando o animus litigante dos Recorrentes), do preço do contrato anterior, que serviu de preço base para o concurso anulado, e que, neste momento é alvo de críticas violentas, por banda dos Recorrentes, pois tal nível de preços consubstancia, aparentemente, uma espécie de despesismo insustentável e intolerável para o interesse público).
G) Aparentemente, o Município só não quer gastar dinheiro se for para pagar um fornecimento realizado pela GC, pois que se for a OEG, em qualquer um dos três cenários que parecem unir-se numa via unidirecional inescapável, criada pelos Recorrentes, estará tudo bem, independentemente de quaisquer ponderações financeiras.
H) Assim, tudo está bem se:
-Continuar a ser a OEG como tem sido nos últimos dois anos (através de um concurso público cuja lógica é contestada, agora, por ambos os beneficiários – o público e o privado);
-Continuar a ser a OEG, como, de facto, continua, através de um ajuste direto, sine die, que o desejo de manutenção leva mesmo ao ponto de se fazerem críticas acerca da rapidez da decisão no presente processo;
-Continuar a ser a OEG por força do concurso 4/2018 (que foi a segunda hipótese de a OEG, artificial e ilegalmente, arrogar-se a posição de vencedora, e não de excluída).
I) Toda a alegação da OEG, sob a capa de defesa do interesse público, é ordenada à satisfação egoísta dos seus interesses, de forma incoerente e que, por vezes, põe em causa o próprio interesse do Município, alvitrando que este pode revogar o contrato a celebrar e indemnizar, naturalmente, a GC.
J) Esta Recorrente anuncia no seu recurso a sua verdadeira estratégia: como sabe que a ilegalidade da decisão de revogação é patente (é inevitável), apenas quer que o concurso volte para uma fase em que a OEG ainda possa questionar a sua exclusão, pedir a exclusão dos demais concorrentes, para continuar uns bons anos com um ajuste direto material, com preços que advoga serem irracionais.
K) Dos factos provados resulta que do “Relatório Final” elaborado pelo Recorrente Município de Pc... no âmbito do concurso público n.º 3/2008 retira-se que a decisão de não adjudicação foi tomada, expressamente, com fundamento, na aplicação, indistinta, das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP.
L) Da factualidade provada resulta de forma manifesta que os fundamentos invocados pela entidade adjudicante para a decisão de não adjudicação no âmbito do concurso n.º 3/2018 são insuscetíveis de ser subsumidos, através da respetiva interpretação e aplicação do Direito, a qualquer uma das hipóteses previstas nas mencionadas alíneas c) é d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP.
M) Do artigo 76.º, n.º 1 do CCP com a epígrafe “dever de adjudicação” resulta a existência de um dever de adjudicação, sendo que o lançamento de um procedimento pré-contratual nos termos do CCP constitui, necessariamente, um momento de auto-vinculação administrativa, tendente à escolha, em determinadas condições (previamente fixadas nas peças do procedimento, devidamente publicitadas), de uma proposta para servir uma necessidade pública que tenha sido identificada e deva ser suprida pela Administração e gera, inquestionavelmente, expetativas e Direitos, que merecem ser tuteladas de acordo com os princípios da confiança, da boa-fé é da segurança jurídica.
N) De acordo com a jurisprudência e a doutrina citadas não existe um poder discricionário em torno da decisão de adjudicação, sendo de recusar que a entidade adjudicante disponha de liberdade de adjudicar ou de não adjudicar, antes estando em causa uma decisão vinculada, em que existe o dever de adjudicação, salvo a verificação de um dos eventos típicos, previstos expressamente na lei, nomeadamente no artigo 79.º do CCP, que legitimam a não adjudicação.
O) Dos factos provados encontra-se demonstrado que não existe, não foi invocada, no caso em apreço, qualquer circunstância superveniente, que se possa subsumir a aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP, e cuja ocorrência justifique não celebrar o contrato nos termos devidos nem foi indicada qualquer mudança na dinâmica previsional da entidade adjudicante que force uma ponderação ou reconfiguração da relação contratual: o Recorrente não abandonou o contrato, não deixou, de forma superveniente, de ter interesse em adquirir o gás propano a granel objeto do contrato, nem tal aquisição deixou de ser necessária para a prossecução ou suprimento da necessidade de interesse público identificada, não foi invocada qualquer alteração ao nível das verbas disponíveis para financiamento dessa aquisição, nem sobreveio qualquer decisão ou circunstância no sentido de impossibilitar a entidade adjudicante do recurso a espécie de contrato aqui em causa.
P) O Recorrente Município de Pc... após proferir decisão de não adjudicação no âmbito do concurso n.º 3/2018 acabou por lançar um novo procedimento (concurso n.º 4/2018) para a aquisição do mesmo bem, o que demonstra inequivocamente que não se verificou qualquer circunstância superveniente quanto aos pressupostos da decisão de contratar, pelo que os fundamentos invocados para justificar a não adjudicação, porque não relacionados com tais pressupostos, não são enquadráveis na alínea d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP.
Q) No que respeita à aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP a mesma reconduz-se à verificação de circunstâncias imprevistas das quais resulte a necessidade de alteração de aspetos fundamentais das peças do procedimento, devendo a necessidade ser uma necessidade pública, da entidade pública, para cumprir um determinado interesse público que se visava cumprir com o procedimento.
R) Na aplicação da mencionada alínea estamos perante circunstâncias que podem ser supervenientes ou já existentes à data da elaboração das peças do procedimento, mas que não tenham sido previstas, sem culpa grave, pela entidade adjudicante, devendo a imprevisão ser aferida em função de todos os estudos, relatórios, memórias ou projetos que serviram de base à elaboração (ou retificação) das peças do procedimento e daquilo que nelas próprias se contém, e devendo reportar-se a aspetos fundamentais das peças do procedimento, e não das propostas, que agora têm que ser necessariamente alterados.
S) Sucede que no caso sub judice resulta à saciedade que perante o relatório final apenas se antevê uma “preocupação” com os concorrentes excluídos e com a sua pretensa inépcia em matéria de contratação pública, não existindo qualquer necessidade que seja da entidade adjudicante, do interesse público, em fazer alterações, para obter algo distinto, necessidade só então percebida, embora estivesse anteriormente presente.
T) Tal como considerou a sentença recorrida, os motivos objetivos de não adjudicação o previstos quer pela alínea c) quer pela alínea d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP, indistintamente invocadas não se fundam na falta de valia ou performance das propostas, sendo de afastar o poder de não adjudicar ou qualquer Direito de não adjudicação quando esteja em causa a apreciação de mérito da proposta ou a sua idoneidade para realizar o interesse prosseguido com a decisão de contratar ou seja quando as propostas não sejam satisfatórias.
U) Ao invés do entendimento propugnado pelo Recorrente Município de Pc..., as circunstâncias alegadas, mesmo no que alegadamente respeita a necessidade de previsão de um prazo de execução mais alargado, de três anos em vez de dois anos, tendo em vista um “interesse público na sua vertente económica e financeira” bem como as alterações que terão sido levadas a cabo no programa do procedimento, exaustivamente citadas nas suas alegações, e naturalmente tidas em conta pela sentença recorrida, não são enquadráveis em qualquer uma das previsões da alínea c) ou d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP.
V) No que respeita à alteração do prazo de execução do contrato não existe qualquer fator de imprevisão de tais circunstâncias que permita concluir que as mesmas justificam a decisão de não adjudicação: o ora Recorrente já antes celebrara um contrato em tudo praticamente idêntico ao que pretendia celebrar através do concurso n.º 3/2018, com a mesma duração de dois anos, cujo prazo aparentemente servia o interesse público, teve tempo para preparar as peças procedimentais e formar a sua decisão de contratar e estranhamente só depois de analisadas as propostas dos concorrentes é que constata esta necessidade de um prazo de execução contratual superior.
W) A mera reponderação ou reajustamento, pela entidade adjudicante, da duração do contrato a celebrar e, em consequência, do preço base fixado, no sentido de que um prazo mais longo de execução (de três anos em vez de dois anos) permitia-lhe obter um “valor significativo de poupança anual” – reponderação essa efetuada na sequência de uma primeira avaliação do mérito das propostas apresentadas – não configura uma alteração de aspetos fundamentais das peças do procedimento que tenha sido ditada por circunstâncias imprevistas e que por isso possa fundamentar a não adjudicação.
X) A iminência de exclusão de quatro das cinco propostas apresentadas perante a análise dos valores apresentados – todos abaixo do preço base do concurso – e perante o prazo contratual de 24 meses, não configuram nem circunstâncias imprevistas nem circunstâncias supervenientes, que justificassem a decisão de não adjudicação tomada, por revelarem que o programa do procedimento não estava elaborado adequadamente para o tipo de entidades adjudicatárias.
Y) Aliás, o único ponto deste procedimento com uma linha condutora certeira é que tudo passa a ser importante e carente de revisão desde o momento em que se toma consciência que, face às regras do procedimento, a vencedora inequívoca é a Recorrida.
Z) Isto é tanto mais gritante, quando constatamos que a entidade adjudicante confessa que não está em causa qualquer ilegalidade das peças, qualquer previsão no caderno de encargos que redundasse num contrato ilegal (qualquer inviabilidade do contrato) é um mero capricho, ordenado a evitar um resultado concreto: a adjudicação à Recorrida GC.
AA) O segundo concurso, neste caso, equivale a admitir a alteração das propostas após terem sido conhecidas as primeiras versões, argumentando, depois, que tal é legal pois os preços baixaram. A legalidade não está disponível em função do mais baixo preço…
BB) Sendo que também não é fundamento para a não adjudicação o facto de o júri se ter apercebido, após análise das propostas, que a fixação o inicial de um prazo de dois anos condicionava a apresentação das propostas com um valor fixo, sendo que a questão do prazo apenas se levantou quanto a um dos concorrentes, que não a ora Recorrida.
CC) O ato de não adjudicação praticado pelo Município de Pc... no âmbito do concurso público n.º 3/2018 e o subsequente ato que determinou a abertura do procedimento n.º 4/2018 encontram-se eivados de vício de violação de lei, designadamente os artigos 79.º, n.º 1, alínea c) e d) do CPC por erro nos pressupostos de facto e de Direito.
DD) A sentença recorrida não incorreu em qualquer erro de julgamento nem violou as alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP, porquanto fez uma correta interpretação da lei, aliás a única possível no caso em apreço, ao considerar que o Recorrente MUNICÍPIO DE PC..., tomou a decisão de não adjudicação no concurso público n.º 3/2018 em violação das citadas disposições legais, por erro nos pressupostos de facto e de Direito.
EE) A alegação da Recorrente OEG, S.A. segundo a qual a douta sentença recorrida incorre em erro na análise e valoração dos factos e na aplicação e interpretação do Direito vigente no que respeita à alínea c) do n.º1 do artigo 79.º do CCP, a única que considera aplicável ao caso em apreço, revela-se manifestamente improcedente e desprovida de qualquer fundamento legal.
FF) Trata-se de uma espécie de “vale tudo”, ordenado à proteção da adjudicação que entende ter Direito.
GG) Neste cenário, a adjudicação é livre, a possibilidade de revogação é regra, e tudo pode ser feito a todo o tempo, não obstante os dados, concretos, que estão na sentença e na petição inicial, que demonstram que, na verdade, nada mudou e nada precisava de ser mudado para que se pudesse celebrar um contrato viável.
HH) Para esta Recorrente a antevisão e preparação (bem como os concursos anteriores é o facto de nenhuma alteração ser substantiva ou sequer útil) não interessa. A entidade adjudicante, pode alterar tudo a todo o tempo, mesmo que seja depois de analisadas, uma segunda vez (porque foi após o relatório preliminar em que tudo estava bem) as propostas dos concorrentes. Mesmo que só nessa fase é que, afinal, não “pretendia” um contrato de dois anos, mas sim de três anos… porque finalmente se apercebeu que era este prazo que melhor servia o interesse público, embora não se descortine que essa compreensão tenha tido reflexo numa redução do preço base.
II) Ora, se acolhermos este entendimento, então, em tese, após o segundo procedimento concursal, se a entidade adjudicante perceber que uma vez mais, as propostas apresentadas não servem “o interesse público” em causa, poderá naturalmente, uma vez mais decidir a não adjudicação e preparar novas peças procedimentais… é isto indefinidamente, até conseguir preparar um concurso que se harmonize com as “propostas dos concorrentes” (em vez de serem estas a harmonizar-se com os concretos termos do procedimento).
JJ) Melhor: podemos institucionalizar uma espécie de leilão, através da decisão de revogação. Há sempre a hipótese e alguém baixar mais, especialmente depois de ver o preço dos concorrentes. De concurso em concurso até à contratação, tendo a revogação como regra e a adjudicação como exceção. Nada contra, desde que seja uma solução de iure condendo. Com a lei que temos é que, de facto, não parece ser possível.
KK) A Entidade Adjudicante não quis alterar nada, quis apenas, quando se apercebeu que tinha de adjudicar à GC, não adjudicar à GC. Pois que, quando era a GC e a REP, não havia necessidade de mudar nada (mesmo que, como já se salientou, apenas três mil euros separassem as propostas).
LL) Ao invés do alegado pela Recorrente OEG, S.A. não existe no caso em apreço qualquer imprevisibilidade no facto de não se ter previsto que um período mais dilatado levaria a que o mercado oferecesse melhores condições como resulta da factualidade provada porquanto estamos perante uma mera reavaliação ou reponderação pela entidade adjudicante, da duração do contrato a celebrar em consequência do preço base fixado, efetuada na sequência de uma primeira avaliação do mérito das propostas apresentadas, o que não configura nem se reconduz a uma necessidade de alteração de aspetos fundamentais das peças do procedimento que tenha sido ditada por circunstâncias imprevistas e que por isso possa fundamentar a não adjudicação.
MM) O tribunal a quo não confunde, nem trata de modo indiferenciado, circunstâncias imprevistas e circunstâncias supervenientes, o que redundaria numa incorreta interpretação e aplicação da lei, ao invés, faz uma interpretação e aplicação de Direito de cada uma das alíneas em causa, de modo distinto, à situação em presença, concluindo, que não se encontram preenchidas nenhuma das alíneas e por isso não existe fundamento legal para a decisão de não adjudicação no âmbito do concurso 3/2018.
NN) Uma vez mais ao invés do alegado pela Recorrente OEG S.A. a sentença recorrida não incorreu em qualquer erro de julgamento ou violação na interpretação e aplicação do Direito no que se refere ao disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º.
OO) Dos factos provados pela sentença recorrida, designadamente do relatório preliminar do júri no âmbito do procedimento concursal n.º 3/2018 resulta a exclusão da proposta apresentada, entre outros, pela ora Recorrente OEG, S.A. com o seguinte fundamento: “o concorrente não apresentou os documentos solicitados na cláusula 12.º do programa do procedimento, propondo-se assim a sua exclusão, nos termos do disposto na al. n) do n.º 2 do art. 146.º do CCP, bem como o disposto na al. m) da cláusula 14.ª do Programa do Procedimento.”
