quarta-feira, 11 de março de 2020

CONTRATO DE CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL



Proc. Nº 02044/16.1BEPRT    TCANorte        27.09.2019


I-A cessão de posição contratual engloba todo o conjunto de direitos e obrigações resultantes do contrato, com excepção daqueles que as partes expressamente excluírem;

I.1-no caso concreto, e no que respeita à revisão de preços, as partes apenas excluíram da transmissão os direitos de crédito da cedente e não as eventuais obrigações a débito, que bem sabiam poderem vir a surgir;

I.2-havendo saldo de revisão de preços a favor do dono da obra surge uma obrigação contratual de pagar, que foi transmitida à cessionária juntamente com os demais direitos e obrigações não expressamente excluídos;

I.3-a cessão da posição contratual operou plenamente;

I.4-cabe portanto à cessionária/Recorrente liquidar ao Município os montantes apurados, inclusivamente no que respeita aos trabalhos efectuados pela cedente;

I.5-e, como a Recorrente não pagou os montantes devidos, há um incumprimento contratual, podendo o Recorrido Município socorrer-se da garantia bancária para receber a verba em causa, pois esta destina-se a assegurar a satisfação de quaisquer importâncias que se mostrem devidas por não cumprimento do contrato de empreitada, independentemente da sua origem

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
E., E. e C., S.A., com sede na Rua . das L., G., 4XXX-XXX P…, propôs acção administrativa contra o Município de V... N... de G..., com sede na Rua Á.. C…, 4XXX-XXX, V... N... de G..., indicando como Contrainteressada Construções E. A.-L., S.A., com sede na Rua M… A… P…, 52, B…, pedindo (i) que seja anulado o acto de liquidação da conta final/revisão de preços que lhe foi notificada em 14/07/2016 e, em consequência, (ii) que seja a Contrainteressada notificada para pagamento do valor apurado na revisão de preços pelos trabalhos por si executados.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção e absolvido o Réu dos pedidos.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:

I – O Tribunal a quo, não teve dúvidas que por contrato celebrado em 24/10/2014, a Construções E. A.-L., S.A, cedeu à Recorrente a posição contratual no contrato de empreitada por aquela celebrado com a Recorrida em 01/03/2013 para “construção de passadiço para ligação ciclo-pedonal entre o cais de Q… e o A… de O… do D… e requalificação da frente fluvial do Rio D... no A… de O… do D…”.

II – No final da execução da obra, o Recorrido notificou a Recorrente da conta final/revisão de preços, datada de 15/02/2016, à qual foi junta uma factura no valor de € 75.361,11, alegando que o seu pagamento é da responsabilidade da ora Recorrente.

III – Porém, nos termos do contrato de cessão da posição contratual antes celebrado com a Contrainteressada, a Recorrente não é responsável pelo pagamento de quaisquer valores em caso de revisão de preços, porquanto ficou expressamente estipulado naquele contrato que a cedente teria direito ao valor a apurar de revisão de preços, seja na qualidade de credora, seja na qualidade de devedora, e não exclusivamente para o caso de ser credora.

IV – A Recorrente não pôs em crise os valores apurados da conta final e da revisão de preços, mas tão-só a responsabilidade pelo seu pagamento, aliás, tal como referido pelo Tribunal a quo.

V – Como tal, esteve igualmente bem o Tribunal a quo, ao considerar que a Recorrente e a contrainteressada (cedente) celebraram um contrato de cessão de posição contratual pelo qual esta cedeu àquela, que aceitou, a posição contratual de empreiteira no contrato de empreitada em causa, cessão que foi devidamente autorizada pelo Recorrido.

VI – Efectivamente a possibilidade de cessão da posição contratual no âmbito dos contractos públicos vem genericamente admitida no artigo 316.º do CCP, devendo ser sempre respeitados os limites pelo art. 317.º do mesmo diploma.

VII- No caso em apreço, a cessão da posição contratual no decurso da execução do contrato carece de autorização do contraente público, sendo que, para efeitos desta autorização, o co-contratante deve apresentar uma proposta fundamentada e instruída com todos os documentos comprovativos da verificação dos requisitos que seriam exigíveis para a autorização da cessão e da subcontratação no próprio contrato.

VIII - A doutrina tem entendido que a cessão da posição contratual consiste no negócio pelo qual um dos outorgantes (cedente) em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro (cessionário), com o consentimento do outro contraente (cedido), o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato.

IX – Este contrato de cessão que foi celebrado tem por objecto a totalidade da posição contratual transmitida, no seu conjunto de direitos e obrigações.

X – Ou seja, o principal efeito deste contrato é a substituição do cedente pelo cessionário, como contraparte do cedido na relação contratual de base, tal como esta existe à data da cessão.

XI – Desta forma, a cedente perdeu efectivamente, em virtude da transmissão, a qualidade de contraparte (do cedido), deixando de lhe competir todos e quaisquer direitos e/ou deveres e obrigações que lhe advinham da relação contratual transmitida.

XII – Contudo, a cláusula terceira do contrato celebrado entre a Recorrente e a Cedente consta que a Contrainteressada, enquanto cedente, “terá que receber a totalidade dos seus trabalhos contratuais no valor de € 592.680,84 + IVA, dos adicionais no valor de € 54.707,67 + IVA, o valor a apurar de revisão de preços e do rachão aplicado na margem do rio de acordo com o adicional”.

XIII - Como é bom de ver, o valor a apurar em sede de revisão de preços é variável e pode ser positivo ou negativo, tornando-se o Dono da Obra devedor ou credor da quantia que se vier a apurar, em função das fórmulas e critérios aplicáveis.

XIV – O Tribunal a quo, esteve mal ao não considerar que ficou expressamente estipulado no contrato de cessão créditos que a Cedente teria direito ao valor a apurar de revisão de preços significa que esse direito tanto lhe ficou reservado no caso de ser credora ou devedora, e não exclusivamente para o caso de ser credora.

XV - Ao pretender a predita informação jurídica que apenas ficou estipulada essa reserva para a cessionária no caso de a cessionária ter direito a receber algum montante em sede de revisão de preços, está a fazer uma leitura desconforme com a letra do contrato e com a expressa vontade das partes.

XVI - Tal interpretação não encontra respaldo nem na lei nem na letra do contrato.

XVI - E mesmo que subsistisse uma qualquer dúvida da letra do contrato, quando refere a palavra “receber”, haveria necessariamente que fazer-se uma interpretação da mesma no contexto do contrato, procurando-se, a partir do elemento literal, extrair-se a efectiva vontade das partes.

XVII - Apurar em sede de revisão de preços, como se viu pode ser positivo ou negativo.

XVIII – Sem dúvida que andou mal o Tribunal a quo, ao considerar que a Recorrente quando ingressou na posição contratual de empreiteiro “herdou” todo o complexo unitário, dinâmico e funcional de direitos e de obrigações, principais e acessórias, que constitui a relação contratual de empreitada, no qual não se inclui a obrigação de pagamento do saldo apurado pelo Recorrido ao nível da revisão de preços, no final da execução da empreitada.

XIX – Nos termos da cláusula terceira do contrato de cessão, manteve-se na esfera jurídica da cedente o direito a receber a totalidade dos seus trabalhos contratuais, os adicionais, o valor apurar (pagar ou receber) de revisão de preços.

XX – Ficou estipulado no contrato de cessão que a cedente teria direito ao valor a apurar de revisão de preços, e sendo esse valor variável (podendo ser positivo ou negativo), tal significa que esse direito lhe ficou reservado quer no caso de ser credora, quer no caso de ser devedora, e não exclusivamente para o caso de ser credora, sob pena de uma leitura desconforme com a letra do contrato e com vontade expressa das partes.

