terça-feira, 22 de novembro de 2011

ADJUDICAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS - ANULAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO - INDEMNIZAÇÃO COMPENSATÓRIA




Proc. Nº 891/10  STA

ADJUDICAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS
ANULAÇÃO
IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO COMPENSATÓRIA

I - Anulada a adjudicação de empreitada por na fase de análise das propostas se terem considerado critérios que não podiam ser considerados, e verificando-se, ainda, que não se havia realizado a fase autónoma de selecção qualitativa dos candidatos, haveria que retomar o procedimento concursal superando as ilegalidades detectadas;
II - Esse procedimento, com múltiplos concorrentes, haveria de finalizar com nova adjudicação, não sendo possível um juízo de prognose sobre quem seria o adjudicatário;
III - Se não é já possível retomar o procedimento por a empreitada se mostrar totalmente executada, o concorrente que obteve a anulação tem direito a uma compensação pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença anulatória lhe teria proporcionado

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.
1.1. B…, LDA, sociedade comercial por quotas com sede no Edifício …, Rua …, n.º …, Algés, 1495 Lisboa, intentou no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa acção declarativa de responsabilidade civil extracontratual, sob a forma ordinária, contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 186.110.000$00 (€ 928.312,00), acrescida de juros vencidos e vincendos, em razão dos prejuízos sofridos por ter sido ilegalmente preterida no âmbito do concurso público para a execução da empreitada “Ampliação das Instalações da Assembleia da República, Novo Edifício - 2ª fase - Acabamentos”.
1.2. Por sentença do TAF de Lisboa de 30 de Abril de 2007 (fls. 315 e segts.) foi julgada parcialmente procedente a acção, sendo o Estado condenado ao pagamento da quantia de € 814.537,00 (163.300.006$83), a título de danos patrimoniais, e da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença correspondente a honorários com Advogado. Não foi julgado procedente o pedido quanto a danos não patrimoniais. Na sentença não se conheceu do pedido de juros de mora.
1.3. Dessa sentença, o Estado interpôs recurso principal e a Autora recurso subordinado.
1.4. Por acórdão deste Tribunal de 24 de Setembro de 2009 (fls. 414 e segts), foi decidido mandar os autos “baixar ao TAF de Lisboa para aí se proceder à reforma da sentença, nos termos do art.° 731, n.º 2, do CPC (conhecer, também, do pedido de condenação em juros) (…)».
1.5. Por sentença de 1 de Junho de 2010, o TAF de Lisboa procedeu à reforma da sentença, mantendo o anteriormente decidido e condenando ainda o Estado em juros de mora.
1.6. O Estado Português interpõe o presente recurso jurisdicional, concluindo nas respectivas alegações:
“a) Se o acto de adjudicação foi anulado por se ter ilegalmente “misturado” (contra a Directiva 93/37/CEE, embora de acordo com o Decreto-Lei n.º 405/93 então vigente) os critérios relativos à qualificação dos concorrentes com os critérios relativos à avaliação das respectivas propostas, o que deve ser feito, agora, na ponderação da “situação hipotética actual”, é a separação de tais critérios, não podendo os primeiros ser levados em conta no momento da avaliação das propostas - mas sem que isso signifique, como erradamente considerou a sentença recorrida, que possam eles ser absolutamente excluídos ou desconsiderados, pois impõe-se sempre, por força da lei aplicável, uma primeira fase de qualificação dos concorrentes, em que tais critérios têm de ser utilizados.
b) Comprovou-se, na presente acção, que a concorrente aqui Autora, preterida no procedimento concursal em causa, nunca seria a concorrente adjudicatária, ainda que no procedimento a Administração tivesse agido de forma legalmente irrepreensível (segundo as normas da Directiva 93/37/CEE, entendida como aplicável), desde logo pela sua manifesta incapacidade financeira e económica.
c) A sentença recorrida, ao julgar que «demonstrou-se que, acaso não tivessem sido considerados os critérios que vieram a ser julgados ilegais, a Recorrente ficaria graduada em 1° lugar», não teve em consideração a correcta “situação actual hipotética” inerente ao hipotético cumprimento da lei aplicável (Directiva 93137/CEE), tal como resultou determinado pelo julgado anulatório (Ac. STA de 22/6/1999), pois teria que ter ponderado se, em fase imediatamente antecedente à da avaliação da proposta - como determinavam as normas legais aplicáveis -, a Recorrente teria sido qualificada, em termos das necessárias capacidades técnica, financeira e económica (o que, no caso, os factos dados como provados demonstram que não).
d) Assim, nenhuma indemnização se justifica atribuir à concorrente aqui Autora (cfr. art. 562.º do Código Civil), uma vez que, reconstituída a situação actual hipotética resultante do regime jurídico estipulado pela lei ao caso entendido aplicável, se deve concluir que, pela prática do acto ilegal anulado, nenhuma perda se constata que aquela tenha efectivamente sofrido no confronto da situação real face à situação hipotética: nesta, a Autora continuaria a não ser a adjudicatária, desde logo por manifesta incapacidade financeira e económica.
e) Ainda que assim não fosse, e que, como (erradamente) se conclui na sentença recorrida, na situação actual hipotética a aqui Autora fosse a concorrente adjudicatária, vendo a sua proposta ser a escolhida, a indemnização arbitrada seria injustificada na medida em que se fundamentou em indevida compensação de alegados lucros cessantes, devendo restringir-se aos encargos, ónus ou compromissos assumidos e suportados como consequência directa e necessária da apresentação ao concurso, e em função deste, ou seja, aos chamados “danos emergentes”.
f) Aliás, nunca teria cabimento uma atribuição “automática” - como fez a sentença recorrida de indemnização equivalente ao alegado lucro hipotético, não obtido, de 10% (na quantia de 163.000.000$00, hoje 814.537,00€) do preço por si proposto (de 1.633.000.000$00) para a realização da obra, pois a atribuição de indemnização por tal hipotético lucro - isto é, em montante idêntico ao hipoteticamente auferível - representaria sempre, para a beneficiária, uma enriquecimento sem causa (total ou parcial).
g) Com efeito, não faz sentido a aplicação “cega”, como fez a sentença, de uma “teoria do lucro hipotético”, só se justificando a atribuição de montante equivalente a tal lucro (ou parte dele) se, e na medida em que, ficasse demonstrado - o que, de todo, não resulta dos autos que, no hipotético período em que estaria a realizar esta obra (no caso, 12 meses), a Autora não retirou, de outras realizações, maiores proventos (que a efectiva realização desta obra a teria impedido de obter) (…).”
