quarta-feira, 11 de março de 2020

PROVIDÊNCIA CAUTELAR; FUMUS BONI IURIS; PERICULUM IN MORA; PONDERAÇÃO DE INTERESSES; CONTRATAÇÃO PÚBLICA; CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO; ARTIGO 120º DO C.P.T.A.; ARTIGO 335º DO C.C.P.



Proc. 00606/18.1BECBR    TCANorte        15.03.2019

I- Para aferir se uma providência deve ser decretada, há que determinar, cumulativamente, (i) se há um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal [periculum in mora], (ii) se é provável que a pretensão formulada no processo principal pela Requerente seja julgada procedente [fumus boni iuris] (n.º 1), e, caso a resposta seja positiva, (iii) devem ser ponderados os interesses em presença quanto aos danos que resultariam do decretamento da providência e do seu não decretamento [n.º 2].
II- A alteração do critério de adjudicação operada no procedimento concursal aberto na sequência da resolução do contrato de empreitada ao abrigo do disposto no artigo 335º, nº.1 do CCP não configura qualquer irregularidade procedimental em matéria de contratação pública justificativa de aplicação da decisão de correção financeira.
III - O C.C.P. não proíbe que os modelos de avaliação de propostas sejam construídos mediante a adoção de critérios qualitativos, pelo que, na falta de lastro factual que permita sustentar um suposto favorecimento do concorrente adjudicatário com base na introdução de um fator de avaliação da valia técnica das propostas assente exclusivamente no conteúdo da memória justificativa dos concorrentes, não se pode concluir no sentido da desadequação do mesmo.
IV- A evidência que o Recorrente seria gravemente afetado, sofrendo um gravoso desequilíbrio financeiro, caso se visse forçado a proceder à devolução da quantia cuja reposição lhe é exigida pelo ato suspendendo, com consequências não superáveis no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, importa a verificação do requisito de periculum in mora.
V- O retardamento da decisão administrativa de devolução do montante determinado a título de correção financeiras até estar definido o seu acerto não traduz uma violação incomportável do interesse público traduzido na defesa de legalidade que não possa ceder perante o interesse do Recorrente

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
MUNICÍPIO DO E..., devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra [doravante TAF de Coimbra], de 17.12.2018, proferida no âmbito da providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo que o Recorrente intentou contra a AUTORIDADE DE GESTÃO DO PROGRAMA OPERACIONAL REGIONAL DO CENTRO, que julgou improcedente o pedido cautelar, e, consequentemente, absolveu a Entidade Requerida do pedido.
Em alegações, o Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:
(…)
I. O presente recurso visa a reapreciação da decisão de indeferimento da providência cautelar, proferida por sentença de 17/12/2018 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, na parte referente ao indeferimento do pedido para suspensão da aplicação de uma correção financeira adicional de 20% às despesas elegíveis com a operação que determinou a constituição de dívida e a notificação por parte da ADC para o Município proceder à restituição adicional de EUR 784.729,08;
II. A decisão recorrida reconheceu parcialmente razão ao Município quanto à invalidade de dois dos fundamentos subjacentes à decisão de aplicação da correção financeira adicional de 20% (falta de enquadramento legal da rescisão contratual, ao abrigo do estabelecido nos artigos 335.° e 312.° do CCP; e falta de publicação do anúncio de abertura do concurso no Jornal Oficial da União Europeia);
III. No entanto, mesmo reconhecendo parcialmente razão ao Município, o tribunal a quo entendeu que subsistem dois motivos subjacentes à decisão e que justificam a aplicação da correção financeira, concluindo não estar, por essa razão, preenchido o requisito do fumus boni iuris;
IV. A decisão do tribunal a quo merece ser reapreciada por um tribunal superior na medida em que da mesma decorre uma incorreta interpretação da situação subjacente ao concurso e, por conseguinte, uma incorreta interpretação e aplicação do direito;
V. O fundamento respeitante à alegada falta de justificação atendível para alteração do critério de adjudicação do primeiro concurso (mais baixo preço) para o segundo concurso (proposta economicamente mais vantajosa) é inválido;
VI. Primeiro porque estão em causa dois procedimentos autónomos, tendo o primeiro cessado por resolução do contrato e sem que tenha dado lugar a qualquer pagamento à entidade adjudicatária, e o que está em causa neste processo é uma auditoria financeira às despesas decorrentes do contrato de empreitada, celebrado na sequência do segundo concurso;
VII. Não se pode pretender investigar a regularidade financeira de um contrato que cessou sem que tenha produzido quaisquer efeitos jurídicos. Se o primeiro concurso deu origem a um contrato que não gerou despesa, não há razão para que o mesmo possa ser utilizado como motivo para justificar a aplicação de sanção financeira a contrato decorrente de outro procedimento;
VIII. Em segundo lugar, há que considerar que o pedido cautelar visa a suspensão de uma sanção financeira, baseada em alegadas irregularidades com repercussão na componente financeira do contrato, não estando em apreciação qualquer decisão sobre a validade do procedimento, do contrato ou da sua execução;
IX. Neste processo não está em causa a verificação da validade do procedimento concursal per se (para isso outros meios processuais seriam idóneos e nenhuma entidade a eles recorreu), mas sim o apuramento de irregularidades que possam ter impacto nas condições financeiras do contrato e/ou respetiva execução e que, nessa medida, possam justificar a aplicação de uma correção financeira;
X. Portanto, não cabe, nesta sede, fiscalizar a validade do concurso porque isso seria obter o mesmo efeito de uma ação impugnatória que nunca foi proposta por qualquer dos concorrentes ou por qualquer outro interessado;
XI. E o tribunal a quo não foi capaz de afirmar (para além dos típicos juízos genéricos de possível afetação da concorrência e transparência) em que medida foi afetada legalidade financeira do contrato por ter sido alterado o critério de adjudicação, nem coloca em causa a correção das despesas submetidas a pagamento
XII. Em terceiro lugar, a entidade adjudicante está habilitada a alterar o critério de adjudicação e não tem sequer de fundamentar essa decisão;
XIII. A motivação inerente à alteração do critério de adjudicação prendeu-se com a complexidade do objeto do contrato de empreitada, tendo o Recorrente entendido ser mais adequado prever um critério misto em que a componente técnica associada ao projeto tivesse prevalência; por outro lado, manter o critério do mais baixo preço poderia, esse sim, criar uma distorção da concorrência pois os concorrentes já conheciam os preços que haviam sido propostos no primeiro concurso;
XIV. E para mitigar estes riscos potenciais, a entidade adjudicante decidiu fixar um critério de adjudicação "misto" de avaliação da proposta economicamente mais vantajosa, em que deu prevalência à componente técnica (60%) e reduziu a relevância do fator preço (40%);
XV. E fê-lo porque, como é sabido, o conhecimento prévio do preço praticado pelas empresas daquela área (num meio pequeno, em que os concorrentes são, por diversas vezes, as mesmas empresas) é um fator muito mais suscetível de criar distorções à concorrência, do que um fator relativo à componente técnica;
XVI. Por último, há ainda que recordar que o contrato de empreitada foi submetido à fiscalização prévia do Tribunal de Contas e recebeu o respetivo visto prévio;
XVII. Assim se conclui que errou o tribunal a quo ao formular um juízo de improcedilidade deste fundamento de invalidade da decisão de aplicação de correção financeira, pois a alteração do critério de adjudicação do primeiro para o segundo concurso é uma opção legítima da entidade adjudicante, que se encontra fundamentada quanto à sua motivação (embora nem tivesse que estar) e que, na verdade, corresponde à decisão que mais garantias dá ao nível da proteção da concorrência e da transparência;
XVIII. Por último, não tem qualquer validade o fundamento relativo à alegada desadequação de um dos fatores de avaliação de propostas cuja natureza e caráter subjetivo possibilita o favorecimento efetivo do concorrente que já se encontrava em obra;
XIX. A crítica que é feita, em função da escolha do critério da valia técnica da proposta, é uma crítica que pode ser feita a qualquer critério que não seja quantitativo e que, portanto, detenha alguma subjetividade associada. Mas isso não significa que dessa subjetividade se possa retirar a conclusão direta de que esse critério é suscetível de afetar a concorrência ou a transparência do concurso;
XX. Efetivamente, casos há em que a adoção de um critério como o da valia técnica da proposta é suscetível de levar à escolha da melhor proposta, sem que a adoção de um critério deste tipo (que corresponde a um fator de avaliação de cariz subjetivo) conduza necessariamente ao favorecimento de concorrentes em detrimento de outros;
XXI. Assim, não será errado concluir que os critérios consagrados no segundo procedimento são, sem margem para dúvida, mais adequados à escolha de uma melhor proposta do que aqueles que foram consagrados no primeiro procedimento;
XXII. E nem a Mais Centro, nem a IGF lograram demonstrar em que se baseiam para afirmar ter sido beneficiado um concorrente em detrimento dos restantes, e o tribunal a quo, embora não desconhecendo essa falta de demonstração, ainda assim aceita como válido este fundamento;
XXIII. Portanto, como ficou amplamente demonstrado, a adoção do fator de avaliação valia técnica da proposta, de natureza e caráter subjetivo, não consubstancia qualquer favorecimento efetivo do concorrente que já se encontrava em obra;
XXIV. Assim se conclui que não podem colher os fundamentos apresentados pelo tribunal a quo para a decisão de indeferimento do pedido para suspensão da eficácia da decisão de aplicação da correção financeira de 20% às despesas elegíveis com a empreitada de construção da Nova Escola Básica 2° e 3° Ciclos - Dr. R..., por falta de verificação do requisito respeitante ao fumus boni iuris, impondo-se a revogação desta decisão e a sua substituição por outra que determine o prosseguimento dos autos para apreciação dos restantes requisitos de que depende a adoção da medida cautelar requerida.
