quarta-feira, 11 de março de 2020

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL; ACORDO-QUADRO; CONVITE; EXCLUSÃO DA PROPOSTA



Proc. Nº 01357/18.2BEAVR   TCANorte        23.05.2019

I – O acordo-quadro constitui um acordo sobre contratos a celebrar ulteriormente, nele se disciplinando o regime dos contratos a celebrar entre as entidades por ele abrangidas.
II - O objetivo do «acordo quadro» é o de selecionar um determinado número de empresas que serão ulteriormente consultadas, quando surgir a necessidade de celebrar certos contratos, com vista a, em termos de concorrência entre elas, se proceder à respetiva adjudicação.
III – São legalmente admitidos dois grandes tipos de acordo-quadro: i) os acordos-quadro cujos termos abranjam todos os aspetos dos contratos a celebrar submetidos à concorrência e ii) os acordos-quadro cujos termos não abranjam todos os aspetos dos contratos a celebrar submetidos à concorrência; sendo que enquadrando-se neste segundo tipo, deve adotar-se o procedimento de consulta prévia para a formação de contratos a celebrar ao abrigo de acordos-quadro nesta modalidade.
IV – O acordo-quadro pode, pois, não fixar todos os termos do contrato a celebrar.
V - Se o acordo-quadro previu a possibilidade de nos procedimentos a abrir ao seu abrigo pudessem ser estabelecidos (ou não) requisitos associados ao sistema operativo dos computadores a fornecer, perante essa possibilidade, conferida pelo acordo-quadro, era lícito à entidade adjudicante incluir nas especificações do caderno de encargos o fornecimento do software, com as características mínimas ali previstas.
VI - Se o Caderno de Encargos anexo ao convite exigia efetivamente o fornecimento do sistema operativo e se a proposta não observou aquela exigência, foi correta a sua exclusão decidida pela entidade adjudicante ao abrigo do artigo 70º nº 2 b) do CCP, nos termos do qual são excluídas as propostas “…que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
 
IL, SA. e HTM, SA. autoras no processo de contencioso pré-contratual que instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em que é ré a CPL, IP. e contra-interessada a sociedade BDIT, Lda. (todos devidamente identificados nos autos) – na qual por referência ao procedimento para aquisição de equipamento informático para a CPL, I.P, peticionaram a anulação dos atos de homologação do relatório final, por meio do qual se determinou a exclusão da sua proposta, e do subsequente ato de adjudicação, bem como a condenação da ré à pratica dos atos devidos para adjudicação à proposta das autoras – inconformadas com a sentença de 25/02/2019 do Tribunal a quo que julgou improcedente a ação, absolvendo o réu do pedido, dela interpuseram o presente recurso de apelação, pugnando pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por decisão de procedência da ação com anulação do ato impugnado, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
i) O concurso aberto pela recorrida está sujeito às especificações, aos termos e condições estabelecidos no caderno de encargos para o Lote 1 do Acordo Quadro Para Aquisição de Equipamento Informático da ESPAP I.P., e no caderno de encargos anexo ao convite.
ii) A leitura e interpretação dos termos e condições previstas no caderno de encargos anexo ao convite deve ser feita tendo em atenção o seu texto e sistematicamente integrada com os termos e condições estabelecidos no caderno de encargos anexo ao acordo quadro referido.
iii) As especificações relativas ao software estabelecidas como termos e condições pelo caderno de encargos do acordo quadro prevêem duas especificações distintas, autónomas e independentes, uma reclamando que o computador a fornecer tenha a capacidade para instalação das mais recentes versões desenvolvidas dos sistemas operativos desenvolvidos sobre plataformas Windows (e Linux) que é exactamente a versão Windows 10 Pro, sob a especificação “Software – Sistemas Operativos Suportados – As mais recentes versões desenvolvidas sobre plataformas Windows ou Linux”,
iv) E outra, sob a especificação “Software – Sistema Operativo – Pré-instalação de sistema operativo OEM/ Licenciamento (se aplicável) - As mais recentes versões desenvolvidas sobre plataformas Windows ou Linux”, dirigida à definição do software instalado e licenciado a integrar o computador, quando aplicável (ou seja, quando especificamente isso conste como termo ou condição do concurso público aberto posteriormente ao abrigo daquele acordo quadro).