1.7. A Autora contra-alegou, concluindo:
“A. Reformada a decisão de 1ª Instância, nos termos do artigo 670º do CPC, com a supressão de nulidade, o Estado Português foi notificado para, querendo, usar da faculdade prevista no artigo 670°, nº 4 do CPC, ou seja, para recorrer, querendo, da parte decisória inovatoriamente incorporada na decisão sob recurso (a parte respeitante aos juros), o que este se propôs fazer ao apresentar um novo requerimento de interposição de recurso.
B. O Estado Português restringiu o recurso por si interposto ao abrigo do artigo 670°, nº 4 do CPC ao não atacar, na sua alegação e respectivas conclusões de recurso, o segmento decisório da decisão reformada na parte que foi inovada (relativa aos juros) - limitando-se a reeditar as anteriores alegações -, devendo por isso assumir-se que o Estado Português se conformou com a decisão sob recurso nessa parte.
1ª. Resultou provado em sede de audiência de discussão e julgamento que “se as propostas tivessem sido avaliadas sem o recurso aos dois critérios declarados ilegais, as mesmas teriam sido pontuadas da seguinte forma: 1º Lugar B… - 30,000 pontos” - cfr. Resp. Facto 25 no elenco da matéria de facto constante da sentença recorrida - pelo que é mais do que seguro concluir-se num juízo de prognose póstuma que seria essa a empresa adjudicatária, como muito bem decidiu o Tribunal a quo.
2ª. Ao contrário do pressuposto pelo recorrente, não existe qualquer facto provado nos autos que aponte no sentido da recorrida B… dever ser excluída do Concurso por incapacidade técnica, económica ou financeira, antes se provando factos inconciliáveis com a formulação de tal juízo e no sentido de todos os concorrentes terem sido qualificados e bem qualificados para o concurso.
3ª. Ao contrário do que parece pressupor o recorrente, o Tribunal não pode proceder à reapreciação e reavaliação substancial da capacidade económica e financeira das empresas concorrentes formulando juízos próprios da função administrativa e que, no caso, se encontram já feitos com o valor de caso decidido.
4ª. Qualquer juízo de prognose póstuma que nos presentes autos importe fazer terá de ser feito para projectar uma realidade de facto que não ocorreu ou que ocorreu indevidamente (ante a sentença anulatória e o julgado no processo de execução) e não para, como parece pretender o recorrente, reeditar factos que ocorreram e que estão consolidados no ordenamento com o valor de caso decidido ou caso julgado, como sucede com a qualificação da recorrida.
5ª. Mesmo que não tivesse ficado provado nos autos que a recorrida seria a adjudicatária - o que não é o caso - ter-se-ia de entender tal circunstância devida a actuação culposa do Estado que sempre se recusou a fazer regredir o procedimento a um momento anterior em sede de execução de sentença anulatória (cfr. documentação pertinente junta aos autos) o que determinaria a inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344º/2 do Código Civil, sendo certo que o Estado não logrou provar que a recorrida não seria a empresa adjudicatária.
6ª. Ao considerar devida indemnização a título de lucros cessantes, a sentença recorrida faz correcta interpretação e aplicação dos artigos 562º e 564° do Código Civil, de acordo com os quais a indemnização deve reconstruir a situação em que o lesado se encontraria se não fosse o facto ilícito, compreendendo o ressarcimento dos danos emergentes e dos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
7ª. Ao contrário do que defende o recorrente, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento ao considerar como lucros cessantes aqueles que a recorrida teria realizado com a adjudicação da obra, pois não foi feita prova nos autos de que a recorrida tenha retirado benefícios económicos ou outras vantagens da circunstância de não lhe ter sido adjudicada a empreitada, prova essa que competiria ao Estado fazer por se tratar de facto extintivo do direito de indemnização peticionado (cfr. art. 342.° n.º 2, do Código Civil)”.
Cumpre apreciar e decidir.
2.
2.1. A matéria de facto assente na sentença foi a seguinte:
“Al. A) - A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto, além do mais, a actividade de construção e civil e empreitadas de obras públicas, sendo titular do respectivo certificado de empreiteiro de obras públicas.
Al. B) - Através de Anúncio publicado na IIIª Série do Diário da República de 4/11/97, foi publicitada a abertura de um concurso público internacional para a execução de uma empreitada de “Ampliação das Instalações da Assembleia da República, Novo Edifício - 2 “fase - Acabamentos”.
Al. C) - O citado concurso público foi promovido pela Assembleia da República que para o efeito elaborou um Programa de Concurso e um Caderno de Encargos.
Al. D) - De acordo com o Programa de Concurso, o valor da obra “para efeito do concurso é de 1.361.438.317$00 (mil trezentos e sessenta e um milhões quatrocentos e trinta e oito mil trezentos e dezassete escudos), não incluindo o IVA”.
Al. E) - No exercício da sua actividade social, a Autora apresentou uma proposta ao citado concurso.
Al. F) - A proposta da Autora foi instruída com toda a documentação elementos exigidos no Programa de Concurso.
Al. G) - Ao concurso apresentaram propostas, para além da Autora, dezoito outras empresas do sector da construção e obras públicas.
Al. H) - Em 6 de Janeiro de 1998 realizou-se o acto público de concurso perante uma Comissão nomeada para o efeito por despacho de 5 de Janeiro de 1998 do Senhor Presidente da Assembleia da República.
Al. I) - Ao citado concurso foram admitidas empresas concorrentes, entre as quais a Autora:
B…
1.633.000.000$00
12 meses
C…
1.945.257.825$12
12 meses
D…
1.954.982.561$20
12 meses
E…
1.984.620.429$54
12 meses
F…
1.997.325.851$00
12 meses
G…
1.997.491.343$10
12 meses
H…
2.012.062 134$00
12 meses
I…
2.037.469.458$40
12 meses
J…
2.044.136.273$00
12 meses
L…
2.055.993.834$00
12 meses
M…
2.059.046.988$60
12 meses
N…
2.069.995.318$68
12 meses
O…
2.089.000.000$00
12 meses
P…
2.092.922.408$00
12 meses
Q…
2.096.480.259$00
12 meses
Al. J) - Por despacho de 2 de Fevereiro de 1998 a Senhora Secretária Geral da Assembleia da República nomeou uma “Comissão de Análise” das propostas admitidas a concurso.
Al. L) - A Comissão de Análise utilizou os seguintes critérios de adjudicação para a escolha da proposta mais vantajosa, constantes do ponto 13 do Anúncio e do ponto 18 do Programa de Concurso:
1°- Garantia de condições para a boa execução e qualidade técnica - (35%);
2°- Garantia da capacidade adequada de ordem económica e financeira para a execução da obra - (30%);
3°- Prazo - (25%);
4°- Preço - (10%);
Al. M) - No conjunto do 1° e 2° dos citados critérios - “Garantia de condições para a boa execução e qualidade técnica” e “Garantia de capacidade adequada de ordem económica e financeira para a execução da obra” - o Consórcio concorrente G… foi aquele que obteve melhor pontuação.
