quarta-feira, 11 de março de 2020

EFEITO SUSPENSIVO. LEVANTAMENTO



Proc. 00900/18.5BEAVR-S1   TCANorte        11.01.2019

É de negar o levantamento do efeito suspensivo automático quando não há razões que justifiquem deferir o incidente.

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

Município de SJM, id. nos autos, inconformado com decisão do TAF de Aveiro, que em processo de contencioso pré-contratual indeferiu pedido de levantamento de efeito suspensivo automático, interpõe recurso jurisdicional.
*
O recorrente tira as seguintes conclusões:
1.ª A decisão recorrida assenta no pressuposto essencial de que o serviço de recolha de resíduos urbanos e limpeza urbana está a ser assegurado no município de SJM por via de um contrato celebrado por ajuste direto e que assim pode continuar a ser até ao trânsito em julgado da ação de contencioso pré-contratual, que determina o fim do efeito suspensivo automático em vigor;
2.ª Sucede que, ao decidir deste modo, o Tribunal “a quo” incorreu em manifestos erros de julgamento, que justificam a revogação do Despacho recorrido;
3.ª Desde logo, ao julgar improcedente o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático deduzido pela Recorrente assumindo que esta pode, ao abrigo do critério material da “urgência imperiosa” previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º do CCP, contratar por ajuste direto a prestação dos serviços objeto do concurso durante todo o período de tempo necessário ao julgamento da ação de contencioso pré-contratual, o Tribunal “a quo” incorre numa errada interpretação daquela disposição legal;
4.ª Na verdade, aquela disposição do CCP não habilita – por tal não ser estritamente necessário à satisfação imediata de necessidades coletivas – que possa contratada por ajuste direto, durante um período de tempo tão alargado (que será no mínimo de dois anos), a prestação de serviços de execução continuada de recolha de resíduos urbanos e limpeza urbana.
5.ª No caso em apreço, não se afigura “estritamente necessário” o recurso ao ajuste direto com essa finalidade porquanto a ordem jurídica confere à Recorrente um instrumento – o levantamento do efeito suspensivo automático decorrente da ação de impugnação – que serve exatamente para acautelar a situação visada, permitindo a execução do contrato celebrado em virtude da ocorrência de circunstâncias que tornam a sua suspensão gravemente prejudicial para o interesse público;
6.ª Mas mesmo que se admitisse que, à luz do CCP, existiria a possibilidade de recorrer ao ajuste direto com fundamento em urgência imperiosa para suprir necessidades coletivas que (como as que estão aqui em causa) se prolongam no tempo por dois ou mais anos, a verdade é que essa (hipotética) possibilidade nunca poderia ser usada como argumento relevante na decisão sobre o levantamento do efeito suspensivo a efetuar nos termos do artigo 103.º-A, n.º 2 do CPTA;
7.ª Com efeito, como vem entendendo, de forma reiterada, a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, a ponderação entre os interesses públicos e privados em presença, que constitui o critério à luz do qual tal decisão deve ser tomada, é uma ponderação que deve ter exclusivamente como referência o quadro da relação contratual estabelecida na sequência do ato de adjudicação impugnado, não sendo juridicamente admissível que tenha em conta a possibilidade de contratação alternativa com o mesmo objeto, como medida de reação ou de emergência que a entidade adjudicante possa (eventualmente) adotar para fazer face, justamente, aos efeitos perniciosos do efeito suspensivo automático;
8.ª Esta decisão – no sentido de que a ponderação a efetuar nos termos do n.º 2 do artigo 103.º-A do CPTA deve ter exclusivamente em conta a situação fática que seria causada pela manutenção do efeito suspensivo do contrato celebrado, independentemente das medidas cautelares ou de urgência que a entidade adjudicante pudesse eventualmente adotar para obviar a essa situação – foi adotada, só para citar alguns exemplos, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26/04/2018 (Proc. n.º 062/18), no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15/09/2017 (Proc. n.º 00320/17.5BEPRT-A) e no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 04/10/2018 (Proc. n.º 722/18.0BELSB-S1);
