segunda-feira, 28 de novembro de 2011

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL - NULIDADE DE SENTENÇA - IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE - MODIFICAÇÃO OBJECTIVA DA INSTÂNCIA

Proc. 7606/11  TCAS  - 30 de Junho de 2011

I - A alegada falta de pronúncia sobre produção de prova testemunhal, não poderia constituir uma nulidade de sentença, já que, como a própria Recorrente admite teria que ser apreciada em despacho anterior à sentença, apenas podendo constituir a sua falta uma nulidade processual prevista no art. 201º, nº 1 do CPC, que, no caso em concreto, por não influir no exame e decisão da causa não se verifica;
II - Sendo extinto o procedimento concursal e revogada a decisão de contratar, não se vislumbram quais os efeitos do concurso que subsistem, não se mostrando violado o citado art. 65º do CPTA;
III - Assim, apenas se pode concluir, como fez a decisão recorrida, que a instância se tornou superveniente impossível, por falta de objecto, o que determina a extinção da instância, nos termos do art. 287º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA;
IV – A invocação do art. 63º, nº 1 do CPTA não tem qualquer fundamento, já que nele se prevê a hipótese de o acto impugnado se inserir em procedimento que prosseguiu na pendência do processo, o que, no caso concreto se não verifica, já que o concurso ficou deserto e o procedimento concursal foi declarado extinto;
V - Quanto à previsão do nº 2 daquele preceito também não se verifica já que não houve celebração do contrato, nem se mostra terem sobrevindo quaisquer actos administrativos “cuja validade dependa da existência ou validade do acto impugnado, ou cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo”.