Al. N) - Todas as propostas apresentaram igual prazo para a execução da empreitada (365 dias) tendo, todas elas, sido pontuadas com 20 pontos no 3° critério - “Prazo”.
Al. O) - A proposta da Autora foi a que apresentou um preço mais baixo para a realização da empreitada - Esc. 1.633.000.000$00 - tendo sido pontuada com 10 pontos no 4° critério - “Preço”.
Al. P) - No Relatório de Análise das Propostas, a Comissão de Avaliação concluiu que “após a aplicação dos critérios de apreciação das propostas, de acordo com o método descrito no presente relatório (Quadro de Classificação final), verifica-se que a proposta mais vantajosa é a apresentada pelo Consórcio H…, S.A. pelo valor global de 2.337. 064.871$00 (dois biliões trezentos e trinta e sete milhões sessenta e quatro mil oitocentos e setenta e um escudos) …”.
Al. Q) - Por despacho de 8 de Julho de 1998, o Senhor Presidente da Assembleia da República decidiu adjudicar a execução da empreitada ao Consórcio G....
Al. R) - Em 29 de Julho de 1998 a Autora interpôs junto do Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso de anulação do citado despacho de adjudicação.
Al. S) - Nas conclusões 4° e 53 das suas alegações de recurso contencioso a Autora defendeu a ilegalidade do citado despacho de adjudicação “ao assentar a decisão de adjudicação em elementos respeitantes à capacidade económica, financeira e organizacional dos concorrentes”.
Al. T) - Por acórdão proferido em 22 de Junho de 1999, transitado em julgado, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu provimento ao recurso, anulando o despacho de adjudicação impugnado por julgar procedente o vício de violação de lei invocado pela recorrente nas conclusões 43 e 53 das suas alegações de recurso (cfr. doc. fls. 12 a 22 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Al. U) - No citado acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo considerou expressamente que “resulta comprovadamente dos autos que, na apreciação das propostas, em vista da adjudicação, foram tidos em conta os seguintes critérios:
1- Garantias de condições para a boa execução e qualidade técnica;
2- Garantia de capacidade adequada de ordem económica e financeira para a execução da obra.
E os mesmos, como reforçadamente o demonstram os subcritérios em que foram divididos, se tanto fosse necessário, reportam-se a critérios subjectivos, respeitantes aos próprios empreiteiros. Temos assim que, indiscutivelmente, foram violados os artigos 18.° 24.°, 26.° e 29.° da Directiva” , sendo certo que, “entre os factores de adjudicação dos contratos não podem contar-se os que respeitem à capacidade económica, financeira e técnica dos empreiteiros”.
Al. V) - Em 2 de Fevereiro de 2000 a Autora requereu ao Senhor Presidente da Assembleia da República “que promova a execução da sentença do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Junho de 1999, transitada cm julgado, que anulou contenciosamente o despacho do Presidente da Assembleia da República que adjudicou a execução da Empreitada de Obras Públicas para a “Ampliação das Instalações da Assembleia da República, Novo Edifício - 2ª Fase - Acabamentos” ao Consórcio G…, SA” - cf. doc. fls. 23 e 24 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Al. X) - Nesse requerimento, a Autora aventou a hipótese do Senhor Presidente da Assembleia da República “invocar causa legítima de inexecução, pagando uma indemnização correspondente aos prejuízos estimados decorrentes dos custos de elaboração da proposta de execução, bem como aos lucros cessantes resultantes da prática do acto ilegal anulado, e da não adjudicação da empreitada em causa à ora requerente”.
Al. Y) - Por despacho datado de 7 de Julho de 2000, o Senhor Presidente da Assembleia da República homologou uma informação do Gabinete do Auditor Jurídico da Assembleia da República, indeferindo o citado requerimento apresentado pela Autora em 23 de Fevereiro de 2000.
Al. Z) - Em 15 de Setembro de 2000 a Autora peticionou junto do Supremo Tribunal Administrativo “a declaração de inexistência de causa legitima de inexecução, por não se concordar com a declaração de impossibilidade de executar produzida pela entidade requerida, para posterior fixação dos actos e operações materiais em que a execução de sentença há-de consistir, ex vi do disposto nos artigos 7° e 8° e segts. do DL. n.º 256- A/77, de 17 de Junho, com as legais consequências”.
Al. A1) - Por acórdão de 17 de Março de 2001, o STA indeferiu o pedido de declaração de inexistência de causa legítima de inexecução formulado pela Autora, entendendo não ser “possível a reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado” já que “a empreitada se mostra totalmente executada” - cf. doc. fls. 25 a 27 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Al. B1) - A Autora interpôs recurso jurisdicional da citada decisão.
Al. C1) - A qual veio a ser confirmada pelo Pleno por Acórdão de 13 de Março de 2003 - cf. doc. fls. 127 a 133 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Al. D1) - A Autora deixou de facturar, no período correspondente ao prazo de execução da obra, o valor correspondente ao preço de 1.633.000.000$00 por si proposto para a execução da obra objecto da empreitada.
Al. E1) - Da análise dos balanços e demonstrações de resultados efectuada pela Comissão de Análise respeitante aos três anos anteriores à data da entrega das propostas (1994, 1995 e 1996), no factor “garantia de capacidade adequada de ordem económica e financeira para execução da obra”, a Autora ficou classificada em último lugar com a classificação de apenas 6,40 pontos, numa pontuação de 0 a 30 pontos, obtendo o consórcio G…, SA a pontuação de 29,33 pontos.
Al. F1) - Para avaliação do factor “garantia de capacidade adequada de ordem económica e financeira para a execução da obra a Comissão de análise considerou serem relevantes os seguintes itens:
- Equilíbrio financeiro, através dos rácios “solvabilidade”, “autonomia financeira” e “liquidez geral”;
- Capacidade de autofinanciamento;
- Rentabilidade de negócios;
- Volume de negócios.
Al. G1) - Quanto ao item “equilíbrio financeiro”, a Autora demonstrou ter “solvabilidade” inferior a 0,5.
Al. H1) - “Autonomia financeira” inferior a 0,33.
Al. I1) - E “liquidez geral” inferior a 1,3.
Al. J1) - Quanto à capacidade de auto financiamento, a Autora teve o pior resultado do conjunto de empresas concorrentes, no ano de 1996.
Al. L1) - Relativamente à rentabilidade das vendas, a Autora obteve um valor de 0,0001.
