quarta-feira, 11 de março de 2020

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL



Proc. Nº 03040/18.0BEPRT      TCANorte        28.06.2019

 I-A Recorrente foi excluída do procedimento por não ter apresentado a proposta no devido prazo, pelo que em nenhuma situação poderia vir a almejar obter uma decisão de adjudicação em seu favor;
I.1-não tem legitimidade activa quem, tendo sido excluído de um Concurso, pretenda impugná-lo com base em ilegalidades procedimentais alegadamente nele cometidas, quando essas ilegalidades em nada o afectaram;
I.2-ademais transitou em julgado a decisão que declarou a ilegitimidade activa da Recorrente para impugnar decisões sobre lotes sobre os quais não mostrou interesse em apresentar proposta

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
 
VEP-IEMH, S.A., instaurou acção de contencioso pré-contratual contra SPMS-Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE, indicando diversos Contrainteressados, entre os quais, ST-Tecnologia de Laboratório, S.A. e BD, S.A..
Pediu a anulação do acto da sua exclusão, de 30/10/2018, e que seja determinada a sua admissão a concurso, com a análise da sua proposta.
Para o caso de assim não ser entendido, pediu a anulação do acto de adjudicação das propostas de 30/10/2018 proferido no procedimento, com todas as legais consequências, incluindo a anulação dos contratos eventualmente já celebrados.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi decidido assim:
1.Por não provado, julga-se improcedente o primeiro pedido.
2.Julga-se a Autora parte ilegítima ativa para o segundo pedido (subsidiário).
Desta vem interposto recurso.
*
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
a) A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que a Recorrente seria parte ilegítima activa para a dedução do pedido de impugnação do acto de adjudicação;
b) Há desde logo determinados equívocos de raciocínio que afectaram a lógica argumentativa da sentença;
c) Errou a sentença recorrida ao pressupor que a Recorrente foi excluída do concurso e que deixou de ser concorrente;
d) À luz do disposto nas regras do CCP, em particular o seu artigo 53º, não se pode confundir exclusão de propostas com exclusão de concorrentes pelo que o facto de a entidade adjudicante ter decidido excluir a proposta apresentada pela Recorrente jamais implica que esta tenha perdido a sua qualidade de concorrente;
e) Sendo falsa essa premissa, logo se evidencia o consequente erro conclusivo da sentença quando conclui que "a partir do momento em que a Autora não se pode considerar concorrente, carece de legitimidade para impugnar o ato de adjudicação, uma vez que beneficio algum poderá implicar para a sua esfera jurídica".
f) O tribunal recorrido não logrou atentar que o vício invocado pela Recorrente para impugnar o ato de adjudicação - a ilegalidade da prorrogação do prazo para apresentação de propostas - a ser julgado procedente, não só fere de morte o acto de adjudicação como, principalmente, implicará que todas as propostas tenham que ser excluídas decorrente da intempestividade da sua apresentação.
g) Ora, se todas as propostas apresentadas forem excluídas, a entidade adjudicante fica objectivamente impossibilitada de proferir qualquer outro acto de adjudicação - por não haver quaisquer propostas para adjudicar -, levando tal facto à extinção do procedimento concursal em apreço, conforme prevê a alínea b) do n.° 1 do artigo 79.0 do CCP.
h) Ficando o procedimento deserto, tal constitui uma inequívoca situação de vantagem para a Recorrente pois a partir desse facto decorre a forte probabilidade de vir a ser aberto novo procedimento concursal onde possa novamente participar.
i) É pois manifesto que a Recorrente tem um interesse directo e pessoal na impugnação do acto de adjudicação em função do vício alegado dado o que o mesmo, a ser considerado procedente, levará à exclusão de todas as propostas e à extinção do procedimento;
j) Devendo assim concluir-se que a Recorrente tem legitimidade para impugnar o acto de adjudicação com base em vício que determina a exclusão de todas as propostas apresentadas a concurso.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que julgou a Recorrente parte ilegítima para impugnar o ato de adjudicação, devendo os autos baixar ao tribunal a quo para apreciação da questão de mérito.
*
SPMS-Serviços Partilhados do MS, EPE, juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
Conclui-se, assim, que a sentença recorrida, ao decidir pela ilegitimidade processual da Autora, ora recorrente, no que respeita ao pedido subsidiário, de impugnação da decisão de adjudicação do Acordo-quadro está juridicamente correta e deve manter-se.