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Vem interposto recurso da sentença do TAF de Sintra que julgou procedente a excepção de impossibilidade superveniente da lide, por perda de objecto da presente instância.
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões:
A. A Recorrente requereu a produção de prova testemunhal na sua Petição Inicial;
B. O Tribunal a quo, sem proferir qualquer despacho interlocutório sobre a (des)necessidade de produção de prova, proferiu sentença imediatamente após as respostas dos Recorridos ao Articulado Superveniente da Recorrente, o que configura uma nulidade processual, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 201.° do CPC, por preterição das formalidades previstas no art.° 87.° e no art.° 90.° do CPTA;
C. Por outro lado, não tendo decidido a questão em sede de sentença, padece esta do vício de omissão de pronúncia, sendo em consequência nula nos termos do disposto no art.° 668, n.° 1, al. d) do PCP;
D. A sentença proferida padece, igualmente, de vício de omissão de pronúncia por não ter tomado posição quanto ao pedido da Recorrente em considerar confessados os factos invocados pela recorrente, por falta de junção com a contestação do Processo Administrativo, pelo Recorrido ARHC, em violação do disposto no art.º 84.º, n.º 1 do CPTA;
E. Quanto aos erros de julgamento, e a assumir, sem conceder, que não existem as nulidades processuais e da sentença invocadas, verifica-se que o Tribunal a quo não considerou provados todos os factos invocados pela Recorrente, em violação do disposto no art.º 84.º, n.º 5 do CPTA, uma vez que o Recorrido ARHC não juntou, com a contestação, o PA aos autos;
F. Por outro lado e ainda que assim não fosse, em consequência da decisão implícita de dispensar a produção de prova testemunhal, o Tribunal a quo impediu a produção de prova sobre factos alegados pela Recorrente que são determinantes para a apreciação do mérito dos autos;
G. Acresce que, factos houve que poderiam ter sido considerados provados por prova documental e por consulta do PA, como os art.ºs 1.º, 2.º e 8.º a 13.º da Petição Inicial;
H. É que o Tribunal a quo apenas considerou assentes factos necessários à prolação de uma decisão de deferimento da excepção da inutilidade superveniente da lide, não considerando todas as possíveis soluções de direito aplicáveis, o que invalida a sua decisão;
I. Quanto à decisão sobre a inutilidade superveniente da lide, mal andou o Tribunal a quo por não considerar o disposto no art.º 65.º do CPTA;
J. A decisão de contratar foi revogada sem efeitos retroactivos, porque o concurso ficou deserto, o que significa que os efeitos do acto de lançamento do concurso entre a sua emissão e o acto de revogação se produziram e permanecem no ordenamento jurídico;
K. Pretende a Recorrente que o Tribunal a quo declare ilegal o acto de lançamento do concurso, retroagindo os efeitos dessa decisão à data daquele acto, o que significa que a lide não é inútil, por dela poder retirar benefícios a Recorrente;
L. A reconstituição da situação que existiria se o acto não fosse praticado assim o exige, sob pena de se legitimar, por falta de decisão invalidante, a actuação dos Recorridos;
M. Por outro lado, ainda que o concurso dos autos tenha ficado deserto, atento o teor da Resolução n.° 72/2010, de 10 de Setembro os Recorridos poderão sempre lançar mão de um novo procedimento concursal com o objecto do dos autos, ainda que com pequenas modificações nas respectivas condições, sobretudo financeiras;
N. Ora, contrariamente ao considerado pelo Tribunal a quo, a recorrente fundamentou, de facto, o seu pedido de modificação objectiva, sendo os fundamentos de direito os mesmos do pedido originário, na medida em que a ilegalidade a ser cometida e a ser evitada será a mesma - a escolha do objecto do concurso;
O. Assim, o pedido não é inepto, como decidiu o Tribunal a quo;
P. Por outro lado, os Recorridos interpretaram correctamente o pedido da Recorrente, tendo inclusivamente apresentado contestação quanto ao mesmo, o que significa que o perceberam;
Q. Quanto muito deveria o Tribunal a quo ter convidado a recorrente a aperfeiçoar o seu articulado, ao abrigo do disposto no art.º 88.º do CPTA, em despacho pré-saneador ou saneador, sob pena de, não o fazendo, violar-se o princípio da tutela jurisdicional efectiva;
R. Quanto à impossibilidade jurídica de apreciar o pedido de modificação objectiva da
instância porque o pedido originário é inútil ou de apreciação impossível não faz sentido e viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva e da pela jurisdição dos tribunais administrativos;
S. Por outro lado, a premissa deste argumento não é verdadeira, na medida em que a
instância não é inútil quanto ao pedido originário, pelo que é perfeitamente possível,
juridicamente, apreciar-se a respectiva modificação;
T. Quanto à ausência de um interesse processual em agir qualificado, por se tratar de um pedido de natureza preventiva, cumpre referir que os respectivos requisitos se encontram verificados;
U. A Recorrente invocou a quase certeza do lançamento do novo concurso com o mesmo objecto do dos autos, atenta a estratégia para a energia ENE 2020, a Resolução do
Conselho de Ministros n.° 72/2010, de 10 de Setembro e as restrições orçamentais do
Orçamento de Estado para 2011;
V. Por outro lado, o dano da Recorrente existe pela mera escolha do objecto do concurso, uma vez que o mesmo abrange um local no qual a Recorrente tem um
interesse legalmente protegido;
W. Por outro lado, violaria o princípio da economia processual exigir à Recorrente que
esperasse uma nova violação dos seus interesses, para poder reagir contra a actuação dos Recorridos, nos mesmos moldes dos da presente acção, correndo o risco de ter o desfecho desta;
X. É que a Recorrente fez um investiu para, em primeiro lugar, descobrir o local que se propõe explorar e em segundo lugar, para impedir que terceiros dele beneficiem gratuitamente, mediante a adjudicação de concursos como o dos autos;
Y. O esforço que se exige da Recorrente, designadamente financeiro, para defesa dos seus interesses legalmente protegidos, não é minimamente compensado pelo rigor (ou falta dele) com que os Recorridos cumprem a legislação vigente.