PP) A alegação da Recorrente OEG, S.A. no âmbito da presente ação de contencioso pré-contratual de que a sua exclusão é ilegal porquanto a cláusula 12.º do caderno de encargos e os documentos aí exigidos não são admissíveis e consubstanciam um erro, na medida em que são documentos correspondentes aos documentos de habilitação previstos pelo artigo 81.º do CCP – para com isso justificar a não entrega dos mesmos e a admissibilidade da sua proposta – afigura-se irrelevante e inadmissível no caso em apreço (tal desconformidade ou erro deveria ter sido invocada em sede de esclarecimentos junto do júri antes da entrega da proposta e não depois para fundamentar uma proposta que não cumpre os requisitos procedimentais necessários à sua admissão).
QQ) No caso em apreço, e atento o teor das disposições legais e das normas procedimentais, a única solução legalmente prevista face à não entrega dos documentos exigidos pela cláusula 12.º do programa do procedimento é a exclusão da proposta apresentada, o que além de resultar do próprio programa do procedimento, é uma decorrência do próprio regime legal previsto pelo CCP pelo que não poderia a proposta da ora Recorrente ser admitida.
RR) Dos factos provados resulta que a proposta da Autora, ora Recorrida, foi acompanhada de todos os documentos indicados na cláusula 12.ª do programa do procedimento, todos eles válidos à data de apresentação da proposta ou seja 09/10/2018, e portanto, em sede de relatório preliminar do júri, foi determinada a sua admissão. O mesmo se passando com a proposta da PdP –PTG, S.A. apresentada em 08/10/2018.
SS) Dos factos provados resulta que a proposta da Recorrente OEG, bem como da RGP, S.A. não foram acompanhadas de todos os documentos indicados na cláusula 12.ª do programa do procedimento, designadamente, registos criminais das empresas e respetivos titulares dos órgãos de administração, dos documentos comprovativos em como se encontravam com a situação tributária e contributiva regularizada e, comprovativo do pagamento da apólice do seguro de responsabilidade civil.
TT) Dos factos provados resulta que a proposta da REP, S.A., apresentada em 09/10/2018, foi acompanhada dos seguintes documentos; registos criminais da própria empresa e dos respetivos titulares dos órgãos de administração com prazo de validade até 04/09/2018 e 26/09/2018; certidão comprovativa da sua situação tributária regularizada emitida em 03/07/2018 e com um prazo de validade de três meses; por outro lado, sabe-se que da proposta da REP consta, ainda, no campo relativo aos “abastecimentos” que “no caso dos consumidores com consumos irregulares, ao efetuarem os pedidos de abastecimento, a REP compromete-se a efetuar esses abastecimentos num período não superior a 48 horas.”.
UU) Assim, dos cinco concorrentes, apenas as propostas da Autora e da Contrainteressada PdP – PTG S.A. deviam e poderiam ser admitidas no âmbito do concurso público n.º 3/2018 porquanto só estas duas concorrentes apresentaram propostas acompanhadas de todos os documentos exigidos na cláusula 12.ª do programa do procedimento, todos eles válidos à data de apresentação das respetivas propostas.
VV) A circunstância dos documentos previstos pela cláusula 12.ª do programa do procedimento se reportam também aos documentos de habilitação previstos pelo artigo 81.º do CCP não impede a sua exigência pela entidade adjudicante logo aquando da fase de apresentação das propostas, nem muito menos, pode justificar a não apresentação dos mencionados documentos com a proposta porquanto como tem sido considerado pela doutrina e foi acolhido pela sentença recorrida os requisitos de habilitação devem existir logo no momento da apresentação da proposta e durar até à celebração do contrato.
WW) A exclusão da proposta da ora Recorrente resultou apenas de uma decisão deliberada de não entrega de tais documentos, devendo por isso a ora Recorrente conformar-se e aceitar as consequências jurídicas de tal decisão.
XX) Apenas as propostas da ora Recorrida e da Contrainteressada PdP – PTG, S.A. são admissíveis, e tendo em consideração o critério de adjudicação fixado para o concurso – o da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, na modalidade de avaliação do preço base ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar - torna-se manifesto a ordenação da proposta da Autora ora Recorrida em 1.º lugar, com o valor de €155.060,00 e a proposta da PdP – PTG S.A. em 2.º lugar com o valor de €157.800,00.
YY) Tal como decidiu a sentença recorrida o júri do concurso ao retomar o procedimento na fase de audiência prévia quanto ao teor do relatório preliminar e devendo analisar as pronúncias nessa sede apresentadas pela Autora e PdP – PTG, S.A. para efeitos de elaboração do relatório preliminar, deverá propor, com os fundamentos acima considerados, e estando no âmbito de uma atuação vinculada da administração, a admissão das propostas da Autora e da PdP – PTG S.A. e a exclusão das propostas das restantes concorrentes, e em consequência, a graduação da proposta da Autora em primeiro lugar de acordo com o critério de adjudicação fixado no âmbito do concurso.
ZZ) Deste modo, ao contrário do que vem alegado pela ora Recorrente OEG inexiste qualquer obstáculo à condenação do Município de Pc... à prática do ato devido de adjudicação, e consequente celebração do contrato.
AAA) O tribunal a quo não extravasou os seus poderes jurisdicionais nem violou o princípio da separação de poderes ao julgar procedente o pedido condenatório formulado pela Autora porquanto, como se demonstrou, estamos perante um ato de caráter vinculado, em que a margem de discricionariedade da administração encontra-se reduzida a zero, e os atos a praticar (por interpretação e aplicação do Direito aos factos em presença) coincidem com a pretensão formulada pela Autora, devendo por isso o tribunal condenar nos precisos termos do pedido ou seja a condenar a entidade adjudicante à pratica do ato de adjudicação à Autora no concurso n.º 3/2018 e a consequente celebração do contrato.
BBB) A Sentença recorrida não incorreu em qualquer erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito aos factos provados nem incorreu em qualquer violação das citadas disposições legais, devendo por isso ser negado provimento aos recursos interpostos, e manter-se integralmente a sentença recorrida.
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Remetidos os autos a este Tribunal, em recurso, neste notificada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público não emitiu Parecer.
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Sem vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
Vêm interpostos dois recursos independentes, um interposto pelo réu MUNICÍPIO DE PC... e outro pela contra-interessada OEG, S.A., ambos dirigidos à sentença do Tribunal a quo na parte em que esta anulou a decisão de não adjudicação proferida no concurso n.º 3/2018, bem como a consequente decisão de abertura do novo procedimento n.º 4/2018 e todos os atos administrativos neste último praticados, sendo que circunscrevendo ambos os recurso aos apontados erro de julgamento, a questão essencial a decidir, nessa parte, é a saber se o Tribunal a quo procedeu, ou não, à correta subsunção dos factos ao direito, no que tange ao artigo 79º nº 1 alíneas c) e d) do Código dos Contratos Públicos, e se, por conseguinte, deve ser revogada, ou não, esse primeiro segmento decisório da sentença recorrida – (vide conclusões 1ª a 21ª das alegações do recorrente MUNICÍPIO DE PC... e conclusões 1ª a 26ª das alegações da recorrente OEG, S.A.).
E impugnando também a recorrente OEG, S.A., a título subsidiário, a sentença recorrida no que tange ao seu segundo segmento decisório, isto é, aquele em que o réu Município foi condenado a, retomando o procedimento concursal n.º 3/2018 a partir da fase de audiência prévia dos concorrentes quanto ao relatório preliminar, praticar, a final, caso a tal nada mais obstar e sem prejuízo do disposto no art.º 77.º, n.º 2, do CCP, o ato de adjudicação da proposta da autora e a celebrar o contrato respetivo, importa ainda, caso sejam improcedentes os recursos quanto ao segmento anulatório, conhecer e apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à decisão condenatória proferida no segundo segmento decisório da sentença – (vide conclusões 27ª a 78ª das alegações da recorrente OEG, S.A.).
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
Nos termos do nº 6 do artigo 663º do CPC novo, aqui aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, remete-se para a factualidade dada como provada na sentença recorrida, a qual não vem impugnada no presente recurso nem deve ser objeto de qualquer alteração.
B – De direito
1. Da sentença recorrida
Na sentença recorrida a Mmª Juíza a quo apreciando o pedido anulatório dirigido à decisão de não adjudicação proferida no Procedimento Concursal n.º 3/2018, e conhecendo cada uma das causas de invalidade que lhe foram assacadas pela autora na ação, julgou procedente o invocado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, entendendo que os pressupostos invocados no ato impugnado para decidir pela não adjudicação no procedimento concursal n.º 3/2018 não se subsumem nas hipóteses previstas nas convocadas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 79.º do Código dos Contratos Público, e com tal fundamento anulou aquela decisão bem como a consequente decisão de abertura do novo procedimento n.º 4/2018 e todos os atos administrativos neste último praticados.
E conhecendo do pedido condenatório igualmente formulado pela autora na ação, de condenação do réu na prática do ato de adjudicação no procedimento nº concursal nº 3/2018 à autora com a consequente celebração do respetivo contrato, a Mmª Juíza do Tribunal a quo julgou-o também procedente, condenando, assim, o réu a retomar o procedimento concursal n.º 3/2018 a partir da fase de audiência prévia dos concorrentes quanto ao relatório preliminar, nos termos ali explicitados, e a praticar, a final, caso a tal nada mais obstar e sem prejuízo do disposto no art.º 77.º, n.º 2, do CCP, o ato de adjudicação da proposta da autora e a celebrar o contrato respetivo.
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2. Do recurso dirigido ao primeiro segmento decisório da sentença recorrida (isto é, daquele em que se anulou a decisão de não adjudicação proferida no concurso n.º 3/2018, bem como a consequente decisão de abertura do novo procedimento n.º 4/2018 e todos os atos administrativos neste último praticados).
2.1 Da tese dos recorrentes
Não pondo em causa o julgamento da matéria de facto feita na sentença recorrida, os recorrentes insurgem-se, nos seus recursos, quanto à solução jurídica por ela dada ao pedido impugnatório, sustentando, em suma, que o Tribunal a quo não procedeu à correta subsunção dos factos ao direito no que tange ao artigo 79º nº 1 alíneas c) e d) do Código dos Contratos Públicos, pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra, que dando por inverificado o vício de violação de lei, julgue totalmente improcedente a ação.
2.2 Da análise e apreciação dos recursos nesta parte
2.2.1 Na situação dos autos temos que o réu MUNICÍPIO DE PC... abriu o concurso público n.º 3/2018 para «Aquisição de Gás Propano a granel para as Piscinas Municipais, Pavilhão Gimnodesportivo e Espaço Cardio-Fitness», pelo período (prazo de execução) de dois anos.
O respetivo anúncio de procedimento n.º 8068/2018 foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 190, de 02/10/2018.
No âmbito daquele concurso apresentaram propostas a autora GC, S.A. e as contra-interessadas REP, S.A., PdP – PTG, S.A., OEG, S.A. e RGP, S.A..
O júri do concurso elaborou em 18/10/2018 relatório preliminar no qual foi proposta a exclusão da proposta da PdP – PTG, SA, da proposta da OEG, SA, da proposta da RGP, SA, e aplicando o critério de adjudicação fixado no procedimento (o do preço mais baixo) às propostas subsistentes, propôs ordenar em primeiro lugar a proposta da REP, SA e em segundo lugar a proposta da GC, S.A..
Notificadas as concorrentes para se pronunciarem em sede de audiência prévia, e emitidas pronuncias nessa sede pela GC, SA e pela PdP – PTG, SA, o júri do procedimento elaborou em 19/11/2018 o documento intitulado de «Relatório Final», no qual se propôs a tomada de decisão de não adjudicação ao abrigo das alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 79º do Código dos Contratos Públicos, e a consequente revogação da decisão de contratar nos termos do artigo 80º do mesmo Código, e a abertura de um novo procedimento no prazo de seis meses, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 79º do mesmo Código, bem como, e ainda, a abertura de um procedimento em ajuste direto para fornecimento de gás pelo período mínimo necessário para garantir, entretanto, a manutenção do abastecimento.
Apoiado naquele «Relatório Final» do júri do procedimento, o réu MUNICÍPIO DE PC... tomou em deliberação camarária de 20/11/2018 a decisão de não adjudicar e a concomitante revogação da decisão de contratar referente ao concurso público n.º 3/2018, em deliberação camarária de 07/12/2018 deliberou aprovar a abertura do concurso público n.º 4/2018 para «Aquisição de gás propano a granel para as Piscinas Municipais, Pavilhão Gimnodesportivo e Espaço Cardio-Fitness» cujo respetivo anúncio de procedimento n.º 10825/2018 foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 241, de 14/12/2018.
2.2.2 Este é o enquadramento essencial, e cronológico, do circunstancialismo factual apurado nos autos com relevância para a questão a decidir.
2.2.3 Atentemos, agora, no enquadramento normativo convocado. Precisando que a versão do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo DL. nº 18/2008, de 29 de janeiro, aplicável à situação dos autos é a decorrente do DL n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, que procedeu à nona alteração àquele Código (cfr. 12º e 13º deste diploma), por ser a que já se encontrava em vigor à data do inicio do procedimento.
Pelo que, e por simplicidade, todas as referências futuras ao CCP (Código dos Contratos Públicos), devem ter-se por feitas para a versão do Código decorrente da sua nona alteração operada pelo DL n.º 111-B/2017, de 31 de agosto.
2.2.4 A respeito da fase de formação do contrato o Título II do CCP dispõe no respetivo Capítulo II (início do procedimento), no artigo 36º o seguinte:
“Artigo 36.º
Decisão de contratar e decisão de autorização da despesa
1 - O procedimento de formação de qualquer contrato inicia-se com a decisão de contratar, a qual deve ser fundamentada e cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, podendo essa decisão estar implícita nesta última.
2 - Quando o contrato a celebrar não implique o pagamento de um preço pela entidade adjudicante, a decisão de contratar cabe ao órgão desta que for competente para o efeito nos termos da respetiva lei orgânica ou dos seus estatutos.
3 - Quando o valor do contrato for igual ou superior a (euro) 5 000 000, a fundamentação prevista no n.º 1 deve basear-se numa avaliação de custo/benefício e deve conter, nomeadamente e quando aplicável:
a) A identificação do tipo de beneficiários do contrato a celebrar;
b) A taxa prevista de utilização da infraestrutura, serviço ou bem;
c) A análise da rentabilidade;
d) Os custos de manutenção;
e) A avaliação dos riscos potenciais e formas de mitigação dos mesmos;
f) O impacto previsível para a melhoria da organização;
g) O impacto previsível no desenvolvimento ou na reconversão do país ou da região coberta pelo investimento.
4 - Quando o tipo de procedimento utilizado seja a parceria para a inovação, o limiar referido no número anterior é de (euro) 2 500 000.
5 - As peças do procedimento devem identificar todos os pareceres prévios, licenciamentos e autorizações necessárias que possam condicionar o procedimento e a execução do contrato.
6 - O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação de regimes especiais.”