NESTES TERMOS DEVE O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA:
(A) SER A SENTENÇA RECORRIDA REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DETERMINE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS PARA APRECIAÇÃO DOS RESTANTES REQUISITOS DE QUE DEPENDE A ADOÇÃO DO PEDIDO CAUTELAR FORMULADO;
(B) TUDO COM AS DEMAIS COMINAÇÕES LEGAIS, DESIGNADAMENTE PARA EFEITOS DE REAPRECIAÇÃO DA CONDENAÇÃO EM CUSTAS PROCESSUAIS.
(…)”
*
Notificado que foi para o efeito, o Recorrido Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, por intermédio do Senhor Secretário de Estado de Desenvolvimento e Coesão, apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:
“(…)
a) Se o preço base do procedimento não tivesse sido alterado a proposta vencedora teria sido excluída, por ultrapassar em € 299.581,78 o preço base do procedimento;
b) Sendo o preço base uma componente fundamental do critério de adjudicação, ao qual foi atribuída a valoração de 40%, a sua alteração configura uma alteração fundamental das peças do procedimento,
c) E sendo-o, para o escrupuloso cumprimento dos princípios da não discriminação, da igualdade de tratamento e da obrigação de transparência a entidade adjudicante deveria ter prorrogado, no mínimo por período equivalente ao tempo decorrido desde o início daquele prazo até às comunicações das retificações ou à publicitação da decisão de aceitação de erros ou de omissões;
d) A empresa AC, S.A., apresentou a proposta mais cara para a entidade adjudicante, pelo que a ter-se mantido o critério de adjudicação do primeiro procedimento, o do preço mais baixo, a empreitada nunca lhe teria sido adjudicada;
e) Mas, ao introduzir-se, ao lado do critério quantitativo (preço), um critério de natureza exclusivamente objetiva, um outro critério, 20% mais valioso, o da mais valia técnica da proposta, o qual é manifestamente um critério subjetivo, a empresa AC, S.A. conseguiu ver-se, de novo, em primeiro lugar na lista de ordenação das propostas;
f) Pelo que a empresa ganhadora foi claramente beneficiada com a alteração do critério de adjudicação;
g) A lisura e o respeito pelo princípio da transparência (que claramente se duvida que tenham merecido ponderação na decisão de alteração do critério de adjudicação) exigiam da parte do Recorrente um esforço, ainda que mínimo, de explicar porque é que havia decidido proceder à alteração do critério ordenador das propostas.
h) Na situação concreta dos autos, atendendo às circunstâncias, a adoção de um fator relativo à valia técnica da proposta beneficiou de facto o concorrente que já se encontrava em obra;
i) Pelo que a introdução deste fator na avaliação das propostas foi, para dizer o mínimo, desadequada;
j) A AG encontra-se vinculada, na análise das candidaturas e na verificação da regularidade dos procedimentos de contratação pública e das despesas apresentadas a cofinanciamento, ao mais estrito cumprimento dos princípios e das normas legais aplicáveis (de natureza comunitária e nacional) e das orientações emanadas de diferentes autoridades de auditoria com competências na área da contratação pública, quer sejam comunitárias (Comissão Europeia e Tribunal de Inspeção-Geral de Finanças e Tribunal de Contas);
k) Ou seja, as decisões da AG - de considerar ou não a despesa elegível e/ou de aplicar ou não correções financeiras para correção da despesa elegível - devem ser tomadas de acordo com as orientações comunitárias em vigor e são escrutinadas por várias entidades (comunitárias e nacionais), responsáveis pelo sistema de controlo da regularidade dos fundos atribuídos pelos Programas Operacionais;
l) Do que resulta, no caso de deteção por aquelas entidades (em sede de auditoria aos procedimentos de contratação pública) de irregularidades que determinem a aplicação posterior de correções financeiras que não tenham sido aplicadas pela Autoridade de Gestão, a sua contabilização para a taxa de erro do Programa, que é anualmente monitorizada pela Comissão Europeia a qual, na eventualidade de ultrapassar determinado limite (2%), pode determinar a suspensão de pagamento de Fundos Comunitários a Portugal, no âmbito do Programa em causa;
m) A AD&C, com base nas recomendações formuladas pela IGF, fundadas no Relatório de Supervisão que concluiu pela existência das referidas irregularidades e propôs a correção financeira de 25% do montante da despesa certificada, tomou a decisão de retirar da certificação final de despesas do Mais Centro o correspondente valor;
n) Pelo que perante a inexistência do financiamento comunitário subjacente à despesa aprovada e executada, a Autoridade de Gestão mais não podia fazer do que anular a despesa correspondente ao projeto e notificar o Autor dos montantes a recuperar no valor de 784.729,08 €.
Nestes termos e nos demais de Direito que V/ Exa. mui doutamente suprirá, deve o presente recurso ser considerado improcedente, por não provado, e mantida a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a 17 de dezembro de 2018, só assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!
(…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O Ministério Público neste Tribunal não emitiu o parecer a que se alude no artigo 146º, nº.1 do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios – artigo 36.º n.º 2 do C.P.T.A. – cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida, ao validar dois dos argumentos subjacentes à decisão de aplicação de correção financeira adicional de 20%, como sejam, a (i) “inexistência de justificação atendível quanto à alteração do critério de adjudicação do primeiro para o segundo procedimento” e (ii) a “desadequação de um dos fatores de avaliação de propostas cuja natureza e caráter subjetivo possibilita o favorecimento efetivo do concorrente que já se encontrava em obra”, e, consequentemente, julgar inverificado o requisito de fumus boni iuris, determinante da improcedência da presente providência cautelar, incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação do direito.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
1) Em 16/02/2012 foi celebrado entre a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Centro (Mais Centro), na qualidade de primeiro outorgante, e o Requerente, na qualidade de segundo outorgante, um contrato de concessão de financiamento na sequência da candidatura apoiada pelo FEDER, apresentada ao Regulamento Específico Requalificação da Rede Escolar de 1.° Ciclo do Ensino Básico e da Educação Pré-Escolar, no âmbito do Programa Operacional Regional do Centro 2007-2013 QREN, cujo objeto é a concessão de um apoio financeiro para aplicação pelo Requerente na operação “Construção da Nova Escola Básica do 2.° e 3.° Ciclos Dr. R...”, no montante global de € 6.112.659,23 (cfr. doc. de fls. 52 a 57 do suporte físico do processo).
2) O apoio financeiro ao Requerente revestiu a modalidade de comparticipação financeira não reembolsável até ao valor de € 4.716.346,24, correspondente à aplicação de uma taxa de 80% sobre o montante das despesas consideradas elegíveis para a operação, as quais assumiram um valor global de € 5.895.432,80 (cfr. doc. de fls. 52 a 57 do suporte físico do processo).
3) Consta da alínea i) do n.° 1 da cláusula oitava do contrato de financiamento que uma das obrigações do Requerente é a de “cumprir, quando aplicável, os normativos legais em matéria de contratação pública no âmbito da execução da operação, evidenciando, quando aplicável, a articulação entre despesa declarada e o processo de contratação respetivo” (cfr. doc. de fls. 52 a 57 do suporte físico do processo).
4) O procedimento de contratação pública da empreitada de “Construção da Nova Escola Básica do 2.° e 3.° Ciclos Dr. R...” foi aberto por decisão do Requerente de 05/07/2011, tendo sido aprovadas, na mesma data, as peças do procedimento que estipularam o critério de adjudicação do mais baixo preço e definiram um preço base de € 5.000.000,00, o qual veio a ser posteriormente alterado para € 5.140.000,00, na sequência de retificação de erros e omissões do caderno de encargos (acordo e consulta do anúncio de procedimento n.° 3558/2011 no site www.dre.pt).
5) O concurso público foi publicitado mediante Anúncio de procedimento n.° 3558/2011, publicado em Diário da República, 2.a Série, Parte L - Contratos Públicos, de 15/07/2011, tendo a empreitada sido adjudicada à empresa AC, S.A., pelo valor de € 4.778.551,97, e celebrado o respetivo contrato com o Requerente em 27/12/2011, pelo referido valor, com visto do Tribunal de Contas atribuído em 29/02/2012 (acordo; cfr. docs. de fls. 58 a 62 e 66 do suporte físico do processo e consulta do site www.dre.pt).
6) O Requerente apresentou junto da Mais Centro, em 03/07/2012, o primeiro pedido de pagamento, na modalidade de adiantamento contra-fatura, tendo apresentado uma despesa de € 256.937,08 (cfr. doc. de fls. 67 do suporte físico do processo).
7) Pelo ofício n.° 1484/12, de 20/08/2012, foi o Requerente notificado, para efeitos do exercício do direito de audiência prévia, da decisão da Comissão Diretiva da Mais Centro que considerou a despesa acima referida como não elegível, em virtude de irregularidade decorrente da falta de publicação do concurso público no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE), atendendo ao valor do preço base do procedimento, fixado em € 5.000.000,00, propondo que “toda a despesa relativa à empreitada seja considerada não elegível e como tal não financiada, o mesmo acontecendo com as despesas relativas às componentes dos projetos de execução, uma vez que os objetivos da operação ficam comprometidos com a não elegibilidade da despesa da empreitada” (cfr. doc. de fls. 68 do suporte físico do processo).