Razão pela qual deverá improceder o recurso.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, mantida integralmente a sentença recorrida.
*
ST-Tecnologia de Laboratório, S.A., Contrainteressada, também ofereceu contra-alegações, concluindo:
1. O recurso é manifestamente improcedente, pois a sentença ao decidir pela ilegitimidade activa da Recorrente mais não fez do que aplicar correctamente o Direito aos factos em presença.
2. A Recorrente foi excluída do procedimento por não ter apresentado a proposta no devido prazo, pelo que em nenhuma situação poderia vir a almejar obter uma decisão de adjudicação em seu favor.
3. Não tem legitimidade activa quem, tendo sido excluído de um Concurso, pretenda impugná-lo com base em ilegalidades procedimentais alegadamente nele cometidas, quando essas ilegalidades em nada o afectaram.
4. Aliás, transitou em julgado a decisão que declarou a ilegitimidade activa da Recorrente para impugnar decisões sobre lotes sobre os quais a Recorrente não mostrou interesse em apresentar proposta.
5. Acresce que, em todo o caso, as supostas ilegalidades não se verificam, pelo que a acção, e o presente recurso, sempre devem improceder.
Nestes termos e nos mais de direito que suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida e, em consequência, os actos de adjudicação impugnados e a validade do procedimento pré-contratual, com as demais consequências legais.
*
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
*
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
A) Mediante Anúncio n.° 10952/2017, publicado no Diário da República, 2ª Série. de 28/12/2017, a SPMS - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE publicitou o concurso público 2017/70, relativo a Acordo Quadro para o fornecimento de Sistemas Fechados de Colheita de Sangue e de Urina, às Instituições e Serviços do Serviço Nacional de Saúde, distribuído por 151 lotes, correspondentes a diferentes bens a fornecer.
B) Foram publicados Anúncios de prorrogação do prazo do concurso na 2.ª série do Diário da República, em 12/03/2018 (Anúncio n.° 406/2018) e em 09/05/2018 (Anúncio n.° 665/2018).
C) O termo do prazo para entrega das propostas correspondia ao dia 16 de junho de 2018, às 18h00m.
D) A Autora submeteu a sua proposta no dia 16 de junho de 2018, às 18h01m tendo apresentado proposta para os lotes 1, 2, 3, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 21, 22, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 315, 32, 33, 34, 35, 36, 375, 38, 39, 40, 41, 42, 47, 48. 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66. 67. 68. 69. 70. 71, 72, 74. 76, 78, 81, 82, 83, 84, 85, 121, 122, 123, 126, 129, 130, 131, 133, 134, 135, 137. 139 140, 141, 142, 143.
E) Em 26 de outubro de 2018, o Júri elaborou o Relatório Final, do qual se destaca:
«(...) O prazo de entrega das propostas expirou no dia 18/06/2018 às 18 horas, tendo os seguintes concorrentes apresentado proposta (por ordem de submissão das propostas na plataforma):
(...)
14 |VEP - IEMH |Proposta VEP|18/06/2018 18:01 (...)
Dentro do prazo estabelecido para a audiência prévia, pronunciaram-se os seguintes concorrentes: • VEP, S.A. (ANEXO 1)
• ST - Tecnologia de Laboratório S.A. (ANEXO II)
4.1. VEP, S.A. (ANEXO 1)
O concorrente à semelhança dos argumentos já invocados em sede de 2ª audiência prévia, alega a figura do justo impedimento em virtude de problemas técnicos na plataforma eletrónica de contratação.
R: Face ao argumento invocado pelo autor da pronuncia, o Júri solicitou um segundo pedido de esclarecimento à referida plataforma, e mais uma vez, aquela informou não ter registado qualquer constrangimento ou incidente na utilização da plataforma à data da prevista para apresentação das propostas.
Mais informou, que até ao termo do dia 18 de junho de 2018, data definida para submissão das propostas, não tinham registo de "qualquer contacto do referido concorrente" conforme email de 25 de setembro de 2018 (ANEXO III).
Considerando a factualidade acima descrita, e atenta a documentação disponível à data da presente informação, considera-se não existir evidência suficiente que permita fundamentar o alegado constrangimento técnico.