XXI – O direito a receber que consta na cláusula terceira apenas se refere à totalidade dos seus trabalhos contratuais e dos adicionais.

XXII – Se assim não fosse, não constava o valor apurar de revisão de preços, mas sim, o valor da revisão de preços.

XXIII – Este sim, é o sentido da declaração negocial inserta na cláusula terceira do contrato de cessão, por corresponder àquele que seria apreendido por um declaratório normal, medianamente instruído e diligente.

XXIV – Uma vez que, o contrato de cessão não é pormenorizado nem preciso quanto à revisão de preços.

XXV - Face ao exposto, o Tribunal a quo esteve mal ao não considerar que o dever de pagamento foi também excepcionado.

XXVI – A cessão não deve operar plenamente.

XXVII – Considera, assim, erradamente, o Tribunal a quo que a Recorrente é responsável pela quantia total apurada pela revisão de preços da empreitada.

XXVIII – Desta forma, a Recorrente ainda não se encontra em incumprimento do dever contratual de pagamento do valor apurado em sede de revisão de preços.

XXIX – Logo, o Recorrido não se encontra habilitado a accionar a garantia prestada pela Recorrente, nos termos legalmente permitidos.

POR TODO O SUPRA EXPOSTO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, E COMO CONSEQUÊNCIA SER MODIFICADA A DECISÃO DO TRIBUNAL A QUO, COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

O Município de V... N... de G... juntou contra-alegações, concluindo:

A - A cessão de posição contratual engloba todo o conjunto de direitos e obrigações resultantes do contrato, com excepção daqueles que as partes expressamente excluírem;

B - No caso em análise e no que respeita à revisão de preços, as partes apenas excluíram da transmissão os direitos de crédito da cedente e não as eventuais obrigações a débito, que bem sabiam poderem vir a surgir;

C - Havendo saldo de revisão de preços a favor do dono da obra, surge uma obrigação contratual de pagar, que foi transmitida à cessionária juntamente com os demais direitos e obrigações não expressamente excluídos;

D - Cabe portanto à cessionária, aqui recorrente, liquidar ao recorrido os montantes apurados, inclusivamente no que respeita aos trabalhos efectuados pela cedente;

E - Como a recorrente não pagou os montantes devidos há um incumprimento contratual, podendo o recorrido socorrer-se da garantia bancária para receber a verba em causa;

F - Deve manter-se integralmente a decisão em crise, sendo negado provimento ao recurso;

Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, sendo integralmente mantida a decisão recorrida, com o que farão
Justiça

Construções E. A.-L., SA. também contra-alegou, concluindo:
1. Em 01/03/2013, celebrou a Recorrida com a Câmara Municipal de V... N... de G..., um contrato de empreitada Construção de Passadiço para Ligação Ciclo-Pedonal entre o cais de Q… e o A… de O… do D… e Requalificação da Frente Fluvial do Rio D... no A… de O… do D….
2. Em 24/10/2014, Recorrida e Recorrente, celebraram um contrato de cessão de posição contratual, cujo objeto era a empreitada mencionada supra, em que aquela figurava como Cedente e esta como Cessionária.
3. A cessão da posição contratual foi autorizada pela Câmara Municipal de V... N... de G....
4. Em 15/02/2016, em cumprimento do disposto no nº 1, do art. 401º do CCP, remeteu a Câmara Municipal de V... N... de G... à Recorrente, a conta final relativa à empreitada supra identificada.
5. Da conta reclamou a Recorrente, invocando: a) O cálculo de revisão de preços versa sobre os trabalhos de empreitada executados pela sociedade Construções E. A.-L., SA, b) Pelo que, a responsabilidade do pagamento terá de recair sobre esta sociedade.
6. A reclamação foi indeferida, mediante despacho exarado em 21/03/2016 pelo Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de V... N... de G....
7. Impugnou a Recorrente a decisão, invocando que o cálculo de revisão de preços versa sobre os trabalhos de empreitada executadas pela Recorrida SA, pelo que, a responsabilidade do pagamento terá de recair sobre esta sociedade e, consequentemente, requereu a revogação da decisão, substituindo-a por outra que impute à cedente os valores resultantes da revisão de preços.
8. Dispõe o contrato de cessão de posição contratual, Cláusula Terceira, nº 1,
“O Cedente terá que receber a totalidade dos seus trabalhos contratuais no valor de EUR. 592.680,84 + IVA dos adicionais no valor de Eur. 54.707,67 + IVA, o valor a apurar de revisão de preços e do rachão aplicado na margem do rio de acordo com o adicional” (negrito e sublinhado nosso).
9. Resulta da letra do contrato e da vontade das partes a estipulação expressa do direito da Recorrida receber o valor a apurar em sede de revisão de preços e do rachão aplicado na margem do rio de acordo com o adicional.
10. As partes não fixaram sobre quem recairia o ónus de pagar o valor a apurar em sede de revisão de preços.
11. O D.L. n.º 6/2004, de 6 de Janeiro, visa adequar a revisão de preços ao regime jurídico das empreitadas de obras públicas, ficando sujeita tal revisão, em função das variações, para mais ou para menos, dos custos de mão de obra, dos materiais e dos equipamentos de apoio, relativamente aos correspondentes valores no mês anterior ao da data limite fixada para a entrega das propostas.
12. Dispõe o art. 424º do CC “No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiros a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.”
13. A cessão da posição contratual implica a existência de dois contratos, denominados pela doutrina como contrato-base (in casu, o contrato de empreitada) e contrato-instrumento da cessão, que é realizado para a transmissão de uma das posições derivadas no contrato-base.
14. São três os intervenientes desta operação: o contratante que transmite a posição adquirida no contrato-base (cedente), o contratante que adquire a posição contratual transmitida (cessionário), ou seja, aquele que fica investido no complexo de direitos e obrigações que eram do cedente; e a contraparte do cedente, no contrato-base, que passa a ser contraparte do cessionário (cedido).
15. A Recorrida transmitiu à Recorrente, o conjunto de direitos e obrigações decorrentes do contrato-base (contrato de empreitada) que havia celebrado com a Cedida (C. M. de V. N. de G...), passando, a Recorrente a ser titular da relação contratual anteriormente assumida pela Recorrida.
16. As partes não estipularam sobre quem recairia o ónus de pagamento do valor a apurar em sede de revisão de preços, nem limitaram a revisão de preços aos trabalhos executados e pagos por cada uma das partes no contrato de cessão de posição contratual.
17. No silêncio do contrato de cessão da posição contratual, terá a cessão de operar plenamente, assumindo a Recorrente a responsabilidade pelo pagamento do valor apurado em sede de revisão de preços.
18. Neste sentido, o Acórdão do TRC – Processo 4078/10.0TBLRA.C1, quando do sumário consta: 1. “Com a cessão da posição contratual, o cedente perde os direitos de crédito correspondentes à posição contratual cedida, assim como se liberta das correspondentes obrigações e deveres acessórios, tudo se transmitindo para o cessionário, que passa a ser a contraparte do cedido. 2. Na falta de adequada ou inequívoca estipulação, é incompatível com a fisionomia da cessão a manutenção da ligação do cedente à relação contratual originária.”
19. Não assiste razão à Recorrente na “crítica” à decisão recorrida, devendo, por tudo o que vai dito, concluir-se pela improcedência da pretensão da Recorrente.