9.ª Na verdade, esta não só é a única interpretação juridicamente admissível tendo o conta o teor literal do n.º 2 do artigo 103.º-A do CPTA, como é também a única que permite garantir um efeito útil ao incidente de levantamento do efeito suspensivo previsto neste preceito, uma vez que, se a possibilidade abstrata de celebrar um contrato por ajuste direto fosse por si só suficiente para considerar que não há um prejuízo relevante para o interesse público na suspensão do ato impugnado, então o incidente previsto no n.º 2 do artigo 103.º-A do CPTA nunca seria procedente e revelar-se-ia absolutamente inútil, pois seria sempre possível invocar que as necessidades a suprir pelo contrato poderiam ser acauteladas por aquele meio;
10.ª A referida interpretação, ao considerar irrelevante a possibilidade de a entidade adjudicante suprir as necessidades visadas por ajuste direto, é também a única que permite afastar o risco de, mediante sucessivas impugnações judiciais desses ajustes diretos, os concorrentes poderem provocar a paralisação da atividade administrativa;
11.ª A partir do momento em que, como exige a correta interpretação do n.º 2 do artigo 103.º-A do CPTA, a decisão sobre o levantamento do efeito suspensivo apenas pode atender aos efeitos que a paralisação da execução do contrato é suscetível de causar aos interesses em presença, não há como recusar que, no caso em apreço, tal paralisação é causadora de graves e inaceitáveis prejuízos para o interesse público;
12.ª Com efeito, e em primeiro lugar, afigura-se manifesto – nem tal é contestado pela Autora, aqui Recorrida – que qualquer eventual suspensão da prestação dos serviços de recolha de resíduos e de limpeza urbana, ainda que persistisse por poucos dias, causaria inevitavelmente prejuízos muitíssimo relevantes para a população local, levando à acumulação de resíduos e detritos nos contentores e nas ruas, criando riscos incomportáveis para a saúde pública e para o ambiente;
13.ª Em segundo lugar, também é incontestável que, no caso em apreço, o levantamento do efeito suspensivo – com a consequente possibilidade de execução do contrato celebrado com o adjudicatário – constitui a única forma possível de evitar que se produzam graves prejuízos para esses interesses públicos, uma vez que o Recorrente não dispõe dos recursos humanos e dos meios materiais que seriam necessários para permitir à autarquia levar a cabo, por gestão direta, essas tarefas (como, de resto, o Tribunal “a quo” considerou provado);
14.ª Pelo que se verificam, assim, os pressupostos que, em face do n.º 2 do artigo 103.º-A do CPTA, determinam o levantamento do efeito suspensivo automático decorrente da ação de contencioso pré-contratual.
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Contra-alegou o agrupamento R…/EA, concluindo:
1.º A regra da suspensão automática dos efeitos do ato impugnado apenas comporta exceções em circunstâncias particularmente exigentes e se, nomeadamente, a entidade demandada alegar e provar que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, prova essa que o Recorrente não logrou fazer;
2.º A ausência de alegação da factualidade necessária e não demonstração da factualidade genérica alegada importa o indeferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo, sem necessidade de qualquer ponderação adicional.
3.º Esta é a única interpretação juridicamente admissível e cuja jurisprudência tem vindo a defender, designadamente, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 09/23/2016, proferido no âmbito do processo n.º 00166/16.8BEPRT-A, onde se refere que «a circunstância de não resultar provado nenhum dano decorrente da manutenção desse efeito suspensivo é suficiente para, sem necessidade de mais ponderação, se indeferir o pedido apresentado pela Recorrente».
4.º A factualidade ficou provada em Tribunal e consta da matéria assente do douto despacho sob recurso. Dos factos provados decorre que o único prejuízo que a Entidade Adjudicante reconhece como podendo existir é o prejuízo ambiental.
5.º Ficou demonstrado em Tribunal que atualmente o prestador de serviços não faz a separação entre resíduos orgânicos e valorizáveis com recolha porta-a-porta. E ficou ainda demonstrado que mesmo que estivesse em execução o contrato objeto do procedimento pré-contratual impugnado, nesta data, o contrato estaria a ser executado da mesma maneira, sem valorização de resíduos.
6.º Ao alegar que a necessidade coletiva a que se visa dar resposta no caso presente não é uma necessidade passível de ser satisfeita por ajuste direto, parece o Recorrente esquecer-se que foi o primeiro a socorrer-se do ajuste direto com base nesta mesma necessidade e antes ainda da entrada da ação principal em juízo. O racional invocado é inverso ao que consta da lei para a verificação de prejuízos. O que importa demonstrar é se o diferimento da execução do ato de adjudicação seria gravemente prejudicial para o interesse público e não saber se o ajuste direito foi ou não regularmente celebrado.
