sexta-feira, 25 de novembro de 2011

CONCURSO LIMITADO POR PRÉVIA QUALIFICAÇÃO - PROGRAMA CONCURSO - DEFINIÇÃO REQUISITOS - CAPACIDADE TÉCNICA/FINANCEIRA - PRINCÍPIO PROPORCIONALIDADE - PRINCÍPIO CONCORRÊNCIA

01257/09.7BEPRT    TCAN   25 de Março de 2010

I. O programa do concurso («PC») corporiza o regulamento que define os termos a que deve obedecer a fase da formação do contrato [cfr. art. 41.º do CCP], sendo que o mesmo deve conter, nomeadamente, os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira que os candidatos devem preencher [cfr. art. 164.º, n.º 1, als. h), i), m) do CCP], requisitos esses a aferir na fase de qualificação [cfr. arts. 167.º e segs. do mesmo diploma], prevendo-se dois modelos de qualificação (modelo simples e o modelo complexo).
II. Existe uma margem de livre decisão e apreciação quanto à fixação dos critérios suplementares que permitem avaliar os requisitos mínimos de capacidade financeira destinados a assegurar o cabal cumprimento do contrato.
III. Pese embora tal margem de liberdade que é conferida à entidade adjudicante na definição dos requisitos mínimos da capacidade técnica e da capacidade financeira dos operadores económicos que desenvolvam actividade no mercado e que são potenciais candidatos ao procedimento temos que tal liberdade se mostra, desde logo, limitada pelos princípios da proporcionalidade e da concorrência, devendo ser operacionalizada de molde a assegurar e respeitar tais princípios e objectivos últimos pelos mesmos propugnados ou prosseguidos.
IV. A definição dos requisitos não poderá ser feita em abstracto sem qualquer ligação ao contrato que se visa vir a outorgar na sequência do procedimento de formação aberto, devendo a mesma considerar e se ajustar ao objecto daquele contrato.
V. Na concretização de tais requisitos terão sempre de estar presentes para além das exigências de proporcionalidade, de necessidade e de adequação à luz do ulterior contrato também os deveres de prossecução do normal funcionamento do mercado e da protecção subjectiva dos potenciais concorrentes por forma a assegurar o mais amplo acesso aos procedimentos por parte dos interessados em contratar.
VI. Revela-se como desproporcionada a exigência feita no «PC» aos potenciais concorrentes dum volume de negócios mínimo de 15.000.000,00 € (nos últimos 3 anos) quando o contrato que se pretende vir a celebrar tem um valor estimado de cerca de 131.000,00 €.
VII. Tem-se, também, como violadora dos princípios da concorrência e da proporcionalidade, e bem assim do n.º 3 do art. 165.º do CCP, a consagração no concurso em apreço (prestação de serviço de vigilância/recepção), de um requisito mínimo de autonomia financeira igual ou superior a 0,35 quando a execução do contrato tem a duração de nove meses e um preço base de 131.000 €.
VIII. Revela-se igualmente violadora dos princípios da concorrência e da proporcionalidade a definição/exigência no «PC» quanto ao requisito de qualificação da capacidade técnica de potenciais concorrentes a detenção por estes dum número mínimo de vigilantes inscritos no MAI de 1000, em cada um dos últimos três anos e dos quais 75% pertençam aos quadros efectivos da empresa, quando a celebração do contrato de prestação de serviços de vigilância/recepção envolve apenas 14 instalações de saúde da área de Penafiel, Paredes e Castelo de Paiva que exigem cada 01 vigilante nos períodos e horários ali definidos, mostrando-se, eventualmente, suficientes 42 vigilantes.