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) Em 01/03/2013, no seguimento de concurso público aberto para o efeito, o Município de V... N... de G... (ora R.), na qualidade de dono de obra, celebrou com a sociedade Construções E. A.-L., S.A. (ora Contrainteressada), na qualidade de empreiteira, um contrato de empreitada para “construção de passadiço para ligação ciclo-pedonal entre o cais de Q… e o A… de O… do D… e requalificação da frente fluvial do Rio D... no A… de O… do D…”, pelo preço global de € 1.641.802,47, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, constando do referido contrato que “os cálculos da revisão de preços serão apresentados pela adjudicatária e elaborados de acordo com o previsto no caderno de encargos, cuja fórmula se encontra no mesmo” (cfr. doc. de fls. 1550 a 1553 constante da pasta n.º 5 do processo administrativo apenso).
2) Em 24/10/2014 a A. e a Contrainteressada celebraram um contrato de cessão de posição contratual pelo qual esta cedeu àquela, que aceitou, a posição contratual de empreiteira no contrato de empreitada referido no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 24 a 26 do suporte físico do processo).
3) Das cláusulas segunda e terceira do contrato de cessão de posição contratual consta, além do mais, o seguinte:
Segunda
1. A E. A.-L. é única e integral responsável pela execução da Empreitada até à data de assinatura do presente.
2. O Dono de Obra nos quinze dias após a data de aprovação da cessão de posição contratual, liquida todos os valores existentes em conta corrente com a E. A.-L., no montante total de Eur. 61.170,18 + IVA conforme anexo.
(…)
Terceira
1. A Cedente terá que receber a totalidade dos seus trabalhos contratuais no valor de Eur. 592.680,84 + IVA, dos adicionais no valor de Eur. 54.707,67 + IVA, o valor a apurar de revisão de preços e do rachão aplicado na margem do rio de acordo com o adicional.
2. Todas e quaisquer outras quantias, acima dos valores referidos no ponto anterior, eventualmente devidas pelo Dono da Obra serão doravante pagas à Cessionária, conforme evidencia lista de saldo contratual em anexo no valor de Eur. 1.049.121,63 + IVA, saldo dos adicionais em anexo de Eur. 10.563,72 + IVA, respetivos valores de Suprimento de Erros e Omissões e de revisão de preços.
(…)
6. A Cessionária apresentará uma caução, nos termos legais, no valor dos trabalhos que ainda faltam executar
(cfr. doc. de fls. 24 a 26 do suporte físico do processo).
4) Por requerimento datado de 24/10/2014, a Contrainteressada solicitou autorização ao R. para que a sua posição contratual na empreitada referida supra no ponto 1) fosse assumida pela A., na sequência do contrato de cessão de posição contratual celebrado, tendo junto, além de outros elementos, os documentos de habilitação da cessionária (cfr. doc. de fls. 2144 e 2145 constante da pasta n.º 6 do processo administrativo apenso).
5) O pedido de autorização da cessão de posição contratual em apreço foi aprovado por despacho do Presidente da Câmara Municipal de V... N... de G... de 30/10/2014, com base na informação n.º INT-CMVNG/2014/23110 (cfr. docs. de fls. 2163 a 2168 constantes da pasta n.º 6 do processo administrativo apenso).
6) Em 12/11/2014 a Câmara Municipal de V... N... de G... deliberou, por unanimidade, ratificar o despacho do Presidente indicado no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 2170 constante da pasta n.º 6 do processo administrativo apenso).
7) Em 06/11/2014 a sociedade N. – Sociedade de Garantia Mútua, S.A. declarou prestar a favor do R., em nome e a pedido da A., a garantia autónoma n.º 2014.10688, irrevogável e à primeira solicitação, no valor de € 52.456,08, correspondente à caução de 5% de € 1.049.121,63, prevista no programa do concurso público para a execução da empreitada em apreço e destinada a garantir o bom e integral cumprimento de todas e quaisquer obrigações emergentes do contrato celebrado na sequência daquele procedimento (cfr. doc. de fls. 2207 constante da pasta n.º 7 do processo administrativo apenso). Pelo ofício n.º SAI-CMVNG/2016/1619 de 15/02/2016, proveniente do R. e recebido pela A. em 18/02/2016, foi esta notificada da conta final da empreitada em apreço e, bem assim, da revisão de preços elaborada com base na informação n.º EDOC/2016/1476 de 29/12/2015, nos termos seguintes: “Em cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 401.º do Código dos Contratos Públicos (CCP) aprovado pelo D.L. 18/2008, de 29 de janeiro, na sua atual redação, junto se remete conta final relativa à empreitada supra identificada.
Informa-se que ao abrigo da mesma disposição legal, dispõe do prazo de 15 dias para proceder à sua assinatura ou, caso discorde do seu conteúdo, apresentar reclamação fundamentada.
(…)
Remete-se também a fatura n.º 1878/2016, no valor total de 75.361,11 € (setenta e cinco mil trezentos e sessenta e um euros e onze cêntimos), correspondente ao montante do cálculo da revisão de preços (71.095,39 € + IVA), cujo pagamento é da responsabilidade dessa empresa, empreiteiro da obra
(cfr. docs. de fls. 49 a 55 do suporte físico do processo).
8) Da conta final da empreitada consta, em tabela relativa à conta corrente, que os autos n.os 1 a 16 respeitam a trabalhos executados pela Contrainteressada entre 26/06/2013 e 03/10/2014, e que os autos n.os 17 a 24 respeitam a trabalhos já executados pela A. entre 28/11/2014 e 26/06/2015 (cfr. doc. de fls. 50 do suporte físico do processo).
9) Da conta final da empreitada constam, ainda, os seguintes elementos:
- trabalhos a mais, no valor total (parciais) de € 45.034,83, relativos ao auto n.º 9;
- erros e/ou omissões, no valor total (parciais) de € 9.674,01, relativos aos autos n.s 9 e 12;
- trabalhos a menos, no valor total (parciais) de € -65.754,18, relativos ao auto n.º 24
(cfr. doc. de fls. 51 do suporte físico do processo).
10) Por requerimento que deu entrada nos serviços do R. em 26/02/2016, a A. apresentou reclamação da revisão de preços elaborada e notificada pelo ofício antecedente e procedeu à devolução da fatura n.º 1878/2016, por entender que nela “são incluídos cálculos sobre valores dos trabalhos que efetivamente foram executados pela empresa E. A.-L., S.A. e pelos quais ela é única e exclusivamente responsável perante esse Município” (cfr. doc. de fls. 2606 e 2607 constante da pasta n.º 7 do processo administrativo apenso).
11) Em 11/03/2016 foi elaborada a informação n.º 25/DAJ, na qual foi proposto o indeferimento da reclamação da revisão de preços e da conta final da empreitada, tendo a mesma sido objeto de despacho de aprovação do Presidente da Câmara Municipal de V... N... de G..., proferido em 21/03/2016 (cfr. docs. de fls. 2615 a 2619 constantes da pasta n.º 7 do processo administrativo apenso).
12) A A. foi notificada do indeferimento da sua reclamação pelo ofício n.º SAI-CMVNG/2016/3184 de 22/03/2016, por aquela recebido em 24/03/2016 (cfr. docs. de fls. 2622 a 2629 constantes da pasta n.º 7 do processo administrativo apenso).
13) Por requerimento enviado aos serviços do R., via postal registada, em 07/04/2016, a A. apresentou impugnação administrativa da decisão de indeferimento da reclamação da conta final e revisão de preços, pedindo que seja revogada a decisão em crise, sendo substituída por outra que impute à Contrainteressada, na qualidade de cedente, os valores resultantes da revisão de preços ou, pelo menos, a parte proporcional que lhe cabe, em função dos trabalhos por si executados (cfr. docs. de fls. 2637 a 2643 e 2650 constantes da pasta n.º 7 do processo administrativo apenso).