v) Os termos e condições balizados naquele caderno de encargos anexo ao acordo quadro, atenta a distinção das duas referidas rúbricas, previu a possibilidade de nos concursos subsequentes aberto ao abrigo do acordo quadro se estabelecesse como termo ou condição apenas que o computador fosse fornecido sem sistema operativo (mas com habilitação para que depois nele fosse instalado) e outros em que fosse estabelecido também como termo ou condição a instalação e licenciamento de software (sistema operativo), quando aplicável.
vi) O caderno de encargos anexo ao convite (concurso aberto ao abrigo daquele acordo quadro) estabeleceu na sua cláusula 22ª como termo e condição que o computador a fornecer observasse a especificação “Software – Sist. op.s sup.: I Windows 10 Pro”,
vii) Constituindo aquelas siglas as abreviaturas da expressão “Sistema Operativos Suportado”.
viii) Integrando ambos os cadernos de encargos, resulta que o que foi estabelecido como termo e condição a observar relativamente à especificação Software no computador a fornecer foi que este tivesse a habilitação para lhe poder vir a ser instalado o sistema operativo de versão igual ou superior ao Windows 10 Pro (Software Suportado),
ix) Não tendo qualquer suporte na letra daquela especificação o entendimento de que ali se definiu como termo ou condição a especificação da instalação e licenciamento daquele sistema operativo no computador a fornecer.
x) À questão “Qual o sistema operativo instalado e licenciado requerido para o Lote 1?”, o júri prestou esclarecimento pela resposta “A informação que solicita consta na Cláusula 22 – Especificação e descrição dos bens na página 12 do Caderno de Encargos”;
xi) Ao remeter simplesmente para aquela cláusula do caderno de encargos anexo ao convite, sem mais nota, observação, aditamento ou reparo, o esclarecimento não tem a virtualidade de mudar o que ali já constava como especificação, na redacção que ali lhe fora conferida,
xii) Pelo que a remissão singela como esclarecimento do júri para o teor da cláusula 22ª e especificações aí expressas apenas pode significar, para um normal declaratário, que o concorrente deve ler o que lá consta e assim concluir que a instalação e licenciamento de software não é termo ou condição requerida pelo caderno de encargos anexo ao convite.
xiii) Se o júri, após o pedido do esclarecimento, se apercebeu que afinal o que estava expresso e escrito no quadro de especificações que integra a cláusula 22ª do caderno do convite era errado e não correspondia àquilo que era de facto a pretensão da entidade adjudicante na elaboração daquela peça procedimental, então a boa-fé com que tem de actuar e a tutela da confiança dos concorrentes nas regras fixados para o concurso, impunha que de forma expressa, clara e objectiva, o júri isso tivesse manifestado,
xiv) Condição essa que não se cumpre pela simples remissão para o que já se estabelecia como especificação relativa ao software na cláusula 22ª do caderno de encargos positivada pela fórmula “Sist. Op.s Sup.”.
xv) A interpretação que a douta sentença recorrida permite à especificação relativa ao software estatuída no quadro anexo à cláusula 22ª do caderno de encargos do convite, no sentido de que pela expressão “Software - Sist. Op.s Sup.” se pede como termo e condição a instalação e licenciamento de sistema operativo no computador a fornecer, por resultado da mera remissão para essa cláusula em resposta à pergunta “Qual o sistema operativo instalado e licenciado requerido para o Lote 1?”,
xvi) Conduz a uma alteração sub-reptícia e escondida das regras do concurso, que não é clara, nem objectiva, nem inequívoca, adequada a iludir um concorrente normalmente avisado e atento que confie no teor dos textos que constam escritos nos cadernos de encargos do acordo quadro e do anexo ao convite,
xvii) O que viola os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência previstos no CCP (na versão aplicável, anterior à introduzida pelo DL. nº 111-B/17 de 31 de Agosto) e da boa-fé e confiança previstos na norma do art 10º, nº 1 do CPA.