7.º O Recorrente parece atuar contra factum proprium ao longo de toda a sua alegação, defendendo que o ajuste direto não é uma solução idónea e aplicável ao caso em apreço quando foi a solução que ele mesmo, em primeiro lugar, adotou e quando não se prova em audiência qualquer risco ou incerteza na contratação realizada. Aliás, ficou demonstrado em audiência que os serviços de recolha de resíduos estão a ser tranquilamente executados.
8.º Não se verifica nenhum dos pressupostos que determinam o levantamento do efeito suspensivo automático decorrente da ação de contencioso pré-contratual previstos no n.º 2 do artigo 103.º-A do CPTA, isto é:
1. O Recorrente não logrou alegar nem provar a decorrência de grave prejuízo para o interesse público da suspensão do contrato em causa;
2. Ainda que o tivesse feito, nunca o Tribunal a quo poderia, numa ponderação de interesses, decidir pelo levantamento do efeito suspensivo, porquanto se provou o perigo de ocorrência de facto consumado.
9.º Pelo que o Tribunal a quo não incorreu em nenhum erro de julgamento nem poderia decidir de outra forma, fazendo o douto despacho sob recurso correta e exemplar aplicação do direito aos factos provados.
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir, estando legalmente dispensados vistos.
Os factos, que o tribunal “a quo” fixou:
1. Em 15 de janeiro de 2017, foi publicitado concurso limitado por prévia qualificação para a prestação do serviço de recolha de resíduos urbanos, lavagem de equipamento e limpeza urbana no Município de SJM, datado de 27 de setembro de 2017, onde consta, em especial:
7 – PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO
Restantes contratos
Prazo contratual de 60 meses a contar da celebração do contrato
8 – DOCUMENTOS DE HABILITAÇÃO
(Facto Provado por documentos 1 e segs dos autos – paginação eletrónica)
2. Consta do Programa do Procedimento concurso limitado por prévia qualificação, para a prestação do serviço de recolha de resíduos urbanos, lavagem de equipamento e limpeza urbana no Município de SJM, em especial:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

[…]
(Facto Provado por documento, constante do PA em suporte digital – pen drive junto aos autos)
3. Consta do Caderno de Encargos do concurso limitado por prévia qualificação, para a prestação do serviço de recolha de resíduos urbanos, lavagem de equipamento e limpeza urbana no Município de SJM, em especial:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado por documento, constante do PA em suporte digital – pen drive junto aos autos)
4. Consta de documento timbrado do Município de SJM, em especial:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado por documentos a fls .. do PA entregue em suporte de pen drive)
5. A 6 de junho de 2018, o júri do procedimento Concursal subscreveu o Relatório Final que propôs a adjudicação da proposta ao concorrente "SM...." e a exclusão do "Agrupamento R…/EA";
(Facto Provado por documentos a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica e Doc 10 junto à PI)
6. A 20 de junho de 2018 o Presidente da Câmara Municipal escolheu o procedimento de consulta prévia para contratar a prestação de serviços referente à recolha de resíduos urbanos, lavagem de equipamento e limpeza urbana no Município de SJM;
(Facto Provado por prova testemunhal e prova documental, doc junto ao requerimento do incidente do levantamento do efeito suspensivo)
7. Até 26 de junho de 2018 esteve em vigor um contrato anterior referente à recolha de resíduos urbanos, lavagem de equipamento e limpeza urbana no Município de SJM, que não fazia a separação entre resíduos orgânicos e os valorizáveis com recolha porta a porta;
(Facto Provado por prova testemunhal)
8. Em 26 de junho de 2018, o Presidente do Município de SJM adjudica, por ajuste direto n.º 20/2018, a prestação de serviços de recolha e transporte de resíduos urbanos, gestão do ecocentro e recolha seletiva "porta-a-porta" designada por "comércio verde", recolha de resíduos verdes, recolha de monos, varredura e limpeza urbana em SJM, nas condições seguintes:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado por prova testemunhal e prova documental, constante a fls 1776 e segs dos autos – paginação eletrónica)
9. O Município de SJM adjudica, por ajuste direto n.º 20/2018, a prestação de serviços de recolha e transporte de resíduos urbanos, gestão do ecocentro e recolha seletiva "porta-a-porta" designada por "comércio verde", recolha de resíduos verdes, recolha de monos, varredura e limpeza urbana em SJM, à SM....;
(Facto Provado por prova testemunhal)
10. O Serviço de Planeamento, Ordenamento e Ambiente do Município de SJM não dispõe no seu mapa de pessoal de assistentes operacionais que possam desempenhar as funções de recolha de resíduos urbanos, lavagem de equipamento e limpeza urbana, dispondo de um total de 22 trabalhadores;
(Facto Provado por prova testemunhal)
11. Foi já assinado o contrato referente à prestação do serviço de recolha de resíduos urbanos, lavagem de equipamento e limpeza urbana no Município de SJM, resultante do respetivo concurso limitado por prévia qualificação;
(Facto Provado por prova testemunhal)
12. O prejuízo para o Município, identificado pelo chefe de divisão de planeamento, ordenamento e ambiente, é essencialmente ambiental e de eficiência energética;
(Facto Provado por prova testemunhal)
13. O adjudicatário fica obrigado a, no início da execução do contrato adquirir novos equipamentos com um gasto previsível imediato de € 700.000;
(Facto Provado por prova testemunhal)
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O mérito da apelação.