14) Em 19/05/2016 foi elaborada a informação n.º 39/DAJ, na qual foi proposto o indeferimento da impugnação apresentada pela A. e a manutenção do ato impugnado, tendo a mesma sido objeto de despacho de concordância do Presidente da Câmara Municipal de V... N... de G..., proferido em 24/05/2016 (cfr. docs. de fls. 2694 a 2697 constantes da pasta n.º 7 do processo administrativo apenso).
15) Em 06/06/2016 a Câmara Municipal de V... N... de G... deliberou, por unanimidade, aprovar o seguinte, nos termos da informação n.º 39/DAJ:
a) Admitir a presente impugnação, por tempestiva, na sequência de ratificação do Despacho exarado em 21/03/2016 pelo Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal, bem como as alegações apresentadas em tempo pela contrainteressada;
b) Indeferir a Impugnação Administrativa do ato que indeferiu a reclamação apresentada à conta final/revisão de preços da empreitada em epígrafe e, em consequência, confirmar o ato impugnado;
c) Da mesma se notifiquem a reclamante e a contrainteressada;
d) Autorizar e ordenar a cobrança voluntária da quantia apurada em sede de revisão de preços e constante da fatura n.º 1878/2016 (€ 71.095,39 acrescida de IVA no valor de € 4.265,72) junto do respetivo empreiteiro/cessionária, E., E. e C., S.A., bem como, se necessária, a execução da caução nos termos legais” (cfr. doc. de fls. 2698 constante da pasta n.º 7 do processo administrativo apenso).
16) A A. foi notificada do indeferimento da impugnação administrativa pelo ofício n.º SAI-CMVNG/2016/7533 de 11/07/2016, por aquela recebido em 14/07/2016 (cfr. docs. de fls. 2700 a 2706 constantes da pasta n.º 7 do processo administrativo apenso).
17) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 22/08/2016 (cfr. doc. de fls. 2 do suporte físico do processo).
X
DE DIREITO
Está posta em causa a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
Na presente ação, a A. insurge-se contra o ato de liquidação da conta final e da revisão de preços que lhe foi notificado pelo R. no termo da execução do contrato de empreitada para “construção de passadiço para ligação ciclo-pedonal entre o cais de Q… e o A… de O… do D… e requalificação da frente fluvial do Rio D... no A… de O… do D…”, considerando que não é a responsável pelo pagamento do saldo apurado ao nível da revisão de preços. Entende, em suma, que quem deve ser responsabilizado por esse pagamento é a Contrainteressada, de quem adquiriu a posição contratual no âmbito da referida empreitada, quer atendendo aos termos do contrato de cessão da posição contratual celebrado, quer pelo facto de terem sido incluídos na revisão de preços cálculos sobre valores de trabalhos que foram executados pela Contrainteressada e não pela ora A.
O R. e a Contrainteressada discordam, porém, deste entendimento, alegando que é sobre a A. que impende a obrigação de liquidar o saldo da conta final e da revisão de preços, por ter assumido esse encargo na cessão da posição contratual.
A única questão que se coloca e que urge resolver é, assim, a de saber quem – se a A., se a Contrainteressada – deve ser considerado responsável pelo pagamento ao R. do saldo apurado na revisão de preços, tendo em conta a cessão da posição contratual de empreiteiro que se verificou já durante a execução da empreitada.
Vejamos.
Estando em causa um contrato de empreitada de obras públicas celebrado em 01/03/2013 (cfr. ponto 1 dos factos provados), é-lhe aplicável o regime do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29/01.
No âmbito deste tipo de contratos e a respeito da elaboração da conta final, aqui em discussão, dispõe o art.º 399.º, n.os 1 e 2, do CCP que, “na falta de estipulação contratual, a conta final da empreitada é elaborada no prazo de dois meses após a primeira revisão ordinária de preços subsequente à receção provisória”, sendo que, “se não houver lugar à revisão ordinária de preços, o prazo a que se refere o número anterior inicia-se na data da receção provisória”.
Ora, segundo o art.º 400.º do CCP, “da conta final da empreitada devem constar os seguintes elementos: a) uma conta corrente à qual são levados, por verbas globais, os valores de todas as medições e revisões ou acertos decorrentes de reclamações decididas, o prémio por cumprimento antecipado do contrato e as sanções contratuais aplicadas; b) um mapa dos trabalhos a mais, dos trabalhos de suprimento de erros e omissões e dos trabalhos a menos, com a indicação dos preços unitários pelos quais se procedeu à sua liquidação; c) um mapa de todos os trabalhos e valores sobre os quais subsistam reclamações ou reservas do empreiteiro ainda não decididas, com expressa referência ao mapa da alínea anterior, sempre que os mesmos também constem daquele”. No caso dos autos, a conta final notificada à A. continha, precisamente, os elementos acima indicados referentes à conta corrente e aos mapas dos trabalhos a mais, dos trabalhos de suprimento de erros e/ou omissões e dos trabalhos a menos (cfr. pontos 9 e 10 dos factos provados).
No que concerne à notificação da conta final ao empreiteiro, estabelece o n.º 1 do art.º 401.º do CCP que, “elaborada a conta final da empreitada, a mesma é enviada, no prazo de 15 dias, ao empreiteiro, podendo este, no mesmo prazo, proceder à sua assinatura ou, discordando da mesma, apresentar reclamação fundamentada”.
Quanto ao ato de revisão de preços que, in casu, foi incluído na notificação da conta final, importa atender ao disposto no art.º 300.º do CCP, segundo o qual, “sem prejuízo do disposto nos artigos 282.º, 341.º e 382.º, só há lugar à revisão de preços se o contrato o determinar e fixar os respetivos termos, nomeadamente o método de cálculo e a periodicidade” (sublinhado nosso). Do contrato de empreitada em apreço sabe-se, com efeito, que o mesmo prevê uma cláusula relativa aos cálculos da revisão de preços, os quais são elaborados “de acordo com o previsto no caderno de encargos, cuja fórmula se encontra no mesmo” (cfr. ponto 1 dos factos provados).
No caso específico dos contratos de empreitada, rege ainda o art.º 382.º do CCP, de acordo com o qual, “sem prejuízo do disposto nos artigos 282.º, 300.º e 341.º, o preço fixado no contrato para os trabalhos de execução da obra é obrigatoriamente revisto nos termos contratualmente estabelecidos e de acordo com o disposto em lei” (n.º 1). No entanto, “na falta de estipulação contratual quanto à fórmula de revisão de preços, é aplicável a fórmula tipo estabelecida para obras da mesma natureza constante de lei” (n.º 2).
A remissão contida na última parte do n.º 2 do art.º 382.º do CCP dirige-se ao Decreto-Lei n.º 6/2004, de 06/01 (ainda em vigor), o qual estabelece o regime aplicável à revisão de preços das empreitadas de obras públicas. Pode ler-se no seu preâmbulo que “a revisão de preços das empreitadas de obras públicas tem constituído ao longo das últimas décadas uma garantia essencial de confiança entre as partes do contrato, permitindo-lhes formular e analisar propostas baseadas nas condições existentes à data do concurso, remetendo para a figura da revisão a compensação a que houver lugar em função da variação dos custos inerentes à concretização do objeto do contrato”. De facto, a revisão de preços é um dos instrumentos para operar, quando necessário, a reposição do equilíbrio financeiro do contrato, a qual, por sua vez, ocorre quando, tendo em conta a repartição do risco entre as partes, o facto invocado como fundamento do direito a essa reposição altere os pressupostos nos quais o co-contratante determinou o valor das prestações a que se obrigou, desde que o contraente público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos (cfr. art.º 282.º do CCP).