Estipulando no artigo 38º, sob a epígrafe “Decisão de escolha do procedimento”, que “…a decisão de escolha do procedimento de formação de contratos, de acordo com as regras fixadas no presente Código, deve ser fundamentada e cabe ao órgão competente para a decisão de contratar”.
Relativamente às peças do procedimento o artigo 40º nº 1 do CCP, estabelece-as nos seguintes termos, em função do tipo de procedimento adotado:
a) No ajuste direto: o convite à apresentação das propostas e o caderno de encargos, sem prejuízo do disposto no artigo 128.º;
b) Na consulta prévia: o convite à apresentação de propostas e o caderno de encargos;
c) No concurso público: o anúncio, o programa do procedimento e o caderno de encargos;
d) No concurso limitado por prévia qualificação: o anúncio, o programa do procedimento, o convite à apresentação de propostas e o caderno de encargos;
e) No procedimento de negociação: o anúncio, o programa do procedimento, o convite à apresentação de propostas e o caderno de encargos;
f) No diálogo concorrencial: o anúncio, o programa do procedimento, a memória descritiva, o convite à apresentação de soluções, o convite à apresentação de propostas e o caderno de encargos;
g) Na parceria para a inovação: o anúncio, o programa do procedimento, o convite à apresentação de propostas e o caderno de encargos.
Dispondo ainda que as peças do procedimento, incluindo a minuta do anúncio, “…são aprovadas pelo órgão competente para a decisão de contratar” (nº 2).
Nos termos da definição legal dada pelo Código o «Programa do Procedimento» constitui “…o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração” (cfr. artigo 41º do CCP) e o «Caderno de Encargos» é “…a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar”, incluindo os aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência quer os aspetos da execução do contrato que não estejam submetidos à concorrência.
É através das propostas que os concorrentes manifestam à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõem a fazê-lo consistindo, assim, a proposta, a declaração negocial do concorrente que se apresenta ao procedimento de formação do contrato (cfr. artigos 53º e 56º nº 1 do CCP). Sendo que nos termos do disposto no artigo 65º do CCP, e sem da possibilidade de fixação de um prazo superior no programa do procedimento ou no convite, “…os concorrentes são obrigados a manter as respetivas propostas pelo prazo de 66 dias contados da data do termo do prazo fixado para a apresentação das propostas”.
E é pela adjudicação, tal como se encontra definida no artigo 73º nº 1 do CCP, que o órgão competente para a decisão de contratar “…aceita a única proposta apresentada ou escolhe uma de entre as propostas apresentadas”.
Adjudicação que é feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, determinada por uma das seguintes modalidades (cfr. artigo 74º do CCP): a) melhor relação qualidade-preço, na qual o critério de adjudicação é composto por um conjunto de fatores, e eventuais subfatores, relacionados com diversos aspetos da execução do contrato a celebrar; b) avaliação do preço ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar, o que só é permitido quando as peças do procedimento definam todos os restantes elementos da execução do contrato a celebrar.
O CCP expressamente estabelece, no seu artigo 76º, um dever de adjudicar, nos seguintes termos:
Artigo 76.º
Dever de adjudicação
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 79.º, o órgão competente para a decisão de contratar deve tomar a decisão de adjudicação e notificá-la aos concorrentes até ao termo do prazo da obrigação de manutenção das propostas.
2 - Por motivo devidamente justificado, a decisão de adjudicação pode ser tomada e notificada aos concorrentes após o termo do prazo referido no número anterior, sem prejuízo do direito de recusa da adjudicação pelo concorrente cuja proposta foi a escolhida.
3 - Quando a decisão de adjudicação seja tomada e notificada aos concorrentes após o termo do prazo referido no n.º 1, a entidade adjudicante deve indemnizar o concorrente que reca adjudicação pelos encargos em que comprovadamente incorreu com a elaboração da respetiva proposta.”
Sendo que simultaneamente prevê o artigo 79º do CCP o seguinte:
Artigo 79º
Causas de não adjudicação
1 - Não há lugar a adjudicação, extinguindo-se o procedimento, quando:
a) Nenhum candidato se haja apresentado ou nenhum concorrente haja apresentado proposta; .
b) Todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas;
c) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento;
d) Circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar o justifiquem;
e) Nos casos a que se refere o n.º 5 do artigo 47.º, a entidade adjudicante considere, fundamentadamente, que todos os preços apresentados são inaceitáveis;
f) No procedimento de diálogo concorrencial, nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da entidade adjudicante.
g) No procedimento para a celebração de acordo-quadro com várias entidades o número de candidaturas ou propostas apresentadas ou admitidas seja inferior ao número mínimo previsto no programa de concurso.
2 - A decisão de não adjudicação, bem como os respetivos fundamentos, deve ser notificada a todos os concorrentes.
3 - No caso da alínea c) do n.º 1, é obrigatório dar início a um novo procedimento no prazo máximo de seis meses a contar da data da notificação da decisão de não adjudicação.
4 - Quando o órgão competente para a decisão de contratar decida não adjudicar com fundamento no disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1, a entidade adjudicante deve indemnizar os concorrentes, cujas propostas não tenham sido excluídas, pelos encargos em que comprovadamente incorreram com a elaboração das respetivas propostas.”
Dispondo por sua vez o artigo 80º nº 1 do CCP dispõe que “…a decisão de não adjudicação prevista no artigo anterior determina a revogação da decisão de contratar”.
2.2.5 Resulta do probatório que, no âmbito do concurso público nº 3/2018, aberto pelo réu MUNICÍPIO para «Aquisição de Gás Propano a granel para as Piscinas Municipais, Pavilhão Gimnodesportivo e Espaço Cardio-Fitness», foi proposto no Relatório Preliminar do Júri datado de 18/10/2018 a exclusão da proposta da PdP – PTG, SA, da proposta da OEG, SA, da proposta da RGP, SA.
Relatório preliminar que nessa parte verte o seguinte (cfr. 14) do probatório):
«(…)
3.1 – Análise das Propostas
- PdP – PTG, S.A. – o concorrente não apresentou os documentos solicitados na cláusula 12.ª do programa de procedimentos, propondo-se assim a sua exclusão, nos termos do disposto na al. n) do n.º 2 do art.º 146.º do CCP, bem como do disposto na al. m) da cláusula 14.ª do Programa do Procedimento.
- OEG, S.A. – o concorrente não apresentou os documentos solicitados na cláusula 12.ª do programa de procedimentos, propondo-se assim a sua exclusão, nos termos do disposto na al. n) do n.º 2 do art.º 146.º do CCP, bem como do disposto na al. m) da cláusula 14.ª do Programa do Procedimento.
- REP, S.A. – o concorrente apresentou a proposta nos termos exigidos e acompanhada de todos os documentos identificados na cláusula 13.ª do Programa do Procedimento, pelo que, não se verificando qualquer motivo de exclusão, propõe-se a sua admissão.
- GC, S.A. – o concorrente apresentou a proposta nos termos exigidos e acompanhada de todos os documentos identificados na cláusula 13.ª do Programa do Procedimento, pelo que, não se verificando qualquer motivo de exclusão, propõe-se a sua admissão.
- RGP, S.A. – o concorrente não apresentou os documentos solicitados na cláusula 12.ª do programa de procedimentos, propondo-se assim a sua exclusão, nos termos do disposto na al. n) do n.º 2 do art.º 146.º do CCP, bem como do disposto na al. m) da cláusula 14.ª do Programa do Procedimento.
(…)».
E aplicando o critério de adjudicação fixado no procedimento (o do preço mais baixo) às propostas subsistentes (admitidas), propôs a ordenação em primeiro lugar da proposta da REP, SA, a que correspondia o preço de 151.160,00€, e em segundo lugar da proposta da GC, S.A. cujo preço era de 155.060,00€.
2.2.6 Todavia, depois de notificados os concorrentes para se pronunciarem em sede de audiência prévia, e emitidas as respetivas pronuncias, o Júri do concurso elaborou em 19/11/2018 o documento que intitulou de «Relatório Final», com o seguinte o seu teor (cfr. 17) do probatório):
«O presente concurso encontra-se atualmente em fase de audiência prévia sobre o Relatório Preliminar que foi elaborado pelo Júri designado para este concurso, que o produziu em 18 de outubro de 2018.
Dessa audiência prévia resultaram pronúncias de alguns concorrentes relativamente a validades de algumas declarações, apresentação de propostas de base preço eventualmente não fixa, e outras, de que foi dado conhecimento à Vereação com a delegação de poder, tendo daí resultado que a Entidade Adjudicatária se apercebeu fundamentalmente de dois aspetos essenciais.
Um, é o facto de haver concorrentes que apresentam a sua proposta com modelos que, embora procurem cumprir com as regras do concurso, foram sem dúvida concebidos para outro tipo de concurso, eventualmente com entidades privadas, com cujas regras se podem esgrimir outras condições de proposta. Embora tal não seja admissível, resulta uma vontade de adaptar um modelo de proposta sem noção do afastamento às regras do CCP. Em parte, pode dizer-se que o Programa de Procedimento deveria ter esse aspeto melhor acautelado, embora tal pudesse eventualmente ser suprido em sede de esclarecimentos. Este facto advém provavelmente da preocupação de o concurso ser com validade de dois anos, o que representa uma fronteira indistinta sobre a manutenção do preço atual ou consideração pelo concorrente da evolução do preço para ele próprio de modo a poder concorrer com um preço fixo. Esta limitação, embora legal, pode não ter sido a melhor escolha. Por outro lado, entende-se que a adoção de um período mais dilatado que inequivocamente leve o concorrente a pensar o futuro com uma fronteira mais nítida e para um volume de negócio superior e face à instabilidade de preços, protege melhor os interesses do Município, adjudicando-se não para dois anos, como foi lançado o procedimento, mas para três anos como limita o CCP no seu artigo 48.º
Ao mesmo tempo podem as regras ser melhor clarificadas sem necessidade de recorrer a esclarecimentos.
Estamos, pois, no âmbito do disposto na alínea c) e de certo modo também na alínea d) do artigo 79.º do mesmo CCP, que define as causas de não adjudicação.
A decisão de não adjudicação com base no artigo 79.º determina a revogação da decisão de contratar, como determina o artigo 80.º do mesmo CCP.
Contudo, o n.º 3 do já referido artigo 79.º determina para estes casos que se abra novo procedimento que tenha início no prazo de seis meses a contar da data de notificação de decisão de não adjudicação. Há, pois, obrigação de o fazer e também de notificar todos os concorrentes desta decisão, como determina o n.º 2 do mesmo artigo 79.º.
(…)
Ao mesmo tempo é proposta à Câmara Municipal um procedimento para fornecimento de Gás em ajuste direto pelo período mínimo necessário, eventualmente até ao fim do ano, para garantir a manutenção do abastecimento.»
2.2.7 Perante o teor assim vertido neste relatório do Júri do concurso temos que, como bem foi considerado a sentença recorrida, dele do qual consta uma proposta de não adjudicação e consequente revogação da decisão de contratar, com invocação dos artigos 79º e 80º do CCP.
E essa proposta veio a ser aprovada em reunião camarária de 20/11/2018 (cfr. ponto 18 do probatório).
2.2.8 Enfrentando, no âmbito do conhecimento do pedido impugnatório dirigido na ação àquele ato que decidiu não proceder à adjudicação no procedimento concursal nº 3/2018 e determinou, concomitantemente, a abertura de um novo procedimento concursal, o Tribunal a quo debruçou-se sobre a questão de saber se o mesmo incorreu em erro quanto aos pressupostos de facto e de direito.
Neste desiderato começou por explicitar que em face do teor da proposta vertida no «Relatório Final» do Júri de 19/11/2018 que mereceu a deliberação de aprovação de 20/11/2018 é de retirar que «…a decisão de não adjudicação «…foi tomada com fundamento nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 79.º do CCP, apelando, no essencial, às seguintes ordens de razões:
- que, na audiência prévia exercida pelos concorrentes (in casu, a A. e a PdP – PTG, S.A.), foram suscitadas questões relativas a “validades de algumas declarações, apresentação de propostas de base preço eventualmente não fixa, e outras”;
- que daí resultou, em primeiro lugar, a conclusão de que existem “concorrentes que apresentam a sua proposta com modelos que, embora procurem cumprir com as regras do concurso, foram sem dúvida concebidos para outro tipo de concurso, eventualmente com entidades privadas, com cujas regras se podem esgrimir outras condições de proposta”, do que decorre, pese embora tal ser inadmissível, “uma vontade de adaptar um modelo de proposta sem noção do afastamento às regras do CCP”, sendo que “o Programa de Procedimento deveria ter esse aspeto melhor acautelado, embora tal pudesse eventualmente ser suprido em sede de esclarecimentos”;
- em segundo lugar, a conclusão de que esta situação advém “da preocupação de o concurso ser com validade de dois anos, o que representa uma fronteira indistinta sobre a manutenção do preço atual ou consideração pelo concorrente da evolução do preço para ele próprio de modo a poder concorrer com um preço fixo”, o que o R. reconhece que, “embora legal, pode não ter sido a melhor escolha”, para além de ter entendido que “a adoção de um período mais dilatado que inequivocamente leve o concorrente a pensar o futuro com uma fronteira mais nítida e para um volume de negócio superior e face à instabilidade de preços, protege melhor os interesses do Município, adjudicando-se não para dois anos, como foi lançado o procedimento, mas para três anos”.»
2.2.9 E passando a apreciar se os fundamentos ali invocados para a não adjudicação no procedimento concursal n.º 3/2018 podiam ser subsumidos às hipóteses previstas nas referidas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP, concluiu que a resposta não podia deixar de ser negativa.
Conclusão a que chegou suportando-se na seguinte fundamentação, assim vertida na sentença recorrida, por reporte ao quadro normativo convocado (vide pág. 32 ss. da sentença recorrida):
«(…)
Como se sabe, à luz do que tem sido o entendimento jurisprudencial e doutrinal maioritário, não há dúvidas de que se encontra legalmente previsto um verdadeiro dever de adjudicação, isto é, de que está aqui em causa o exercício de um poder vinculado quanto ao agir da entidade adjudicante, por estar excluído do elenco de matérias em que predomina o exercício de poderes discricionários, quer quanto ao modo de agir, quer quanto ao sentido ou conteúdo do dever de agir, quer, ainda, quanto ao juízo de oportunidade do agir (cfr. Ana Celeste Carvalho, A decisão de adjudicação e o dever de adjudicação, e-book Contratação Pública – I do Centro de Estudos Judiciários, disponível em
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_ContratacaoPublicaI.pdf).
No entanto, casos há em que o dever de adjudicação não tem lugar e que vêm previstos nas diversas alíneas do art.º 79.º, n.º 1, do CCP (e, bem assim, na cláusula 18.ª do programa do procedimento) (cfr. ponto 4 dos factos provados).
Ora, perscrutando as alíneas do n.º 1 da referida norma legal, e seguindo-se o entendimento de que só as causas no mesmo elencadas permitem a não adjudicação, encontramos duas classes de justificações para o não prosseguimento do processo concursal: as subjetivas, que têm a ver com os próprios concorrentes ou com a qualidade das propostas que apresentam [alíneas a), b), e), f) e g)]; e as objetivas, imputáveis ao interesse público, que são independentes dos concorrentes ou da valia técnica e/ou financeira das suas propostas [alíneas c) e d)].