Ora, tendo sido demonstrado pela Vortal, de um modo inequívoco, que não houve constrangimentos no acesso à plataforma, ou qualquer tentativa de contacto por parte daquele concorrente, entendemos, salvo melhor entendimento, que a proposta por ele apresentada não reúne condições para que possa ser admitida.
Por todo o exposto, a proposta deverá ser excluída liminarmente, em virtude da solução normativa contida na alínea a) do n.° 2 do art.' 146.° do CCP, e como tal nega-se provimento à pronúncia apresentada.
(...)
5.3.2. Revogação Anulatória da decisão de contratar
O júri propõe a revogaçào anulatória parcial da decisão de contratar, restrita aos Lotes 7, 8, 10, 11, 12, 15, 18, 24, 26, 30, 67, 68, 69, 70, 72, 76, 77, 78, 82, 100, 108, 126,135 e 145, devidamente assinalada no Mapa 1.
A adjudicação dos lotes supra, não corresponde à decisão que melhor salvaguarda o interesse público, uma vez que a construção de um instrumento robusto, neste caso, um acordo quadro, configura uma mais-valia sempre que permitir:
1. Agilizar o processo de compra;
2. Respeitar a aplicabilidade das Guidelines e diretrizes clínicas;
3. Promover a dinâmica do mercado;
4. Regular o sector de ação dos bens em apreço;
5. Abranger as necessidades das instituições.
Deste modo, a decisão de contratar é revogada, no que se refere aos lotes mencionados, pelo que no há lugar à adjudicação.
A defesa de tal princípio consubstancia-se no facto de se ter constatado que mantendo esses lotes, o procedimento:
a) Não corresponderia à realidade do mercado atual, em termos de concorrência;
b) Não corresponderia aos superiores interesses do SNS, uma vez que não contemplaria alguns dos dispositivos médicos utilizados, nas instituições de saúde.
Por todo o exposto, é intuito da SPMS, EPE desencadear tão breve quanto possível a celebração de novo Acordo Quadro, inserindo os artigos supra referidos, para que as instituições possam beneficiar de um instrumento de compra que permita garantir o cumprimento do sector bem como a aquisição mais célere dos artigos em apreço.
6. Conclusões
Termos em que o Júri propõe:
k) A exclusão da proposta do concorrente VEP - IEMH, Lda., nos termos do ponto 5.3.1. do presente relatório final.
1) A revogação anulatória parcial da decisão de contratar, restrita aos Lotes 7, 8,10, 11, 12, 15, 18, 245 26, 30, 67, 68, 69, 70, 72, 76, 77, 78, 82, 100, 108, 126, 135 e 145, de acordo com o fundamento invocado no ponto 5.3.2 do presente relatório.
A seleção das propostas para efeitos de adjudicação em sede de acordo quadro, por aplicação do critério de adjudicação previsto no artigo 18.2 do programa do concurso, respetivamente, às propostas não excluídas, do qual resulta a proposta de adjudicação para a celebração de acordo quadro, de acordo com o Mapa 1, anexo ao relatório Final.».
F) Mediante Despacho proferido a 30 de outubro de 2018, pelo Vogal do Conselho Executivo do «SPMS - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE», foi aprovado o Relatório Final, a proposta de Adjudicação para efeitos de celebração de contratos e a minuta do contrato.
*
DE DIREITO
Está posta em causa a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
Não Provado
Que tivesse ocorrido um constrangimento na submissão e assinatura da proposta da Autora na plataforma eletrônica, (Vortal) do concurso em apreço.
Ora, um constrangimento que tenha ocorrido numa plataforma eletrónica carece de ser demonstrado por uma perícia; prova que não vem requerida.
Assim, para o efeito não é admissível a prova testemunhal, uma vez que eventual constrangimento informático, para além da necessária perícia, de pode estar dependente de diversas variantes, tais como a capacidade do computador emissor da proposta (pois que a alegada eventual morosidade poderia ter sido causada por eventual insuficiência de tal computador), a ocorrência de algum constrangimento na rede, eventual inabilidade informática do operador. Sobre estes assuntos, nada se sabe, sendo que a sociedade Autora nada refere.