Segundo o art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 6/2004, de 06/01, o preço das empreitadas de obras públicas “fica sujeito a revisão, em função das variações, para mais ou para menos, dos custos de mão-de-obra, dos materiais e dos equipamentos de apoio, relativamente aos correspondentes valores no mês anterior ao da data limite fixada para a entrega das propostas” (n.º 1). Acresce que “a revisão será obrigatória, com observância do disposto no presente diploma e segundo cláusulas específicas insertas nos cadernos de encargos e nos contratos, e cobre todo o período compreendido entre o mês anterior ao da data limite fixada para a entrega das propostas e a data do termo do prazo de execução contratualmente estabelecido, acrescido das prorrogações legais” (n.º 2) (sublinhado e negrito nosso).
Feito este breve enquadramento acerca da conta final e da revisão de preços que foram notificadas à ora A. – sendo que não vêm postos em crise os valores apurados nessa sede, mas tão-só a responsabilidade pelo seu pagamento –, cumpre agora ter em atenção o regime aplicável à cessão da posição contratual no âmbito do contrato de empreitada em apreço, pois que é essa cessão que está no centro do litígio dos presentes autos.
Com efeito, extrai-se da factualidade provada que, em 24/10/2014, a A. e a Contrainteressada celebraram um contrato de cessão de posição contratual pelo qual esta cedeu àquela, que aceitou, a posição contratual de empreiteira no contrato de empreitada aqui em causa, cessão que foi devidamente autorizada pelo R. (cfr. pontos 2, 4, 5 e 6 dos factos provados).
Ora, a possibilidade de cessão da posição contratual no âmbito dos contratos públicos vem genericamente admitida no art.º 316.º do CCP, nos termos do qual, “na falta de estipulação contratual ou quando outra coisa não resultar da natureza do contrato, são admitidas a cessão da posição contratual e a subcontratação, nos termos do disposto nos artigos seguintes”, devendo ser sempre respeitados os limites impostos pelo art.º 317.º do mesmo diploma legal.
Para o caso dos autos interessa sobretudo o disposto no art.º 319.º do CCP, cujo n.º 1 estipula que a cessão da posição contratual no decurso da execução do contrato carece de autorização do contraente público, sendo que, para efeitos desta autorização, o co-contratante deve apresentar uma proposta fundamentada e instruída com todos os documentos comprovativos da verificação dos requisitos que seriam exigíveis para a autorização da cessão e da subcontratação no próprio contrato (n.º 2).
Por outro lado, para além dos elementos acima referidos, na falta de uma regulamentação específica do regime da cessão da posição contratual nos contratos públicos, é aplicável a disciplina contida nos art.os 424.º e segs. do Código Civil (cfr. art.º 280.º, n.º 3, do CCP).
Ora, a doutrina tem entendido que a cessão da posição contratual consiste no negócio pelo qual um dos outorgantes (cedente) em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro (cessionário), com o consentimento do outro contraente (cedido), o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. II, 4.ª ed., Almedina, 1990, p. 373).
É comum distinguir-se, na cessão da posição contratual, a existência de dois contratos: (i) o contrato-base, celebrado ab initio entre o cedente e o cedido (in casu, o contrato de empreitada celebrado entre a Contrainteressada e o R. em 01/03/2013), e (ii) o contrato-instrumento da cessão, que é o realizado posteriormente entre o cedente e o cessionário para transmissão de uma das posições derivadas do contrato-base (in casu, o contrato celebrado entre a A. e a Contrainteressada em 24/10/2014).
Importa notar que este contrato de cessão tem por objeto a totalidade da posição contratual transmitida, no seu conjunto de direitos e obrigações. Ou seja, o principal efeito deste contrato é a substituição do cedente pelo cessionário, como contraparte do cedido na relação contratual de base, tal como esta existe à data da cessão. Não há, por isso, intenção das partes na celebração de um novo contrato, mas somente a de transmitirem a um terceiro a posição de uma delas no contrato. O que ocorre, em rigor, é uma modificação subjetiva operada num dos polos da relação contratual básica que não prejudica a identidade desta mesma relação. O cedente perde efetivamente, em virtude da transmissão, a qualidade de contraparte (do cedido), deixando de lhe competir todos e quaisquer direitos e/ou deveres e obrigações que lhe advinham da relação contratual transmitida.
O efeito típico principal da cessão de contrato é, portanto, a transferência da posição contratual, no estádio de desenvolvimento em que se encontrava no momento da eficácia do negócio, de uma das partes do contrato para outra. Verifica-se, de uma banda, a extinção subjetiva da relação contratual quanto ao cedente e, de outra banda, o cessionário adquire a mesma relação, que permanece idêntica no seu conteúdo. O cedente perde os créditos em relação ao cedido, fica liberado das suas obrigações em face dele e todo o complexo unitário, dinâmico e funcional, que constitui a relação contratual (créditos, direitos, expectativas perdidos pelo cedente e vínculos, deveres, obrigações e estados de sujeição de que este fica exonerado) passa a figurar na titularidade do cessionário (cfr. Antunes Varela, op. cit., pp. 384 e 385; na jurisprudência, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/03/2004, proc. n.º 03B3912, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/05/2011, proc. n.º 225/08.0TVPRT.P1, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/03/2013, proc. n.º 616/08.7TBPCV.C1, publicados em www.dgsi.pt).
Esta desvinculação completa do cedente é, por conseguinte, um efeito natural, automático, do contrato de cessão, estabelecendo-se entre cessionário e cedido os direitos e obrigações integrados na relação contratual cedida, no estado de evolução em que esta, no momento da cessão, se encontrava na titularidade do cedente. O cessionário torna-se o único titular da posição contratual, passando a pertencer-lhe, por esse motivo, os créditos e os débitos, integrados na relação contratual transmitida, encabeçados no cedente no momento da cessão.
Ademais, tanto a perda dos direitos, como a liberação das obrigações, operam em princípio ex nunc e não com efeito retroativo, pois a cessão abrange a relação nascida do contrato básico com a sua configuração atual e não com a sua primitiva estrutura.
Claro que, não obstante, como vimos acima, ser incompatível com a fisionomia da cessão a manutenção da ligação do cedente à relação contratual originária, é de admitir a manutenção de um vínculo entre cedente e cedido, apesar da transmissão para um terceiro (cessionário) da posição contratual daquele, quando, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (artºs 398.º, n.º 1, e 405.º, n.º 1, do Código Civil), existir a estipulação correspondente. Quando assim suceda, a definição precisa do vínculo estabelecido entre cedente e cedido, por virtude da convenção, depende obviamente da interpretação da cláusula especial introduzida no convénio pelas partes (cfr. Antunes Varela, op. cit., pp. 390 e 391; na jurisprudência, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/06/2009, proc. n.º 3595/06.1TBBCL-A.S1, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 31/01/2012, proc. n.º 4078/10.0TBLRA.C1, publicados em www.dgsi.pt).
Ora, é precisamente esta última a situação vertida no caso dos autos.