Al. M1) - Avaliado pela Comissão de Análise o grau de cobertura do imobiliário através dos balanços e demonstração de resultados juntos à proposta, verificou que o da Autora foi de 0,75 para 1994, 0,77 para 1995 e de 0,72 para 1996.
Al. N1) - A Autora não procedeu à impugnação por preterição ou irregularidade de formalidades do concurso ou outra invalidade, designadamente invocando omissão de qualquer referência no aviso e no programa de concurso à Directiva 93/37/CEE, e/ou mediante pedido de esclarecimentos.
Al. O1) - A Autora não requereu a aplicação de medidas provisórias nem a suspensão de eficácia do despacho de adjudicação.
Resp. facto 1.º - Para se apresentar ao concurso e elaborar a sua proposta, a Autora teve de diligenciar a obtenção das “peças escritas e desenhadas do processo de concurso” junto da Divisão de Aprovisionamento e Património da Assembleia da República.
Resp. facto 2.° - Pelo fornecimento de tais documentos, a Autora pagou à Assembleia da República a quantia de Esc. 200.000$00.
Resp. facto 3.° - Para a elaboração da proposta que apresentou a concurso, a Autora afectou uma equipa de composta por um Engenheiro, um Orçamentista, um Medidor, um Auxiliar e um elemento de Secretariado dos seus quadros de pessoal.
Resp. facto 4.° - A afectação de uma Engenheira, com as funções de coordenação, implicou 80 horas de trabalho.
Resp. facto 5.° - A Autora suportou com esse trabalhador 9.750$00 por hora de trabalho.
Resp. facto 6.° - A afectação de uma Orçamentista implicou 200 horas de trabalho.
Resp. facto 7.° - A Autora suportou com esse trabalhador 3.700$00 por hora de trabalho.
Resp. facto 8.° - A afectação de um Medidor implicou 120 horas de trabalho.
Resp. facto 9.° - A Autora suportou com esse trabalhador 3.500$00 por hora de trabalho.
Resp. facto 10.º - A afectação de um Auxiliar implicou 120 horas de trabalho.
Resp. facto 11.º - A Autora suportou com esse trabalhador 1.300$00 por hora de trabalho.
Resp. facto 12.° - A afectação de uma Funcionária de Secretariado implicou 60 horas de trabalho.
Resp. facto 13.° - A Autora suportou com esse trabalhador 3.600$00 por hora de trabalho.
Resp. facto 14.° - O fecho do orçamento implicou 6 horas de trabalho dos Quadros superiores da Autora.
Resp. facto 15.° - Sendo que o custo hora do seu trabalho é de 15.000$00.
Resp. facto 16.° - Em deslocações necessárias à elaboração e apresentação da proposta apresentada a concurso, a Autora despendeu 8.000$00.
Resp. facto 18.° - Em telefonemas e telefaxes despendeu quantia não apurada.
Resp. facto 19.° - Em fotocópias e cópias ozalid despendeu quantia não apurada.
Resp. facto 21.º - E em reconhecimentos notariais despendeu 5.000$00.
Resp. facto 22.° - Por via da afectação de meios materiais e humanos e de recursos financeiros à elaboração da proposta e ao acompanhamento do concurso, no período de elaboração da proposta e até à sua apresentação, a Autora não se apresentou a outros concursos públicos e não desenvolveu outros projectos de obras.
Resp. facto 23.° - Tal circunstância representou para a Autora um prejuízo em montante ainda não apurado.
Resp. facto 24.° - Para ver judicialmente anulado o acto de adjudicação ilegal, a Autora teve de despender, em custos de contencioso, incluindo honorários de Advogados, montante não apurado.
Resp. facto 25.° - Assim, se as propostas tivessem sido avaliadas sem o recurso aos dois critérios declarados ilegais, as mesmas teriam sido pontuadas da seguinte forma:
1º lugar B… - 30,000 pontos, 2° lugar C… - 23,712, 3° lugar D… - 23,516, 4° lugar E… - 22,919, 5° lugar H… - 22,367, 6° lugar F… - 22,663, 7° lugar G…, 8° lugar I… - 21,855, 9° lugar J… - 21,721, 10° lugar L… - 21,482, 11° lugar M… - 2 1,420, 12° lugar N… - 2 1,200, 13° lugar P… - 20,817, 14° lugar P… - 20,738 e 15° lugar Q… - 20,667 pontos.
Resp. facto 26.° - Se a Autora tivesse facturado o valor referido em D1), teria com o mesmo suportado os custos inerentes à empreitada e obtido um lucro líquido nunca inferior a Esc. 163.300.000$00.
Resp. facto 27.° - A Autora aplicaria o citado lucro em operações imobiliárias.
Resp. facto 28.° - O que se traduz num prejuízo para a sua actividade social de montante ainda não apurado.
Resp. facto 29.° - A Autora não venceu o concurso por alegados motivos relativos à sua capacidade técnica e financeira.
Resp. facto 30.° - Tal circunstância foi dada a conhecer aos demais concorrentes pela Comissão de Avaliação das propostas.
Resp. facto 31 .° - A Autora viu, desse modo, afectado o seu bom nome e imagem no mercado das obras públicas”.
(Anota-se a imediata passagem de “Resp. facto 16” para “Resp. facto 18.º”)
2.2. Como se viu, está em apreciação a responsabilidade do Estado por facto ilícito, no quadro de anulação desse facto (acto administrativo) e da impossibilidade de execução do julgado anulatório.
O recorrente não vem, no presente recurso, controverter a conclusão da sentença quanto à existência de facto ilícito e de culpa, nem sequer a consideração de alguns dos danos e do nexo de causalidade entre o facto e esses danos.
Ora, o recorrente pode restringir a sua discordância a segmentos do que lhe foi desfavorável, entendendo-se que procede a essa restrição se nas conclusões das suas alegações não abrange toda a parte dispositiva desfavorável - artigo 684.º, n.º 2 e n.º 3 do CPC.
Assim, na presente apreciação ter-se-á em atenção apenas aquilo sobre que incide a discordância do recorrente.
E dentro do que não se terá em atenção, por não atacado, está o que respeita à condenação do recorrente na quantia que se vier a liquidar em execução de sentença correspondente aos honorários com Advogado.
2.2.1. Sem prejuízo de não se discutir, já aqui, o problema do facto ilícito, impõe-se recordá-lo para melhor compreensão do presente julgamento.
O facto ilícito consistiu no despacho de 8 de Julho de 1998, do Presidente da Assembleia da República, que adjudicou a execução da empreitada “Ampliação das Instalações da Assembleia da República, Novo Edifício - 2ª fase - Acabamentos” ao Consórcio G…. (despacho identificado em Al. Q) da matéria de facto).