8) Em reunião camarária de 20/08/2012, o Requerente deliberou proceder à resolução do contrato de empreitada com a empresa AC, S.A., com fundamento na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, nos termos do art.° 335.°, n.° 1, do CCP, decorrente da inelegibilidade de toda a despesa do contrato, mais tendo deliberado autorizar a abertura de um novo procedimento de concurso público (cfr. doc. de fls. 69 do suporte físico do processo).
9) O novo concurso para a empreitada foi lançado em 17/09/2012 e publicitado mediante Anúncio de procedimento n.° 3813/2012, publicado em Diário da República, 2.a Série, Parte L - Contratos Públicos, de 02/10/2012, tendo sido determinado que o prazo para apresentação das propostas seria até às 23h59 do 20.° dia a contar da data de envio do anúncio, mais tendo sido considerado como critério de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa, com a ponderação dos fatores Preço (40%) e Valia Técnica da Proposta (60%) (acordo e consulta do site www.dre.pt).
10) Para este segundo concurso foi fixado o preço base de € 4.400.000,00, o qual veio a ser alterado para € 4.700.000,00, por se ter constatado que aquele primeiro valor não refletia exatamente “as substanciais retificações de algumas especialidades que estavam incompletas no Primeiro Procedimento e que iriam originar Trabalhos a Mais ou Erros e Omissões não comparticipados”, conforme deliberação do júri do concurso de 26/10/2012 (cfr. docs. de fls. 70 a 72 do suporte físico do processo).
11) Na sequência da alteração do preço base do procedimento, foi concedida uma prorrogação do prazo para apresentação das propostas de três dias (acordo).
12) No âmbito deste segundo concurso, a empreitada foi novamente adjudicada à empresa AC, S.A., pelo valor de € 4.699.581,78, por ter sido a concorrente que apresentou a proposta considerada economicamente mais vantajosa em virtude da obtenção de pontuação máxima no fator Valia Técnica da Proposta, tendo o respetivo contrato de empreitada com o Requerente sido celebrado em 19/12/2012, com visto do Tribunal de Contas concedido em 16/01/2013 (acordo).
13) Por despacho de 05/04/2013 da Vogal Executiva da Comissão Diretiva da Mais Centro, AA, exarado sob a informação maiscentro 515/13, foi decidido aplicar uma correção financeira de 5% nas despesas elegíveis referentes aos pedidos de pagamento nºs. 2 a 5 para financiamento da operação em apreço, tendo por base as “Orientações para a Determinação das Correções Financeiras a Aplicar às Despesas Cofinanciadas pelos Fundos Estruturais e pelo Fundo de Coesão em Caso de Incumprimento das Regras em Matéria de Contratos Públicos”, constantes do documento COCOF 07/0037/03-PT, de 29/11/2007, com fundamento em que, “tendo sido fixado o preço base no concurso público em causa, o mesmo deveria ser incluído nos trabalhos de correção e suprimento de erros e omissões detetados na fase de formação do contrato, não bastando, para possibilitar a sua alteração no decurso do respetivo procedimento, a prorrogação do prazo de apresentação das propostas apenas de três dias” (cfr. ficheiro intitulado “Informação_análise_pedidos_2_ a_5.pdf” constante da pasta “PP2 a 5 Correção Financeira” da pasta “5 — Pag. Docs” do processo administrativo).
14) Em 2016 a operação “Construção da Nova Escola Básica do 2.° e 3.° Ciclos Dr. R...” foi objeto de auditoria por parte da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P. (ADC), ora contrainteressada, tendo sido produzido relatório de auditoria que inclui extrato do relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) de supervisão da atividade de controlo, com o n.° 2015/2208, de dezembro de 2015, do qual se extrai, além do mais, o seguinte:
“VI — Centro-09-0697-FEDER-014005 — Construção da Nova Escola Básica do 2° e 3° Ciclos Dr. R... — Município do E...
(…)
No que respeita à contratação da ‘Empreitada de Execução da Nova Escola EB 2, 3 Dr. R…, adjudicada à firma ‘AC, S.A.', importa relevar o seguinte:
• Na sequência da resolução do contrato que havia celebrado, em 27/dez/2011, com a ‘AC, S.A.', o beneficiário abriu um novo concurso público de âmbito nacional, tendo para o efeito alterado o preço base inicialmente estabelecido. Aquela resolução contratual teve como fundamento a ilegalidade do procedimento concursal adotado, ou seja, o concurso público sem publicação de anúncio no JOUE apesar do valor do preço base fixado (i.e. € 5.000.000);
• Assim, foi publicado anúncio de concurso para execução da empreitada em causa, no Diário da República, II Série, de 2/out/2012, no qual foi fixado um preço base de € 4.400.000, posteriormente alterado para € 4.700.000, nos termos do anúncio de alteração, publicado no Diário da República, II Série, de 26/out/2015;
• Para além da diminuição do valor do preço base, a entidade adjudicante alterou igualmente o critério de adjudicação que adotara no primeiro procedimento. Assim, o critério de mais baixo preço foi substituído pelo critério da proposta economicamente mais vantajosa, passando o fator preço a ter uma ponderação de apenas 40% e a valia técnica da proposta de 60%. De referir que na avaliação do fator ‘valia técnica da proposta', foi considerado exclusivamente o conteúdo da memória descritiva, justificativa do modo de execução da obra apresentada pelos concorrentes;
• De ressalvar que a firma adjudicatária até à data de resolução do contrato (i.e. agosto de 2012) prosseguiu a execução dos trabalhos de empreitada durante cerca de cinco meses (o auto de consignação data de 6/mar/2012);
• Em sede de avaliação das propostas, o júri do concurso voltou a classificar a proposta da firma ‘AC, S.A.' como a proposta mais vantajosa, pois não obstante esta apresentar o preço mais alto das sete propostas admitidas, obteve a pontuação máxima no fator ‘valia técnica';
• Em sede de audiência prévia foram apresentadas duas reclamações, as quais para além de porem em causa a justeza na atribuição de tão alta classificação à proposta do adjudicatário no fator ‘valia técnica' (atendendo designadamente às falhas constantes da memória descritiva apresentada por este) alegaram uma flagrante falta de transparência e completa subjetividade na avaliação deste fator, com o objetivo implícito de direcionar a adjudicação para a entidade que já iniciara os trabalhos de empreitada. Ressalvam igualmente que a opção pela proposta do adjudicatário determinou um encargo adicional para o erário público de cerca de € 500.000 (correspondente à diferença de preço entre a proposta de menor valor e a proposta do adjudicatário).
Ponderados os factos expostos, concluímos pela existência de uma irregularidade, por adoção de um procedimento concursal cujos trâmites afetaram princípios fundamentais da contratação pública, designadamente a transparência, a imparcialidade, a concorrência e a boa gestão dos dinheiros públicos. Esta conclusão assenta, designadamente, nos seguintes pressupostos:
• Inexistência de justificação atendível quanto à alteração do critério de adjudicação do primeiro para o segundo procedimento, tendo em conta a manutenção do objeto contratual, implicando essa alteração a introdução de um fator decisivo — uma vez que lhe foi atribuído a ponderação de 60% - cujo alto nível de subjetividade prejudica a transparência e imparcialidade da decisão adjudicatória;
• Desadequação da introdução de um fator de avaliação da valia técnica das propostas, decisivo para a classificação das mesmas, assente exclusivamente no conteúdo da memória justificativa apresentada pelos concorrentes. Esta circunstância, sendo subjetiva, é suscetível de ter favorecido o concorrente que se encontrava a executar a obra, uma vez que conhecia com maior pormenor e precisão as condições e exigências da mesma; e,
• Falta de enquadramento legal da rescisão contratual atendendo ao facto do elemento determinante desta assentar num erro de procedimento, exclusivamente imputável à entidade adjudicante, não se enquadrando assim nos pressupostos estabelecidos no artigo 335 ° e 312° do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º. 18/2008 de 29 de janeiro.
Face ao anteriormente exposto, e ponderadas as alegações apresentadas pela estrutura de auditoria segregada em sede de contraditório, em especial a que sustenta um grau mínimo de publicidade, ao abrigo do estabelecido na irregularidade n.° 1 do ponto 2.1 do Anexo à Decisão da Comissão Europeia C(2013) 9527, de 19 de dezembro (doravante Decisão), propomos a correção de 25% do montante certificado ao abrigo do procedimento em causa, ou seja, de € 645.356”
(cfr. ficheiro intitulado “Relatorio_Supervisao_IGF_2015_extrato.pdf” constante da pasta “8 — Controlo Interno — Auditoria” do processo administrativo).
15) Na sequência da referida auditoria e das recomendações efetuadas pela IGF, foi o Requerente notificado, pelo ofício mais centro 301/17, de 24/04/2017, subscrito pela Presidente da Comissão Diretiva da Mais Centro, da decisão de anulação da despesa do projeto, nos seguintes termos:
“ (...) Da análise à despesa certificada da operação verificámos que, para efeitos da construção da escola, foi aceite despesa relativa ao contrato de empreitada ‘Novo Procedimento — Execução da Nova Escola EB 2, 3 Dr. R…' no valor de 4.388.260,75€, sendo que, por aplicação da taxa de correção de 25%, se apura um valor total de despesa não elegível de 1.097.065,19€ e uma correção FEDER total de 932.505,41€.