Com efeito, da cláusula terceira do contrato celebrado entre a A. e a Contrainteressada (não sendo sequer controvertida a natureza deste acordo como sendo efetivamente de cessão da posição contratual de empreiteiro para a A.) consta que a Contrainteressada, enquanto cedente, “terá que receber a totalidade dos seus trabalhos contratuais no valor de Eur. 592.680,84 + IVA, dos adicionais no valor de Eur. 54.707,67 + IVA, o valor a apurar de revisão de preços e do rachão aplicado na margem do rio de acordo com o adicional”, sendo que “todas e quaisquer outras quantias, acima dos valores referidos no ponto anterior, eventualmente devidas pelo Dono da Obra serão doravante pagas à Cessionária, conforme evidencia lista de saldo contratual em anexo no valor de Eur. 1.049.121,63 + IVA, saldo dos adicionais em anexo de Eur. 10.563,72 + IVA, respetivos valores de Suprimento de Erros e Omissões e de revisão de preços” (cfr. ponto 3 dos factos provados – sublinhado e negrito nosso).
Aqui chegados, e tendo presente os traços gerais do instituto da cessão da posição contratual acima delineados, cumpre determinar quem é a responsável pelo pagamento ao R. (cedido) do valor apurado a título de revisão de preços no contrato de empreitada celebrado, se a cedente (Contrainteressada), se a cessionária (ora A.).
E julgamos que a responsável por esse pagamento é, na verdade, a ora A.
O contrato de empreitada foi celebrado em 01/03/2013 entre o R. (dono de obra) e a Contrainteressada (empreiteiro). Durante a execução do contrato, em 24/10/2014, a posição contratual da Contrainteressada foi cedida à A., que passou, nessa medida, a ser a contraparte do R. naquele contrato.
Como consequência dessa cessão, temos que a A. ingressou, automática e imediatamente, na posição contratual de empreiteiro e “herdou” todo o complexo unitário, dinâmico e funcional de direitos e de obrigações, principais e acessórios, que constitui a relação contratual de empreitada – no qual se inclui a obrigação de pagamento do saldo apurado pelo R. ao nível da revisão de preços, no final da execução da empreitada –, com exceção daquele feixe de posições jurídicas que o próprio contrato de cessão reservou para a Contrainteressada.
Como deixámos transcrito supra, não se ignora que, nos termos da cláusula terceira do contrato de cessão, manteve-se na esfera jurídica da Contrainteressada (cedente) o direito a recebera totalidade dos seus trabalhos contratuais no valor de Eur. 592.680,84 + IVA, dos adicionais no valor de Eur. 54.707,67 + IVA, o valor a apurar de revisão de preços e do rachão aplicado na margem do rio de acordo com o adicional”, tendo ficado acordado que todas e quaisquer outras quantias, acima daqueles valores, que sejam eventualmente devidas pelo R. (cedido) passariam a ser pagas, com a cessão, diretamente à A. (cessionária) (cfr. ponto 3 dos factos provados).
Daqui retira a A. a conclusão de que, tendo ficado estipulado no contrato de cessão que a Contrainteressada teria direito ao valor a apurar de revisão de preços, e sendo esse valor variável (podendo ser positivo ou negativo), tal significa que esse direito lhe ficou reservado quer no caso de ser credora, quer no caso de ser devedora, e não exclusivamente para o caso de ser credora, sob pena de uma leitura desconforme com a letra do contrato e com a vontade expressa das partes.
No entanto, julgamos que não é assim. À luz dos critérios gerais de interpretação das declarações negociais previstos nos artºs 236.º e segs. do Código Civil, o que resulta de uma leitura conjugada e sistemática dos parágrafos 1 e 2 da cláusula terceira do contrato de cessão é que a Contrainteressada reservou para si o direito a receber, entre outros valores, o valor a apurar de revisão de preços, devendo o R. pagar à A. (tendo esta o direito a receber) todas as outras quantias por aquele devidas que não se reconduzam aos valores expressamente reservados à Contrainteressada.
Ou seja, o que se manteve na esfera jurídica da Contrainteressada foi o (à data da cessão) eventual direito de crédito que se viesse a apurar em resultado do procedimento de revisão de preços, pois que só assim é possível compreender o uso do verbo “receber” no predicado do parágrafo 1 da cláusula terceira e, paralelamente, o uso do verbo “pagar”, por referência à reflexa obrigação do R., no predicado do parágrafo 2 da mesma cláusula. Por conseguinte, não foi excecionado do conjunto de posições jurídicas a transmitir à A. com a cessão da posição contratual o (à data da cessão) eventual, mas igualmente possível, dever de pagamento do valor a apurar em sede de revisão de preços, no caso de, dessa revisão, resultar um saldo a favor do R., dono de obra.
É, com efeito, este o sentido decisivo da declaração negocial inserta na cláusula terceira do contrato de cessão, por corresponder àquele que seria apreendido por um declaratório normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratório real, em face do comportamento do declarante.
Assim, tendo sido apurado, a final, um saldo positivo ao nível da revisão de preços, do qual decorre, naturalmente, um crédito do R. perante a contraparte e o correspetivo dever de pagamento, este último recai sobre a A., enquanto cessionária, por ter assumido a posição contratual da Contrainteressada, com todos os direitos e deveres a ela inerentes, e por esse dever de pagamento não ter sido excecionado da cessão ao abrigo do princípio da liberdade contratual, nos termos acima descritos. Nem teria o R, aliás, qualquer fundamento para exigir esse pagamento por parte da Contrainteressada, pois que esta deixou de ser a sua contraparte na relação contratual, à exceção, como vimos, das específicas e concretas situações contempladas na cláusula terceira do contrato de cessão.
Por outro lado, o argumento avançado pela A. para afastar a sua responsabilidade por aquele pagamento e que radica na ideia de que foram incluídos, na revisão de preços, cálculos sobre valores dos trabalhos que efetivamente foram executados pela Contrainteressada e não pela A. (por se reportarem a fases de execução da empreitada anteriores à cessão), também este argumento não pode proceder.
Isto porque não se nos afigura que a A. possa validamente opor-se ao cumprimento de um dever contratual referente ao contrato-base (o contrato de empreitada) com a justificação de que, pelo menos, parte desse dever tem na sua génese uma execução do contrato que foi levada a cabo pela Contrainteressada, por ter ocorrido antes da cessão. Nada no regime da cessão da posição contratual permite excecionar um tal grupo de situações, até porque, se assim fosse, correr-se-ia o risco sério de grande parte dos direitos/deveres que fossem adquiridos pelo cessionário não poderem ser por este exercidos/cumpridos por terem na sua génese, naturalmente, atuações levadas a cabo pelo cedente na execução do contrato-base.
Ademais, o que se nos afigura decisivo para a efetiva responsabilidade da A. pelo pagamento do valor em crise é o facto de, sendo a revisão de preços obrigatória e cobrindo, nos termos legais, todo o período compreendido entre o mês anterior ao da data limite fixada para a entrega das propostas e a data do termo do prazo de execução contratualmente estabelecido, acrescido das prorrogações legais (cfr. art.º 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 6/2004, de 06/01), tal valor só podia efetivamente ser calculado e, nessa medida, só se tornou certo, líquido e exigível pelo R. no termo da execução da empreitada, momento em que, sem dúvida, era já a A. que ocupava, por via da cessão operada em momento anterior, a posição de empreiteiro e de contraparte do R. no referido contrato e a quem este podia unicamente exigir o seu pagamento. Isto porque, claro está, não foi estipulada cláusula diversa no contrato de cessão, em termos de responsabilidade, quanto ao apuramento de valores a pagar em sede de revisão de preços, ao contrário do que sucedeu, como vimos, com o apuramento de valores a receber na mesma sede.