Para além disso, conforme referido no Relatório Final, a Vortal informa que não ocorreu qualquer constrangimento, pelo que apenas com uma perícia informática seria possível aferir com a segurança e certeza jurídicas necessárias o invocado constrangimento.
Desta forma, não se pode dar como provado o invocado constrangimento.
Cumpre começar por saber se a proposta da Autora podia ter sido ou não excluída.
No seguimento do que acima se deu por não provado, verifica-se que o evento que a Autora alega como impeditivo de ter podido apresentar a sua proposta atempadamente, não se julga como provado.
Conforme já referido, eventual constrangimento da plataforma informática carecia de prova pericial, não sendo admissível prova testemunhal.
Desta forma, tendo a proposta da Autora sido apresentada 1 (um) minuto depois do prazo não podia ter sido admitida. Assim, a proposta apenas podia ser excluída do procedimento por extemporânea; como foi.
Face ao exposto, improcede o alegado justo impedimento, e como tal o vício assacado ao ato impugnado.
Cumpre apreciar agora a invocada legitimidade e/ou falta de interesse em agir para o pedido subsidiário.
Atendendo a que o primeiro pedido foi julgado improcedente, compete apreciar o segundo pedido, sem prejuízo de em primeiro lugar saber se o mesmo pode ser conhecido pelo seu mérito.
Ora, tendo a Autora sido excluída, deixa de figurar no procedimento; o que significa, para todos os efeitos legais não se pode considerar concorrente. Assim, tudo se passa como se a Autora não tivesse sido concorrente.
A partir do momento em que a Autora não se pode considerar concorrente, carece de legitimidade para impugnar o ato de adjudicação, uma vez que benefício algum poderá implicar para a sua esfera jurídica.
Não obstante estar alegado na Réplica (art.º 18.°) que «abrir-se-á a possibilidade de ser lançado um novo procedimento, em que a A. terá a oportunidade, se assim o entender, de apresentar propostas para todos os lotes, incluindo, pois naqueles em que no procedimento sub judice não chegou a apresentar proposta», verifica-se que não existe pedido de condenação à abertura de um novo procedimento. Significa isto, que a procederem os vícios alegados, o procedimento poderia ser retomado à fase anterior à da suposta ocorrência dos vícios, pelo que, estando a Autora excluída do concurso, não tinha vantagem alguma na sua esfera jurídica. Para além disso, a invocação genérica da eventual possibilidade de novo concurso não é suficiente, pois que a legitimidade não se afere por hipotéticas futuras possibilidades, mas por presentes e reais certezas.
Assim, apenas quando o Tribunal anulasse o ato de adjudicação e ao mesmo tempo condenasse a abrir outro concurso é que a Autora tinha legitimidade.
Não estando peticionada a anulação ab initio do concurso, nem a condenação ao lançamento de novo concurso, não obtém a Autora qualquer vantagem na sua esfera jurídica com a eventual anulação da adjudicação, pois que a sua exclusão foi julgada procedente. Isto porque, em caso de eventual anulação da adjudicação, aplica-se o regime da anulação dos atos administrativos, uma vez que a adjudicação corresponde a um ato administrativo. Ou seja, o Réu era obrigado a praticar no procedimento novo ato administrativo expurgado dos vícios do anulado. Não era obrigado a abrir novo concurso.
Ao contencioso pré-contratual é aplicável o regime do artigo 55.° do CPTA, ou seja, o interesse direto. Ora, a partir do momento em que a Autora foi excluída, e essa exclusão seja judicialmente confirmada, deixa de haver interesse direto, pois não será possível à Autora beneficiar da anulação da adjudicação. É que a anulação não implica, que tenha de ser aberto outro concurso, mas que o procedimento em apreço recomece no momento em que o imputado vício alegadamente ocorreu. Como a Autora foi excluída, não pode aproveitar esse retrocesso procedimental, pois no mesmo já não se pode considerar desde o seu início.
A ser assim, ocorre ilegitimidade ativa para o pedido subsidiário.
X
Na óptica da Recorrente a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela sua ilegitimidade activa para a dedução do pedido de impugnação do acto de adjudicação.
Avança-se, já, que carece de razão.