Esse despacho foi anulado pelo acórdão deste Tribunal de 22.6.1999, recurso n.º 44.140/44.197 (identificado em AL. T da matéria de facto) por vício de violação de lei, dos artigos 18.º, 24.º, 26.º e 28.º da Directiva 93/37/CEE, do Conselho de 14 de Junho de 1993.
Na fundamentação dessa anulação, disse o acórdão:
“resulta comprovadamente dos autos que, na apreciação das propostas, em vista da adjudicação, foram tidos em conta os seguintes critérios:
1- Garantias de condições para a boa execução e qualidade técnica;
2- Garantia de capacidade adequada de ordem económica e financeira para a execução da obra.
E os mesmos, como reforçadamente o demonstram os subcritérios em que foram divididos, se tanto fosse necessário, reportam-se a critérios subjectivos, respeitantes aos próprios empreiteiros.
Temos assim que, indiscutivelmente, foram violados os artigos 18.° 24.°, 26.° e 29.° da Directiva.
O primeiro, enquanto traça muito claramente os factores que devem ser tidos em conta na selecção qualitativa dos empreiteiros, por uma banda, e na adjudicação do contrato, por outro lado; os restantes por, com referência àquele, haverem sido utilizados para fins não consentidos pela directiva.
E estas normas podem e devem ser aqui aplicadas, por via do efeito directo vertical, uma vez que houve transposição defeituosa da Directiva, e também porque, e tanto ninguém põe em dúvida, são claras, completas, precisas e incondicionais, pois que é dito - e isso é o que está aqui em causa -, que entre os factores de adjudicação dos contratos não podem contar-se os que respeitem à capacidade económica, financeira e técnica dos empreiteiros”.
Transitado em julgado esse acórdão e pedida pela ora recorrida declaração de inexistência de causa legítima de inexecução, foi o pedido indeferido por acórdão da Secção deste STA, por não ser possível a reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado já que “a empreitada se mostrava totalmente executada”. E esse julgamento foi confirmado por acórdão do Pleno - (ver Al. A1, AL B1 e AL C1, da matéria de facto).
Foi no quadro do julgamento da impossibilidade de execução que a ora recorrida propôs a presente acção.
2.2.2. Nas quatro primeiras conclusões da alegação, contesta o recorrente a conclusão da sentença de que a terem sido seguidos os critérios legais o autor teria sido o candidato classificado em primeiro lugar e, por isso, aquele a quem teria sido adjudicada a empreitada.
Recordem-se essas conclusões:
“a) Se o acto de adjudicação foi anulado por se ter ilegalmente “misturado” (contra a Directiva 93/37/CEE, embora de acordo com o Decreto-Lei n.º 405/93 então vigente) os critérios relativos à qualificação dos concorrentes com os critérios relativos à avaliação das respectivas propostas, o que deve ser feito, agora, na ponderação da “situação hipotética actual”, é a separação de tais critérios, não podendo os primeiros ser levados em conta no momento da avaliação das propostas - mas sem que isso signifique, como erradamente considerou a sentença recorrida, que possam eles ser absolutamente excluídos ou desconsiderados, pois impõe-se sempre, por força da lei aplicável, uma primeira fase de qualificação dos concorrentes, em que tais critérios têm de ser utilizados.
b) Comprovou-se, na presente acção, que a concorrente aqui Autora, preterida no procedimento concursal em causa, nunca seria a concorrente adjudicatária, ainda que no procedimento a Administração tivesse agido de forma legalmente irrepreensível (segundo as normas da Directiva 93/37/CEE, entendida como aplicável), desde logo pela sua manifesta incapacidade financeira e económica.
c) A sentença recorrida, ao julgar que «demonstrou-se que, acaso não tivessem sido considerados os critérios que vieram a ser julgados ilegais, a Recorrente ficaria graduada em 1° lugar», não teve em consideração a correcta “situação actual hipotética” inerente ao hipotético cumprimento da lei aplicável (Directiva 93/37/CEE), tal como resultou determinado pelo julgado anulatório (Ac. STA de 22/6/1999), pois teria que ter ponderado se, em fase imediatamente antecedente à da avaliação da proposta - como determinavam as normas legais aplicáveis –, a Recorrente teria sido qualificada, em termos das necessárias capacidades técnica, financeira e económica (o que, no caso, os factos dados como provados demonstram que não).
d) Assim, nenhuma indemnização se justifica atribuir à concorrente aqui Autora (cfr. art. 562.º do Código Civil), uma vez que, reconstituída a situação actual hipotética resultante do regime jurídico estipulado pela lei ao caso entendido aplicável, se deve concluir que, pela prática do acto ilegal anulado, nenhuma perda se constata que aquela tenha efectivamente sofrido no confronto da situação real face à situação hipotética: nesta, a Autora continuaria a não ser a adjudicatária, desde logo por manifesta incapacidade financeira e económica”.
A tese do recorrente é, assim, diametralmente oposta à da sentença.
A sentença julgou que a autora teria sida a adjudicatária. O recorrente considera provado que a autora nunca teria sido a adjudicatária.
O recorrente não vem pedir qualquer alteração da matéria de facto fixada. Por isso, haverá que perceber por que afirma que está provado que a autora não seria a adjudicatária: “Comprovou-se, na presente acção, que a concorrente aqui Autora, preterida no procedimento concursal em causa, nunca seria a concorrente adjudicatária, ainda que no procedimento a Administração tivesse agido de forma legalmente irrepreensível (segundo as normas da Directiva 93/37/CEE, entendida como aplicável), desde logo pela sua manifesta incapacidade financeira e económica”.
Resulta do corpo das alegações (pontos 4, 5 e 6) que essa afirmação radica na matéria de facto constante das alíneas E1 a M1.
Se verificarmos essa matéria, trata-se da indicação dos resultados, das conclusões a que chegou a Comissão de Análise das Propostas, no próprio concurso.
Mas não se tratam esses resultados, essas conclusões, de matéria que o tribunal tenha considerado provada. Isto é, não está provado que a autora, tal como a comissão de análise concluíra, tinha, por exemplo, solvabilidade inferior a 0,5, autonomia financeira inferior a 0,33 e liquidez geral inferior a 1,3 (Al. G1, Al. H1 e Al. I1).
O que ali está é, simplesmente, o que concluiu a comissão de análise, sem qualquer discussão. É um descritivo. Mas de nenhum ponto se pode concluir ter o tribunal dado como provada essa solvabilidade, essa liquidez, essa autonomia financeira.
Por isso, não há prova de qual a capacidade financeira da autora para que se possa afirmar, como faz o recorrente, que nunca teria sido a adjudicatária por estar alegadamente provado que não tinha capacidade económica.