Por isso mesmo, é certo que poderia o contrato de cessão ter estabelecido efeito diferente, mais pormenorizado e preciso, quanto à revisão de preços, tendo-se aí assumido expressamente, por exemplo, que o valor a calcular por referência aos autos nºs 1 a 16 seria da responsabilidade da cedente (Contrainteressada) e que apenas o valor a calcular por referência aos autos nºs 17 a 24 seria da responsabilidade da cessionária (ora A.) (cfr. ponto 9 dos factos provados).
Ora, não tendo sido essa a via seguida pelo contrato, deverá a cessão operar plenamente, assumindo a A., enquanto cessionária, a responsabilidade pela revisão de preços da empreitada caso se venha a apurar – como ocorreu na realidade – um valor a suportar e a pagar ao R. a esse título.
Por último, refere ainda a A. que não pode o R. acionar a garantia bancária prestada para se cobrar do valor apurado na revisão de preços, uma vez que aquela garantia se destina apenas a assegurar a boa execução dos trabalhos realizados pela A. na empreitada (e não trabalhos realizados anteriormente por terceiros) e porque o crédito em causa, não sendo da responsabilidade da A., não cabe no âmbito da finalidade que preside à prestação da referida garantia.
Carece, porém, a A. de razão.
O argumento de que a garantia não pode ser acionada por a A. não ser responsável pelo pagamento do valor em causa cai logo por terra em face do que acima ficou exposto, porquanto se concluiu, precisamente, que a A. é a responsável por esse pagamento.
E o mesmo se diga da alegação de que o crédito em causa não cabe no âmbito da finalidade da prestação da garantia por o mesmo não ter por base a execução de trabalhos exclusivamente pela A. e pelo facto de a garantia não abranger o propósito de cobrar o valor decorrente da aplicação do regime de revisão de preços. Parece aqui esquecer-se, uma vez mais, que, com a cessão da posição contratual operada, a A. assumiu todos os direitos e obrigações advenientes da relação contratual de base (com exceção dos direitos que, nos termos do contrato, ficaram reservados à cedente), independentemente de a génese desses direitos e deveres radicar numa parte da execução da empreitada que foi realizada pela cedente, antes da cessão.
De facto, extrai-se do probatório que a sociedade N. – Sociedade de Garantia Mútua, S.A. declarou prestar a favor do R., em nome e a pedido da A., a garantia autónoma n.º 2014.10688, irrevogável e à primeira solicitação, no valor de € 52.456,08, correspondente à caução de 5% de € 1.049.121,63, prevista no programa do concurso público para a execução da empreitada em apreço e destinada a garantir o bom e integral cumprimento de todas e quaisquer obrigações emergentes do contrato celebrado na sequência daquele procedimento (cfr. ponto 7 dos factos provados).
Ora, o art.º 296.º, n.º 1, do CCP é muito claro ao determinar que as cauções prestadas pelo co-contratante (que podem revestir a forma de garantia bancária – cfr. art.º 90.º, n.º 2, do CCP) “podem ser executadas pelo contraente público, sem necessidade de prévia decisão judicial ou arbitral, para satisfação de quaisquer importâncias que se mostrem devidas por força do não cumprimento por aquele das obrigações legais ou contratuais, designadamente as seguintes [elenco exemplificativo]: a) sanções pecuniárias aplicadas nos termos previstos no contrato; b) prejuízos incorridos pelo contraente público, por força do incumprimento do contrato; c) importâncias fixadas no contrato a título de cláusulas penais” (sublinhado nosso).
Assim, mostrando-se a A. em incumprimento do dever contratual de pagamento do valor apurado em sede de revisão de preços, está o R. habilitado a acionar a garantia prestada pela A., nos termos legalmente permitidos (cfr. ponto 16 dos factos provados).
*
Ante o exposto, conclui-se que é a A. a responsável pelo pagamento do valor liquidado na conta final a respeito da revisão de preços da empreitada, o que determina a improcedência não só do pedido anulatório do ato impugnado, como também do pedido de notificação da Contrainteressada para pagamento do valor assim apurado, pelos trabalhos por si executados.
X
A questão nuclear a ser dirimida nestes autos é meramente de direito e consiste na interpretação do contrato de cessão de posição contratual celebrado entre a aqui Recorrente e a Contrainteressada.
A decisão recorrida não acolheu a posição sufragada por aquela e, quanto a nós, bem.
Senão vejamos,
Em 01/03/2013, a Recorrida celebrou com a Câmara Municipal de V... N... de G..., um contrato de empreitada - Construção de Passadiço para Ligação Ciclo-Pedonal entre o cais de Q… e o A… de O… do D… e Requalificação da Frente Fluvial do Rio D... no A… de O… do D… -.
Em 24/10/2014, a Contrainteressada e aqui Recorrida e a Recorrente, celebraram um contrato de cessão de posição contratual, cujo objecto era a empreitada mencionada supra, em que aquela figurava como Cedente e esta como Cessionária. A cessão da posição contratual foi autorizada pela Câmara Municipal de V... N... de G....
Em 15/02/2016, em cumprimento do disposto no nº 1 do artº 401º do CCP, remeteu a Câmara Municipal de V... N... de G... à Recorrente, a conta final relativa à empreitada supra identificada, concedendo-lhe prazo para proceder ao pagamento ou apresentar reclamação fundamentada, anexando para o efeito a fatura nº 1878/2016, no valor total de €75.361,11, correspondente ao cálculo de revisão de preços.
Da conta reclamou a Recorrente, invocando em suma, que:
-o cálculo de revisão de preços versa sobre os trabalhos de empreitada executados pela sociedade Construções E. A.-L., SA, pelo que a responsabilidade do pagamento terá de recair sobre esta sociedade.
Tal reclamação foi indeferida, mediante despacho exarado em 21/03/2016 pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de V... N... de G..., com a argumentação de que o contrato de cessão de posição contratual nada refere quanto à obrigação do pagamento do valor a apurar em sede de revisão de preços, razão pela qual tal obrigação recai sobre a ora Recorrente.
Não se conformando com a decisão proferida, a Recorrente impugnou-a, invocando novamente, que o cálculo de revisão de preços versa sobre os trabalhos de empreitada executadas pela Recorrida Construções E. A.-L., S.A., pelo que a responsabilidade do pagamento terá de recair sobre esta; requereu a revogação da decisão e a substituição por outra que impute à cedente os valores resultantes da revisão de preços.
Ora, dispõe o contrato de cessão de posição contratual em apreço, concretamente na Cláusula Terceira, nº 1:
“O Cedente terá que receber a totalidade dos seus trabalhos contratuais no valor de EUR. 592.680,84 + IVA dos adicionais no valor de Eur. 54.707,67 + IVA, o valor a apurar de revisão de preços e do rachão aplicado na margem do rio de acordo com o adicional”. Ou seja, a Recorrida, no âmbito da cessão da posição contratual, teria direito a: a) Receber a totalidade dos seus trabalhos contratuais no valor de EUR. 592.680,84 + IVA dos adicionais no valor de Eur. 54.707,67 + IVA; b) Receber o valor a apurar de revisão de preços e do rachão aplicado na margem do rio de acordo com o adicional.
Assim, resulta da letra do contrato e da vontade das partes a estipulação expressa do direito da Recorrida receber o valor a apurar em sede de revisão de preços e do rachão aplicado na margem do rio de acordo com o adicional. É que as partes nada fixaram contratualmente sobre quem recairia o ónus de pagar o valor a apurar em sede de revisão de preços.
Logo, não é a Recorrida responsável pelo pagamento do valor apurado em sede de Revisão de Preços, como bem se sentenciou.