A AG notificou o beneficiário tendo o mesmo apresentado alegações em contrário em 13/04/2016. As mesmas foram objeto de apreciação jurídica de que resultou o parecer DAJ n.° 129/16, de 19/07/2016, comunicado à IGF e ADC em 25/07/2016.
A decisão final da IGF, transmitida à ADC em 22/03/2017 e AG em 23/03/2017, foi a seguinte:
‘Complementando o email infra detalho nos pontos que se seguem os argumentos que sustentam a opinião de que as alegações apresentadas pela Autoridade de Gestão do PO Centro, no Parecer DAJ 129/16, de 19/jul/2016, não nos levam a alteração a proposta de correção financeira antes formulada relativamente à operação n. CENTRO-09-0697- FEDER-014005: EB 2, 3 R... — E....
Com efeito, e sem embargo dos argumentos aduzidos no citado parecer, consideramos ter ocorrido uma irregularidade no procedimento pré-contratual, associado à ‘Empreitada de Execução da Nova Escola EB 2, 3 Dr. R...', a qual afetou os princípios da transparência, da imparcialidade, da concorrência e a boa gestão dos dinheiros públicos. Esta conclusão assenta, designadamente, nos seguintes pressupostos:
• A alegação de que existe um segundo procedimento completamente autónomo do anterior, pelo que tal não poderá servir de amparo a qualquer correção financeira que decorra da ligação entre os dois procedimentos, não pode ser aceite, uma vez que contradiz as alegações posteriores da própria Autoridade de Gestão/Beneficiário quando utilizam precisamente essa ligação entre os dois procedimentos, como sustentáculo da tese de que ‘a manutenção no segundo procedimento do mesmo critério do primeiro procedimento, poderia conferir uma vantagem ilegítima aos concorrentes do primeiro procedimento';
• Sem prejuízo da margem de discricionariedade na escolha do critério de adjudicação por parte da entidade adjudicante (que não contestamos, por princípio), à luz da salvaguarda dos princípios da transparência, da imparcialidade, da concorrência e a boa gestão dos dinheiros públicos, o caso em análise exigiria sempre uma abordagem conjunta dos dois procedimentos adotados, uma vez que não se podem analisar separadamente. Deste modo, continua a não nos oferecer dúvidas que a alteração dos critérios de adjudicação de um procedimento para o outro favoreceu objetivamente a empresa adjudicatária, convicção esta que não logrou ser afastada pelas alegações apresentadas no parecer em análise. Ora, em sede de avaliação das propostas, o júri do concurso classificou a proposta da firma ‘AC, S.A.' como a proposta mais vantajosa, não obstante esta apresentar o preço mais alto das sete propostas admitidas. Tal resultou da obtenção da pontuação máxima no fator ‘valia técnica', facto não devidamente ponderado no argumentário da Autoridade de Gestão;
• A rescisão contratual ocorrida continua a carecer de adequado enquadramento legal, porquanto o elemento determinante desta assenta num erro de procedimento, exclusivamente imputável à entidade adjudicante, pelo que não se coaduna com os pressupostos estabelecidos nos artigos 335.° e 312.° do Código dos Contratos Públicos.
Pelo exposto, condicionados pela relevância e potencial impacto das irregularidades constatadas, consideramos não existir fundamentação atendível para a redução tão significativa da taxa de correção, tal como advoga a Autoridade de Gestão'.
Em consequência da decisão final da Autoridade de Auditoria, a ADC no âmbito das suas competências de Autoridade de Certificação, retirou da certificação final de despesas do PO Centro o montante que vinha a suspender nos pedidos de certificação anteriores [877.652,15€ - correção adicional de 20% aos 5% já corrigidos pela AG]. Tendo as contas e Relatório Final de Execução do PO sido validado e submetido à Comissão Europeia em 30/03/2017, a AG concluiu o processo de anulação da despesa, através da deliberação da Comissão Diretiva, pela Consulta Escrita n.° 544, de 13/04/2017.
Nestas circunstâncias, deixando de existir o financiamento comunitário subjacente à despesa executa aprovada, nada mais resta à AG do que abater a despesa correspondente no projeto, ficando o beneficiário notificado da anulação da despesa total elegível no montante 1.096.312,69€ e do FEDER correspondente no montante de 931.865,78€. Para efeitos de constituição de dívida estes montantes deverão ser deduzidos da correção financeira de 5%, efetuada ao abrigo do documento COCOF 07/0037/03-PT, de 29/11/2007, no decurso da análise dos pedidos de pagamento”
(cfr. docs. de fls. 73 a 77 do suporte físico do processo).
16) Através da informação maiscentro 94/17, aprovada por deliberação da Comissão Diretiva da Mais Centro de 22/06/2017, procedeu-se ao apuramento do montante final da correção a efetuar, por diferença entre a situação inicial onde foi aplicada uma correção financeira de 5% e a situação de correção financeira de 25%, tendo-se verificado a necessidade de efetuar uma correção adicional de € 923.210,69 e a recuperação de € 784.729,08 de FEDER, através da revisão dos pedidos de pagamento nºs. 2, 3 e 5, nos valores de € 413.167,99, € 229.368,45 e € 280.674,25, respetivamente (cfr. doc. de fls. 84 e 85 do suporte físico do processo).
17) Pelo ofício maiscentro 391/17, de 06/07/2017, foi o Requerente notificado da informação e deliberação que antecedem e, bem assim, para se pronunciar em sede de audiência prévia (cfr. doc. de fls. 82 do suporte físico do processo).
18) Através de exposição apresentada em 24/07/2017, o Requerente exerceu o direito de audiência prévia relativamente ao apuramento do montante final da correção financeira a efetuar às despesas elegíveis no âmbito do projeto em causa, pugnando pela revogação da decisão de aplicação da referida correção financeira (cfr. ficheiro intitulado “2 — Pronúncia beneficiário.pdf” constante da pasta “9 — Correções financeiras na sequência da auditoria” do processo administrativo).
19) Em 08/02/2018 foi elaborado o parecer n.° DAJ 43/18, que concluiu no sentido de que “a decisão da Autoridade de Gestão de proceder à aplicação adicional da correção financeira de 20% não está ferida de qualquer invalidade jurídica que consubstancie um vício de violação da lei” e, nessa medida, considerou que “o apuramento do referido montante final é um ato que não padece de nenhum vício de invalidade derivada”, mais propondo que “a Autoridade de Gestão deve manter, por ser válida e legal, a sua decisão de aplicar a correção financeira adicional de 20% e, em conformidade com o apuramento do valor final de 784.729,08€ por si realizado, a ADC, enquanto Autoridade de Pagamento FEDER e Fundo de Coesão, proceder à sua recuperação junto do Beneficiário” (cfr. ficheiro intitulado “3- CE_1170_DAJ_2018-02-09 — parecer jurídico.pdf’ constante da pasta “9 — Correções financeiras na sequência da auditoria” do processo administrativo).
20) Por deliberação da Comissão Diretiva da Mais Centro de 28/03/2018, exarada sob a informação n.° 7/18, foi aprovada em definitivo a correção do investimento elegível da operação no montante de € 923.210,69, através da revisão dos pedidos de pagamento n.ºs 2, 3 e 5, no valor de € 413.167,99, € 229.368,45 e € 280.674,25, respetivamente, e a recuperação do FEDER correspondente no valor de € 784.729,08 (cfr. ficheiro intitulado “4 - Decisão_definitiva_correção_auditoria_IGF.pdf” constante da pasta “9 — Correções financeiras na sequência da auditoria” do processo administrativo).
21) Pelo ofício maiscentro 21/18, de 03/04/2018, foi o Requerente notificado da deliberação que antecede, de 28/03/2018 (cfr. ficheiro intitulado “5 - ofício_maiscentro_21-18_assinado.pdf” constante da pasta “9 - Correções financeiras na sequência da auditoria” do processo administrativo).
22) Pelo ofício maiscentro 22/18, de 03/04/2018, foi o Requerente notificado para exercer o direito de audiência prévia sobre a decisão de correção do investimento elegível da operação, conforme deliberação da Comissão Diretiva da Mais Centro de 28/03/2018 (cfr. ficheiro intitulado “6 - ofício_maiscentro_22- 18_assinado.pdf” constante da pasta “9 - Correções financeiras na sequência da auditoria” do processo administrativo).
23) Através de exposição apresentada em 23/04/2018, o Requerente exerceu novamente o direito de audiência prévia, reiterando a invalidade da decisão de aplicação de uma correção financeira no âmbito do projeto de empreitada e peticionando, em consequência, a sua revogação (cfr. doc. de fls. 48 a 51 do suporte físico do processo).
24) Foi elaborada a informação maiscentro 17/18, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“8 — Analisada a pronúncia do beneficiário, referimos o seguinte:
Este documento nada acrescenta ao conteúdo da pronúncia já efetuada pelo beneficiário, a 24/07/2017, na sequência da audiência prévia sobre a correção dos pedidos de pagamento n.ºs 2, 3 e 5. Em relação a esta pronúncia a AG solicitou parecer jurídico à Direção de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local, cuja cópia foi enviada ao beneficiário a 03/04/2018, aquando da notificação sobre a decisão final (.