No caso concreto, estão, desde logo, afastadas as causas subjetivas de não adjudicação, porquanto foram apresentadas cinco propostas a concurso, das quais duas, incluindo a da ora A., foram admitidas, sendo que não estamos perante a situação contemplada no n.º 5 do art.º 47.º do CCP, nem nos movemos no âmbito de um procedimento de diálogo concorrencial ou para celebração de acordo-quadro (cfr. pontos 6 e 14 dos factos provados).
E, quanto aos fundamentos objetivos, relacionados com o interesse público, que pudessem justificar a decisão de não adjudicação, à luz do que, aliás, consta expressamente do teor do ato impugnado, também aqui julgamos que tais fundamentos não se verificam.
Note-se que estes motivos objetivos de não adjudicação não se fundam na falta de valia ou performance das propostas, ou seja, não atendem às características das propostas apresentadas, sendo de afastar o poder de não adjudicar ou qualquer direito de não adjudicação quando esteja em causa a apreciação do mérito da proposta ou a sua idoneidade para realizar o interesse prosseguido com a decisão de contratar, isto é, se as propostas não forem satisfatórias, recusando-se que exista, nestes casos, qualquer dever de não adjudicação.
Isto posto, temos que, de uma banda, inexistem na situação dos autos (não foram invocadas pela entidade adjudicante na fundamentação do ato impugnado) quaisquer circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar que justificassem a decisão de não adjudicação. Com efeito, da factualidade apurada e dos motivos invocados para tal decisão não resulta que o R. tenha deixado, de forma superveniente, de ter interesse em adquirir gás propano a granel para as piscinas municipais, pavilhão gimnodesportivo e espaço cardio-fitness, nem que tal aquisição tenha deixado de ser necessária para a prossecução das suas atribuições. Aliás, o R. acabou por lançar um novo procedimento para a aquisição do mesmo bem (concurso n.º 4/2018), o que demonstra que nada se alterou, de forma superveniente, quanto aos pressupostos da decisão de contratar, pelo que os fundamentos subjacentes à decisão de não adjudicação, porque não relacionados com tais pressupostos, não são enquadráveis na alínea d) do n.º 1 do art.º 79.º do CCP.
Importa ter presente que são pressupostos da decisão de contratar “o de que há uma necessidade (materializada na aquisição de uma certa obra, serviço ou bem), de que ela deve ser satisfeita de determinado modo (através de determinado tipo de contrato), de que com isso não se prejudicam quaisquer interesses públicos ponderosos, de que a entidade adjudicante não dispõe dos meios adequados ou necessários à sua satisfação (por isso optou por recorrer ao mercado) e de que dispõe das quantias necessárias para pagar ao co-contratante (se se tratar de um contrato que implique despesa)”, o que significa que, só quando “sobrevenham circunstâncias supervenientes (…) que façam desvanecer os concretos pressupostos em que assentou tal decisão, a entidade adjudicante deve optar pela não adjudicação” (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, p. 1048). Como se viu, nenhuma circunstância ocorreu que tenha feito desaparecer os pressupostos subjacentes à decisão de contratar, acima definidos, pois que, por exemplo, a aquisição do bem continuou a ser útil e necessária para o R., não foi invocada qualquer alteração ao nível das verbas disponíveis para financiamento dessa aquisição, nem sobreveio qualquer decisão no sentido de impossibilitar a entidade adjudicante do recurso à espécie de contrato aqui em causa.
De outra banda, também não ocorreram quaisquer circunstâncias imprevistas que tenham tornado necessária a alteração de aspetos fundamentais das peças do procedimento.
Trata-se, aqui, de circunstâncias supervenientes ou já existentes à data da elaboração das peças do procedimento, mas que não tenham sido previstas, sem culpa grave, pela entidade adjudicante, aferindo-se o facto da imprevisão “em função de todos os estudos, relatórios, memórias ou projetos que serviram de base à elaboração (ou retificação) das peças do procedimento e daquilo que nelas próprias se contém”. Acresce que, para que tais circunstâncias imprevistas possam justificar a não adjudicação, “hão-de reportar-se a aspetos das peças do procedimento (não das propostas) e a aspetos fundamentais seus, que agora têm de ser necessariamente alterados” (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, op. cit,,p. 1047).
Compulsados os fundamentos invocados pelo R. para a decisão de não adjudicação, não se vislumbra, porém, em que medida os mesmos consubstanciam circunstâncias imprevistas que impusessem uma alteração das peças do concurso.
Quanto à alegação de que existem “concorrentes que apresentam a sua proposta com modelos que, embora procurem cumprir com as regras do concurso, foram sem dúvida concebidos para outro tipo de concurso, eventualmente com entidades privadas, com cujas regras se podem esgrimir outras condições de proposta”, do que decorre, pese embora tal ser inadmissível, “uma vontade de adaptar um modelo de proposta sem noção do afastamento às regras do CCP”, sendo que “o Programa de Procedimento deveria ter esse aspeto melhor acautelado, embora tal pudesse eventualmente ser suprido em sede de esclarecimentos”, não tem tal circunstância qualquer ligação com o interesse público que é prosseguido pelo R. com o contrato visado no procedimento, mas antes com o próprio mérito ou valia das propostas apresentadas e com a maior ou menor capacidade que as mesmas revelaram de adaptação às exigências do procedimento em causa, para efeitos de realização do interesse público prosseguido com a decisão de contratar, o que é inadmissível como fundamento de não adjudicação, nem está sequer pensado como uma das hipóteses contempladas na alínea c) do n.º 1 do art.º 79.º do CCP.
Ademais, mesmo admitindo tratar-se de uma circunstância enquadrável no referido normativo, sempre se diria que o argumento da inépcia dos concorrentes privados em matéria de contratação pública é de verificação duvidosa, nomeadamente se se tiver em consideração que do portal “Base – Contratos Públicos Online” consta, por exemplo, que a PdP – PTG, S.A. foi adjudicatária em 2521 contratos públicos, a RGP, S.A. foi adjudicatária em 271 contratos públicos e a OEG, S.A. foi adjudicatária em 48 contratos públicos (cfr. pontos 27, 28 e 29 dos factos provados).
À mesma conclusão chegamos no que respeita, por sua vez, à alegação de que a situação assim criada advém “da preocupação de o concurso ser com validade de dois anos, o que representa uma fronteira indistinta sobre a manutenção do preço atual ou consideração pelo concorrente da evolução do preço para ele próprio de modo a poder concorrer com um preço fixo”, o que o R. reconhece que, “embora legal, pode não ter sido a melhor escolha”, para além de ter entendido que “a adoção de um período mais dilatado que inequivocamente leve o concorrente a pensar o futuro com uma fronteira mais nítida e para um volume de negócio superior e face à instabilidade de preços, protege melhor os interesses do Município, adjudicando-se não para dois anos, como foi lançado o procedimento, mas para três anos”.
Apesar de aqui serem invocadas, pelo menos aparentemente, razões de interesse público, associadas à necessidade de se prever um período mais alargado de execução do contrato, de três anos (em vez de dois anos), com vista à obtenção de preços mais baixos na aquisição do bem móvel objeto do concurso, com o que melhor se acautelariam os interesses do R., não se vislumbra, desde logo, o fator da imprevisão destas circunstâncias para que as mesmas pudessem legalmente fundamentar a decisão de não adjudicação. Para além de terem tido por base, uma vez mais, uma apreciação, legalmente inadmissível, da idoneidade das propostas submetidas para satisfazer o fim visado com o contrato, pois que assentaram no facto de terem sido apresentadas propostas de preço base não fixo.
Não é despiciendo salientar que, já em 28/09/2016, e na sequência de concurso público aberto para o efeito, o R. celebrara com a OEG, S.A., também concorrente no concurso n.º 3/2018, um contrato para “fornecimento de gás propano a granel para as piscinas municipais e pavilhão gimnodesportivo”, na quantidade estimada de 212.000kg, pelo período de dois anos e pelo preço de € 121.857,60, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (cfr. ponto 30 dos factos provados). Ou seja, o R. já antes celebrara um contrato em tudo praticamente idêntico ao que pretende agora celebrar através do concurso n.º 3/2018, em especial no que se refere à sua duração, também aí de dois anos. Se assim é, onde está a imprevisibilidade das circunstâncias ora invocadas para justificar a necessidade de adoção de um período mais dilatado de execução do contrato?
Pelo contrário, afigura-se-nos que estamos antes perante uma mera reavaliação ou revisão, pelo R., de circunstâncias já existentes, na medida em que se decidiu, sem serem invocadas quaisquer circunstâncias imprevistas (à data da elaboração das peças do concurso) que tivessem efetivamente obrigado a entidade adjudicante a alterar os aspetos fundamentais das peças do procedimento aqui em causa (in casu, a duração do contrato e o preço), que seria mais vantajoso para o interesse público prolongar a duração do contrato para três anos, de modo a obter preços mais baixos. Em suma, a mera reponderação ou reajustamento, pela entidade adjudicante, da duração do contrato a celebrar e, em consequência, do preço base fixado, no sentido de que um prazo mais longo de execução (de três anos em vez de dois anos) permitir-lhe-ia obter um “valor significativo de poupança anual” (que o R. contabiliza numa diferença de € 5.368,00) – reponderação essa efetuada na sequência de uma primeira avaliação do mérito das propostas apresentadas –, não configura uma alteração de aspetos fundamentais das peças do procedimento que tenha sido ditada por circunstâncias imprevistas e que, nessa medida, possa justificar a não adjudicação.
Não cabe, portanto, a decisão de não adjudicação impugnada na hipótese prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 79.º do CCP
De referir, ainda, que, ao invés do alegado pelo R., a iminência de exclusão de quatro das cinco propostas apresentadas, perante a análise dos valores apresentados (sendo que todos se situavam abaixo do preço base do concurso, o que torna até incompreensível esta alegação), valores esses fixados em função da quantidade de gás a fornecer, bem como perante o prazo contratual de 24 meses, não configuram circunstâncias imprevistas e/ou supervenientes, na aceção das alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 79.º do CCP, que justificassem a decisão de não adjudicação que foi tomada, por revelarem que o programa do concurso não estava elaborado adequadamente para o tipo de entidades adjudicatárias. Não é qualquer menor conveniência ou clareza de algumas das condições do caderno de encargos ou de alguma norma do programa do procedimento, de que a entidade adjudicante se tenha apercebido já no decurso deste último, quando tal não afete a viabilidade do contrato a celebrar, que é causa de não adjudicação. E, por outro lado, também não é argumento válido para a não adjudicação, de acordo com as causas legalmente previstas, o facto de o júri se ter apercebido, após análise das propostas, que a fixação inicial de um prazo de dois anos condicionava a apresentação de propostas com um valor fixo, quando essa questão apenas foi suscitada relativamente a uma das propostas apresentadas a concurso (em concreto, a proposta da REP, S.A.), sem que, por exemplo, a proposta da A. padecesse do mesmo problema. Não ocorreu, ainda, qualquer violação do princípio da concorrência (cfr. art.º 32.º da contestação do R.) que impusesse, em todo o caso, uma decisão de não adjudicação.
Por conseguinte, não sendo a fundamentação da decisão de não adjudicação e de revogação da decisão de contratar, proferida pelo R. no âmbito do concurso n.º 3/2018, subsumível a nenhuma das situações elencadas no n.º 1 do art.º 79.º do CCP (nem na cláusula 18.ª do programa do procedimento), conclui-se que tal decisão, tomada em reunião camarária de 20/11/2018, com base em proposta constante do documento intitulado “Relatório Final” elaborado pelo júri em 19/11/2018, padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo anulável, nos termos gerais (art.º 163.º, n.º 1, do CPA).»
2.2.10 E perante o entendimento, assim feito, da procedência do invocado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, a Mmª Juíza do Tribunal a quo anulou a impugnada decisão de não adjudicação proferida no âmbito do procedimento concursal n.º 3/2018.
2.2.11 Antes do Código dos Contratos Públicos era seguido maioritariamente na doutrina o entendimento de que aberto um procedimento não recaía sobre a entidade adjudicante o dever de adjudicar. Entendia-se, designadamente, com Marcello Caetano que cabia na discricionariedade da Administração o poder de declarar sem efeito o concurso chegado à fase da adjudicação ou de recusar todas as propostas por inconveniência, sendo que o direito de não adjudicar só conhecia as restrições que a lei estabelecia para proteção da confiança dos concorrentes.
O poder de não adjudicar resultava da posição assumida pela entidade adjudicante de não ser proponente, mas mera destinatária de propostas, em relação às quais tem toda a liberdade de aceitar ou não aceitar.
Esse entendimento doutrinário veio a ser, entretanto, temperado no sentido de se entender que com a abertura do procedimento, a entidade adjudicante se vinculava perante os concorrentes a apreciar as suas propostas com a finalidade de escolher a melhor e a tomar a decisão final de adjudicação, mantendo-se, todavia, o poder de não adjudicar por razões alheias à qualidade das propostas dos concorrentes, de acordo com o princípio da legalidade - (vide a este respeito, Tiago Duarte, in, “A decisão de contratar no Código dos Contratos Públicos: da idade do armário à idade dos porquês”, em “Estudos da Contratação Pública – I”, CEDIPRE – Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, Coimbra Editora, 2008, pág. 148 ss., e Ana Celeste Carvalho, in, “A decisão de adjudicação e o dever de adjudicar”, em “Contratação Pública I”, Coleção Formação Contínua, Centro de Estudos Judiciários, Fev. 2017, pág. 25 ss., disponível in:
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_ContratacaoPublicaI.pdf).
2.2.12 No quadro normativo atual, decorrente da aprovação do Código do Contratos Públicos pelo DL. nº 18/2008, de 29 de janeiro, é a lei que consagra expressamente a existência do dever de adjudicar, através da injunção constante no nº 1 do artigo 76º do CCP, conjugada com a ressalva das situações previstas no artigo 79º nº 1 que ali é feita.
Decorrendo do ali disposto que fora das situações previstas no nº 1 do artigo 79º do CCP, sobre o órgão competente para a decisão de contratar recai o dever de adjudicar. Decisão de adjudicação que deve ser tomada (e notificada) até ao termo do prazo da obrigação de manutenção das propostas.
2.2.13 Só não haverá lugar à adjudicação, não recaindo, assim, sobre a entidade de adjudicante o dever de adjudicar, nas situações previstas no nº 1 do artigo 79º do CPP, a saber: quando (a) nenhum candidato se haja apresentado ou nenhum concorrente haja apresentado proposta; (b) todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas; (c) por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento; (d) circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar o justifiquem; (e) nos casos a que se refere o n.º 5 do artigo 47.º, a entidade adjudicante considere, fundamentadamente, que todos os preços apresentados são inaceitáveis; (f) no procedimento de diálogo concorrencial, nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da entidade adjudicante; (g) no procedimento para a celebração de acordo-quadro com várias entidades o número de candidaturas ou propostas apresentadas ou admitidas seja inferior ao número mínimo previsto no programa de concurso.