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“ADMINISTRAÇÃO REGIONAL SAÚDE NORTE, IP” (doravante “ARSN, IP”) e “F…, SA”, devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram, cada um e na parte que lhes foi respectivamente desfavorável, interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 16.11.2009, que julgou parcialmente procedente a acção administrativa de impugnação urgente/contencioso pré-contratual deduzida nos termos dos arts. 100.º e segs. do CPTA por “F…, SA” contra “ARSN, IP” e as co-RR./contra-interessadas “S…, SA”, “2…, SA”, “P…, SA”, ”G…, SA” e “C…, SA” e que, em consequência, declarou a “… ilegalidade do artigo 7.º alíneas b) e d) e 13.º do Programa do Concurso em apreço e dos correspondentes artigos da metodologia constante do Anexo I …” e determinou “… que a Ré proceda à correcção das mesmas, face às ilegalidades de que os mesmos padecem …”.
Formula o R./recorrente “ARSN, IP” nas respectivas alegações (cfr. fls. 518 e segs. - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem:
...
1.ª - Não há qualquer violação da norma do art. 165.º/3 do Código dos Contratos Públicos com consequências sobre a violação dos princípios da concorrência e da proporcionalidade;
2.ª - Mostra-se em harmonia com aqueles princípios as normas regulamentares constantes das alíneas b) e d) do art. 7.º do Programa do Concurso Limitado por prévia qualificação n.º 9/2009;
3.ª - Não é de acolher, pois, a convocação a que a douta sentença procede, nem em substância nem por identidade de razões do regime da exigência de coeficientes de liquidez financeira próprios das empreitadas públicas quando, como sucede no caso sub judice, estamos em domínio de contratação onde pontificam os recursos humanos e a mão-de-obra intensiva;
4.ª - No domínio da contratação de prestação de serviços de segurança, o prestador está em directa relação com o cliente e tudo quanto presta é praticamente mão-de-obra intensiva, sendo que na sua prestação os recursos humanos preenchem praticamente os 100% do que é prestado; ora, se a empresa de prestação de serviços não estiver dotada de grande capacidade financeira, autónoma, porque não pode socorrer-se da detida pela multiplicidade de fornecedores que consigo se articulem, pode soçobrar logo na sua capacidade de pagar as remunerações do trabalho, as prestações acessórias do trabalho, as contribuições parassociais, seguros de trabalho e encargos de segurança social e tudo quanto a prestação de trabalho envolve;
5.ª - Não há assim, com a adopção do coeficiente de 0,15 qualquer violação da norma do art. 165.º/3 do Código dos Contratos Públicos.
6.ª - Não havendo convocação de tempo de antiguidade anterior à vigência do Dec-Lei n.º 282/86, de 5-9 que impôs a obtenção do alvará para o exercício da actividade como condição de constituição e exercício da actividade, não está violada qualquer norma de protecção e não pode reputar-se ilegal a norma regulamentar que não refira expressamente a antiguidade por relação ao tempo posterior à detenção de alvará.
7.ª - Ao ter decidido como o fez, não obstante o labor de densificação do seu sentido, violou a douta sentença recorrida as normas dos arts. 165.º n.ºs 3 e 4, arts. 1.º, n.º 4 e 5.º, n.º 6 do Código dos Contratos Públicos, e ainda o regime daquele DL 282/86, por ter reputado violados, quando a densidade das situações de facto o não impunha, os referidos princípios da concorrência e da proporcionalidade. …”.
Termina pugnando pela procedência do recurso jurisdicional e total improcedência da acção administrativa contra o mesmo movida.
A A. notificada produziu contra-alegações (cfr. fls. 613 e segs.), onde sustenta na parte aqui ora impugnada a manutenção do julgado sem formular, todavia, quaisquer conclusões.
A A./recorrente em sede das suas alegações (cfr. fls. 542 e segs.), terminou concluindo da forma seguinte:
...
1. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 16 de Novembro de 2009, na parte em que julgou improcedente o pedido da autora, aqui recorrente, referente à alínea c) do artigo 6.º do Programa de Concurso, onde é exigido, como requisito de capacidade técnica mínima, que os candidatos possuam um número mínimo de 1.000 (mil) vigilantes inscritos no Ministério da Administração Interna, em cada um dos três anos aí identificados, dos quais 75% pertençam aos quadros efectivos da empresa.