xviii) O caderno de encargos anexo ao convite estabeleceu como especificação relativa à especificação “Software” que o computador a fornecer tivesse a aptidão para suportar a instalação do sistema operativo Windows 10 Pro, que é a versão mais recente do sistema operativo da plataforma Windows,
xix) Especificação que integrou a proposta apresentada pelas recorrentes,
xx) E não que o computador a fornecer estivesse já habilitado com a instalação e licenciamento daquele sistema operativo.
xxi) A proposta apresentada pelas recorrentes foi excluída por inobservância de termo ou condição que não estava previsto no caderno de encargos, e por isso foi ilegal o acto da recorrida que assim determinou violando a norma do art. 3º do CPA.
xxii) A douta sentença impugnada, ao decidir pela legalidade do acto impugnado, violou o princípio da legalidade, os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, da boa-fé e confiança, em violação às normas dos arts. 1º, nº 4 do CCP e 3º e 10º, nº 1 do CPA, merecendo revogação, com a consequente anulação do acto de homologação do relatório final do júri que determinou a exclusão da proposta apresentada pelas recorrentes, por ilegalidade por aplicação da norma do art. 163º, nº 1 e nº 2 do CPA.
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A contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida.
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Remetidos os autos a este Tribunal, em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer.
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Sem vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelas recorrentes as respetivas conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se a sentença recorrido incorreu em erro de julgamento de direito, ao decidir pela improcedência da ação, com manutenção do ato que decidiu pela exclusão da sua proposta.
III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
Nos termos do nº 6 do artigo 663º do CPC novo, aqui aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, remete-se para a factualidade dada como provada na sentença recorrida, a qual não vem impugnada no presente recurso nem deve ser objeto de qualquer alteração.
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B – De direito
1. Da decisão recorrida
Na sentença recorrida a Mmª Juíza a quo pronunciando-se sobre o mérito da ação, apreciou o fundamento de invalidade do ato impugnado invocado pelas autoras na petição inicial da ação, que enunciou ser o da violação do disposto nos artigos 70º n.2 alíneas b) e c), a contrario e 146º n.2 alínea o), a contrario, todos do Código de Contratos Públicos (vide pág. 15 ss. da sentença). E julgando-o inverificado, absolveu o réu do pedido de anulação formulado na ação.
2. Da tese das recorrentes
As recorrentes pela revogação da sentença recorrida, com fundamento em erro de julgamento de direito, e sua substituição por decisão de procedência da ação com anulação do ato impugnado.
3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 Na situação dos autos temos que a ré CPL, IP abriu, ao abrigo do Acordo Quadro Para Aquisição de Equipamento Informático da ESPAP I.P., procedimento de consulta prévia para aquisição de equipamento informático, com a referência 5001/18/0000560 – Consulta prévia - Aquisição de computadores de secretária – Lote 1.
As autoras apresentaram proposta, que foi excluída, com fundamento em que a mesma não apresentava sistema operativo, quando o mesmo era requerido na cláusula 22ª do Caderno de Encargos, e que com isso apresentava atributos que violavam os parâmetros base fixados no caderno de encargos (art. 70º, nº 2, b) do CCP), tal como resulta externado no relatório preliminar e foi mantido no relatório final do júri, merecedor do despacho de concordância (vide J) e L) do probatório).
3.2 As autoras invocaram na ação que foi erroneamente interpretado o estipulado no Caderno de Encargos, na medida em que não é correto o entendimento feito pelo júri de que a cláusula 22º do Caderno de Encargos do procedimento determinasse como especificação técnica que o equipamento a propor fosse fornecido com instalação do sistema operativo e que assim a decisão de exclusão da sua proposta, com tal fundamento, e a consequente adjudicação do contrato à contra-interessada BDIT, viola o disposto nos artigos 1º nº 4, 70º nº 2 alíneas b) e c) a contrario, 146º nº 2 alínea o) a contrario, todos do CCP e, bem assim, os artigos 3º nº 1, 4º, 8º e 10º, todos do Código de Procedimento Administrativo.
3.3 A sentença recorrida, enfrentando tal invocação, e os argumentos esgrimidos pelas autoras a tal respeito, e tendo por base a matéria de facto que deu como provada, que não vem impugnada no presente recurso, negou razão às autoras e manteve o ato de exclusão da sua proposta.