O tribunal “a quo” indeferiu o levantamento do efeito suspensivo automático.
Depois de um enquadramento geral, debruçou-se sobre as circunstâncias do caso e direito a aplicar, ponderando:
«(…)
Alega a entidade demandada, Município, em abono do seu pedido de levantamento do efeito suspensivo, que, em síntese, o objeto do contrato resultante do concurso limitado por prévia qualificação objeto da presenta ação pré-contratual, visa a satisfação de necessidades coletivas básicas da população de SJM que pode atingir 21000 habitantes, já que se produz no concelho entre 20 a 30 toneladas de resíduos urbanos por dia. Ainda sustenta que qualquer suspensão da prestação deste serviço de recolha de resíduos urbanos, lavagem de equipamentos e limpeza urbana no Município causará prejuízos inevitáveis para a população, com riscos sérios para a saúde pública e o ambiente. Por fim, defende que contratou por ajuste direto o serviço de recolha de resíduos urbanos, limpeza de equipamentos e urbana, durante o curso da presente ação de contencioso pré-contratual, a empresa SM...., S.A. – já que o Município não dispõe de recursos humanos e materiais próprios para o efeito, defendendo a ideia de não ser recomendável que tal situação se prolongue no tempo.
Por contraposição, defende o demandante que todos os contratos públicos terão, por definição, subjacente interesses públicos a que importará dar satisfação, pelo que os casos de levantamento do efeito suspensivo estará reservado aos casos excecionais em que existam prejuízos superiores aos que resultariam da retoma do prosseguimento do procedimento. Ainda aponta que o Município se limita a alegar prejuízos genéricos.
Pois bem. Está provado que o objeto contratual é a gestão e operação de recolha de resíduos urbanos indiferenciados; a limpeza e varredura urbana; a gestão do ecocentro; recolha do porta-a-porta; campanhas de sensibilização e medidas de prevenção de resíduos (Facto Provado 2.).
Também está provado que existem no Município 977 contentores (Facto Provado 3.) para recolha de resíduos e o que o Município pretende com o procedimento de contratação impugnado nos presentes autos é a passagem gradual para a recolha de resíduos porta-a-porta, identificando sempre o contentor e o produtor do resíduo, por oposição à contentorização coletiva, sem identificação do utilizador. Mas, o futuro contrato prevê, ainda, a manutenção de uma contentorização instalada no atual sistema coletivo (Facto Provado 3.).
Está provado que o caderno de encargos prevê a obrigatoriedade de ser elaborado um estudo técnico completado com um projeto-piloto, com a duração de 6 meses, para testar os sistemas alternativos à atual recolha, incluindo a recolha de fração das embalagens de plástico e metal por sacos com diferentes frequências de recolha e um prazo para a introdução de contentores porta-a-porta (Facto Provado 3.).
Está provado, ainda, que o adjudicatário terá de apresentar um estudo técnico, faseado, de recolha porta-a-porta quer no setor doméstico e não doméstico, quer nas habitações unifamiliares (moradia) tendo de o implementar num prazo de 6 meses (Facto Provado 3.).
Finalmente, consta do probatório que será obrigação do adjudicatário aumentar a quantidade de resíduos que é encaminhada para a reciclagem, pela via do serviço de recolha porta-a-porta, denominado tal serviço como de "comércio verde" (Facto Provado 3.).
Tudo com a duração de contrato de 5 anos, contado a partir do auto de consignação (Facto Provado 3.). Neste âmbito está previsto, pelo Município, para a execução do referido contrato, um gasto, em 2018, no valor de € 571.666.70; em 2019 até 2022 o valor de € 980.000 e para o ano de 2013, o valor de € 408.333, 40 (Facto Provado 4.).