Este parecer responde, de forma clara, às questões suscitadas pelo Beneficiário na sua pronúncia de 23/04/2018, e descreve e fundamenta os procedimentos tomados pela AG, relativamente à correção financeira a aplicar à presente operação. Como tal, salientamos os aspetos mais importantes:
a) No âmbito das funções atribuídas à IGF e à Estrutura de Auditoria Segregada da ADC foi realizada por esta, ao abrigo dos artigos 20.° a 22.° do Decreto-Lei n° 312/2007, de 17 de setembro, e do artigo 62.° do Regulamento (CE)n.’ 1083/2006, do Conselho, de 11 de julho, a auditoria n.’ 2015/2/SC1/CENTRO à operação ‘Execução da Nova Escola Básica EB 2, 3 Dr. R…, na sequência da qual foi proposta uma correção financeira de 25% do montante certificado.
b) Esta percentagem de 25% foi reduzida para 20%, dado já ter sido aplicada pela AG a correção de 5% e pelo facto das correções financeiras não terem caráter cumulativo.
c) A Autoridade de Gestão, por deliberação da Comissão Diretiva, de 29/07/2016, considerou, sustentada nas conclusões do parecer jurídico DAJ 129/16, de 12/07/2016, que não estavam reunidas, por falta de fundamento legal, as condições para aplicação da correção financeira de 20% (mais os 5% já aplicados) recomendada pela IGF e respetivo abatimento na despesa validada e certificada da operação.
d) A IGF, contudo, não acolheu e considerou ‘não existir fundamentação atendível para a redução tão significativa da taxa de correção, tal como advoga a Autoridade de Gestão'.
e) Em consequência da decisão final da IGF, a ADC, no âmbito das suas competências de Autoridade de Certificação, retirou da certificação final de despesas do PO Centro o montante correspondente aos 20%, o que levou a AG, através da deliberação da Comissão Diretiva, de 13/04/2017, a concluir o processo de anulação da despesa e a proceder, sob proposta constante da deliberação desse órgão, de 22/06/2017, ao apuramento, por diferença entre a aplicação inicial da correção financeira de 5% e a posterior aplicação da correção de 25%, do valor final a recuperar de 784.729,08€.
f) De facto, perante os atos praticados formal e legalmente pelas Autoridades de Auditoria e de Certificação, nada mais restava à Autoridade de Gestão se não cumprir a recomendação da IGF, decidindo pela correção financeira da despesa e devolução do respetivo montante.
g) De notar que, nos termos do Regulamento (CE) n. 1083/2006, de 11 de julho, cumpre às Autoridades de Gestão acolher as conclusões e recomendações constantes do relatório final de auditoria da IGF.
h) É de salientar que a posição da Autoridade de Gestão não se altera até ao momento em que a ADC retira a despesa da declaração final de despesa, sendo só após essa decisão, fundamentada nas recomendações da IGF, que é anulada a despesa do projeto, através da deliberação da Comissão Diretiva, de 13/04/2017.
9 - Face ao exposto, propõe-se que não seja atendida a pretensão do beneficiário e que seja constituída e comunicada à ADC a dívida no valor de 923.210,69€ (413.167,99€ no pedido de pagamento n.° 2, 229.368,45€ no pedido de pagamento n.° 3 e 280.674,25€ no pedido de pagamento n.° 5) e a recuperação da correspondente comparticipação de FEDER, no valor de 784.729,08€”
(cfr. doc. de fls. 44 a 47 do suporte físico do processo).
25) Por deliberação de 10/08/2018 da Comissão Diretiva da Mais Centro, notificada ao Requerente pelo ofício maiscentro 82/18, de 14/08/2018, recebido em 17/08/2018, foi aprovada a proposta constante da informação que antecede (cfr. doc. de fls. 43, frente e verso, do suporte físico do processo).
26) Através de ofícios datados de 18/10/2018, provindos da ADC e recebidos pelo Requerente em 19/10/2018, com o assunto “Notificação de Reposição — Operação CENTRO-09-0697-FEDER-014005”, foi este notificado para, no prazo de 30 dias úteis, proceder à devolução dos montantes de € 238.573,11, € 194.963,18 e € 351.192,79, mais tendo sido informado de que, enquanto não for regularizada a quantia devida, ficam suspensos os pagamentos no montante do valor em dívida e, bem assim, de que, em caso de incumprimento, proceder-se-á à cobrança coerciva dos montantes devidos, através de processo de execução fiscal, mais determinando a existência de dívidas por regularizar a impossibilidade de receber financiamentos no âmbito do “Portugal 2020” (cfr. docs. de fls. 147 a 152 do suporte físico do processo).
27) O Requerente tem em execução as seguintes empreitadas, celebradas com recurso a financiamento comunitário:
Empreitadas
Adjudicado
Faturado
Pago
Divida
Por faturar
Mercado Municipal
914982,97
230 300,43
176 372,03
53928,40
684 682,54
Cine Teatro S…
1 365991,50
198 384,43
140 766,01
57618,42
1 167 607,07
Requalificação dos Espaços Verdes
436 728,76
436 728,76
405 012,95
31715,81
0,00
Ciclovia S…
538 733,69
538 733,69
452 857,57
85 876,12
0,00
Total
3 256 436,92
1404147,31
1 175 008,56
229 138,75
1 852289,61
2 081428,36
(cfr. docs. de fls. 94 a 106 do suporte físico do processo).
28) O orçamento de despesa do Requerente para o ano de 2018 totaliza o valor de € 19.783.642,00, correspondendo 61,82% do orçamento a despesa corrente e 38,18% a despesa de capital (cfr. docs. de fls. 91 a 93 do suporte físico do processo).
29) As seguintes cinco rubricas abrangem 97,45% do orçamento do Requerente:
Descrição
Valor
%
1
Despesas com Pessoal
5 527 976,00
27.94%
2
Aquisição de Bens e Serviços
5 829 705,00
29,47%
3
Juros e Passivos Financeiros •
1 575 060.00
7,96%
4
Transferências Correntes
403 854.00
2,04%
5
Aquisições de Bens de Capital
5 942 076,00
30,04%
Total
19 278 671,00
97,45%
(cfr. docs. de fls. 91 a 93 do suporte físico do processo).
30) O requerimento inicial do presente processo cautelar deu entrada em juízo no dia 18/10/2018 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).
*
III.2 - DO DIREITO
Cumpre decidir, sendo que a questão que se mostra controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se a sentença recorrida, ao validar dois dos argumentos subjacentes à decisão de aplicação de correção financeira adicional de 20%, como sejam, a (i) “inexistência de justificação atendível quanto à alteração do critério de adjudicação do primeiro para o segundo procedimento” e (ii) a “desadequação de um dos fatores de avaliação de propostas cuja natureza e caráter subjetivo possibilita o favorecimento efetivo do concorrente que já se encontrava em obra”, e, consequentemente, julgar inverificado o requisito de fumus boni iuris, determinante da improcedência da presente providência cautelar, incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação de direito.
Vejamos.
O Recorrente pediu ao tribunal a quo a suspensão da deliberação da Comissão Diretiva da Mais Centro, datada de 10.08.2018, que procedeu a uma correção financeira adicional de 25% do montante de despesa certificado, entretanto, reduzida para 20%, dado já ter sido aplicada uma correção de 5%, determinando a constituição de dívida no valor de 923.210,69€ [413.167,99€ no pedido de pagamento n.° 2, 229.368,45 € no pedido de pagamento n.° 3 e 280.674,25€ no pedido de pagamento n.° 5] e a recuperação da correspondente comparticipação de FEDER, no valor de 784.729,08€.
Todavia, o T.A.F. de Coimbra julgou esta providência cautelar improcedente, por falta de verificação do requisito do fumus boni iuris.
Fê-lo, quanto ao objeto do recurso, que, como se sabemos, se circunscreve à decisão de correção financeira de 20%, com a seguinte fundamentação jurídica:
“(…)
Em segundo lugar, no contexto dos fundamentos que levaram à aplicação de uma correção financeira de 20%, relativamente à alegada inexistência de justificação atendível quanto à alteração do critério de adjudicação do primeiro para o segundo procedimento, os argumentos avançados pelo Requerente também não deverão ter êxito na ação principal.
Resulta dos factos provados que, enquanto no primeiro procedimento de contratação pública da empreitada de “Construção da Nova Escola Básica do 2.° e 3.° Ciclos Dr. R...” foi estipulado, nas peças do procedimento, o critério de adjudicação do mais baixo preço (na sequência do que a empreitada foi adjudicada à empresa AC, S.A., pelo valor de € 4.778.551,97), já no segundo concurso foi definido como critério de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa, mediante a ponderação dos fatores Preço (40%) e Valia Técnica da Proposta (60%) (na sequência do que a empreitada foi novamente adjudicada à empresa AC, S.A., pelo valor de € 4.699.581,78, por ter sido a concorrente que apresentou a proposta considerada economicamente mais vantajosa em virtude da obtenção de pontuação máxima no fator Valia Técnica da Proposta) (cfr. pontos 4, 5, 9 e 12 dos factos provados).
Ora, consta do relatório da auditoria levada a cabo pela IGF à operação em apreço que uma das irregularidades detetadas se prendeu com a “inexistência de justificação atendível quanto à alteração do critério de adjudicação do primeiro para o segundo procedimento, tendo em conta a manutenção do objeto contratual, implicando essa alteração a introdução de um fator decisivo — uma vez que lhe foi atribuído a ponderação de 60% - cujo alto nível de subjetividade prejudica a transparência e imparcialidade da decisão adjudicatória” [destaque nosso] (cfr. ponto 14 dos factos provados).