Vejamos, ainda.
2.2.3. Para se julgar procedente uma acção de responsabilidade civil por facto ilícito têm que estar demonstrados os seus elementos constitutivos - o facto, a culpa, o dano, o nexo de causalidade.
Deixemos, por ora, o dano e o nexo de causalidade, que veremos mais adiante.
E descuidemos também da culpa que não tem relevo neste ponto da discussão.
Centremo-nos no facto.
O facto ilícito não está em discussão; foi declarado pelo tribunal e não vem impugnado.
A autora foi arredada da adjudicação no quadro da aplicação de critérios que não poderiam ter sido aplicados.
Nestas circunstâncias, demonstrado o facto ilícito, para ser afastado o seu efeito em sede de responsabilidade civil é necessária a prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado.
Diga-se que a prova desses factos excludentes do efeito que a autora pretende tirar do facto ilícito incumbe ao réu, conforme o artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.
Mas note-se que efectuada a discussão e assentes os factos, o tribunal não tem já de cuidar a quem incumbe a prova, o tribunal aprecia os factos assentes independentemente de que os carreou para o processo.
No caso dos autos, exactamente a factualidade impeditiva que o recorrente alega é que a autora nunca poderia ter sido adjudicatária devido à sua incapacidade económica.
Como vimos, porém, não se apresenta feita a prova dessa incapacidade.
E como também vimos, não vem discutida a matéria de facto, não vem requerida qualquer alteração da mesma.
Nestas circunstâncias, o tribunal tem que se ater à matéria provada, pois que também não está em causa deficiência, obscuridade ou contradição na matéria de facto, caso em que poderia haver anulação oficiosa pelo Tribunal (artigo 712.º, n.º 4, do CPC).
Com efeito, a inexistência, ou a falta de prova de algum facto extinto ou modificativo do direito do autor não corresponde a deficiência ou obscuridade, tratando-se, aí, do natural jogo do ónus de prova.
Assim, ao contrário do alegado, o tribunal não podia considerar, na apreciação de direito, uma prova que não está feita, antes teria que julgar no quadro do provado.
E afinal, o recorrente pretende ainda que se faça um aproveitamento de critério e pontuações que foram inscritos para efeito diverso daquele que agora intenta. Esses critérios foram realizados para a classificação dos concorrentes e não para a sua qualificação. Sendo que, no quadro do regime correcto, como depois veio a expressar o DL n.º 59/99, de 2 de Fevereiro, “os concorrentes considerados aptos passam à fase seguinte em condições de igualdade” (art. 98.º, n.º 4). Sendo ainda, que, a serem excluídos, podem impugnar tal decisão (artigo 98.º, n.º 6, artigo 99.º).
2.2.4. Podemos, concluir, portanto, que o recorrente não tem razão quando ataca a sentença na tese diametralmente oposta àquela, na tese de que a autora nunca poderia ter sido a adjudicatária.
Mas essa falta de razão não descarta a necessidade de averiguação da bondade da sentença por outras razões que a podem pôr em causa.
O problema não é já o de estar provada, que não está, a incapacidade económica da autora. A questão é saber se está demonstrado que a autora teria sido a adjudicatária.
Na verdade, a questão que se passa a colocar é de saber se o tribunal tinha elementos capazes para chegar à conclusão de que a autora seria a adjudicatária.
2.2.5. O recorrente observou no quadro da sua alegação, com síntese, nomeadamente, na conclusão c), que A sentença recorrida, ao julgar que «demonstrou-se que, acaso não tivessem sido considerados os critérios que vieram a ser julgados ilegais, a Recorrente ficaria graduada em 1° lugar», não teve em consideração a correcta “situação actual hipotética” inerente ao hipotético cumprimento da lei aplicável (Directiva 93/37/CEE), tal como resultou determinado pelo julgado anulatório (Ac. STA de 22/6/1999), pois teria que ter ponderado se, em fase imediatamente antecedente à da avaliação da proposta - como determinavam as normas legais aplicáveis -, a Recorrente teria sido qualificada, em termos das necessárias capacidades técnica, financeira e económica […]”.
Já discutimos a tese do recorrente na perspectiva radical da prova da incapacidade da autora. Mas deve observar-se, agora, na perspectiva da crítica apenas à possibilidade da conclusão da sentença da inevitável adjudicação à autora.
Ora, no acórdão de anulação do acto de adjudicação expressamente se referenciou o quadro legal fixado pela Directiva 93/37/CEE:
“A Directiva 93/37/CEE destrinça muito claramente a fase de verificação de aptidão dos candidatos, da fase de avaliação das propostas.
Vejamos, com efeito.
O Titulo IV da Directiva com a epígrafe “Regras Comuns de Participação”, divide-se por três capítulos: o 1, que respeita às “Disposições gerais” (art°s. 18º a 23°); o 2 sobre “Critérios de selecção qualitativa” (art°s. 24º a 29°); e o 3 que versa os “Critérios de adjudicação dos Contratos” (art°s. 30° a 32º).
O art° 18° preceitua textualmente:
“A atribuição do Contrato far-se-á com base nos critérios previstos no capitulo 3 do presente título, tendo em conta o disposto no artigo 19° e depois de as entidades adjudicantes terem verificado a aptidão dos empreiteiros não excluídos por força do artigo 24°, de acordo com os critérios de capacidade económica, financeira e técnica mencionados nos artigos 26° a 29°”.
No art° 24°, enumeram-se as circunstâncias que podem levar à exclusão dos empreiteiros como, por exemplo, os antecedentes criminais e a falta de cumprimento das obrigações para com a Segurança Social.
O art° 26° reporta-se à forma como pode ser feita a prova da capacidade financeira e económica dos empreiteiros.
O art° 29° refere-se às listas oficiais de empreiteiros, aprovados pelos Estados-membros, a maneira como devem ser organizadas e o seu valor.
Segue-se o capitulo 3 no qual se espraiam os critérios de adjudicação dos contratos e onde não aparece a mais pequena alusão à capacidade técnica, financeira e económica dos empreiteiros.
Na verdade, o art° 30°, fundamental na matéria, centra-se unicamente nas propostas em si, ficando por isso excluídos os critérios subjectivos que têm a ver com a apreciação qualitativa dos empreiteiros.
E a própria entidade recorrida não discute tudo quanto se disse sobre a Directiva em causa.
O que interessa agora ver é o que se passou exactamente neste concurso.
Ora resulta comprovadamente dos autos que, na apreciação das propostas, em vista da adjudicação, foram tidos em conta os seguintes critérios:
1- Garantias de condições para a boa execução e qualidade técnica;
2- Garantia de capacidade adequada de ordem económica e financeira para a execução da obra.