2.2.14 Este é a interpretação consentida à luz do atual quadro normativo, tal como se encontra positivado no CCP.
E é também o sentido em que se pronuncia a grande maioria da doutrina. Retirado das disposições conjugadas do artigo 76º e do nº 1 do artigo 79º do CCP, que é neste último que se estabelece os casos em que a adjudicação não terá lugar, numa dupla vertente: uma a de que a adjudicação não pode ter lugar nas situações ali previstas, outra a de que a adjudicação só não pode ter lugar numa daquelas situações.
2.2.15 Não há dúvida que a decisão de contratar (cfr. artigo 36º do CCP) é o elemento motor, essencial e determinante para o arranque do procedimento de formação do contrato. E se após a tomada da decisão de contratar há lugar a um conjunto de atos, ainda tomados internamente, na esfera da entidade adjudicante, destinados a conformar o procedimento, entre os quais a elaboração do programa do procedimento e o caderno de encargos, a eles seguir-se-á a projeção da decisão de contratar para o exterior, através do convite ou do anúncio, dirigido aos interessados potenciais concorrentes ou candidatos, à apresentação de propostas, com os subsequentes trâmites procedimentais destinados à adjudicação do contrato ao candidato e proposta que, à luz dos critérios a que a entidade contratante se auto-vinculou, melhor serve o interesse público.
Veja-se, quanto aos considerandos a respeito da decisão de contratar e seus efeitos, entre outros, Tiago Duarte, in, “A decisão de contratar no Código dos Contratos Públicos: da idade do armário à idade dos porquês”, in, “Estudos da Contratação Pública – I”, CEDIPRE – Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, Coimbra Editora, 2008, pág. 148 ss., Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, in, “Contratos Públicos – Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2008, pág. 94, João Amaral e Almeida e Pedro Fernández Sánchez, in, “Temas de Contratação Pública”, I, pág. 275, e Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, inConcursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2011, pág. 777.
2.2.16 A decisão de contratar que dá origem ao procedimento de formação do contrato (cfr. artigo 36º do CCP) e com o qual este se inicia, constitui, nas palavras de Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, inConcursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2011, pág. 777, “o ato unilateral pelo qual, constata a necessidade ou conveniência de obter no (ou aceder ao) mercado certos bens ou serviços, o órgão com competência para comprometer a entidade adjudicante – financeiramente, se houver lugar ao pagamento de um preço pela entidade adjudicante, ou contratualmente, no caso contrário – decide abrir um procedimento para determinar quem e em que condições concretas será celebrado o correspondente contrato”, ou, como também dizem, “na sua formula e efeito mais simples, a decisão de contratar é, pois, um ato cujo efeito jurídico se traduz na legitimação jurídica (…) da necessidade ou conveniência do contrato em causa, das prestações que a entidade adjudicante se propõe obter através dele, e do instrumento (pré-contratual) através do qual pretende adquiri-las, constituindo assim o pressuposto básico da validade do procedimento de contratação pública que daí saia e do contrato celebrado na sua sequência”.
E estes autores, da análise quanto à natureza e efeitos da decisão de contratar, retiram o seguinte: “(…) é seguro que o facto da abertura do procedimento não significa que a entidade adjudicante não possa revogar por sua mera conveniência a decisão de contratar. É aliás o próprio CCP que o diz, estabelecendo no respetivo artigo 80º/2 que, quando as circunstâncias previstas nas alíneas c) e d) do artº 79º/1 – ou seja, a necessidade imprevisível de alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento ou a alteração superveniente e sensível dos pressupostos da decisão de contratar – “ocorrerem entre o início do procedimento e o termo do prazo de apresentação das propostas, a decisão de contratar também pode ser revogada.
É um preceito complicado, este.
Em primeiro lugar, entendemos que ele carece de uma interpretação restritiva pelo que toca ao período que medeia entre a decisão de contratar e a publicação do anúncio no diário da República e (ou) no JOUE, período que literalmente caberia à vontade na previsão da norma e levaria então a entender (…) que, mesmo faltando ainda a sua publicação, a sua externalização, a decisão de contratar só poderia ser revogada verificando-se os pressupostos do artº 80º/2 quando, para nós, pode sê-lo livremente, sem quaisquer peias (que não sejam as do dever de prossecução do interesse público) resultantes do referido preceito legal ou de qualquer princípio geral.
Quanto à revogabilidade da decisão de contratar no período que medeia entre a publicação dos anúncios legais, a abertura do procedimento, portanto, e o termo do prazo para a apresentação de propostas, ela pode ser revogada ou retirada pela entidade adjudicante – basta para o efeito um diferente juízo sobre a necessidade ou conveniência do contrato (ou até mesmo sobre o procedimento lançado ou sobre os seus termos) – sem prejuízo do dever de ressarcimento dos danos causados a quem, na base da boa-fé e confiança geradas pela publicação oficial de um anúncio destes, se haja dado já a despesas para a presentação de uma proposta ou candidatura.
Depois do “termo do prazo para apresentação de propostas” – melhor, parece-nos, depois de apresentada uma ou mais propostas – já não deve falar-se de uma revogação autónoma da decisão de contratar, passando a questão a ser encarada do ponto de vista da possibilidade ou não de se proferir uma decisão de não adjudicação, a avaliar em função dos pressupostos fixados no artº 79º/1 do Código, mesmo se é verdade que, a haver tal decisão, ela implica também a revogação da decisão de contratar (artº 80º/1)” (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, inConcursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2011, pág. 783)
2.2.17 O princípio regra é, pois, o de que aberto um procedimento e apresentadas que sejam as propostas dos concorrentes ou candidatos (terminado o respetivo prazo) forma-se para a entidade adjudicante o dever de adjudicar, o qual só admite os desvios, que são verdadeiras exceções àquele dever, expressamente previstos no artigo 79º do CCP.
Neste sentido se pronunciam, entre outros, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, in, “Contratos Públicos – Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2008, pág.118, e Sérvulo Correia & Associados, RL, in, “Manual de Procedimentos – Contratação Pública de bens e serviços – Do início do Procedimento à Celebração do Contrato, do Ministério das Finanças e da Administração Pública”, disponível in:
http://www.ideram.pt/files/MANUAL%20DE%20PROCEDIMENTOS%20_CCP%20comentado-%20Versão%20Final%20com%20Minutas.pdf; Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, inConcursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2011, pág. 779, Margarida Olazabal Cabral, inO Concurso Público nos Contratos Administrativos”, e Licínio Lopes Martins, inO dever de adjudicar e o empate entre propostas no Código dos Contratos Públicos”, in, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 103, Jan/Fev, 2014, págs. 3 ss..
E também a jurisprudência tem seguido caminho semelhante, cumprindo citar-se a propósito, os seguintes acórdãos, todos disponíveis, in, www.dgsi.pt:
- Ac. do TCA Sul de 19/01/2012, Proc. nº 0822/11;
- Ac. do TCA Norte de 10/10/2012, Proc. nº 01735/11.8BEBRG
- Ac. do TCA Sul de 19/12/2013, Proc. nº 10298/13;
- Ac. do STA, de 20/03/2014, Proc. nº 01898/13;
- Ac. do TCA Sul de 17/09/2015, Proc. nº 05176/09;
- Ac. do TCA Norte, de 16/02/2018, Proc. nº 01023/17.6BEPRT;
- Ac. do TCA Sul, de 07/03/2019, Proc. nº 889/18.7BESNT
Pronunciando-se apenas na doutrina em sentido dissonante, mas isolado nessa sua posição, Bernardo Azevedo, in, “Adjudicação e celebração do contrato no Código dos Contratos Públicos”, in, “Estudos da Contratação Pública – II”, CEDIPRE – Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, Coimbra Editora, 2010, pág. 223 ss., defende , em suma, que “…o que o legislador pretendeu afirmar não foi, longe disso, qualquer vinculação incondicional da entidade adjudicante, na sequência da abertura do procedimento público adjudicatório, à adoção do ato de adjudicação do contrato mas, tão só, fixar-lhe um prazo perentório para o efeito, superado o qual nasce, para o concorrente adjudicatário, o direito de recusa da adjudicação acompanhado da indemnização pelas despesas incorridas com a preparação da respetiva resposta”, afirmando que “…no fundo e em suma, do que se trata, no art. 76º nº 1 do CCP não é da consagração da adjudicação como ato estritamente devido, a cuja prática o órgão competente para a decisão de contratar se encontra irredutivelmente vinculado, mas antes da imposição de uma condição à entidade adjudicante tendo por finalidade beneficiar do compromisso unilateral e irrevogável do proponente particular em manter firme a sua proposta”, acrescentando ainda, por outro lado, que no que toca à disciplina contida no artigo 79º nº 1 do CCP, se afigura “…no mínimo, precipitado querer aí vislumbrar a definição de um numerus clausus de causas de não adjudicação”, defendendo que “…só com muita dificuldade se pode interpretar o preceito em questão como correspondendo a uma tipificação exauriente de todas as hipóteses em que, abstratamente, o procedimento administrativo pré-contratual pode culminar com uma decisão negativa de adjudicação”, e propugnando que “…o objetivo precípuo que move o Código no seu art. 79º nº 1, não é, decididamente, o de esgotar o enunciado de causas possíveis de denegação do ato de adjudicação, mas antes o de individualizar as hipóteses, mais comuns e relevantes, em que pode haver lugar para um desfecho do procedimento administrativo pré-contratual mediante uma resolução (necessariamente fundamentada) de não adjudicação”.
2.2.18 Não nos merece, contudo, acolhimento aquela sua tese, isolada na doutrina, como se referiu, por não ter, a nosso ver, qualquer suporte, por mínimo que seja, no elemento literal da norma do artigo 79º nº 1 do CCP, nem a essa interpretação conduzir o sistema quando considerado no seu todo (artigo 9º do Código Civil), nos termos do sobrevisto.
2.2.19 Resolvida esta primeira questão, no sentido de, por força das disposições conjugadas dos arrigo 76º e 79º nº 1 do CCP, recair como regra sobre a entidade demandada o dever de adjudicar, apenas lhe sendo legitimo proferir decisão de não adjudicação nas situações elencadas nas alíneas a) a g) do nº 1 do artigo 79º do CCP, vejamos agora se, na situação dos autos, é de concluir pela verificação das situações indicadas nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 79º do CCP que foram invocadas pelas entidade adjudicante para justificar a decisão de não adjudicação.
2.2.20 O Tribunal a quo entendeu que assim não era. E essa conclusão é de manter.
2.2.21 Recuperemos de novo o disposto naquelas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 79º do CCP, que é o seguinte:
Não há lugar a adjudicação, extinguindo-se o procedimento, quando:
(…)
c) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento;
d) Circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar o justifiquem;
(…)».
2.2.22 Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, inConcursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2011, pág. 1047, o seguinte, referindo-se à situação prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 79º do CCP, dizem:
A terceira causa de não adjudicação, legalmente prevista na alínea c) do art. 79º/1 – e que vale primacialmente no caso de concursos públicos ou na fase das propostas de outros procedimentos – é a da necessidade de, após o termo do prazo de apresentação das propostas, se alterarem aspetos fundamentais das peças do procedimento por causa de circunstâncias imprevistas ao tempo da sua elaboração (ou da sua retificação), mantendo-se no entanto o objeto do contrato.
Há-de tratar-se de “circunstâncias imprevistas” (ou, por maioria de razão, imprevisíveis), como a lei refere, o que significa, desde logo, ser indiferente que se trate de circunstâncias supervenientes ou de circunstâncias já existentes à data da elaboração das peças do procedimento, mas que não tenham sido previstas (sem culpa grave) pela entidade adjudicante – sendo que o facto da imprevisão se afere em função de todos os estudos, relatórios, memórias ou projetos que servira, de base à elaboração (ou retificação) das pelas do procedimento e daquilo que nelas próprias se contém.”
E acrescem depois: “Note-se, por outro lado, que para as circunstâncias imprevistas poderem justificar a não adjudicação, hão-de reportar-se a «aspetos das peças dos procedimento» (não das propostas) e a «aspetos fundamentais» seus, que agora têm de ser necessariamente alterados, subsumindo-se aí todas as alterações que se repercutam sensivelmente no desenho das características essenciais ou nucleares do contrato a celebrar (prestação a contratar, prazo, preço, etc) – não podendo tratar-se de alterações que se refletiam em aspetos contratuais claramente secundários –, admitindo-se também, em abstrato, que a necessidade de alteração se faça sentir no próprio modelo de avaliação das propostas.”, ainda que, nas suas palavras “…se trate de hipótese bastante delicada, por poder ser utilizada sem dificuldade para falsear a concorrência, exigindo-se então uma demonstração clara e completa da necessidade e bondade de tal alteração”.
E quanto à situação prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 79º do CCP, nos termos da qual as circunstâncias supervenientes ao termo do prazo de apresentação de propostas, relativas aos pressupostos da decisão de contratar, justificam uma decisão de não adjudicação, entendem estes autores (op. cit., págs. 1048), que tal hipótese legal “…apela à ideia de cláusula «rebus sic stantibus» ou da alteração superveniente das circunstâncias do art. 437º do Código Civil, trazendo-as para o domínio da contratação pública”. Dizem nesse contexto: “Como se sabe, a decisão de contratar (prevista no art. 36º) é o ato pelo qual uma entidade adjudicante decide recorrer ao mercado, a um negócio com o mercado (“contratcting out”), em vista da satisfação de uma determinada necessidade sua, sendo que nela se conterá uma especificação sumária das características fundamentais desse negócio.
São assim pressupostos da decisão de contratar os seguintes: o de que há uma necessidade (materializada na aquisição de uma certa obra, serviço ou bem), de que ela deve ser satisfeita de determinado modo (através de determinado tipo de contrato), de que com isso não se prejudicam quaisquer interesses públicos ponderosos, de que a entidade adjudicante não dispõe de meios adequados ou necessários à sua satisfação (por isso optou por recorrer ao mercado) e de que dispõe das quantias necessárias para pagar ao co-contratante (se se tratar de um contrato que implique despesa).
São esses, grosso modo, os pressupostos da decisão de contratar, o que significa então que, quando sobrevenham circunstâncias supervenientes ao termo do prazo para a apresentação das propostas que façam esvanecer os concretos pressupostos em que assentou tal decisão, a entidade adjudicante deve optar pela não adjudicação.
É o que acontecerá, por exemplo, se já não for necessário ou útil à entidade adjudicante a obra, o bem ou o serviço a contratar, se não vierem as verbas (internas ou comunitárias) com que se contava e que eram essenciais ao financiamento do projeto, se sobrevier uma decisão política (exterior à entidade adjudicante) no sentido de abandonar a espécie de contrato que a entidade adjudicante pretendia celebrar, etc.”.