No presente, o Município não se encontra sem proceder à recolha de resíduos urbanos, limpeza e varredura no concelho de SJM, porquanto, face ao efeito suspensivo automático da adjudicação e da execução do próprio contrato, procedeu o réu à adjudicação desse serviço [recolha e transporte à estação de transferência e recolha e transporte ao ecocentro de resíduos verdes produzidos pelos residentes, recolha e transporte de "monos", bem como varredura e limpeza urbana e gestão e recolha seletiva porta-a-porta do "comércio verde"] recorrendo ao ajuste direto (Facto Provado 8.). Ou seja, o Município contratou a prestação de serviços de recolha de resíduos urbanos, varredura e limpeza urbanas, semelhante à que cessara a 26 de junho de 2018 (Facto Provado 7.) mas que não faz a separação entre resíduos orgânicos e os valorizáveis com recolha porta-a-porta em grande escala [e não só do comércio verde] como previsto no procedimento pré-contratual aqui impugnado (Facto Provado 7.).
Portanto, concluímos que o primeiro prejuízo para o interesse público resulta da não recolha porta-a-porta com separação entre resíduos orgânicos e os valorizáveis em grande escala no concelho de SJM, sendo certo que a esta altura, mesmo que tal procedimento não tivesse sido impugnado, tal prestação de serviços também ainda não existiria em SJM, uma vez que a sua concretização ainda depende de a apresentação de um estudo técnico, faseado, de recolha porta-a-porta quer no setor doméstico e não doméstico, quer nas habitações unifamiliares (moradia) tendo de o implementar num prazo de 6 meses (Factos Provados 3. e 13.). É, portanto, um prejuízo ambiental.
Do ponto de vista financeiro, o Município, considerando o preço contratual previra que para metade do ano de 2018 teria já feito uma despesa de € 561,666/ano estando, todavia, a gastar, com aquela prestação de serviços contratada por ajuste direto o valor de € 336,684/ano, sendo que em 2019 a despesa programada seria de € 980.000/ano, ao passo que a despesa atual com aquela prestação de serviços por ajuste direito é de € 673,368/ano (Factos Provados 4. e 8.).
Ou seja, não está a ter quaisquer prejuízos ao nível da despesa prevista.
Por seu turno, o adjudicatário, se o levantamento do efeito suspensivo for deferido, fará de imediato no início da execução do contrato um investimento em aquisição de máquinas, equipamentos/viaturas no valor estimado de € 700.000, que se projetará ao longo dos 5 anos, mas que terá de ser feito "à cabeça" (Facto Provado 14.).
Recorda o Tribunal que, recapitulando, a interpretação consentida pela concatenação dos nºs 2 e 4 do artigo 103º-A do CPTA é a de que o levantamento do efeito suspensivo automático está sujeito um duplo grau de exigência, na medida em que só deve ser levantado quando resulte que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (nº 2).
Não logrou provar o réu, Município, como lhe competia, que a manutenção da proibição de executar o contrato entretanto celebrado seria gravemente prejudicial para o interesse público que, concluímos, é de natureza ambiental, já que a recolha, varredura e limpeza do concelho de SJM está a ser assegurado.
Resta questionar se as consequências da não execução do contrato em causa serão lesivas e claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos?
Também aqui nada foi provado.
E mesmo conhecendo as obrigações que o Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU), originariamente aprovado em 1997, impõe em matéria de planeamento de referência na área dos resíduos urbanos (RU) essa prejudicialidade e desproporcionalidade qualificadas se justificam.
Na verdade, em 2007 foi aprovado, pela da Portaria n.º 187/2007, de 12 de fevereiro, o Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos para o período de 2007 a 2016 (PERSU II), que deu continuidade à política de gestão de resíduos, tendo em atenção as novas exigências entretanto formuladas a nível nacional e comunitário, assegurando, designadamente, o cumprimento dos objetivos comunitários em matéria de desvio de resíduos urbanos biodegradáveis de aterro e de reciclagem e valorização de resíduos de embalagens, e procurando colmatar as limitações apontadas à execução do PERSU I. Mais tarde, e na sequência e em complemento do PERSU II, foi aprovada a Estratégia para os Combustíveis Derivados de Resíduos (CDR), através do Despacho n.º 21295/2009, de 26 de agosto, dos Ministros do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e da Economia e da Inovação).