Em contra-alegações a Recorrida ARHC formula as seguintes conclusões:
(a) O presente recurso - aliás, assente em pressupostos inexactos e, na sua maioria, irrelevantes -, não tem fundamento;
(b) A douta Sentença recorrida julgou, e bem, a improcedência do pedido formulado peia A., ora Recorrente, nos presentes autos - considerando, para tanto, que:
b1) Tendo sido extinto o procedimento objecto dos autos, verifica-se a impossibilidade superveniente da lide e, consequentemente, fundamento para a extinção da instância (cf. alínea e) do artigo 287.° do CPC, aplicável por remissão do artigo 1.º do CPTA);
b2) Não tendo sido celebrado, na pendência do processo, qualquer contrato relativo ao procedimento pré-contratual dos autos, ou sobrevindo quaisquer actos administrativos cuja validade dependa da existência ou validade do acto impugnado, ou cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo - o que a Recorrente nem sequer invoca ~, impõe-se a improcedência do pedido de modificação objectiva da instância, entretanto formulado pela Recorrente, por ausência dos respectivos pressupostos (cf. n.° 2 do artigo 63.° do CPTA);
(c) A bondade da douta Sentença recorrida é, pois, no entender da Recorrida, de evidência cristalina e não merece qualquer censura;
(d) Em qualquer caso, certo é que a Recorrente, nas suas alegações, não questiona, em concreto, qualquer dos pressupostos de facto da douta Decisão recorrida;
(e) Quanto à invocada omissão de pronúncia, a Recorrente não alega sequer em que medida o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que «devesse» apreciar (cf. alínea e) do n.° 1 do artigo 668.° do CPC}, pressuposto normativo da "omissão'' que abstractamente suscita;
(f) Quanto à consequência jurídica que a Recorrente pretende retirar da falta de junção, pela Recorrida, do P. A. aos autos, a mesma somente pode resultar de uma análise inexacta dos factos e de uma interpretação truncada da norma constante no n.º 5 do artigo 84.º do CPTA;
(g) Quanto à (genericamente) invocada utilidade da lide, a Recorrente não alega e menos ainda demonstra que supostos efeitos subsistentes à revogação da decisão de contratar do procedimento dos autos permanecem na ordem jurídica e são susceptíveis afectá-la;
(h) Quanto à suposta adequação e validade do requerimento de modificação objectiva da instância que formulou nos autos, a Requerente, por um lado, pretende coarctar ao Estado, sem qualquer fundamento, o exercício do poder público de iniciar procedimentos referentes à implementação dos aproveitamentos hidroeléctricos a que se refere a Resolução do Conselho de Ministros n.° 72/2010, de 10 de Setembro, conforme previsto pelo Decreto-Lei n.° 126/2010, de 23 de Novembro, e, por outro lado, esquece o essencial da sua argumentação: a falta de verificação dos pressupostos legais para a requerida modificação objectiva da instância, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 63.º do CPTA
(i) Portanto, decidindo como decidiu, a douta Sentença recorrida julgou com a estrita observância da lei.

O EMMP emitiu parecer a fls. 406/7, no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos, vem o processo á conferência.

Os Factos
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos, com relevância para decisão:
A) A Administração da Região Hidrográfica do Centro, IP publicou o anúncio de abertura de concurso público internacional para adjudicação de contratos de implementação e de concessão destinados à captação de água do domínio público hídrico para produção de energia hidroeléctrica e concepção, construção, exploração e conservação das respectivas infra-estruturas hidráulicas, com reserva de capacidade de injecção de potência na rede eléctrica de serviço público (RESP), e de identificação de pontos de recepção, associados para energia eléctrica produzida em central ou centrais hidroeléctricas relativo ao aproveitamento hidroeléctrico / Lote 3C, referente aos troços dos rios Dinha e Pavia e das ribeiras de Asnes e Sasse, com as coordenadas geográficas dos limites de montante M=206 666 m e P=392 219 (rio Dinha), M=214 482 e P=403 541 (riba de Sasse), M=211 869 m e P=403 559 m (rio Pavia) e M=212 652 m e P=403 683 m (riba de Asnes) e de jusante M=208 397 m e P=364 993 m (sistema Hayford-Gauss Militar), localizado nos concelhos de Tondela e Viseu, mediante prestação de uma contrapartida financeira para o Estado, a que se reporta o anúncio de procedimento n° 4716/2010, publicado na II Série do Diário da República, n° 201, de 15/10/2010, a declaração de rectificação de anúncio n° 334/2010, publicada na II Série do Diário da República, n° 203, de 19/10/2010 e anúncio n° 2010/S 204 - 311019, publicado no Suplemento S do JOUE, n° 204, de 20/10/2010 - cfr. docs. 6, 7 e 23, juntos com a petição inicial;
B) Constitui a regulamentação escrita do procedimento, o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos, nos termos e com o teor constante do proc. adm., para que se remete;
C) O citado concurso foi lançado ao abrigo dos art°s. 61° e 68°, n° 3, b) da Lei da Água (Lei n° 58/2005, de 29/12) e art°s 24°, n° 2 e 4 do regime jurídico de utilização dos recursos hídricos (D.L. n° 226-A/2007, de 31/05) - Acordo e cfr. proc. adm.;
D) O objecto da concessão prevê o prazo de 45 anos de utilização privativa dos recursos hídricos do domínio público para produção de energia hidroeléctrica -cfr. doc. 23;
E) O prazo limite de entrega de proposta termina ás 23H59 do dia 24/11/2010 -Acordo;
F) Em 29/01/2009 a ora Autora apresentou na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Coimbra (CCDR Coimbra), actualmente 1a Entidade Demandada, ao abrigo do art° 14° do D.L. n° 226-A/2006, de 31/05, o pedido de título de utilização do recurso hídrico do domínio público para produção de energia eléctrica sito na linha de água denominada Ribeira de Asnes, concelho e distrito de Viseu, com as coordenadas geográficas M=210 980 e P=393 523, no sistema Hayford-Gauss Militar, ao qual foi atribuído o n° IHH-2009-0023 - Acordo e docs. 24 a 26, para que se remete, para todos os efeitos legais;
G) Nos termos do citado pedido, a ora Autora solicitou a atribuição da concessão da exploração de parte do troço coberto pelo objecto do concurso público internacional, para a produção de energia eléctrica para uma potência instalada de 770KW e com uma previsão de produção de energia anual de 3.09GWh, durante o período de 35 anos - Acordo;
H) Até à data a Autora nunca foi notificada de qualquer decisão no âmbito do pedido apresentado - Acordo;
I) A Autora instaurou os presentes autos de acção de contencioso pré-contratual em 16/11/2010-cfr. SITAF;
J) No âmbito do concurso público internacional, referido em A), não foi apresentada qualquer proposta - cfr. proc. adm.;
K) Em sequência, foi revogada a decisão de contratar, nos termos do art° 80°, n° 1 do Código dos Contratos Públicos e declarado extinto o respectivo procedimento concursal, por despacho do Presidente da Administração da Região Hidrográfica do Centro, IP, datado de 30/11/2010 - cfr. doc. 1, junto com a contestação da 1a Entidade Demandada.