3.4 Em causa nos autos está, assim, a interpretação da exigência contante da cláusula 22º do Caderno de Encargos do procedimento, anexo ao convite, atinentes às especificações técnicas, no que segmento que se refere ao software, ali assim vertido (cfr. F) do probatório):
Software
sist. Op.s sup.:
Windows 10 Pro
3.5 Posto que está assente que a proposta das autoras não contemplava que os computadores fossem fornecidos com software, o que as autores expressamente reconhecem, a única divergência que existe é quanto à interpretação da cláusula 22ª do Caderno de Encargos do procedimento, anexo ao convite, no sentido de saber se era ali efetivamente exigido o fornecimento do software, como foi considerado pela entidade demandada, e corroborado na sentença recorrida, ou se pelo contrário, como sustentaram as autoras, assim não é.
3.5 Insistem as recorrentes na tese que já haviam defendido na ação, argumentando, designadamente, que os termos e condições balizados no Caderno de Encargos anexo ao acordo-quadro previu a possibilidade de nos concursos subsequentes aberto ao abrigo do acordo-quadro se estabelecesse como termo ou condição apenas que o computador fosse fornecido sem sistema operativo (mas com habilitação para que depois nele fosse instalado) e outros em que fosse estabelecido também como termo ou condição a instalação e licenciamento de software (sistema operativo), quando aplicável, e que no procedimento em causa nos autos o Caderno de Encargos anexo ao convite estabeleceu na sua cláusula 22ª como termo e condição que o computador a fornecer observasse a especificação “Software – Sist. op.s sup.: I Windows 10 Pro”, constituindo aquelas siglas as abreviaturas da expressão “Sistema Operativos Suportado”, do que retiram que estabelecido como termo e condição a observar relativamente à especificação Software no computador a fornecer foi que este tivesse a habilitação para lhe poder vir a ser instalado o sistema operativo de versão igual ou superior ao Windows 10 Pro (Software Suportado), não tendo qualquer suporte na letra daquela especificação o entendimento de que ali se definiu como termo ou condição a especificação da instalação e licenciamento daquele sistema operativo no computador a fornecer.
3.6 Importa com efeito, ter presente, que o procedimento aqui em causa se seguiu à celebração de um acordo-quadro. Sendo que, como é sabido, nos termos do disposto no artigo 251º do CCP (Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro), «acordo quadro» “…é o contrato celebrado entre uma ou várias entidades adjudicantes e uma ou mais entidades, com vista a disciplinar relações contratuais futuras a estabelecer ao longo de um determinado período de tempo, mediante a fixação antecipada dos respetivos termos”.
E lembre-se, o CCP procedeu à transposição das Diretivas nºs 2004/17/CE e 2004/18/CE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, bem como da Diretiva no 2005/51/CE, da Comissão, de 7 de Setembro, e ainda da Diretiva nº 2005/75/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Novembro (cfr. artigo 1º nº 2 do DL. nº 18/2008). Sendo que nestas o «acordo quadro» é definido como “…um acordo entre uma ou mais entidades adjudicantes e um ou mais operadores económicos, que tem por objetivo fixar os termos dos contratos a celebrar durante um determinado período, nomeadamente em matéria de preços e, se for necessário, de quantidades previstas”.
3.7 O objetivo do «acordo quadro» é, por conseguinte, o de selecionar um determinado número de empresas que serão ulteriormente consultadas, quando surgir a necessidade de celebrar certos contratos, com vista a, em termos de concorrência entre elas, se proceder à respetiva adjudicação. Assim, o «acordo quadro» não constitui em si mesmo um contrato, mas um acordo sobre contratos a celebrar ulteriormente, nele se disciplinando o regime dos contratos a celebrar entre as entidades por ele abrangidas. Ele um instrumento contratual consubstanciado numa estrutura ou “chapéu” ao abrigo do qual serão celebrados os contratos individuais.
3.8 Como refere Cláudia Viana, in, “O Acordo-Quadro”, Revista de Direito Público e Regulação nº 3, págs. 11 ss., “…na medida em que constitui um instrumento especialmente destinado à satisfação de necessidades frequentes, repetitivas e de grande volume das entidades adjudicantes, o acordo-quadro contribui fortemente para a racionalização da contratação pública, com potencialidades reconhecidas na eficácia das adjudicações e na poupança de dinheiro. Estas potencialidades do acordo-quadro são objetivamente reforçadas quando é utilizado por centrais de compras”.