E acrescentam: “Não basta, claro, uma qualquer alteração superveniente dos pressupostos da decisão de contratar, sendo necessário que ela se processe em termos sensíveis ou de forma relevante”, fazendo simultaneamente notar que “…o legislador, além de afastar a mera reavaliação ou revisão de circunstâncias já existentes, terá querido sobretudo abranger as circunstâncias imprevisíveis (com que a entidade adjudicante não podia contar)”.
E referindo-se, neste contexto, às situações alteração superveniente dos pressupostos da autorização da despesa e, eventualmente, da escolha do procedimento a seguir, dizem tratar-se de situações mais dificilmente qualificáveis ou reguláveis no âmbito da hipótese normativa desta alínea d) do nº 1 do artigo 79º do CCP.
2.2.23 Resulta assim claro que as hipóteses consagradas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 79º do CCP como justificativas de uma decisão de não adjudicação, em especial as contidas nas alíneas c) e d), que são as que aqui nos importam, não integram a falta de valia ou a performance das propostas. Sendo de afastar o poder de não adjudicar ou qualquer possibilidade de não adjudicação quando esteja em causa a apreciação do mérito das propostas ou a sua idoneidade para realizar o interesse prosseguido com a decisão de contratar, isto é, se as propostas não forem satisfatórias, recusando-se que exista nestes casos, qualquer dever de não adjudicação. Neste sentido, vide, Ana Celeste Carvalho, in, “A decisão de adjudicação e o dever de adjudicar”, em “Contratação Pública I”, Coleção Formação Contínua, Centro de Estudos Judiciários, Fev. 2017, pág. 25 ss., disponível in: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_ContratacaoPublicaI.pdf).
2.2.25 A sentença recorrida, mostrando-se ciente de tudo isto, começou por entender que não foram invocadas pela entidade adjudicante na fundamentação do ato impugnado quaisquer circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar que justificassem a decisão de não adjudicação, recusando, assim, que na situação dos autos, o recurso à alínea d) do nº 1 do artigo 79º do CCP para justificar a decisão de não adjudicação, dizendo, neste respeito, que «… da factualidade apurada e dos motivos invocados para tal decisão não resulta que o R. tenha deixado, de forma superveniente, de ter interesse em adquirir gás propano a granel para as piscinas municipais, pavilhão gimnodesportivo e espaço cardio-fitness, nem que tal aquisição tenha deixado de ser necessária para a prossecução das suas atribuições. Aliás, o R. acabou por lançar um novo procedimento para a aquisição do mesmo bem (concurso n.º 4/2018), o que demonstra que nada se alterou, de forma superveniente, quanto aos pressupostos da decisão de contratar, pelo que os fundamentos subjacentes à decisão de não adjudicação, porque não relacionados com tais pressupostos, não são enquadráveis na alínea d) do n.º 1 do art.º 79.º do CCP.»
2.2.26 Os recorrentes dizem que a entidade adjudicante não perdeu o interesse em adquirir o gás propano a granel para as piscinas municipais do Município de Pc..., e que assim, não se tratou de um desaparecimento dos pressupostos da decisão de contratar, mas que o que ocorreu foi uma alteração desses pressupostos, isto é, uma alteração dos termos previstos que justificaram a decisão de contratar, factos que ocorreram no desenrolar do concurso público n.º 3/2018 que levaram a entidade adjudicante a alterar esses pressupostos em prol da defesa do interesse público, sem que com isso perdesse o interesse em contratar. E argumentam a tal propósito que o júri do procedimento se deparou com propostas que apresentaram um preço variável consoante as flutuações dos preços de mercado, ou seja, propostas que apresentavam preços não fixos, e que tal circunstância se deveu ao facto de o prazo contratual fixado ser apenas de dois anos (24 meses), o que levou a que os concorrentes se vissem obrigados a tomar em linha de conta a evolução dos preços, na medida em que o prazo de dois anos não lhes permitia a fixação de um preço unitário, sem acarretar prejuízos e riscos desproporcionais, tendo o júri do procedimento, após análise das propostas apresentadas, se apercebido de que o facto de ter estipulado um prazo contratual apenas de dois anos condicionava a apresentação de propostas com um valor fixo, na medida em que quanto maior fosse a duração do contrato, mais vantajosas seriam as propostas apresentadas do ponto de vista do interesse do Município; que a alteração da duração do contrato a celebrar, de dois para três anos, traria benefícios económicos consideráveis para o Município, isto é, daria origem a uma poupança significativa na aquisição do bem móvel em causa, tal como efetivamente se veio a verificar pela análise das propostas apresentadas no concurso público n.º 4/2018, e que desta forma ocorreu uma circunstância superveniente e imprevista que levou a uma alteração dos pressupostos da decisão de contratar e, consequentemente, a uma necessidade de alteração das peças do procedimento.
2.2.27 Impõe-se primeiramente evidenciar que na situação presente a decisão de não adjudicação foi tomada pela entidade adjudicante com base nas circunstâncias que foram invocadas pelo Júri do concurso público aqui em causa no momento da apreciação e análise das propostas, após a pronuncia emitida pelas concorrentes em sede de audiência prévia, notificadas que tinham sido do relatório preliminar do júri no qual havia sido proposta a exclusão das propostas de três das correntes (a saber da PdP – PTG, SA, da OEG, SA e da RGP, SA), e por aplicação do critério de adjudicação fixado no procedimento (o do preço mais baixo) às duas propostas subsistentes (a saber as da REP, SA e da GC, S.A.) a ordenação das propostas destas de acordo com tal critério, face aos preço proposto por cada uma delas, graduando-se em primeiro lugar a proposta da REP, SA e em segundo lugar a proposta da GC, S.A..
2.2.28 E percorrida a fundamentação externada no «relatório final» do júri, em que se suportou a decisão de não adjudicação tomada pela entidade adjudicante, e que assim constitui e consubstancia a fundamentação do ato, vê-se que foi invocado para a justificar que da audiência prévia subsequente ao relatório preliminar «…resultaram pronúncias de alguns concorrentes relativamente a validades de algumas declarações, apresentação de propostas de base preço eventualmente não fixa, e outras, de que foi dado conhecimento à Vereação com a delegação de poder, tendo daí resultado que a Entidade Adjudicatária se apercebeu fundamentalmente de dois aspetos essenciais» sendo um «…o facto de haver concorrentes que apresentam a sua proposta com modelos que, embora procurem cumprir com as regras do concurso, foram sem dúvida concebidos para outro tipo de concurso, eventualmente com entidades privadas, com cujas regras se podem esgrimir outras condições de proposta. Embora tal não seja admissível, resulta uma vontade de adaptar um modelo de proposta sem noção do afastamento às regras do CCP», e que assim «… Em parte, pode dizer-se que o Programa de Procedimento deveria ter esse aspeto melhor acautelado, embora tal pudesse eventualmente ser suprido em sede de esclarecimentos», e que «…este facto advém provavelmente da preocupação de o concurso ser com validade de dois anos, o que representa uma fronteira indistinta sobre a manutenção do preço atual ou consideração pelo concorrente da evolução do preço para ele próprio de modo a poder concorrer com um preço fixo. Esta limitação, embora legal, pode não ter sido a melhor escolha». E referindo-se que «…Por outro lado, entende-se que a adoção de um período mais dilatado que inequivocamente leve o concorrente a pensar o futuro com uma fronteira mais nítida e para um volume de negócio superior e face à instabilidade de preços, protege melhor os interesses do Município, adjudicando-se não para dois anos, como foi lançado o procedimento, mas para três anos como limita o CCP no seu artigo 48.º». Ao que se acrescenta que «…Ao mesmo tempo podem as regras ser melhor clarificadas sem necessidade de recorrer a esclarecimentos.». E foi perante este circunstancialismo, assim enunciado, que o júri entendeu, no que veio a ser acolhido pela entidade adjudicante, estar-se «…no âmbito do disposto na alínea c) e de certo modo também na alínea d) do artigo 79.º do mesmo CCP», justificando, nestes termos, a decisão de não adjudicação e a abertura de um novo procedimento com o mesmo objeto, mas agora pelo prazo contratual de 3 anos.
2.2.29 Perante o circunstancialismo, assim externado, como consubstanciador da decisão de não adjudicação, tem efetivamente que reconhecer-se que o mesmo não é enquadrável nem subsumível na hipótese normativa da alínea d) do nº 1 do artigo 79º do CCP.
Não se vê, com efeito, e nisso andou bem a sentença recorrida, quais os pressupostos em que assentou da decisão de contratar que se possam ter alterado superveniente e de modo imprevisto em termos que justificassem a modificação dos termos da decisão de contratar, implicando, para isso, a revogação da anterior e a tomada de uma nova decisão.
Sendo que a questão do prazo do contrato, que havia sido previsto em 2 anos (24 meses), não se prende nem decorre com qualquer vicissitude ligada, ou de alguma forma conexa, às necessidades ou interesses a satisfazer do lado da entidade adjudicante que justificassem, supervenientemente, o alargamento do prazo do contrato – cujo objeto, recorde-se, é o fornecimento de Gás Propano a granel para as Piscinas Municipais, Pavilhão Gimnodesportivo e Espaço Cardio-Fitness do réu Município – de dois para três anos.
2.2.30 Por outro lado, sempre se diga, que está por demonstrar que a modificação do período de fornecimento (prazo de execução do contrato) de dois para três anos traria «benefícios económicos consideráveis para o Município» por dar «origem a uma poupança significativa na aquisição do bem móvel em causa, tal como efectivamente se veio a verificar pela análise das propostas apresentadas no concurso público n.º 4/2018» como é alegado pelo recorrente Município nas suas alegações de recurso, no que é também acompanhado nas alegações de recurso da contra-interessada OEG, S.A., defendendo também esta recorrente a entidade adjudicante se apercebeu a meio do procedimento que «os termos e condições com que pensou o contrato a celebrar prejudicavam o interesse público, designadamente por se ter previsto um prazo de apenas 24 meses para o contrato e uma quantidade de combustível reduzida que não permitia ao mercado oferecer melhores descontos, e que a realidade assim o comprovou por no Concurso n.º 4/2018 as condições oferecidas pelos concorrentes terem sido substancialmente melhores do que aquelas que haviam sido oferecidas no primeiro procedimento».
2.2.31 Ainda que essa discussão seja irrelevante, e por conseguinte inútil, para a questão da legitimação da decisão de não adjudicação tomada ao abrigo da alínea d) do nº 1 do artigo 79º do CCP, porque tida em torno de uma eventual validação, à posteriori, por comparação entre os termos das propostas que haviam sido apresentadas no primeiro procedimento concursal, precisamente o que foi revogado através da decisão de não adjudicação que envolveu concomitantemente a decisão de revogação da decisão de contratar (cfr. artigo 80º nº 1 do CCP).
2.2.32 É que, como é bom de ver, e resulta do já supra enunciado, no contexto do artigo 79º nº 1 alínea d) do CCP o que importa aferir é se relativamente aos pressupostos da decisão de contratar se verificaram ou não circunstâncias supervenientes que justificassem a revogação da decisão de contratar tal como foi tomada, e por conseguinte a não adjudicação no âmbito do procedimento com ela iniciado.
2.2.33 E já se viu que no caso dos autos não se pode concluir que isso ocorra.
2.2.35 E no que respeita à alínea c) do nº 1 do artigo 79º do CCP?
2.2.36 A sentença recorrida considerou que também não ocorreram quaisquer circunstâncias imprevistas que tenham tornado necessária a alteração de aspetos fundamentais das peças do procedimento, tendo, assim, considerado que também não se verificava a situação prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 79º do CCP.
2.2.37 E bem, já que efetivamente, e como ali referiu, compulsados os fundamentos invocados na decisão de não adjudicação, não se vê em que medida os mesmos consubstanciam circunstâncias imprevistas que impusessem uma alteração das peças do concurso.
2.2.38 Quais as peças (anúncio, o programa do procedimento ou o caderno de encargos)? Quais os seus aspetos fundamentais que careciam de ser alterados? E por efeito de que circunstâncias imprevistas?
2.2.38 É certo que na decisão de não adjudicação é feita a invocação de que existem «…concorrentes que apresentam a sua proposta com modelos que, embora procurem cumprir com as regras do concurso, foram sem dúvida concebidos para outro tipo de concurso, eventualmente com entidades privadas, com cujas regras se podem esgrimir outras condições de proposta», de que decorria «…uma vontade de adaptar um modelo de proposta sem noção do afastamento às regras do CCP» e que «o Programa de Procedimento deveria ter esse aspeto melhor acautelado, embora tal pudesse eventualmente ser suprido em sede de esclarecimentos».
2.2.39 Mas como se disse na sentença recorrida tal circunstância não tem qualquer ligação com o interesse público que é prosseguido pela entidade adjudicante com o contrato visado no procedimento, mas antes com o próprio mérito ou valia das propostas apresentadas e com a maior ou menor capacidade que as mesmas revelaram de adaptação às exigências do procedimento em causa, para efeitos de realização do interesse público prosseguido com a decisão de contratar, o que é inadmissível como fundamento de não adjudicação, nem obviamente se enquadra na hipótese normativa da alínea c) do nº 1 do artigo 79º do CCP.
2.2.40 O mesmo valendo para a invocação feita na decisão de não adjudicação, no sentido «… de o concurso ser com validade de dois anos, o que representa uma fronteira indistinta sobre a manutenção do preço atual ou consideração pelo concorrente da evolução do preço para ele próprio de modo a poder concorrer com um preço fixo» e de que, embora reconhecendo como legal, afirmando poder «… não ter sido a melhor escolha» em termos que «…a adoção de um período mais dilatado que inequivocamente leve o concorrente a pensar o futuro com uma fronteira mais nítida e para um volume de negócio superior e face à instabilidade de preços, protege melhor os interesses do Município, adjudicando-se não para dois anos, como foi lançado o procedimento, mas para três anos».
Estamos novamente aqui perante uma apreciação da idoneidade das propostas submetidas para satisfazer o fim visado com o contrato, igualmente inadmissível para justificar, ao abrigo do artigo 79º nº 1 alínea c) do CCP, a tomada de decisão de não adjudicação e com ela a revogação da decisão de contratar (cfr. artigo 80º nº 1 do CCP).
2.2.41 E ademais, também não se perspetiva qual o fator de imprevisão, sendo certo que a alínea c) do nº 1 do artigo 79º do CCP exige que as circunstâncias, a existir, justificadoras da necessidade de alterar alguns aspetos fundamentais das peças do procedimento, sejam imprevistas.
2.2.42 Pelo que, também neste aspeto, se mostra acertado o julgamento feito na sentença recorrida, e correta a interpretação e aplicação dos normativos em causa.
Não merecendo, pois, acolhimento, a tese propugna pelos recorrentes, improcedendo as conclusões 1ª a 21ª das alegações do recurso interposto pelo réu MUNICÍPIO DE PC... bem como as conclusões 1ª a 26ª das alegações do recurso interposto pela contra-interessada OEG, S.A..