E os mesmos, como reforçadamente o demonstram os subcritérios em que foram divididos, se tanto fosse necessário, reportam-se a critérios subjectivos, respeitantes aos próprios empreiteiros.
Temos assim que, indiscutivelmente, foram violados os artigos 18°, 24°, 26° e 29° da Directiva, indicados pela recorrente.
O primeiro, enquanto traça muito claramente os factores que devem ser tidos em conta na selecção qualitativa dos empreiteiros, por uma banda, e na adjudicação do contrato, por outro lado; os restantes por, com referência àquele, haverem sido utilizados para fins não consentidos pela Directiva.
E estas normas podem e devem ser aqui aplicadas, por via do efeito directo vertical, uma vez que houve transposição defeituosa da Directiva, e também porque, e tanto ninguém põe em dúvida, são claras, completas, precisas e incondicionais, pois que é dito - e isso é o que está aqui em causa -, que entre os factores de adjudicação dos contratos não podem contar-se os que respeitem à capacidade económica, financeira e técnica dos empreiteiros.
Procede, pois, este vício de violação de lei.
Por isso fica prejudicada a apreciação das demais questões, incluindo a que se prende com a alegada violação de princípios gerais do procedimento concursal.
Por todo o exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, anulando o acto impugnado”.
Do texto resulta que o acórdão anulatório julgou que na fase de análise das propostas se consideraram critérios que não podiam ser considerados. Fê-lo por referência aos artigos 18°, 24°, 26° e 29° da Directiva n.º 93/37/CEE.
Ora, logo aquele artigo 18.º dispunha: “A atribuição do contrato far-se-á com base nos critérios previstos no capítulo 3 do presente título, tendo em conta o disposto no artigo 19º e depois de as entidades adjudicantes terem verificado a aptidão dos empreiteiros não excluídos por força do artigo 24º, de acordo com os critérios de capacidade económica, financeira e técnica mencionados nos artigos 26º a 29º”.
No caso, não houvera a selecção qualitativa a que se reportam os artigos 24.º a 29.º da Directiva, antes se havia colocado na fase de apreciação das propostas critérios que só poderiam valer para a fase de selecção qualitativa dos candidatos.
E o tribunal não apreciou outras questões suscitadas no recurso. E à data não estava obrigado a fazê-lo, atento o regime do artigo 57.º da LPTA, que, aliás, invocou.
Isso significa que o caso julgado se formou enquanto não seria possível mais a Administração repetir a adjudicação mantendo na fase de adjudicação critérios que nela não podiam caber.
Mas não estava no alcance do caso julgado que a única atitude da Administração para o respeitar consistisse em apreciar as propostas agora à luz dos únicos critérios sobrantes que poderiam ser legais.
O que a Administração haveria que fazer, se o procedimento não estivesse concluído, era recompô-lo, de modo a respeitar integralmente a Directiva cuja violação fora detectada.
E esse respeito implicava que a Administração poderia estabelecer uma fase de selecção qualitativa, conforme os artigos 24.º a 29.º da mesma Directiva (fase de qualificação, fase depois autonomizada no DL n.º 59/99, de 2 de Março - art. 98.º, 99), onde o tipo de critérios julgado ilegal para a fase de adjudicação poderia ser aceite.
Assim, se a execução do julgado fosse possível, e, no caso, considerou-se impossível, por a empreitada já estar realizada, poderia proceder-se a outro programa de concurso, pois foi logo nele que se fixaram os critérios ilegais e que não se previu a fase de qualificação.
Por isso, e também ao contrário do que defende a recorrida, não é possível aproveitar nada do que foi decidido em sede de capacidade dos candidatos e em sede das suas propostas, pois que não se deve hipotizar a manutenção de alguns dos seus requisitos fora do quadro em que foram formulados.
Não é possível, assim, afirmar que expurgada a matéria ilegal a autora seria a adjudicatária. É que se está aí a aproveitar o que não pode ser aproveitado.
Note-se que a sentença não foi insensível a esse obstáculo, tanto que ponderou:
“Demonstrou-se que, acaso não tivessem sido considerados os critérios que vieram a ser julgados ilegais, a Recorrente ficaria graduada em 1.º lugar, porquanto obteve a melhor pontuação nos critérios sobrantes: o prazo e o preço.
Poder-se-ia aqui obstar que nunca o concurso seria lançado com apenas esses critérios.
Contudo, estando a Administração vinculada a observar critérios de legalidade estrita, devia ter assumido todas as cautelas no sentido de se assegurar de que os critérios anunciados eram conformes à lei.
Não podemos, nesta fase, conjecturar quais seriam os outros critérios que possivelmente seriam considerados.
O que temos aqui é um concurso para o qual foram publicitados quatro critérios, sendo que dois deles foram considerados ilegais e, tendo em conta os sobrantes, o Recorrente ficou graduado em 1.º lugar.
Também não se pode transferir para os concorrentes o ónus de ab initio questionar a legalidade dos critérios publicitados, até porque corria o risco (certo) de a sua candidatura ser admitida como condicional.
O ónus de encontrar, publicitar e conformar a sua actuação por critérios de legalidade é, claramente, da Administração.
Estando concluída a obra, apenas com recurso à via indemnizatória será possível ressarcir a Autora”.
Vê-se, portanto, que a sentença reflectiu a questão.
Desviou-se, porém, querendo fazer um aproveitamento de uma aparente parte legal do concurso.
Mas não podia fazer esse aproveitamento.
Na verdade, em linha com o princípio de que utile per inutile non vitiatur, dispõe o artigo 292.º do Código Civil que a “nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”.
Essa regra, como princípio geral, é aplicável à actividade administrativa.
No caso, deve considerar-se que o concurso não seria concluído sem a apreciação da capacidade económica, financeira e técnica dos concorrentes. E basta ver que foi nesse segmento que o concurso concentrou o maior peso dos critérios que fixou. Erradamente os colocou na fase da adjudicação, mas necessariamente se deve concluir que não teria lançado o concurso prescindindo dessa apreciação.
E recorde-se que a Directiva expressamente dispunha, no artigo 30.º, já para os critérios de adjudicação, a possibilidade de se apreciar o “valor técnico” das propostas, valor técnico que no concurso aparecia misturado com a capacidade técnica dos candidatos.
Ficamos, portanto, perante a impossibilidade de verificar quem teria sido o vencedor, quem teria sido o adjudicatário no quadro de um concurso que tivesse obedecido ao regime legal.
2.2.6. Não sendo possível afirmar que a autora seria a adjudicatária a pergunta que se coloca é se ainda há lugar a alguma indemnização.