E, com efeito, tendo o contrato de empreitada celebrado na sequência do primeiro concurso sido resolvido com fundamento na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, nos termos do art.° 335.°, n.° 1, do CCP, decorrente da inelegibilidade de toda a despesa do contrato em virtude do incumprimento das regras de publicitação internacional do concurso no JOUE (e não devido a quaisquer ilegalidades detetadas na fixação do critério de adjudicação e na consequente avaliação das propostas) e mantendo-se, no segundo concurso, o mesmo objeto contratual, sem modificações de relevo (nada é indicado em sentido contrário), temos que a alteração, substancial e significativa, do critério de adjudicação do primeiro para o segundo procedimento, com a introdução de um novo fator ao qual foi atribuído a ponderação de 60%, prejudica, na falta de elementos que permitam justificar essa opção, a transparência e imparcialidade da decisão adjudicatória.
E o Requerente não logra, de facto, apresentar argumentos bastantes que justifiquem essa alteração do critério de adjudicação e dissipem as dúvidas suscitadas em termos de falta de transparência e de imparcialidade no segundo procedimento concursal.
Por um lado, não se trata de considerar exclusivamente fundamentos e razões relacionados com procedimentos anteriores que não originaram quaisquer despesas financiadas. Pelo contrário, a observância e o cumprimento das regras e princípios de contratação pública no segundo procedimento (e só neste), que levou à celebração do contrato cujas despesas foram financiadas, exige a consideração do particular contexto e, por isso, dos antecedentes, em que tal procedimento foi lançado e conduzido, o que, naturalmente, implica uma análise da legalidade do segundo concurso que não pode ser separada de uma análise das circunstâncias do primeiro concurso.
Por outro lado, não se põe em causa que a escolha do critério de adjudicação se enquadra no âmbito dos poderes discricionários da entidade adjudicante, mas isso não significa que é um poder que fica isento de qualquer justificação quando essa escolha suscita, como vimos, dúvidas em matéria de transparência e imparcialidade. Ou seja, não se põe em causa que a entidade adjudicante tenha considerado que o critério da proposta economicamente mais vantajosa foi aquele que esta considerou mais adequado ao concurso que lançou. No entanto, em virtude dos particulares antecedentes do lançamento deste concurso (igual ao anterior procedimento em que foi fixado o critério do mais baixo preço), impunha-se uma exigência de justificação, mínima e acrescida, de qual a razão por que se considerou necessário introduzir um novo critério de adjudicação, com um fator de ponderação decisivo que nada tem a ver com o preço, mas com a valia técnica da proposta.
E, a este respeito, a mera alegação de que a manutenção no segundo procedimento do mesmo critério adotado no primeiro poderia conferir uma vantagem ilegítima aos novos concorrentes, uma vez que estariam em condições de conhecer de antemão os preços propostos pelos concorrentes do primeiro concurso, não se nos afigura suficiente para justificar o novo critério de adjudicação, uma vez que, ainda assim, fica por explicar o porquê da opção pela previsão de um fator de ponderação, decisivo e com mais peso do fator preço (60%), relacionado com a valia técnica da proposta, baseada unicamente na memória descritiva do projeto, conjugado com o facto de o próprio preço base do procedimento ter sido reduzido do primeiro para o segundo procedimento.
Em terceiro lugar, relativamente à alegada desadequação de um dos fatores de avaliação de propostas cuja natureza e caráter subjetivo possibilita o favorecimento do concorrente que já se encontrava em obra [destaque nosso], também a alegação do Requerente, a este propósito, se nos afigura de improceder no processo principal.
Consta efetivamente do relatório de auditoria da IGF que uma das irregularidades detetadas no concurso se prendeu com a “desadequação da introdução de um fator de avaliação da valia técnica das propostas, decisivo para a classificação das mesmas, assente exclusivamente no conteúdo da memória justificativa apresentada pelos concorrentes. Esta circunstância, sendo subjetiva, é suscetível de ter favorecido o concorrente que se encontrava a executar a obra, uma vez que conhecia com maior pormenor e precisão as condições e exigências da mesma” (cfr. ponto 14 dos factos provados).
E, de facto, atentos os contornos do caso em apreço, assim será.
Tendo em conta que, no fator relativo à valia técnica da proposta, foi considerado exclusivamente o conteúdo da memória descritiva, justificativa do modo de execução da obra apresentada pelos concorrentes, e que a empresa adjudicatária prosseguiu, até à data de resolução do contrato, a execução dos trabalhos de empreitada durante cerca de cinco meses, conjugado com o facto de o júri do segundo concurso ter voltado a classificar a proposta da empresa AC, S.A. em primeiro lugar, como a proposta mais vantajosa, por ter obtido a pontuação máxima no fator valia técnica, não obstante esta apresentar o preço mais alto das sete propostas admitidas, todas estas circunstâncias apontam claramente, a nosso ver, para o favorecimento da escolha do concorrente que se encontrava a executar a obra na sequência do primeiro procedimento, uma vez que, naturalmente, já conhecia com maior pormenor as condições e exigências da mesma.
E tal conclusão não significa, ao invés do alegado pelo Requerente, que a IGF tenha assumido que, por definição, todos os critérios qualitativos permitem beneficiar uns concorrentes em detrimento de outros. Pelo contrário, a conclusão da IGF baseia-se nos contornos do caso concreto e nas particulares circunstâncias em que o segundo concurso foi lançado e tramitado pelo Requerente.
Não está em causa, como refere o Requerente, a possibilidade de, em abstrato e desconsiderando qualquer circunstancialismo do caso concreto, a entidade adjudicante adotar um fator de avaliação de cariz qualitativo, a partir da análise de uma memória descritiva que permita perceber como é que a obra vai ser realizada e quais os meios, técnicas, recursos, equipamentos e materiais que vão ser utilizados. Não é controvertido que, com efeito, o CCP não proíbe que os modelos de avaliação das propostas sejam construídos mediante a adoção de critérios qualitativos.
O que está em causa é a adoção de um fator relativo à valia técnica da proposta no especial contexto da situação concreta, atendendo às circunstâncias acima evidenciadas que apontam para a desadequação desse fator, por favorecer o concorrente que já se encontrava em obra na sequência da adjudicação do primeiro concurso.
Juízo de desadequação esse que o Requerente, ante o exposto, não logra afastar.
Em quarto lugar, relativamente à alegada falta de enquadramento legal da rescisão contratual efetuada na sequência do primeiro concurso [destaque nosso], afigura-se-nos que o Requerente tem razão quando defende a ilegalidade deste fundamento.
Isto porque, em suma, ao contrário do sustentado pelas autoridades competentes, o elemento determinante da rescisão contratual não foi, em rigor, o facto de o primeiro concurso (e o contrato celebrado) ter assentado num erro de procedimento, exclusivamente imputável à entidade adjudicante (a falta de publicação obrigatória no JOUE).
Esse elemento determinante foi, antes, a inelegibilidade da despesa com o contrato, em consequência da irregularidade associada à falta de publicação do concurso no JOUE, conforme comunicação da Mais Centro constante do ofício n.° 1484/12, de 20/08/2012. E, quanto a nós, tal inelegibilidade da despesa, significando que a despesa a assumir pelo Requerente no contrato de empreitada deixaria de ser financiada pelos fundos comunitários a que este se candidatara, de acordo com o inicialmente previsto, consubstancia uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, nos termos do art.° 335.°, n.° 1, do CCP, pelo que a alegada falta de enquadramento legal da rescisão contratual, invocada conjuntamente com os demais fundamentos para justificar a aplicação da correção financeira, não tem sentido (cfr. pontos 7 e 8 dos factos provados).
Em quinto lugar, relativamente, à alegada não publicação do anúncio do segundo procedimento no JOUE [destaque nosso], diga-se, desde logo, que não se nos afigura que este tenha sido um fundamento considerado pela IGF e pela Mais Centro para justificar a aplicação da correção financeira em causa. Do teor do relatório da IGF resulta apenas, a este respeito, que foram “ponderadas as alegações apresentadas pela estrutura de auditoria segregada em sede de contraditório, em especial a que sustenta um grau mínimo de publicidade, ao abrigo do estabelecido na irregularidade n.° 1 do ponto 2.1 do Anexo à Decisão da Comissão Europeia C(2013) 9527, de 19 de dezembro (doravante Decisão) (...)’” (cfr. ponto 14 dos factos provados). Ou seja, parece daqui resultar que foi, pelo contrário, atendida a alegação de “um grau mínimo de publicidade” do segundo procedimento, de modo a afastar a verificação da referida irregularidade n.° 1 do ponto 2.1 da Anexo à Decisão da Comissão Europeia em causa.
Ainda assim, e como o teor do relatório da IGF, neste ponto, não resulta muito claro, reconhecemos que, pressupondo que a não publicação do anúncio do segundo procedimento no JOUE foi efetivamente considerada como um dos fundamentos da aplicação da correção financeira, tem razão o Requerente quando defende que a publicação do segundo concurso não tinha de ser feita no JOUE, ao abrigo do art.° 19.°, alínea b), do CCP (na redação então em vigor), porquanto o preço base do procedimento, no valor inicial de € 4.400.000,00, era inferior ao valor fixado na alínea c) do art.° 7.° da Diretiva n.° 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31/03 (cfr. ponto 10 dos factos provados).
No entanto, mesmo reconhecendo a razão do Requerente ao insurgir-se contra estes dois últimos fundamentos, o certo é que subsistem os demais motivos subjacentes à decisão suspendenda e que justificam a aplicação da correção financeira, motivos esses que o Requerente, porém, como vimos, não logra afastar, o que sempre determinaria a manutenção da decisão suspendenda na ordem jurídica e a improcedência do pedido dirigido à sua anulação, deduzido ou a deduzir na ação principal.