O busílis da questão repete-se, assenta no facto de tendo havido uma cessão da posição contratual da empreitada acima identificada, ter que se apurar sobre quem recai (cedente ou cessionário) o pagamento subjacente à revisão de preços da empreitada.
Sucede que o DL 6/2004, de 6 de janeiro, visa adequar a revisão de preços ao regime jurídico das empreitadas de obras públicas, ficando sujeita tal revisão, em função das variações, para mais ou para menos, dos custos de mão de obra, dos materiais e dos equipamentos de apoio, relativamente aos correspondentes valores no mês anterior ao da data limite fixada para a entrega das propostas. Quanto à cessão da posição contratual, preceitua o artº 424º do CC “No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiros a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.”
A cessão da posição contratual implica, assim, a existência de dois contratos, denominados pela doutrina como contrato-base (in casu, o contrato de empreitada) e o contrato-instrumento da cessão, que é realizado para a transmissão de uma das posições derivadas do contrato-base.
São três os intervenientes desta operação: o contratante que transmite a posição adquirida no contrato-base (cedente), o contratante que adquire a posição contratual transmitida (cessionário), ou seja, aquele que fica investido no complexo de direitos e obrigações que eram do cedente; e a contraparte do cedente, no contrato-base, que passa a ser contraparte do cessionário (cedido).
A relação contratual que tinha como um dos titulares o cedente é a mesma de que passa a ser sujeito, após o novo negócio, o cessionário.
Assim, no âmbito da empreitada mencionada supra, a aqui Recorrida transmitiu à ora Recorrente, o conjunto de direitos e obrigações decorrentes do contrato-base (contrato de empreitada) que havia celebrado com a Cedida (C. M. de V... N... de G...), passando a Recorrente a ser titular da relação contratual anteriormente assumida pela Recorrida. Isto é, na cessão em apreço, a Recorrida desligou-se da posição de contratante, entrando a Recorrente para o seu lugar, assumindo esta perante a Cedida (C. M. de V. N. de G…), para além dos direitos e obrigações fundamentais, os deveres laterais ou secundários, as expectativas, os ónus e os deveres acessórios de conduta que advém da relação contratual básica para o cedente. Cessando quaisquer direitos e deveres entre cedente e cedido - lê-se nas contra-alegações da Construções E. A.-L., S.A. e aqui corrobora-se.
Nada estipulando as partes sobre quem recairia o ónus de pagamento do valor a apurar em sede de revisão de preços, nem limitando a revisão de preços aos trabalhos executados e pagos por cada uma das partes no contrato de cessão de posição contratual, forçosamente terá de se concluir, que a presente cessão da posição contratual não faz qualquer alusão sobre quem recai o ónus de pagamento dos valores a apurar em sede de revisão de preços. Dito de outro modo, sem que tenha sido fixada adequada estipulação no contrato de cessão, a cessão da posição contratual da empreitada, arrasta consigo todos os efeitos decorrentes do contrato originário.
Neste sentido seguiu o Acórdão do TRC de 31/01/2012, proferido no âmbito do proc. 4078/10.0TBLRA.C1, onde se sumariou: “1.Com a cessão da posição contratual, o cedente perde os direitos de crédito correspondentes à posição contratual cedida, assim como se liberta das correspondentes obrigações e deveres acessórios, tudo se transmitindo para o cessionário, que passa a ser a contraparte do cedido. 2. Na falta de adequada ou inequívoca estipulação, é incompatível com a fisionomia da cessão a manutenção da ligação do cedente à relação contratual originária.”
Ora, no silêncio do contrato de cessão da posição contratual, terá a cessão de operar plenamente, assumindo a aqui Recorrente a responsabilidade pelo pagamento do valor apurado em sede de revisão de preços.
Em suma:
-a cessão de posição contratual engloba todo o conjunto de direitos e obrigações resultantes do contrato, com excepção daqueles que as partes expressamente excluírem;
-no caso concreto, e no que respeita à revisão de preços, as partes apenas excluíram da transmissão os direitos de crédito da cedente e não as eventuais obrigações a débito, que bem sabiam poderem vir a surgir;
-havendo saldo de revisão de preços a favor do dono da obra surge uma obrigação contratual de pagar, que foi transmitida à cessionária juntamente com os demais direitos e obrigações não expressamente excluídos;
-a cessão da posição contratual (regulada nos artigos 316º e segs. do CCP, aplicando-se o regime do Código Civil - artigos 424º e segs. na falta de disposições específicas) operou plenamente;
-cabe portanto à cessionária/Recorrente liquidar ao Município/Recorrido os montantes apurados, inclusivamente no que respeita aos trabalhos efectuados pela cedente;
-e, como a Recorrente não pagou os montantes devidos, há um incumprimento contratual, podendo o Recorrido Município socorrer-se da garantia bancária para receber a verba em causa, pois esta destina-se a assegurar a satisfação de quaisquer importâncias que se mostrem devidas por não cumprimento do contrato de empreitada, independentemente da sua origem;
-a sentença recorrida seguiu este percurso lógico, pelo que não tendo sido atacada a factualidade fixada, o entendimento avançado pela Apelante tem de claudicar, não obstante o labor jurídico que também se reconhece à sua peça processual;
-conforme avançado pelo Tribunal a quo, na linha desenvolvida pelas Partes aqui Recorridas: À luz dos critérios gerais de interpretação das declarações negociais previstos nos artºs 236.º e segs. do Código Civil, o que resulta de uma leitura conjugada e sistemática dos parágrafos 1 e 2 da cláusula terceira do contrato de cessão é que a Contrainteressada reservou para si o direito a receber, entre outros valores, o valor a apurar de revisão de preços, devendo o R. pagar à A. (tendo esta o direito a receber) todas as outras quantias por aquele devidas que não se reconduzam aos valores expressamente reservados à Contrainteressada;
-de facto, extrai-se do probatório que a sociedade N.-Sociedade de Garantia Mútua, S.A. declarou prestar a favor do R., em nome e a pedido da A., a garantia autónoma n.º 2014.10688, irrevogável e à primeira solicitação, no valor de € 52.456,08, correspondente à caução de 5% de € 1.049.121,63, prevista no programa do concurso público para a execução da empreitada em apreço e destinada a garantir o bom e integral cumprimento de todas e quaisquer obrigações emergentes do contrato celebrado na sequência daquele procedimento (cfr. ponto 7 dos factos provados);
-o art.º 296.º, n.º 1, do CCP é muito claro ao determinar que as cauções prestadas pelo co-contratante (que podem revestir a forma de garantia bancária-cfr. art.º 90.º, n.º 2, do CCP) “podem ser executadas pelo contraente público, sem necessidade de prévia decisão judicial ou arbitral, para satisfação de quaisquer importâncias que se mostrem devidas por força do não cumprimento por aquele das obrigações legais ou contratuais, designadamente as seguintes [elenco exemplificativo]: a) sanções pecuniárias aplicadas nos termos previstos no contrato; b) prejuízos incorridos pelo contraente público, por força do incumprimento do contrato; c) importâncias fixadas no contrato a título de cláusulas penais”;
-o julgado que se norteou pelos critérios gerais de interpretação das declarações negociais previstos nos artigos 236º e segs. do Código Civil, bem como pela doutrina e jurisprudência que citou não merece censura, razão pela qual se manterá na ordem jurídica.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 27/09/2019

Fernanda Brandão
Frederico Branco
Nuno Coutinho



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