Porém, mais uma vez, em virtude das alterações ocorridas ao nível dos sistemas de gestão de resíduos, à estratégia, objetivos e metas comunitárias definidas foi revisto o PERSU II, pelo que o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2020) para o período 2014-2020 foi aprovado, pela Portaria n.º 187-A/2014, publicada em DR (I Série) n.º 179, de 17 de setembro.
O PERSU 2020 define a política, orientações e prioridades para os resíduos urbanos de modo a: a) minimizar os impactes ambientais e aproveitar o seu valor socioeconómico; b) assegurar a eficiência na utilização e gestão dos recursos primários e secundários; c) promover a eliminação progressiva da deposição de resíduos em aterro, com vista à erradicação da deposição direta de RU em aterro até 2030; d) e incentivar o desenvolvimento direto do cidadão na estratégia dos RU, apostando-se na informação e redução da produção e a separação, tendo em vista a reciclagem.
O PERSU 2020 engloba o Programa de Prevenção de Resíduos Urbanos, revogando o Despacho n.º 3227/2010, de 22 de fevereiro e a Portaria n.º 187-A/2014 que criou o Grupo de Apoio à Gestão do PERSU 2020 para acompanhamento e monitorização da implementação deste Plano, sendo as suas atribuições, constituição e funcionamento sido estabelecidos no Despacho n.º 12571/2014 do Secretário de Estado do Ambiente. A este propósito destaca-se o estabelecimento das metas intercalares diferenciadas ao nível dos sistemas de gestão de resíduos urbanos como a retoma da recolha seletiva, a preparação para reutilização e reciclagem e a deposição de RUB em aterro.
Assim, por força do Despacho n.º 3350/2015, de 1 de abril de 2015, e considerando a necessidade de cumprimento por Portugal das metas comunitárias para a deposição de resíduos urbanos biodegradáveis em aterro, estabelecida pela Diretiva 1999/31/CE do Conselho, de 26 de abril de 1999 relativa à deposição de resíduos em aterro; para a preparação para a reutilização e reciclagem de resíduos urbanos, imposta pela Diretiva n.º 2008/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro (Diretiva Quadro Resíduos) para 2020, para a reciclagem e valorização de resíduos de embalagem estabelecida na Diretiva n.º 94/62/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro, foram definidos, em especial, os seguintes objetivos intercalares:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Ou seja, não há metas que o Município de SJM esteja obrigado a cumprir no âmbito do PERSU e cuja violação comporte para o réu esses uma lesão gravemente prejudicial para o interesse público, nem que haja consequências claramente desproporcionadas para o interesse público em causa.
Ao contrário, o levantamento do efeito suspensivo da execução do contrato imporá de imediato que o adjudicatário proceda a investimentos avultados que tornarão irreversível o cumprimento do contrato até ao seu final, independentemente do resultado da decisão da ação de contencioso pré-contratual.
(…)»
Vejamos.
Dispõe o artigo 103º-A do CPTA, sob a epígrafe “Efeito suspensivo automático”, que “A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.” [cfr. nº. 1].
No entanto, “(…) a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 120.º” [cfr. nº. 2], sendo que “O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.” [cfr. nº. 4].
Para que a regra do efeito suspensivo automático prevista no nº 1 do artigo 103-A do CPTA ceda é necessário que o diferimento da execução do acto seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionada para outros interesses envolvidos.
Não é o caso.
O recurso não abala minimamente o que é um julgamento bem sustentado.
As objecções que o recorrente suscita rejeitando que no julgamento do incidente possa pesar o argumento (já jurisprudencialmente tratado, como dá nota) da possibilidade de uma “contratação alternativa” não se colocam no presente caso.
Não é o confronto dessa possibilidade, a especulação da hipótese, que dá sustento.
É o peso de ela estar concretizada, na vigente contratação por ajuste directo.
Bem ou mal que o tenha sido em respeito do «critério material da “urgência imperiosa” previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º do CCP», disso não trata a decisão recorrida.
Pelo que a dissonante posição do recorrido aí não tem alvo.
Só golpeia a sua própria prática.
Que por mais crítica a que se auto-inflija, subsiste; estando assegurada a prestação de serviços; e a modos em que na decisão recorrida se declinaram razões para não levantar o efeito suspensivo automático, motivação concreta que o recurso em nada belisca.
Assim, e sem necessidade de maior desenvolvimento, é de confirmar o julgado.
***
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.
Porto, 11 de Janeiro de 2019.
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Conceição Silvestre
Ass. Alexandra Alendouro








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