Por fim, quanto à alegação de que, sendo o relatório da IGF a base de fundamentação da decisão da Mais Centro, deveria o Requerente ter tido a possibilidade de contraditar o teor do referido relatório, não pode a mesma proceder, a nosso ver, em sede de ação principal, bastando referir que o direito de audiência prévia foi claramente observado no procedimento que conduziu à aplicação da correção financeira, atendendo aos diversos ofícios que para esse efeito foram enviados ao Requerente e às diversas exposições por este apresentadas, precisamente, no exercício desse direito (cfr. pontos 17, 18, 22 e 23 dos factos provados).
Ante todo o exposto, e nada mais tendo sido alegado pelo Requerente a respeito das ilegalidades da decisão suspendenda para além das analisadas supra, impõe-se concluir que não se verifica, no caso concreto, o requisito do fumus boni iuris, essencial ao decretamento da providência requerida. Perante a possibilidade séria de improcedência de algumas das ilegalidades invocadas, improcedência essa que inviabiliza a anulação judicial da decisão ora suspendenda, não se nos afigura provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal, com base nas mesmas, venha a ser julgada procedente.
(…)”.
Desta fundamentação jurídica, na parte em que se acolhe dois dos argumentos subjacentes à decisão de aplicação de correção financeira adicional de 20%, como sejam, a (i) inexistência de justificação atendível quanto à alteração do critério de adjudicação do primeiro para o segundo procedimento e (ii) desadequação de um dos fatores de avaliação de propostas cuja natureza e caráter subjetivo possibilita o favorecimento efetivo do concorrente que já se encontrava em obra, discorda o Recorrente que lhe imputa erro de julgamento de direito.
Isto porque entende, no mais substancial, quanto ao primeiro fundamento validado, que, estamos perante dois procedimentos autónomos; que nos presentes autos não se discute a validade do procedimento concursal per si, mas sim o apuramento de irregularidades que possam justificar a aplicação de uma correção financeira; que a entidade adjudicante está habilitada a alterar o critério de adjudicação; que o contrato de empreitada foi submetido à fiscalização prévia do Tribunal de Contas, tendo recebido o visto prévio, e, no tocante ao segundo fundamento, que a adoção do fator de avaliação Valia Técnica da proposta, de natureza e caráter subjetivo, não consubstancia qualquer favorecimento do concorrente que já se encontrava em obra.
E, efectivamente, discorda bem, ainda não com acerto integral, como veremos de seguida.
Antes de mais, sublinhe-se que, tendo o Recorrente, na sequência da formulação de candidatura apresentada ao Regulamento Específico Requalificação da Rede Escolar de 1º Ciclo do Ensino Básico e da Educação Pré-Escolar, no âmbito do Programa Operacional Regional do Centro 2007-2013 QREN, celebrado um contrato de incentivos financeiros com vista à “Construção da Nova Escola Básica do 2° e 3° Ciclos Dr. R...”, logo fica sujeito à disciplina sancionatória da Decisão da Comissão Europeia C (2013) 9527, de 19 de dezembro, que estabelece as orientações para a determinação das correções financeiras a introduzir nas despesas financiadas pela União em regime de gestão partilhada, para os períodos de programação de 2007-2013 e 2014-2020, em caso de incumprimento das regras relativas aos contratos públicos.
O que serve para concluir que a eventual invalidade dos procedimentos concursais despoletados pelo Recorrente releva verdadeiramente na aplicação de correções financeiras a introduzir nas despesas cofinanciadas pela União Europeia com vista à “Construção da Nova Escola Básica do 2° e 3° Ciclos Dr. R...”.
Mais se sublinhe que, tendo o primeiro contrato de empreitada sido resolvido com fundamento na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, impunha-se ao Recorrente a abertura de novo procedimento concursal com a manutenção do objeto contratual, sob pena (i) de rescisão do contrato de incentivos financeiros, com a consequente devolução do apoio financeiro recebido, para além do (ii) pagamento de indemnização ao adjudicatário nos termos do artigo 334º do C.C.P.
Assim, é de destacar que os procedimentos concursais abertos pelo Recorrente encontram-se umbilicalmente ligados pela necessidade de cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de incentivos financeiros e do disposto no artigo 334º do C.C.P.
Pese embora o que se vem de expor, não podemos deixar de assinalar que a alteração do critério de adjudicação operada no segundo procedimento concursal não configura qualquer irregularidade procedimental em matéria de contratação pública justificativa da aplicação da decisão de correção financeira suspendenda.
Na verdade, a resolução do contrato de empreitada ao abrigo do artigo 335º do CCP não faz “caso julgado” em matéria dos pressupostos que presidiram à abertura do procedimento concursal extinto, inexistindo, por isso, qualquer impedimento à lógica inovatória no domínio do critério de adjudicação “eleito” pelo Recorrente para o novo concurso.
De igual modo, o contrato de incentivos financeiros nada obsta à escolha do melhor procedimento e pressupostos por parte da Administração com vista à obtenção dos objetivos que presidiram à concessão dos incentivos financeiros.
Acresce que a Administração goza de discricionariedade na escolha dos critérios de adjudicação, não carecendo de fundamentar essa escolha, pois a mesma não é traduzível em sede de ato administrativo, mas antes no domínio normativo ou regulamentar.
Adicionalmente, saliente-se que não se antolha que a alteração do critério de adjudicação operada no segundo procedimento concursal visado nos autos configure uma qualquer ofensa grosseira dos princípios que regem a contratação pública, ademais e especialmente, dos princípios da transparência e da publicidade.
Isto porque a preocupação em assegurar os princípios da transparência e da publicidade como antecipação da proteção do princípio da imparcialidade no domínio da contratação pública é atingível (i) com a definição do critério de adjudicação e das condições essenciais do contrato que se pretende celebrar previamente à abertura do procedimento acompanhada da sua publicitação a todos os interessados a partir da data daquela abertura, (ii) com adequada publicidade da intenção de contratar por parte da entidades públicas, e (iii) com publicitação da fundamentação [lógica e coerente] da escolha das propostas.
Estas são, fundamentalmente, as circunstâncias cuja violação são passíveis de gerar risco ou perigo de violação dos princípios de transparência e publicidade.
Debruçando-nos sobre o caso versado, resulta cristalino que as apontadas circunstâncias preventivas da violação dos apontados princípios, com relevo na proteção do núcleo da imparcialidade, são perfeitamente verificáveis no segundo procedimento concursal, pelo que não há suporte legal para considerar os mesmos como violados.
Por outra banda, e já no domínio do segundo dos fundamentos, não se pode acolher a sustentada desadequação da introdução de um fator de avaliação da valia técnica das propostas assente exclusivamente no conteúdo da memória justificativa dos concorrentes.
Isto porque, desde logo, o C.C.P. não proíbe que os modelos de avaliação de propostas sejam construídos mediante a adoção de critérios qualitativos.
Poder-se-á objetar que a escolha deste subcritério, nos termos em que o foi, é suscetível de ter favorecido o concorrente que se encontrava a executar a obra adjudicada pelo primeiro concurso há já cinco meses.
Contudo, e com reporte ao princípio da imparcialidade, a factualidade consignada no probatório não permite fundar a conclusão de favorecimento do concorrente adjudicatário.
Na verdade, não resultam provados factos imprescindíveis para que o Tribunal formule tal juízo, designadamente:
(i) o conhecimento prévio por parte do Dono de Obra, aqui Recorrente, que o concorrente a quem foi adjudicado o primeiro procedimento concursal iria igualmente apresentar-se ao procedimento concursal sequentemente aberto e do conteúdo da proposta deste, tida na sua globalidade, a apresentar neste concurso, o que permitiria concluir que o Recorrente “desenhou” um novo critério de adjudicação em função das necessidades do concorrente adjudicatário.
(ii) O conhecimento prévio por parte do concorrente adjudicatário do teor do novo critério de adjudicação, o permitiria adquirir a convicção que este ajustou o preço e memória justificativa da proposta por si apresentada em função da nova realidade adjudicatória.
(iii) Que a “mais valia” da memória justificativa apresentada pelo dito concorrente no segundo procedimento concursal advinha exclusivamente do facto deste ter executado a obra inicial pelo período de cinco meses, o que serviria o propósito de arrimar a convicção que este foi, efectivamente, favorecido em relação aos demais concorrentes.
Porém, nada disto se demonstrou.
Sendo assim, é nosso entendimento que inexiste qualquer lastro, mormente factual, que permita sustentar o alegado favorecimento do concorrente adjudicatário com base na escolha do novo critério adjudicação, aferido na perspetiva da sub regra Valia Técnica.
Ante o exposto, ou seja, perante o sucesso do Recorrente na demonstração do imputado erro de julgamento de direito da sentença recorrida no domínio em análise, impõe-se concluir que se verifica, in casu, o requisito do fumus boni iuris.
Tendo nós concluído que procede o denominado fumus boni iuris, temos agora, nos termos do artigo 149º n.º 3 do CPTA, conhecer do requisito referente ao periculum in mora, não conhecido na decisão recorrida.
Mostra-se útil começar por deixar um breve enquadramento teórico necessário para a apreciação deste requisito.
O periculum in mora consiste no “fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja, pelo menos, porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis” – Mário Aroso de Almeida; Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2017, pag. 970.