3.9 Deste modo, quando existe um acordo-quadro plural (artº 252º nº 1 alínea b) do CCP) a entidade adjudicante envia simultaneamente aos diversos contratantes desse acordo um convite à apresentação de propostas circunscritas às singularidades do contrato a celebrar (vide a este respeito, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in, “Concursos e outros procedimentos da Contratação Pública”, 2011, pág. 44).
3.10 Importa também atender em que são legalmente admitidos dois grandes tipos de acordo-quadro:
i) os acordos-quadro cujos termos abranjam todos os aspetos dos contratos a celebrar submetidos à concorrência (artigos 252º nº 1 alínea a) e 258º do CCP);
ii) os acordos-quadro cujos termos não abranjam todos os aspetos dos contratos a celebrar submetidos à concorrência (artigos 252 nº 1 alínea b) e 259º do CCP).
E que enquadrando-se neste segundo tipo deve adotar-se o procedimento de consulta prévia para a formação de contratos a celebrar ao abrigo de acordos-quadro nesta modalidade (cfr. artigo 259º nº 1).
Pelo que são peças do respetivo procedimento o Convite e o respetivo Caderno de Encargos (cfr. artigo 40º nº 1 alínea b) do CCP).
Devendo a entidade adjudicante convidar os cocontratantes do acordo-quadro a apresentar propostas circunscritas aos termos do acordo-quadro, concretizando, desenvolvendo ou complementando em virtude das particularidades da necessidade cuja satisfação se visa com a celebração do contrato ou aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos do acordo-quadro para os efeitos do procedimento de formação do contrato a celebrar ao seu abrigo (cfr. artigo 259º CCP). Sendo certo que o Caderno de Encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar, definindo os aspetos essenciais da sua execução, tais como o preço ou o prazo, bem como explicitando os demais aspetos da execução do contrato (mormente as especificações técnicas ou funcionais das prestações objeto do contrato), quer os que estejam quer os que não estejam submetidos à concorrência, os quais devem ser definidos através de limites máximos ou mínimos, consoante os casos (cfr. artigo 42º do CCP) – vide a este respeito, entre outros, os acórdãos do TCA Sul de 18/12/2014, Rec. nº 11390/14 (Proc. nº 341/12.4BEPDL) e de 15/10/2015, Rec. nº 12284/15 (Proc. nº 1358/14.0BELSB), in, www.dgsi.pt/jtca, de que fomos, então relatores.
3.11 O acordo-quadro pode, pois, não fixar todos os termos do contrato a celebrar, e quando expressamente previsto no caderno de encargos relativo ao acordo-quadro, a entidade adjudicante pode atualizar as características dos bens ou dos serviços a adquirir ao abrigo do acordo-quadro, modificando-as ou substituindo-as por outras, conquanto se mantenha o tipo de prestação e os objetivos das especificações fixadas no procedimento de formação do acordo-quadro (cfr. artigo 257º nºs 2 e 3 do CCP) – vide a este respeito o acórdão do STA de 30/01/2013, Proc. 0878/12, disponível in, www.dgsi.pt/jsta.
3.12 Estas considerações servem para enquadrar normativamente o procedimento em causa nos autos, e partindo daí, reconhecer que como referem as recorrentes, a interpretação dos termos e condições previstas no caderno de encargos anexo ao Convite deve ser feita tendo em atenção o seu texto e simultaneamente os termos e condições estabelecidos no Caderno de Encargos do acordo-quadro.
3.13 As recorrentes, muito embora aceitando que o acordo-quadro previu a possibilidade de nos procedimentos a abrir ao abrigo do acordo-quadro se estabelecesse como termo ou condição apenas que o computador fosse fornecido sem sistema operativo (mas com habilitação para que depois nele fosse instalado) e outros em que fosse estabelecido também como termo ou condição a instalação e licenciamento de software (sistema operativo), quando aplicável, pugnam que o requisito respeitante ao software contante da cláusula 22 do Caderno de Encargos anexo ao convite era de que o computador a fornecer tivesse a habilitação para lhe poder vir a ser instalado o sistema operativo de versão igual ou superior ao Windows 10 Pro (Software Suportado).