O Direito
A sentença recorrida julgou procedente a excepção de impossibilidade superveniente da lide, por perda de objecto da presente instância.
A Recorrente imputa à sentença recorrida a nulidade prevista no art. 668º, nº 1, al. d) do CPC, por omissão de pronúncia sobre a inquirição das testemunhas que arrolou e por quanto ao pedido formulado pela Recorrente, no sentido de “considerar confessados os factos invocados pela recorrente, por falta de junção com a contestação do Processo Administrativo, pelo Recorrido ARHC, em violação do disposto no art.º 84.º, n.º 1 do CPTA”.
Mais alega que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por violação do art. 84º, nº 5 do CPTA, em face da falta de junção do P.A.; por falta de produção de prova testemunhal que “impediu que fosse produzida prova sobre factos relevantes para apreciação do mérito dos autos”; por violação do disposto no art. 65º do CPTA, visto que, contrariamente ao que entendeu a sentença recorrida, não se verificava a inutilidade superveniente da lide, já que a decisão de contratar, em causa nos autos, teria sido “revogada com efeitos para o futuro”; e, finalmente, por adequação do requerimento de modificação objectiva da instância que formulou, por não lhe incumbir “um especial ónus de alegação dos factos de que depende o novo pedido”, quer porque “resulta das contestações dos Recorridos que estes interpretaram correctamente o pedido e a causa de pedir da modificação”; quer porque ainda que, genericamente, há a probabilidade, quase certeza, de os Recorridos lançarem em 2011 um novo concurso público com o objecto do dos autos.

Para julgar procedente a impossibilidade superveniente da lide a sentença recorrida entendeu o seguinte:
- Que tendo sido extinto pela Recorrida o procedimento concursal objecto dos autos, verifica-se a impossibilidade superveniente da lide;
- Que não tendo sido celebrado, na pendência do processo, qualquer contrato relativo ao procedimento pré-contratual dos autos, ou sido praticados quaisquer actos administrativos cuja validade dependa da existência ou validade do acto impugnado, ou cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo, impõe-se a improcedência do pedido de modificação objectiva da instância, entretanto formulado pela Recorrente, por não se verificarem os respectivos pressupostos (cfr art. 63º, nº 2 do CPTA).