Estamos, portanto, perante um acto anulado cuja sentença de anulação não pode ser executada.
Afigura-se de seguir a jurisprudência que se tem vindo a consolidar neste Tribunal respeitante há indemnização neste tipo de casos.
Essa jurisprudência encontra-se sintetizada no acórdão deste Tribunal de 30.9.2009, recurso n.º 634/09, do seguinte modo:
«“[…] na jurisprudência deste Supremo Tribunal, há já uma corrente que entende que (i) o afastamento ilegal de um concurso, com perda de uma oportunidade de nele poder obter um resultado favorável, com repercussão remuneratória, é um bem cuja perda é indemnizável e que (ii) não podendo ser efectuada com exactidão a quantificação desta perda, é de fixar a indemnização através de um juízo de equidade, em sintonia com o preceituado no nº 3 do art. 566º do C. Civil […].
No caso em apreço não vemos razão para divergir desta orientação e entendemos que a perda da situação vantajosa da exequente merece ressarcimento, tendo em conta, primeiro, que a despeito da incerteza acerca da futura obtenção do ganho, a exequente estava em situação de poder vir a alcançá-lo, isto é, estava investida de uma oportunidade real, segundo, que esta é um bem em si mesmo, um valor autónomo e actual, distinto da utilidade final que potencia, terceiro, que, por isso, a perda da oportunidade de conseguir o ganho, não é uma mera expectativa mas um dano certo e causalmente ligado à conduta da Administração e quarto, que a perda da situação jurídica, por causa legítima de inexecução, dá lugar a um dever objectivo de indemnizar” - ac. de 25.02.2009, proc. 47472A, e
“A perda da possibilidade de demonstrar que estava em condições de vir a ser nomeado para um dos lugares a concurso constitui um dano para a esfera jurídica do Requerente, pois constitui a perda de uma situação jurídica que poderia proporcionar-lhe proventos patrimoniais […]
Nestas situações de indemnização devida pelo facto da inexecução, que acresce à indemnização pelos «prejuízos resultantes do acto anulado pela sentença» (como se infere do n.º 1 do art. 10.º do DL n.º 256-A/77) está-se perante ‘um dever objectivo de indemnizar, fundado na percepção de que, quando as circunstâncias vão ao ponto de nem sequer permitir que o recorrente obtenha aquela utilidade que, em princípio, a anulação lhe deveria proporcionar, não seria justo colocá-lo na total e exclusiva dependência do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subjectiva da Administração por factos ilícitos e culposos sem lhe assegurar, em qualquer caso, uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado’.(() MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, página 821.)”-- ac. de 1.10.2008, proc. 42003A; e
“Na verdade, se o tribunal concedeu provimento ao recurso e anulou o acto, por ele estar insuficientemente fundamentado, tal significa que, em execução, a requerente teria direito a que o concurso fosse retomado e que se produzisse novo acto apreciando as propostas dos concorrentes, sem esse vício.
Mas a ocorrência de causa legítima de inexecução implicou a perda daquele direito e, assim, a perda de todas as possibilidades, que, no campo meramente hipotético, tanto poderiam conduzir à manutenção da mesma classificação, como à sua alteração.
[…] O que interessa, pois, é determinar como é que essa perda deve ser compensada. É apenas essa perda que está em causa, essa perda é que é o ‘dano real’, e está demonstrada. O que falta determinar é o ‘dano de cálculo’, isto é, “a expressão pecuniária de tal prejuízo” (cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 9ª edição, pág. 545).
Não estão em causa, directamente, danos emergentes e lucros cessantes em razão do acto administrativo apreciado no recurso contencioso”. -- ac. de 29.11.2005, proc. 41321A».
E já depois, na mesma linha, o acórdão de 20/01/10, processo n.º 47.578, de 20/01/10.
2.2.7. Relembre-se que a adjudicação da empreitada foi anulada por vício de violação de lei decorrente da aplicação de critérios, na fase de adjudicação, não consentidos pela Directiva n.º 93/37/CEE.
O que imporia retomar do procedimento concursal, o qual, no respeito da legalidade haveria de finalizar com nova adjudicação.
Ocorre que este mesmo Tribunal, primeiro em Secção e depois no Pleno, julgou impossível o retomar do procedimento concursal, pois “a empreitada se mostra totalmente executada” (cfr. Al. A1), Al. B1), Al. C1), da matéria de facto)).
Ora, a hipotética nova adjudicação, como justificámos, poderia continuar a ser desfavorável à A, sendo adjudicatário outro concorrente.
Por isso, carece de sustentação o montante indemnizatório peticionado pela A, e tido em conta pelas instâncias, uma vez que tem por base o lucro líquido que a autora obteria, na base de que seria ela a adjudicatária.
No entanto, em linha com a jurisprudência acabada de indicar tem a A direito a uma compensação pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado.
Trata-se de indemnização que se deverá fixar segundo juízos de equidade (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil).
2.2.8. Na circunstância, tendo em atenção todo o circunstancialismo do caso, deve considerar-se, em particular, para calibrar a indemnização:
a) o montante das despesas em que incorreu a recorrida para se apresentar ao concurso, despesas fixadas no acórdão na matéria de facto;
b) que essas despesas, no entanto, não se atendem directamente, pois que é precisamente porque esteve no concurso (para cuja presença teve esses gastos), e obteve a anulação do acto, que se coloca o problema da indemnização ora em discussão;
b) O valor dos lucros cessantes fixados na matéria de facto para a hipótese de a recorrida ser a adjudicatária;
c) O número de concorrentes que foram admitidos, todos, portanto, com possibilidade abstractamente considerada de lograr a adjudicação;
d) A impossibilidade de se ir além de um mero juízo de hipótese abstracta de adjudicação;
d) O tempo decorrido.
Considerando todos aqueles elementos conjugadamente, e sublinhando, novamente, que não se está, in casu, a proceder a qualquer decisão sobre lucros cessantes, em razão do acto anulado, nem à determinação de danos emergentes do mesmo acto, mas, simplesmente, à fixação, através de um juízo equitativo, da compensação devida pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado, considera-se equilibrado computar essa indemnização no valor de € 53000,00.
3. Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso, condenando-se agora o Estado ao pagamento à autora da quantia cinquenta e três mil euros, € 53 000,00.
Atento que o juízo equitativo quanto aos danos é feito à data deste aresto, haverá juros legais desde a data presente decisão.
Como se disse (2.2.), não se procede a qualquer alteração da condenação do Estado quanto aos honorários com Advogado.
Custas pela recorrida na proporção do vencido, sendo que o recorrente está isento.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2011. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – António Políbio Ferreira HenriquesAmérico Joaquim Pires Esteves

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