2.2.43 É, pois, de confirmar a sentença recorrida, quanto ao seu primeiro segmento decisório: aquele em que anulou o ato impugnado (isto é, o ato pelo qual a entidade de adjudicante decidiu: não proceder à adjudicação no âmbito no procedimento concursal nº 3/2018; revogar a respetiva decisão de contratar que deu origem àquele procedimento nº 3/2014, e determinou que fosse tomada uma nova decisão contratar que desse origem a um novo procedimento) bem como a consequente decisão de abertura do novo procedimento n.º 4/2018 e todos os atos administrativos neste último praticados.
*
3. Do recurso dirigido pela recorrente OEG, S.A. ao segundo segmento decisório da sentença recorrida (isto é, daquele em que se condenou o réu MUNICÍPIO DE PC... a retomar o procedimento concursal n.º 3/2018 a partir da fase de audiência prévia dos concorrentes quanto ao relatório preliminar, e a praticar, a final, caso a tal nada mais obstar e sem prejuízo do disposto no art.º 77.º, n.º 2, do CCP, o ato de adjudicação da proposta da autora e a celebrar o contrato respetivo)
3.1 Do segmento decisório recorrido
Após decidir pela procedência do pedido impugnatório formulado na ação, a Mmª Juíza do Tribunal a quo debruçou-se sobre o pedido de condenação do réu MUNICÍPIO DE PC... a prática o ato de adjudicação à autora no procedimento concursal n.º 3/2018 e à consequente celebração do contrato. Pedido que havia sido também formulado pela autora na ação, com fundamento em que tendo o réu Município reconhecido que tanto as três propostas que decidiu excluir, como a proposta da concorrente REP não podem permanecer em jogo, sobrando, assim, a proposta da autora como a única elegível, e que assim devia ser esta a proposta adjudicada, por apresentar, em respeito pelas regras concursais, o mais baixo preço.
Tendo concluído que em face dos contornos do caso era efetivamente de concluir no sentido da adjudicação da proposta da autora naquele procedimento concursal n.º 3/2018, e dando procedência ao pedido, condenou o réu Município a, retomando o procedimento concursal n.º 3/2018 a partir da fase de audiência prévia dos concorrentes quanto ao relatório preliminar, praticar, a final, caso a tal nada mais obstar e sem prejuízo do disposto no art.º 77.º, n.º 2, do CCP, o ato de adjudicação da proposta da autora e a celebrar o contrato respetivo.
3.2 Da tese da recorrente
Não pondo também aqui em causa o julgamento da matéria de facto feita na sentença recorrida, a recorrente insurge-se também no seu recurso, a título subsidiário, quanto à solução jurídica por dada na sentença recorrida quanto pedido condenatório, nos termos e pelos fundamentos que expõe nas suas alegações e reconduz às respetivas conclusões 27ªa 78ª das alegações de recurso.
Ali invocando, em suma, que o Tribunal a quo levou a cabo a instrução integral do procedimento e fixou a decisão que, no seu entender, devia ser tomada, sem que outra pudesse haver, mas que tal viola, desde logo, o disposto nos art.ºs 67.º a 69.º do CCP, por ser o júri, devidamente nomeado para o efeito, a quem cabe, em primeira mão, apreciar as propostas e elaborar os respetivos relatórios de avaliação; que sendo o trabalho desenvolvido pelo Júri meramente instrutório e não vinculativo para a própria Entidade Adjudicante, e as suas conclusões simples propostas de decisão, sem qualquer eficácia externa, estas são, portanto, decisões inimpugnáveis (cfr. art.º 51.º, n.º 1 a contrário do CPTA); que a decisão de contratar e a decisão de adjudicação cabem ao órgão administrativo competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar (cfr. art.º 36.º, n.º 1, do CCP); que perante a hipótese de se entender que não se verificavam os pressupostos para tivesse sido tomada a decisão de não-adjudicação o pedido condenatório possível e admissível sempre se deveria limitar a que a Entidade Demandada viesse a ser condenada no acto ambivalente e que era devido, isto é, que a Entidade Demandada fosse condenada a ordenar a prossecução do procedimento pré-contratual que se havia quedado na fase do primeiro Relatório Preliminar, podendo o Tribunal a quo condenar ainda a Entidade Adjudicante a tomar, no final do Concurso, um acto de adjudicação; e que era também esse o único direito que a recorrida autora podia invocar, nos termos do art.º 76.º do CCP, que corresponde ao cumprimento do dever de adjudicação a que a Entidade Adjudicante está adstrita pelo facto de ter aberto um Concurso Público; que foi este dever que foi omitido ou mesmo que se poderá considerar violado pela decisão de não-adjudicação; que a única lesão, ou ameaça de lesão, que podia ser invocada pela recorrida autora, enquanto concorrente, era a de não ver satisfeito o seu direito a que o procedimento pré-contratual terminasse com um ato de adjudicação, pelo que cumular a impugnação de um ato de não-adjudicação com um pedido de condenação a um ato de adjudicação com um conteúdo determinado, e mais ainda, à celebração de um contrato sem que estivesse ainda decidido a quem a adjudicação viria a caber, resulta ilegal e inadmissível nos termos do art.º 4.º do CPTA, ilegalidade que se reflecte na decisão recorrida que a admitiu; Defende ainda que não é líquido que a decisão final a tomar no Concurso n.º 3/2018 estando ainda tudo por decidir, e que mesmo que se entendesse que o Tribunal a quo poderia tomar a seu cargo a instrução e a decisão do procedimento, nunca a proposta da concorrente OEG, S.A devia ser excluída, nos termos da Lei e das próprias regras do Concurso n.º 3/2018, pelos argumentos que expõe. Concluindo que mesmo que se decida pela anulação da decisão de não-adjudicação, a condenação consequente se deve cingir a que o procedimento volte à fase de audiência preliminar em que se estava no momento em que foi tomada a decisão impugnada nestes autos.
3.3 Da análise e apreciação do recurso da recorrente OEG, S.A., nesta parte
3.3.1 Antecipe-se, desde já, que tem que lhe dada razão à recorrente, não podendo manter-se o julgamento feito na sentença recorrida nesta parte.
3.3.2 Atentemos, para melhor se evidenciar o erro de julgamento perpetrado pela sentença recorrida, no ajuizamento que ali foi feito no que tange ao pedido condenatório a que veio a dar procedência, que se passa a transcrever (vide pág. 42 ss. sentença recorrida):
«(…)
Do pedido de condenação do R. à prática do ato de adjudicação à A. no concurso n.º 3/2018 e à consequente celebração do contrato:
Defende a A. que, tendo o R. reconhecido que tanto as três propostas que decidiu excluir, como a proposta da concorrente REP não podem permanecer em jogo, sobrando, assim, a proposta da A. como a única elegível, deve esta ser a proposta adjudicada por apresentar, em respeito pelas regras concursais, o mais baixo preço.
E julgamos que, efetivamente, atentos os contornos do caso em apreciação, é possível concluir no sentido da adjudicação da proposta da A. no concurso n.º 3/2018, com os fundamentos que infra explanaremos.
Resulta da factualidade provada que, nos termos do clausulado do programa do concurso n.º 3/2018, o critério de adjudicação fixado foi o da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, na modalidade de avaliação do preço ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar (equivalente ao anterior critério do mais baixo preço), dado que todos os aspetos de execução do contrato, além do preço, se encontravam já definidos nas peças do procedimento, conforme permite o art.º 74.º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, do CCP. Acresce que as propostas deviam ser acompanhadas dos seguintes elementos: “a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I do CCP (…), assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar; b) Documentos comprovativos de que não se encontra em nenhuma das situações previstas nas alíneas b), d), e) e i) do artigo 55.º do CCP, designadamente os seguintes documentos: aa) Registo Criminal (…) que comprove que o adjudicante não incorre nos impedimentos indicados nas alíneas b) e i) do artigo 55.º do CCP; bb) Cópia do documento comprovativo em como se encontra com a situação regularizada relativamente a dívidas ao Estado Português ou, se for caso disso, no Estado de que seja nacional ou no qual se situe o seu estabelecimento principal; cc) Cópia do documento comprovativo em como se encontra com a situação regularizada relativamente a dívidas por contribuições para a Segurança Social em Portugal ou no Estado de que seja nacional ou no qual se situe o seu estabelecimento principal; c) Comprovativo do pagamento da apólice de seguro de responsabilidade civil”. Por outro lado, deviam ser excluídas as propostas: “b) Que não apresentem algum dos atributos fundamentais da proposta, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 57.º do CCP; c) Que apresentem atributos que violem os parâmetros base fixados no Caderno de Encargos e no Programa do Procedimento ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.os 4 a 6 e 8 a 11 do art.º 49.º do CCP; (…) k) Não sejam constituídos por todos os documentos exigidos nos termos do disposto na cláusula 10.ª do presente Programa do Procedimento; (…) m) Não sejam constituídos por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no art.º 13.º do presente Programa de Procedimento; n) Não observem as formalidades pedidas no art.º 14.º do presente Programa de Procedimento” (cfr. ponto 4 dos factos provados – sublinhado nosso).
Da cláusula 4.ª do caderno de encargos resulta, ainda, que o preço máximo (preço base) que o R. se dispõe a pagar ao fornecedor é de € 198.400,00, ao qual acresce o valor do IVA à taxa legal em vigor, se este for legalmente devido. Com interesse para o caso dos autos, decorre igualmente da cláusula 5.ª do caderno de encargos que “o combustível a fornecer tem a designação formal de ‘Hidrocarbonetos ricos em C3-C4, destilado do petróleo’ e deve respeitar a diretiva de rotulagem e classificação 67/548/CEE com a adaptação 98/98/CE” (n.º 1), sendo que, “quando detetada a necessidade de abastecimento do depósito, a sua efetivação não poderá exceder 24 horas, sobre a sua comunicação” (n.º 5) (cfr. ponto 5 dos factos provados).
Foram apresentadas cinco propostas, a da A. e as das contrainteressadas, extraindo-se do probatório o seguinte (cfr. pontos 6 a 12 dos factos provados):
- a proposta da A. foi acompanhada de todos os documentos indicados na cláusula 12.ª do programa do procedimento, todos eles válidos à data de apresentação da proposta (em 09/10/2018);
- a proposta da REP, S.A., apresentada em 09/10/2018, foi acompanhada dos seguintes documentos: registos criminais da própria empresa e dos respetivos titulares dos órgãos de administração com prazo de validade até 04/09/2018 e 26/09/2018; certidão comprovativa da sua situação tributária regularizada, emitida em 03/07/2018 e com um prazo de validade de três meses; por outro lado, sabe-se que da proposta da REP consta, ainda, no campo relativo aos “Abastecimentos”, que, “no caso dos consumidores com consumos irregulares, ao efetuarem os pedidos de abastecimento, a REP compromete-se a efetuar esses abastecimentos num período não superior a 48 horas”;
- a proposta da PdP – PTG, S.A. foi acompanhada de todos os documentos indicados na cláusula 12.ª do programa do procedimento, todos eles válidos à data de apresentação da proposta (em 08/10/2018);
- as propostas da OEG, S.A. e da RGP, S.A. não foram acompanhadas dos registos criminais das próprias empresas e respetivos titulares dos órgãos de administração, nem dos documentos comprovativos em como se encontravam com a situação tributária e contributiva regularizada, nem do comprovativo do pagamento da apólice de seguro de responsabilidade civil.
Os preços globais das cinco propostas apresentadas foram os seguintes (cfr. ponto 13 dos factos provados):

Concorrentes
Data/Hora entrada
Valor Global
Proposta
PdP-PTG, S.A.
08-10-2018 / 14:39:12
157.800,00 €
OEG, S.A.
08-10-2018 / 16:52:28
153.740,00 €
REP, S.A.
09-10-2018 / 15:01:22
151,160,00-E
GC, S.A.
09-10-2018 / 16:07:58
155,060,00 €
RGP, S.A.
09-10-2018 / 17:30:44
175.340,00 €

Em 18/10/2018 o júri do concurso elaborou o relatório preliminar, no qual foi proposta a exclusão das propostas da PdP – PTG, S.A., da OEG, S.A. e da RGP, S.A., com fundamento em que estes concorrentes não apresentaram os documentos solicitados na cláusula 12.ª do programa do procedimento (cfr. ponto 14 dos factos provados). Foi, ainda, proposta a admissão das propostas da A. e da REP, S.A., com a seguinte ordenação:
Ordenação
Concorrentes
Data/Hora entrada
Valor Global
Proposta
1.ª
REP, S.A.
09-1 0-2018/15:01:22
151.160,00 €
2.ª
GC, S.A.
09-10-2018 /16:07:58
155.060,00 €

Por fim, quer a A. quer a PdP – PTG, S.A. apresentaram as respetivas pronúncias em sede de audiência prévia, a primeira pugnando pela exclusão da REP, S.A. e a segunda pela ilegalidade da sua exclusão do concurso (cfr. pontos 15 e 16 dos factos provados).
Assim, da factualidade acima exposta é possível retirar as seguintes conclusões:
- apenas as propostas da A. e da contrainteressada PdP – PTG, S.A. devem ser admitidas no concurso em apreço, porquanto somente estas duas concorrentes apresentaram propostas acompanhadas de todos os documentos exigidos na cláusula 12.ª do programa do procedimento, todos eles válidos à data de apresentação das respetivas propostas;
- ao invés, as propostas das restantes contrainteressadas devem ser excluídas do concurso, uma vez que, ora não foram acompanhadas de todos os documentos exigidos na cláusula 12.ª do programa do procedimento (caso da OEG, S.A. e da RGP, S.A.), ora apresentaram documentos cuja data de validade já se encontrava ultrapassada à data de apresentação da proposta (caso da REP, S.A.); ora ainda porque continham termos ou condições que violavam aspetos da execução do contrato a celebrar não submetidos à concorrência no caderno de encargos (caso da REP, S.A., cuja proposta, ao prever a realização de abastecimentos num período não superior a 48 horas, violava o n.º 5 da cláusula 5.ª do caderno de encargos, que exigia que a efetivação desse abastecimento não poderia exceder 24 horas sobre a sua comunicação) – cfr. art.os 70.º, n.º 2, alínea b), e 146.º, n.º 2, alíneas d) e o), do CCP e cláusula 14.ª, alíneas c) e m), do programa do procedimento.
Estas conclusões, aliás, vão de encontro ao que foi alegado pela A. e pela PdP – PTG, S.A. nas respetivas pronúncias em sede de audiência prévia.