Nos presentes autos foram impugnadas as várias decisões emergentes do acto administrativo final do procedimento de concurso público de formação do Acordo-quadro para o fornecimento de Sistemas Fechados de Colheita de Sangue e de Urina às Instituições e Serviços do Serviço Nacional de Saúde que, simultaneamente, determinou a exclusão da proposta da Autora, ora Recorrente, e procedeu à adjudicação, nos termos propostos no relatório final do júri.
Na petição inicial a Autora, aqui Recorrente, insurgia-se contra a exclusão da sua proposta que fora determinada pela intempestividade da sua apresentação e ainda, subsidiariamente, contra a decisão de adjudicação, à qual imputava um vício decorrente de uma supostamente ilegal substituição de um dos membros do júri e um vício decorrente da supostamente ilegal prorrogação do prazo de apresentação das propostas.
A sentença supra transcrita julgou o pedido relativo à impugnação da decisão de exclusão da proposta da Autora improcedente e considerou, e bem, que, em consequência da manutenção na ordem jurídica da referida decisão de exclusão da sua proposta, a Autora carecia de legitimidade processual para impugnar a decisão de adjudicação propriamente dita.
A Autora conformou-se integralmente com o segmento da sentença que julgou improcedente o pedido de anulação da decisão de exclusão da sua proposta, já que não o incluiu no objecto do recurso; assim, a decisão do Tribunal a quo quanto a essa matéria transitou em julgado.
Dito de outro modo, a Recorrente restringe o objecto do seu recurso à parte da sentença que a considerou parte ilegítima para a dedução do pedido subsidiário, imputando-lhe erro de julgamento, que sustenta referindo que os vícios imputados ao acto de adjudicação implicariam, necessariamente, a exclusão das propostas de todos os concorrentes, e, consequentemente, a abertura de novo procedimento, ao qual poderá concorrer, daí emergindo o seu interesse directo e pessoal atributivo de legitimidade processual.
Ora, como bem observam as ora Recorridas, não tem razão a Apelante.
Em primeiro lugar, como nota a sentença recorrida, a Autora, ora Recorrente, limitou-se a deduzir um pedido anulatório, não o cumulando, designadamente, com qualquer pedido de condenação à abertura de novo procedimento.
Por outro lado, não é correcto afirmar-se que por força dos vícios imputados ao acto de adjudicação a procedência do pedido impugnatório implicaria necessariamente a abertura de novo procedimento ao qual a Autora pudesse concorrer.
Vejamos:
A Autora e aqui Recorrente insiste na ideia de que perante o alegado vício de ilegalidade da prorrogação do prazo de apresentação das propostas todas as propostas admitidas, incluindo as das Contrainteressadas, teriam de ser excluídas e o concurso ficaria deserto.
Como é bom de ver, em nenhuma circunstância se poderia impor a um operador económico concorrente a um procedimento que confiou nos efeitos de uma deliberação que estendeu o prazo de apresentação das propostas uma exclusão da sua proposta por não ter respeitado o prazo originariamente fixado e que foi objecto de prorrogação.
Tal redundaria, naturalmente, numa violação inaceitável do princípio da boa-fé, na dimensão da tutela da confiança.
Como refere, e bem, a sentença, de uma eventual sentença anulatória emergiria, quando muito, apenas um dever de reconstituir o procedimento, expurgando-o das ilegalidades detetadas.
A decisão de abertura, ou não, de um novo procedimento é sempre uma decisão discricionária da entidade adjudicante, não resultando dos efeitos da sentença anulatória qualquer dever jurídico com tal conteúdo.
Assim sendo, é evidente que o interesse da Autora na anulação do acto impugnado não é um interesse directo, como exige o artigo 55° do CPTA, ex vi do seu artigo 101º, mas sim um interesse meramente eventual, hipotético e indirecto. E isto é assim justamente porque o suposto benefício em que a Autora assenta o seu juízo sobre a utilidade da procedência do pedido não resulta, afinal, do efeito da sentença anulatória a proferir, mas antes de uma decisão autónoma, posterior e meramente eventual da entidade adjudicante, que pode, ou não, vir a existir.