3.14 Não se vê, todavia, como lhes pode assistir razão, já que perante essa possibilidade, conferida pelo acordo-quadro, era lícito à entidade adjudicante estabelecer nas especificações do caderno de encargos o fornecimento do software, com aquelas características mínimas. Que foi o que fez.
3.15 A Mmª Juíza do Tribunal a quo procedendo à interpretação da exigência relativa ao software plasmada na cláusula 22º do Caderno de Encargos anexo ao convite, disse a tal respeito o seguinte (vide pág. 21 da sentença recorrida):
De facto, a dita menção a “Software: sist.Op.s sup.: =/> Windows 10 Pro” não pode ser lida meramente na grelha descritiva desacompanhada, por um lado, do intróito da dita cláusula, e, por outro, porque os há neste caso, dos esclarecimentos pedidos e prestados.
Com efeito, prescrevendo a cláusula 22º que “(…) O adjudicatário obriga-se a entregar à entidade adjudicante os bens objecto do contrato em conformidade com (…), e especificações do presente Caderno de encargos, de acordo com as seguintes quantidades e descrição técnica: (…)”, da mesma ressalta que o equipamento - computador - tem de incluir a instalação do software, da mesma forma que também tem de incluir um sistema gráfico ou sistema de som. A referência a “sist.Op.s sup.: =/> Windows 10 Pro” é, pois, neste caso uma especificação técnica destinada a definir as características/ nível de desempenho que o produto “software”, instalado no equipamento concursado, deve apresentar.”.
3.16 E o assim entendido não merece censura.
3.17 A sentença recorrida acrescentou ainda o seguinte:
Ao que se deixa dito, acresce ainda, como bem dizem R. e Contra-interessada, que “se dúvidas houvesse” as mesmas teriam sido dissipadas por meio de uma atenta leitura do pedido de esclarecimento e resposta dada. Efectivamente, tendo em consideração a pergunta formulada: - “Qual o sistema operativo instalado e licenciado requerido para o Lote 1?”, e a resposta obtida: “A informação que solicita consta na Cláusula 22 – Especificação e descrição dos bens na página 12 do Caderno de Encargos.” [cfr. ponto G) do probatório] – está patente no pedido de esclarecimento, com a expressa menção a “instalado e licenciado” (negrito nosso), a interpretação em que júri estribou a decisão de exclusão da proposta das AA., e que o Tribunal aqui acolhe quanto à necessidade de instalação do software», convocando simultaneamente o artigo 50º nº 9 do CCP, que dispõe que “os esclarecimentos e as retificações fazem parte integrante das peças do procedimento a que dizem respeito e prevalecem sobre estas em caso de divergência”.
3.18 As recorrentes invocam em sede do presente recurso que ao remeter simplesmente para aquela cláusula do caderno de encargos anexo ao convite, sem mais nota, observação, aditamento ou reparo, o esclarecimento não tem a virtualidade de mudar o que ali já constava como especificação, na redação que ali lhe fora conferida, pelo que a remissão singela como esclarecimento do júri para o teor da cláusula 22ª e especificações aí expressas apenas pode significar, para um normal declaratário, que o concorrente deve ler o que lá consta e assim concluir que a instalação e licenciamento de software não é termo ou condição requerida pelo caderno de encargos anexo ao convite; que se o júri, após o pedido do esclarecimento, se apercebeu que afinal o que estava expresso e escrito no quadro de especificações que integra a cláusula 22ª do caderno do convite era errado e não correspondia àquilo que era de facto a pretensão da entidade adjudicante na elaboração daquela peça procedimental, então a boa-fé com que tem de atuar e a tutela da confiança dos concorrentes nas regras fixados para o concurso, impunha que de forma expressa, clara e objetiva, o júri isso tivesse manifestado, condição essa que não se cumpre pela simples remissão para o que já se estabelecia como especificação relativa ao software na cláusula 22ª do caderno de encargos positivada pela fórmula «Sist. Op.s Sup.» e que a interpretação que a sentença recorrida permite à especificação relativa ao software estatuída no quadro anexo à cláusula 22ª do caderno de encargos do convite, no sentido de que pela expressão “Software - Sist. Op.s Sup.” se pede como termo e condição a instalação e licenciamento de sistema operativo no computador a fornecer, por resultado da mera remissão para essa cláusula em resposta à pergunta “Qual o sistema operativo instalado e licenciado requerido para o Lote 1?” conduz a uma alteração sub-reptícia e escondida das regras do concurso, que não é clara, nem objetiva, nem inequívoca, adequada a iludir um concorrente normalmente avisado e atento que confie no teor dos textos que constam escritos nos cadernos de encargos do acordo quadro e do anexo ao convite, o que viola os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência previstos no CCP e da boa-fé e confiança previstos no artigo 10º nº 1 do CPA.