Nem se diga, a este respeito, como faz a contrainteressada OEG, S.A., que a sua proposta não deveria ter sido excluída na medida em que os documentos exigidos pela cláusula 12.ª do programa do concurso se destinam, afinal, a ser apresentados não com a proposta, mas antes em fase de habilitação, apenas e só, pelo adjudicatário, pois que correspondem exatamente à documentação exigida pelo art.º 81.º do CCP, sendo que os únicos documentos que obrigatoriamente devem ser apresentados com a proposta são os que constam do art.º 57.º, n.os 1 e 2, do mesmo diploma legal, que a contrainteressada efetivamente apresentou. Note-se, contudo, que no art.º 57.º, n.os 1 e 2, do CCP só estão previstos os documentos que devem integrar obrigatoriamente as propostas (relativos à declaração de aceitação do caderno de encargos, aos atributos, aos termos e condições e aos esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo), nada impedindo que o programa do procedimento exija eventualmente outros documentos, ao abrigo do n.º 4 do art.º 132.º do CCP, cuja falta determina a exclusão da proposta respetiva quando no programa do procedimento tal falta seja expressamente cominada com a referida sanção, nos termos do art.º 146.º, n.º 2, alínea n), do CCP [o que sucede in casu, segundo a alínea m) da cláusula 14.ª do programa do concurso, pese embora se referir, certamente por lapso, aos documentos exigidos pela cláusula 13.ª, quando se pretendia referir à cláusula 12.ª]. Acresce que, mesmo admitindo-se que parte dos documentos exigidos naquela cláusula 12.ª se reportam a documentos também exigidos em sede de habilitação do adjudicatário, tal circunstância não é impeditiva da sua exigência logo aquando da fase de apresentação das propostas, desde logo porque “os requisitos de habilitação não são exigíveis apenas ao adjudicatário, mas a todos os concorrentes, só não se lhes referindo a lei porque, em situações normais, a questão da habilitação vai colocar-se apenas pós-adjudicação, em relação ao concorrente da proposta vencedora”, razão pela qual os requisitos de habilitação devem existir logo no momento da apresentação da proposta e durar até à celebração do contrato (cfr., neste sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, op. cit., pp. 490-492, 495 e 944; na jurisprudência, cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07/11/2013, proc. n.º 10404/13, publicado em www.dgsi.pt).
Por conseguinte, sendo unicamente admitidas as propostas da A. e da PdP – PTG, S.A., e tendo em consideração o critério de adjudicação fixado para o concurso – o da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, na modalidade de avaliação do preço ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar –, daqui resulta, como facilmente se constata, a ordenação da proposta da A. em 1.º lugar, com o valor de € 155.060,00, e a proposta da PdP – PTG, S.A. em 2.º lugar, com o valor de € 157.800,00.
Assim, temos que o júri do concurso, ao retomar o procedimento na fase de audiência prévia quanto ao teor do relatório preliminar e devendo analisar as pronúncias nessa sede apresentadas pela A. e pela PdP – PTG, S.A. para efeitos de elaboração do relatório final, deverá propor, com os fundamentos que antecedem, modificando o teor e as conclusões do relatório preliminar (e porque nos movemos no âmbito de uma atuação vinculada do júri), a admissão das propostas da A. e da PdP – PTG, S.A. e a exclusão das propostas das restantes concorrentes, e, bem assim, a alteração da ordenação das propostas admitidas de modo a figurar a da A. em primeiro lugar, à luz do critério de adjudicação adotado, procedendo a nova audiência prévia (cfr. art.º 148.º, n.os 1 e 2, do CCP).
Cumpridas tais formalidades e não sendo invocadas circunstâncias que determinem nova alteração, pelo júri, da ordenação assim proposta no relatório final, deve o R., conforme aqui peticionado, em cumprimento do dever de adjudicação imposto pelo art.º 76.º, n.º 1, do CCP, proceder à adjudicação da proposta da A., por ser a proposta admitida que apresentou o preço mais baixo, de acordo com o critério de adjudicação fixado, sem prejuízo do disposto no art.º 77.º, n.º 2, do CCP, e a celebrar o contrato respetivo (não sendo obstáculo à referida contratualização o facto de o R. ter de incorrer numa despesa maior por comparação ao que teria de gastar no concurso n.º 4/2018).
Com efeito, e ao contrário do que vem alegado pela contrainteressada OEG, S.A., inexiste qualquer obstáculo à condenação do R. à prática do ato devido de adjudicação (e consequente celebração do contrato), nos termos acima referidos, atentas as características do caso concreto.
Aderindo à fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08/09/2016 (proc. n.º 0568/16, publicado em www.dgsi.pt) – em que estava em causa a invalidade do ato de exclusão de uma proposta, mas que é plenamente transponível para o caso dos autos, em que está em causa a invalidade da decisão de não adjudicação –, “se a proposta da autora, aqui recorrente, for admitida, ficará ordenada em primeiro lugar, visto que o critério de adjudicação é o do mais baixo preço, tendo esta concorrente apresentado o preço mais baixo.
Assim, atento o que se dispõe nos art.os 71.º, n.º 1 e 2, e 95.º, n.º 3, do CPTA (na redação então vigente, anterior à entrada em vigor do DL n.º 214-G/2015, de 2/10), uma vez que os atos a praticar têm carácter vinculado, coincidente com a pretensão da Recorrente, deve o tribunal condenar nos precisos termos do pedido (cfr. também art.os 552.º, n.º 1, al. e), e 609.º, n.º 1, do CPC).
Com efeito, tendo sido invalidado o ato de exclusão da proposta a qual teve como fundamento uma única causa, afastado tal fundamento, a Administração apenas pode tomar a decisão contrária – a da admissão da proposta (cfr. art.os 70.º, n.os 1 e 2, 122.º, n.os 1 e 2, 124.º, 146.º, n.os 1, 2 e 3, e 148.º, n.º 1, todos do CCP). O que quer dizer que estamos na presença de um ato de carácter vinculado, já que a margem de discricionariedade da Administração encontra-se, no caso concreto, reduzida a zero (cfr. Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, in Comentário ao CPTA, 2.ª ed.- 2007, pág. 428). E admitida a proposta, ficando graduada em primeiro lugar, o ato de adjudicação constitui-se como um ato legalmente devido, já que a decisão de adjudicação é um dever do órgão competente para contratar (cfr. art.os 36.º e 76.º do CCP), salvo as exceções previstas no art.º 79.º do CCP, que aqui não estão em causa. Nem a Entidade Demandada invocou, sendo certo que adjudicou e celebrou o contrato com o concorrente graduado em primeiro lugar.
Ora, a Recorrente, uma vez admitida a sua proposta, ficaria, efetivamente, graduada em primeiro lugar, uma vez que o critério estabelecido no concurso é o do mais baixo preço (sendo o por ela apresentado o mais baixo), constituindo este o único aspeto submetido à concorrência (cfr. art.os 56.º, n.º 2, e 74.º, n.º 1, al. b), do CCP).
Assim, como bem refere o EMMP, citando Vieira de Andrade, o que importa para que o ato seja devido é que ‘a sua emissão seja, nas circunstâncias do caso concreto, legalmente obrigatória’ - in A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2015, pág. 182. (…)
Assim, considerando que os atos a praticar pela entidade adjudicante corresponderão ao pedido condenatório, que foi julgado inteiramente procedente, considerando que a Administração está concretamente vinculada a praticar os atos referidos com o conteúdo pretendido, estão reunidos todos os pressupostos necessários para a condenação nos precisos termos do pedido, sem necessidade de formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa (art.º 95.º, n.º 3, do CPTA).
É, pois, o pedido da condenação à prática dos atos indicados pela Recorrente que delimitam o objeto da decisão, que, na situação concreta, não pode ficar-se pela condenação genérica à prática de atos indeterminados, como fez o acórdão recorrido, mas deve explicitar a definição concreta desses atos, em que a Administração já não tem margem de discricionariedade relevante.
Seria, pois, de condenar a Administração a adjudicar os serviços, sem prejuízo do disposto no art.º 77.º, n.º 2, do CCP, e a celebrar o contrato respetivo” (sublinhado nosso).
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03/12/2015 (proc. n.º 0913/15, publicado em www.dgsi.pt).
Ante todo o exposto, e com base na fundamentação acima expendida, julga-se procedente o pedido condenatório deduzido pela A., devendo o R. ser condenado, caso a tal nada mais obstar e sem prejuízo do disposto no art.º 77.º, n.º 2, do CCP, à prática do ato de adjudicação à A. no concurso n.º 3/2018 e à consequente celebração do contrato.»
3.3.3 Cumpre começar por reconhecer que perante contexto factual apurado nos autos, em especial o encadeamento cronológico dos atos praticados no procedimento, já supra percorrido, se apresenta como da maior relevância a circunstância de a identificada decisão de não adjudicação tomada no procedimento concursal nº 3/2018 – que nos termos do supra decidido é ilegal, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por não se encontrar justificada ao abrigos das citadas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 79º do CCP – ter sido proferida no momento procedimental em que o foi. Isto é, quando após o júri do concurso ter elaborou, em 18/10/2018, o relatório preliminar (no qual foi proposta a exclusão da proposta da PdP – PTG, SA, da proposta da OEG, SA, da proposta da RGP, SA, e aplicando o critério de adjudicação fixado no procedimento, o do preço mais baixo, às propostas subsistentes, propôs ordenar em primeiro lugar a proposta da REP, SA e em segundo lugar a proposta da GC, S.A.) e notificadas as concorrentes para se pronunciarem em sede de audiência prévia, terem sido emitidas pronuncias nessa sede por duas das correntes (a saber a GC, SA e a PdP – PTG, SA) o júri do procedimento elaborou o documento intitulado de «Relatório Final» datado de 19/11/2018, que consubstanciou a proposta de tomada de decisão de não adjudicação ao abrigo das alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 79º do Código dos Contratos Públicos, e a consequente revogação da decisão de contratar nos termos do artigo 80º do mesmo Código, e a abertura de um novo procedimento no prazo de seis meses, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 79º do mesmo Código, em que se veio a suportar a deliberação camarária de 20/11/2018 que consubstanciou a decisão de não adjudicar e a concomitante revogação da decisão de contratar referente ao concurso público n.º 3/2018.
3.3.4 Tratando-se, como se trata, de um procedimento pré-contratual de concurso público, a procedência do pedido impugnatório formulado na ação, com anulação daquela decisão administrativa, que fez extinguir, sem causa justificativa, o procedimento, apenas podia ter como consequência, como bem sustenta a contra-interessada recorrente, que este devia ser retomada a partir do ponto em que se encontrava.
3.3.5 Atenha-se, por outro lado, que não havia sido praticado nenhum ato de exclusão ou de admissão das propostas, havendo apenas proposta do júri, vertida no relatório preliminar, no sentido da exclusão de três das cinco propostas apresentadas, pelos fundamentos ali vertidos.
Sendo certo que, como é sabido, no figurino do concurso público, tal como se encontra previsto no Códigos dos Contratos Públicos, não existe qualquer momento prévio destinado à aferição dos requisitos formais das propostas e sua eventual exclusão com tal fundamento, como sucedia anteriormente, sendo condensados num momento único, quer a aferição dos requisitos formais das propostas, quer à análise da sua valia, obviamente, assegurado que seja a audiência prévia dos participantes (cfr. artigos 147º, 148º e 149º do CCP).
3.3.6 Pelo que a única lesão que podia ser invocada pela autora, enquanto concorrente, era a de não ver satisfeito o seu direito a que o procedimento pré-contratual tivesse prosseguido, com a análise das propostas e com o ato de adjudicação.
3.3.7 Neste contexto há que reconhecer que, como alega a contra-interessada recorrente, a Mmª Juíza a quo levou a cabo na sentença um trabalho de instrução do procedimento, que devia ter sido retomado pela entidade administrativa, substituindo-se, por antecipação, ao órgão instrutor, no caso o júri do procedimento.
3.3.8 Com a agravante de que, na tarefa de que assim se propôs desenvolver, operou uma modificação do sentido da proposta que havia sido vertida pelo júri do concurso no relatório preliminar, determinando que apenas seriam de admitir as propostas das concorrentes GC, S.A. (autora) e da PdP – PTG, S.A.. Significando, assim, que a Mmª Juíza a quo entendeu que a proposta da concorrente REP, SA devia ser excluída, e assim decidiu.
3.3.9 Mas tudo isto sem que, primeiramente, tivesse sido assegurado que o órgão administrativo instrutor, e depois dele ao órgão administrativo competente para a decisão, tivessem levado a cabo as tarefas e apreciações da sua competência.
Quando, ademais, depois de cumprida a audiência prévia relativamente ao relatório preliminar (cfr. artigo 147º do CCP) o júri elabora um relatório final fundamentado, no qual “…pondera as observações dos concorrentes efetuadas ao abrigo do direito de audiência prévia, mantendo ou modificando o teor e as conclusões do relatório preliminar, podendo ainda propor a exclusão de qualquer proposta se verificar, nesta fase, a ocorrência de qualquer dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 146º” (cfr. artigo 148º nº 1 do CCP).
Sendo que sempre seja de propor, com base nas pronúncias entretanto emitidas em sede de audiência prévia, seja a exclusão de uma outra proposta ou a alteração da ordenação das propostas, deve o júri proceder a nova audiência prévia (cfr. artigo 148º nº 2 do CCP).
Cabendo a palavra final ao órgão competente para a decisão de contratar, que é a quem cabe decidir sobre a aprovação de todas as propostas contidas no relatório final, nomeadamente para efeitos de adjudicação ou para efeitos de seleção das propostas (cfr. artigo 148º nº 3 e 4 do CCP).
Sem prejuízo, obviamente, da garantia do controlo jurisdicional, a exercer através da ação de contencioso pré-contratual (cfr. artigo 100º do CPTA), asseverando-se a tutela judicial da atividade administrativa constitucionalmente garantida e legalmente assegurada.
3.3.10 Não pode, pois, manter-se a sentença recorrida nesta parte. Nem tendo a jurisprudência em que se a Mmª Juíza a quo se apoiou, valia no âmbito do caso dos autos pela imediata razão de que aqui, diferentemente das situações ali subjacentes, não haviam ainda sido praticados pelo órgão administrativo quaisquer atos de admissão ou exclusão de propostas nem a sua graduação, cuja eventual ilegalidade (ou efeitos da ilegalidade detetada) impusesse corrigir.
3.3.11 No caso presente, a detetada ilegalidade foi consubstanciada na decisão de não adjudicação com revogação da decisão de contratar. Pelo que a reposição da situação dos factos conforme ao direito o que impunha era que o procedimento pré-contratual prosseguisse. E era só nisso que a Mmª Juíza a quo deveria ter condenado o réu Município.
3.3.12 Aqui chegados, e sem necessidade de mais considerações, e mostrando-se concomitantemente prejudicados os demais argumento da recorrente, tem que conceder-se provimento ao recurso da recorrente OEG, S.A. nesta parte, e consequentemente, revogar o segundo segmento decisório da sentença recorrida na dimensão impugnada, e em sua substituição condenar apenas o réu MUNICÍPIO DE PC... a retomar o procedimento concursal n.º 3/2018 a partir da fase de audiência prévia dos concorrentes em que se encontrava quando foi proferida a decisão de não adjudicação.
O que se decide.
***
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso do réu MUNICÍPIO DE PC... e conceder parcial provimento ao recurso da contra-interessada OEG, S.A., revogando-se a sentença recorrida na segunda parte do seu segmento decisório, e em substituição da parte revogada condenar o réu MUNICÍPIO DE PC... a fazer prosseguir o procedimento concursal nº 3/2018.
Custas pelas partes vencidas a final - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
Notifique.
D.N.
Porto, 28 de junho de 2019
Ass. Helena Canelas
Ass. Isabel Costa
Ass. João Beato



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