Vejamos.
1 – Das nulidades de sentença por omissão de pronúncia
Conforme jurisprudência uniforme a nulidade de sentença por omissão de pronúncia, prevista no art. 668º, nº 1, al. d) do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de se pronunciar sobre alguma questão que devesse apreciar, ou seja, as questões que as partes submeteram à sua apreciação, e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art. 660º, nº 2 do CPC).
Ora, desde logo a alegada falta de pronúncia sobre produção de prova testemunhal, não poderia constituir uma nulidade de sentença, já que, como a própria Recorrente admite teria que ser apreciada em despacho anterior à sentença, apenas podendo constituir a sua falta (a existir) uma nulidade processual prevista no art. 201º, nº 1 do CPC, que, no caso em concreto, por não influir no exame e decisão da causa (não se vê em que poderia a inquirição das testemunhas alterar a decisão de extinção da instância), não se verifica.
Acresce que, tal como a Recorrente acaba por admitir (cfr. conclusão F das alegações), no despacho prévia à sentença (cfr. fls. 321 do processo físico) a Mma Juiz a quo apreciou, ainda que de forma implícita a desnecessidade de produção de prova testemunhal ao considerar que não havia lugar a alegações que, nesta forma processual, apenas têm lugar se for requerida ou produzida prova com a contestação (não contando como tal a junção do processo administrativo), considerando que, em concreto não havia lugar à produção de alegações (cfr. nº 2 do art. 102º do CPTA).
Quanto à nulidade de sentença por omissão de pronúncia por o processo administrativo não ter sido apresentado com as contestações, tal falta não determina, sem mais, que os factos alegados pelo autor se tenham por provados, como decorrer do nº 5 do art. 84º do CPTA.
Efectivamente, só se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade há lugar à cominação prevista naquele preceito.
Ora, uma vez que o processo administrativo foi junto (quando o Tribunal notificou a Recorrida para esse efeito) foi a matéria de facto dele constante tomada em conta nos factos provados, solução que prejudica a alegação defendida pela aqui Recorrente de se considerarem provados todos os factos alegados pela autor, já que não se verifica a circunstância acima referida.
Improcedem, consequentemente, as arguidas nulidades de sentença por omissão de pronúncia e as conclusões A a E da Recorrente.

2 – Dos Erros de Julgamento da sentença recorrida
Quanto à conclusão F a Recorrente não identifica quais os factos relevantes que poderiam resultar dos depoimentos das testemunhas, incumprindo, consequentemente, o disposto no art. 685º-B, nº 1, al. a) do CPC, pelo improcede esta conclusão.
Quanto às conclusões G e H alega a Recorrente que factos houve que poderiam ter sido considerados provados por prova documental e por consulta do PA, como os art.ºs 1.º, 2.º e 8.º a 13.º da Petição Inicial, e que a sentença apenas teve em conta os factos que interessavam à decisão da excepção.
Não lhe assiste razão.
De facto, tal como se consigna na sentença foram dado como provados os factos resultantes da “prova documental produzida, constante dos autos e do processo administrativo e por acordo, atenta a articulação das partes (…)”. Mais se consignando (após a indicação dos factos provados) que “Nenhum outro facto, com relevância para a decisão a proferir, ficou provado, de acordo com as várias soluções plausíveis de Direito”.
Significa isto que a sentença não considerou relevantes para a decisão quer das excepções, quer de mérito, dos factos constantes nos arts. 1º e 2º da petição inicial, os quais, efectivamente, não se mostram relevantes para a decisão da presente acção.
Quanto ao facto constante dos arts. 8º a 13º da petição inicial foram levados ao probatório, nos termos consignados na respectiva alínea B) que dá como reproduzidos o teor do Programa do Concurso e do Caderno de Encargos.
Improcedem, consequentemente, as conclusões G e H.
Nas conclusões I a L alega a Recorrente que a decisão sobre a inutilidade superveniente da lide, não considerou o disposto no art.º 65.º do CPTA, já que a decisão de contratar apenas teria sido revogada para o futuro e não com efeitos retroactivos.
O art. 65º, nº 1 do CPTA prescreve o seguinte:
Quando na pendência do processo seja proferido acto revogatório sem efeitos retroactivos do acto impugnado, o processo prossegue em relação aos efeitos produzidos.
Nos presentes autos formulou-se o pedido de anulação do “concurso público internacional para Adjudicação de contratos de implementação e de concessão destinados à captação de água do domínio público hídrico para produção de energia hidroeléctrica e à concepção, construção, exploração e conservação das respectivas infra-estruturas hidráulicas, com reserva de capacidade de injecção de potência na rede eléctrica de serviço público (RESP) e de identificação de pontos de recepção associados para energia eléctrica produzida em central ou centrais hidroeléctricas relativo ao aproveitamento hidroeléctrico a localizar no Lote 3C, por violação de interesses legalmente protegidos da Autora.
Conforme se encontra provado foi revogada a decisão de contratar, nos termos do art. 80º, nº 1 do CCP, e “declarado extinto o respectivo procedimento concursal”.
Ora, sendo extinto o procedimento concursal e revogada a decisão de contratar, não se vislumbram quais os efeitos do concurso que subsistem, não se mostrando violado o citado art. 65º do CPTA.
Assim, apenas se pode concluir, como fez a decisão recorrida, que a instância se tornou superveniente impossível, por falta de objecto, o que determina a extinção da instância, nos termos do art. 287º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA, improcedendo, as conclusões I a L do recurso.
Quanto ao pedido de modificação objectiva da instância mostra-se infundada, já que, como se escreveu na sentença recorrida:
Em primeiro lugar não se mostra concretizado, quer de facto, quer de Direito, o pedido formulado, pelo que, é de considerar enfermar de ineptidão tal pedido de modificação objectiva da instância, por falta ou inteligibilidade da causa de pedir (alínea a), do nº 2 do artº 193ºdo CPC).
Em segundo lugar, ainda que assim não se entendesse, considerando que foi declarado extinto o procedimento concursal, não mais poderá ser decretada a anulação desse procedimento pelo Tribunal, pelo que, será de afastar in totum a possibilidade de cumular a pretensão inicialmente peticionada, com qualquer outra, em virtude da sua impossibilidade jurídica.
Em terceiro lugar, ainda que não procedessem as duas anteriores razões, que ditam o insucesso do pedido de modificação objectiva da instância pela Autora, sempre seria de entender que o pedido ora deduzido, de condenação das Entidades Demandadas a absterem-se de lançar novo concurso com o objecto do primitivo procedimento concursal, considerando a sua natureza preventiva em relação à lesão do direito ou interesse legalmente protegido invocado em juízo, sempre exige a titularidade de um interesse processual em agir qualificado por parte da demandante, o que não se mostra alegado em juízo.