Neste sentido, veja-se o Prof. Mário Aroso e as referências feitas por este autor à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo:
“Já o carácter “directo” do interesse tem que ver com a questão de saber se existe um interesse atual e efetivo em pedir a anulação ou a declaração de nulidade do acto que é impugnado. Admitindo que o impugnante é efectivamente o titular do interesse trata-se de saber se o impugnante se encontra numa situação efectiva de lesão que justifique a utilização do meio impugnatório. Neste sentido, o Supremo Tribunal Administrativo tem sufragado o entendimento de que o interesse directo deve ser apreciado, por referência ao conteúdo da petição inicial, em função das vantagens que o impugnante alega poderem advir-lhe da anulação do acto, sendo que os “os efeitos decorrentes da anulação devem repercutir-se, de forma direta e imediata, na esfera jurídica do impugnante.”. Tem, assim, legitimidade para impugnar quem “espera obter da anulação do acto um certo beneficio e se encontra em condições de o poder receber”, sendo o interesse directo desde que “de repercussão imediata na esfera do interessado”. O interesse directo contrapõe-se, assim, a um interesse meramente longínquo, eventual ou hipotético, que não se dirija a uma utilidade que possa advir directamente da anulação do acto impugnado.” - em Manual de Processo Administrativo, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, pág. 225.
Veja-se também o Acórdão do TCA Sul de 06/12/2017, no proc. 1205/1 7.0BELRA:
“1-A legitimidade processual ativa nas ações administrativas de impugnação de ato administrativo está prevista no artigo 55°, n° 1, al. a), do CPTA.
II-A utilidade a retirar do sucesso da ação tem de advir diretamente ou imediatamente da invalidação do ato administrativo, o que só ocorre quando o interesse do autor é atual, imediato e efetivo, e não quando for reflexo ou mediato em relação ao efeito próprio do ato administrativo.”
Por outro lado, a jurisprudência tem, igualmente, considerado que a consolidação dos efeitos jurídicos da exclusão do concorrente, como sucede no caso dos autos, automaticamente lhe retira legitimidade para a impugnação da adjudicação propriamente dita - neste sentido, cfr. o Acórdão do STA de 13/03/2019, no âmbito do proc. 0859/17.2BELSB, onde se sumariou:
1-(….);
II-(….);
III-A regra geral de legitimidade para impugnação de acto administrativo está consagrada no artigo 55° do CPTA, sendo atribuída a quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos;
IV-Regra que vigora, ainda, no caso de impugnação de normas imediatamente operativas, como se constata da leitura do artigo 73° do CPTA;
V-Deste modo, e por regra, só o participante em determinado procedimento, e que dele não tenha sido excluído, está em condições de invocar um interesse relevante, em termos de legitimidade activa, para atacar o acto final do mesmo;
VI-O artigo 103° do CPTA consagra uma legitimidade excepcional temporária, permitindo a quem tem mero interesse em participar no procedimento que peça a declaração de ilegalidade de disposições contidas, nomeadamente no caderno de encargos e impugne, nessa base, o acto administrativo que as aplica.
Neste sentido decidira o mesmo Supremo Tribunal em 14/02/2013, no processo 01212/12:
“Não tem legitimidade activa para arguir vícios próprios do acto de adjudicação de uma empreitada de obras públicas, o concorrente cuja proposta foi excluída e que não impugna essa exclusão.”
É que não basta a existência de legitimidade activa; é ainda necessário que a Parte retire da lide alguma vantagem da procedência do pedido.
Corrobora-se, assim, a leitura efectuada na sentença recorrida no sentido da ilegitimidade processual da Autora, ora Recorrente, no que respeita ao pedido subsidiário, de impugnação da decisão de adjudicação do Acordo-quadro.
Em suma:
-a Recorrente foi excluída do procedimento por não ter apresentado a proposta no devido prazo, pelo que em nenhuma situação poderia vir a almejar obter uma decisão de adjudicação em seu favor;
-não tem legitimidade activa quem, tendo sido excluído de um Concurso, pretenda impugná-lo com base em ilegalidades procedimentais alegadamente nele cometidas, quando essas ilegalidades em nada o afectaram;
-ademais transitou em julgado a decisão que declarou a ilegitimidade activa da Recorrente para impugnar decisões sobre lotes sobre os quais não mostrou interesse em apresentar proposta.
Desatendem-se, assim, as conclusões da Apelante, sem prejuízo do labor jurídico que também se reconhece à sua peça processual - alegações.
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 28/06/2019
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Nuno Coutinho



Sem comentários:

Enviar um comentário