3.19 Resulta dos autos que foi apresentado um pedido de esclarecimentos por um dos cocontratantes no acordo-quadro, tendo sido colocada a seguinte questão «Qual o sistema operativo instalado e licenciado requerido para o Lote 1?». O que mereceu do júri a seguinte resposta: «A informação que solicita consta na Cláusula 22 – Especificação e descrição dos bens na página 12 do Caderno de Encargos» (cfr. G) do probatório).
3.20 Ora, desta circunstância o que apenas se pode retirar é que o cocontratante no acordo-quadro que colocou aquela questão considerou que o Caderno de Encargos anexo ao convite exigia que o computador a fornecer incluísse já sistema operativo instalado e licenciado, já que o que perguntou foi qual era o sistema operativo requerido. Interpretação, que como se viu, estava certa. Sendo certo que a resposta que foi dada pelo júri nada mais acrescentou, já que simplesmente disse que a informação solicitada constava na Cláusula 22 – Especificação e descrição dos bens na página 12 do Caderno de Encargos. Não pode, pois, retirar-se daqui, como pretendem as recorrentes, qualquer «alteração sub-reptícia e escondida das regras do concurso», nas palavras por si usadas.
O que releva é que a resposta ao pedido de esclarecimentos não operou qualquer modificação proibida pelo princípio da estabilidade das peças do procedimento – a respeito deste princípio, vide, entre outros, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in, “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2011, pág. 210 ou Cláudia Viana, in, “Os Princípios Comunitários na Contratação Pública”, Coimbra Editora, 2007, pág. 233-234.
E assim é porque o júri nada acrescentou na resposta ao pedido de esclarecimento ao que já constava do caderno de encargos, para o qual se limitou a remeter.
3.20 As considerações que a sentença recorrida tece neste contexto, conduzem-nos a anuir na ideia de que o pedido de esclarecimentos formulado por outra concorrente induzia claramente no sentido de aquele ter interpretado como sendo especificação a cumprir o fornecimento de software, já que apenas perguntou qual seria o sistema operativo exigido, interpretação que o júri não negou, antes corroborou através da sua resposta, do que as autoras deviam ter ficado cientes. E mau grado a posposta que apresentaram não incluiu o fornecimento do sistema operativo. Isto quando a inclusão do sistema operativo era licitamente exigida pelo Caderno de Encargos anexo ao convite, nos termos vistos supra.
3.21 E nesta medida não colhe, por conseguinte, a invocação das recorrentes, no sentido de que a sentença recorrida, ao decidir pela legalidade do ato impugnado, violou o princípio da legalidade, os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, da boa-fé e confiança, em violação às normas dos arts. 1º, nº 4 do CCP e 3º e 10º, nº 1 do CPA, devendo ser revogada e anulado o ato de homologação do relatório final do júri que determinou a exclusão da proposta apresentada pelas recorrentes.
3.22 Pelo contrário, se o Caderno de Encargos anexo ao convite exigia efetivamente o fornecimento do sistema operativo, como se viu, e se a proposta das autoras não observou aquela exigência, foi correta a exclusão da sua proposta decidida pela entidade adjudicante ao abrigo do artigo 70º nº 2 b) do CCP, nos termos do qual são excluídas as propostas “…que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência”.
E com isso correto o julgamento que nesse mesmo sentido foi feito na sentença recorrida.
Improcedendo o presente recurso.
O que se decide.
***
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelas recorrentes - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
Notifique.
D.N.
Porto, 23 de maio de 2019
Ass. Helena Canelas
Ass. Isabel Costa
Ass. João Beato





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