A Autora não logra alegar e muito menos demonstrar factos integradores da causa de pedir, que revelem o seu interesse processual em agir, traduzidos numa condenação de non facere à Administração, com o consequente efeito de paralisar a sua actuação, o que é de vedar.

É sabido que qualquer pretensão requerida a título preventivo, como consiste aquelas que visam impedir a actuação da Administração, exigem por parte do seu requerente um interesse processual em agir qualificado, o que no caso dos autos, nos termos constantes dos art°s 69° a 72° do articulado da Autora, manifestamente não decorre.
Assim, forçoso se tem de concluir pela improcedência do pedido de modificação objectiva da instância, requerido pela Autora e, nos termos das razões supra expostas, concluir pela impossibilidade superveniente da lide, com a consequente extinção do presente processo e do direito que a Autora pretendia fazer valer em juízo.
Termos em que, perante todo o exposto, conclui-se pela improcedência do pedido de modificação objectiva da instância, requerido pela Autora e em julgar extinta a presente instância, por impossibilidade superveniente.
É ainda de referir que o pedido de modificação da instância foi efectuado com base no disposto no art. 63º, nºs 1 e 2 do CPTA (cfr. fls. 266 e 267 dos autos).
Ora, a invocação do referido preceito não tem qualquer fundamento, já que nele se prevê a hipótese de o acto impugnado se inserir em procedimento que prosseguiu na pendência do processo, o que, no caso concreto se não verifica, já que o concurso ficou deserto e o procedimento concursal foi declarado extinto.
Quanto à previsão do nº 2 daquele preceito também não se verifica já que não houve celebração do contrato, nem se mostra terem sobrevindo quaisquer actos administrativos “cuja validade dependa da existência ou validade do acto impugnado, ou cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo”.
Improcedem, consequentemente, as conclusões M a Y do presente recurso.

Pelo exposto, acordam em:
a) – negar provimento ao recurso, confirmando integralmente a sentença recorrida;
b) – condenar a Recorrente nas custas.

Lisboa, 30 de Junho de 2011
Teresa de Sousa
Paulo Carvalho
Carlos Araújo

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