Para aferir da verificação ou não deste requisito, o juiz “deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razão para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio há de corresponder a uma prova, por regra a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar, compreensível ou justificada, a cautela que é solicitada”. – José Carlos Vieira de Andrade, ob. Cit., pag. 293.
No mesmo sentido, extrai-se do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30/11/2017, processo n.º 0857/17, o seguinte:
“As providências cautelares visam impedir, (…) que durante a pendência de qualquer ação principal a situação de facto se altere de modo a que a decisão que nela venha a ser proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela [obviar a que a decisão judicial não se torne numa decisão «puramente platónica»].
Nessa medida, o requisito encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil mercê da constituição de uma situação de facto consumado, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de prejuízos ou danos dificilmente reparáveis.
Nesta sede, em que se trata de aferir, nomeadamente, da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação” o critério a atender deixou, pois, de ser aquele que jurisprudencialmente era aceite em matéria de análise do requisito positivo da al. a), do n.º 1 do art. 76.º da LPTA, ou seja, o da suscetibilidade ou insuscetibilidade da avaliação pecuniária dos danos, para passar a ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo de 09.06.2005 - Proc. n.º 0412/05, de 10.11.2005 - Proc. n.º 0862/05, de 01.02.2007 - Proc. n.º 027/07, de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 12.02.2012 - Proc. n.º 0857/11, de 05.02.2015 - Proc. n.º 1122/14].
Visando a providência cautelar de suspensão de eficácia dum ato administrativo a proteção da situação ou posição jurídica do requerente cautelar afetado pela execução e eficácia imediata do aludido ato impõe-se, então, que no juízo a firmar sobre a pretensão cautelar sejam considerados os prejuízos advenientes para a esfera jurídica do requerente, tudo sem prejuízo da valoração também de prejuízos imediatos causados a terceiros ou mesmo a interesses gerais, da coletividade, na medida em que possam contribuir para reforçar positivamente os prejuízos que foram invocados pelo requerente cautelar.
Ressuma do exposto e no que releva em sede desta providência cautelar que os “prejuízos de difícil reparação” serão os que advirão da não decretação da pretensão cautelar de suspensão de eficácia do ato em crise e que, pela sua irreversibilidade, torna extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, gerando danos que, pese embora suscetíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela contudo insuficiente para repor ou reintegrar a esfera jurídica da Requerente, devolvendo-lhe a situação em que a mesma se encontraria não fora a execução havida e materialização daquele ato.
À semelhança da petição inicial numa ação administrativa o requerente de uma providência cautelar deve expor as razões de facto e de direito que fundamenta a sua pretensão, derivando do disposto no art.º 114.º, n.º 3, al. g) do CPTA que no “… requerimento, deve o requerente: ... Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência …”.
Impõe-se, por conseguinte, ao requerente da providência o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida [art. 342.º do CC], não podendo o tribunal substituir-se ao mesmo.
O requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objetivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que, da conjugação dos arts. 112.º, n.º 2, al. a), 114.º, n.º 3, als. f) e g), 118.º e 120.º todos do CPTA, não se mostra consagrada uma presunção iuris tantum da existência dos aludidos requisitos como simples decorrência da execução dum ato, pelo que o requerente não está desonerado de alegar e fazer a prova, a demonstração dos factos integradores dos requisitos em questão, articulando, para o efeito, de modo especificado e concreto tais factos, já que não é idónea uma alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas.
Com efeito, o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, nomeadamente, o relativo ao periculum in mora, cabe ao requerente [cfr. arts. 342.º do CC, 114.º, n.º 3, al. g), 118.º e 120.º do CPTA, 365.º, n.º 1, do CPC/2013] [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo Tribunal de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 19.11.2008 - Proc. n.º 0717/08, de 22.01.2009 - Proc. n.º 06/09, de 11.02.2010 - Proc. n.º 0961/09, de 06.12.2012 - Proc. n.º 0812/12, de 30.10.2014 - Proc. n.º 0681/14, de 05.02.2015 - Proc. n.º 01122/14 in: «www.dgsi.pt/jsta»], bem como o ónus do oferecimento de prova sumária de tais requisitos.”
A partir daqui, e retomando o enquadramento feito, analisemos detalhadamente as alegações do Recorrente no requerimento inicial, conjugadas com a prova carreada para os autos.
Assim, temos que a Recorrente alega que a execução imediata da decisão suspendenda lhe poderá trazer resultados irreversíveis e insuscetíveis de reparação, ainda que a ação principal venha a ser julgada procedente, uma vez que, sendo a recuperação do valor do financiamento, alegadamente indevido, feita através de compensação de créditos que o Requerente detém no âmbito de outras operações de financiamento comunitário, a consequência direta dessa compensação é que as referidas operações ficam desprovidas dos recursos financeiros necessários à sua execução, sendo os respetivos contratos cessados.
Aduz ainda o pagamento imediato da alegada dívida também teria como efeito comprometer o pagamento de encargos essenciais para o seu funcionamento, uma vez que o Requerente vive num contexto de grande restrição orçamental, não tendo acesso a outras fontes de financiamento que lhe permitam dar resposta imediata a um encargo com esta onerosidade.
Convocando os factos vertidos nos pontos 27) a 29) do probatório, constata-se que o Recorrente tem em execução cinco empreitadas com valores por pagar no montante de EUR 2,041,428,36.
Verifica-se que ainda o orçamento das despesas do Recorrente para o ano de 2018 totaliza EUR 19,278,671,00, que atingem 97% do valor do orçamento do Município definido em EUR 19,783,642,00.
Sendo este os contornos fácticos imutáveis do caso a decidir, dos quais este Tribunal Superior não se pode desviar, é nosso entendimento que a situação financeira do Recorrente não teria capacidade para suportar o impacto decorrente da devolução dos montantes de EUR 238.573,11, EUR 194.963,18 e EUR 351.192,79 [cfr. ponto 26 do probatório], no total de € 784,729,08, exigidas pelo Recorrido.
Na verdade, visto o valor das despesas para o ano de 2018, que totaliza EUR 19,783,642,00, e confrontando-o com o valor do orçamento global do Recorrente, logo se constata que o saldo positivo do Orçamento para o ano de 2018 é apenas EUR de 504,971,00.
Neste quadro de referência, grassa à evidência que a devolução da quantia EUR 784,729,08, por exceder o valor sobrante do orçamento do Recorrente, irá (i) contender com o pagamento dos encargos já assumidos pelo Recorrente para o ano de 2018, designadamente no âmbito das cinco empreitadas em execução, bem como (ii) inviabilizar o mesmo, que, recorde-se, é uma autarquia, de dar eventual resposta financeira a necessidades imprevisíveis de funcionamento, a par de o impossibilitar de satisfazer eventuais carências imponderáveis dos seus munícipes, tudo por falta de recursos de tesouraria para fazer face aos mesmos.
Emerge, pois, à evidência que o Recorrente seria gravemente afetado, sofrendo um gravoso desequilíbrio financeiro, caso se visse forçado a proceder à devolução da quantia cuja reposição lhe é exigida pelo ato suspendendo, com consequências não superáveis no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.
Donde, conclui o Tribunal que o não decretamento da providência de suspensão de eficácia do ato administrativo em causa conduzirá, com elevada probabilidade, à constituição de uma situação de facto consumado ou à produção de prejuízos de difícil reparação, sendo, por isso, fundado o receio invocado pelo Recorrente.
Assim, nada mais resta ao Tribunal senão do que dar como verificado, in casu, o requisito do periculum in mora [art.º 120º, n.º 1, primeira parte do CPTA].
Aqui chegados, importa agora efetuar uma ponderação criteriosa dos vários interesses públicos e privados em confronto, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 120.º do CPTA.
Como vimos, o Recorrente logrou demonstrar a existência de prejuízos de difícil reparação resultantes do não decretamento da presente providência.
Por sua vez, não se vislumbra que o retardamento da decisão administrativa de devolução do montante determinado a título de correção financeiras até estar definido o seu acerto se traduza numa violação incomportável do interesse público que não possa ceder perante o interesse do Recorrente.
Com efeito, o interesse do Recorrido reduzir-se-á, e bem, a cumprir a lei que lhe compete zelar, e cuja boa aplicação, no presente caso, irá ser aferida no âmbito do processo principal.
Efetivamente, nenhum outro dano, para além da ilegalidade que justificou a aplicação da correção financeira de 20% suspendenda, foi invocado pelo Recorrido.
Como se afirmou no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 21.10.2011, tirado no proc. n.º 00972/11.0BEBRG-A, proferido em situação semelhante à dos autos “o adiamento da eventual restituição das quantias em causa, porquanto no caso de improcedência da ação principal o recorrido, IFAP, as poderá cobrar, certamente causará menos danos a esta entidade pública que a sua imediata exigência à recorrente, que poderá ver perigar a subsistência económica sua e dos seus, devido a um possível desmoronamento da exploração de floricultura de que todos vivem”».
Posição que se mantém na situação trazida a juízo, dando prevalência ao interesse do Recorrente sobre o interesse público, assim determinando a concessão da providência.
Deve, portanto, ser concedido provimento a este recurso, revogada a sentença recorrida, e suspensa na sua eficácia a decisão administrativa a que se referem os autos.
Assim se decidirá.
***
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em conceder provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida e suspender na sua eficácia a decisão administrativa a que se referem os autos.
Custas pelo Recorrido.
Registe e Notifique-se.
Porto, 15 de março de 2019,
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco



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