2. O presente recurso jurisdicional tem também por objecto a decisão sobre matéria de facto, impondo-se a respectiva ampliação, nos termos supra descritos, de maneira a incluir os factos indicados nas alíneas a) a j) do ponto 8 supra das presentes alegações de recurso, relativo justamente à impugnação da decisão sobre matéria de facto, e tendo em consideração os meios de prova aí especificamente identificados (cfr. pp. 13 a 17, cujo conteúdo se dá, para este efeito, por integralmente reproduzido), tudo por via do disposto no artigo 149.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no artigo 712.º do Código de Processo Civil.
3. A norma constante da alínea c) do artigo 6.º do Programa de Concurso é ilegal, por violação dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, nos termos dos artigos 1.º e 5.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo e do n.º 4 do artigo 1.º do Código dos Contratos Públicos, bem como por violação do artigo 165.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, sendo essa ilegalidade evidente e manifesta, razão pela qual decidiu mal o Tribunal a quo.
4. A norma constante da alínea c) do artigo 6.º do Programa de Concurso é ilegal, por violação do princípio da imparcialidade, nos termos do artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo, sendo a ilegalidade evidente, razão pela qual decidiu mal o Tribunal a quo.
5. O Tribunal a quo veio afirmar que a liberdade da Administração está limitada, no caso concreto, pelos princípios da concorrência e proporcionalidade, mas procedeu mal ao não verificar se os mesmos foram respeitados, limitando-se a referir, quanto ao requisito técnico em apreço, que a exigência do número de vigilantes estritamente necessário para garantir a execução do contrato seria lesivo do interesse público.
6. A norma constante da alínea c) do artigo 6.º do Programa do Concurso é claramente ilegal na medida em que impede a concorrência de aceder a contratos públicos ou a procedimentos adjudicatórios que tenham por objecto prestações de valor superior à melhor experiência que os concorrentes revelem, o que impede o desenvolvimento destes últimos, razão pela qual decidiu mal o Tribunal a quo, em ofensa aos artigos 1.º e 5.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo e do n.º 4 do artigo 1.º do Código dos Contratos Públicos, bem como por violação do artigo 165.º, n.ºs 1 e 5, do Código dos Contratos Públicos.
7. O referido requisito é claramente ilegal por se assumir, em rigor, como requisito injustificadamente excludente e não como requisito justificado por razões de interesse público, razão pela qual decidiu mal o Tribunal a quo ao não ter declarado a ilegalidade de tal preceito concursal, com ofensa ao disposto no artigo 165.º, n.º 5, do Código dos Contratos Públicos …”.
Notificadas as alegações produzidas pela A. não foram apresentadas quaisquer contra-alegações (cfr. fls. 608 e segs.).
O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 146.º e 147.º do CPTA não veio a apresentar qualquer parecer/pronúncia (cfr. fls. 662 e segs.).
Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos recorrentes, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redacção introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24/08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
As questões suscitadas e de que cumpre decidir resumem-se, em suma, em determinar:
I) Quanto ao recurso do “ARSN, IP se na situação vertente a decisão judicial recorrida ao julgar parcialmente procedente a pretensão deduzida pela A. nos termos e pelos fundamentos dela constantes incorreu em erro de julgamento por desrespeito ao disposto nos arts. 01.º, n.º 4, 05.º, n.º 6 e 165.º, n.ºs 3 e 4 do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP), e ainda ao previsto no DL n.º 282/86 [cfr. alegações e conclusões supra reproduzidas].
II) Quanto ao recurso da “F …, SA se na situação vertente a decisão judicial recorrida ao julgar parcialmente improcedente a pretensão por si deduzida nos termos e pelos fundamentos dela constantes incorreu, por um lado, em erro de julgamento de direito por violação do disposto nos arts. 01.º e 05.º, n.º 2 do CPA, 01.º, n.º 4 e 165.º, n.ºs 1 e 5 do CCP e, por outro lado, em erro no julgamento de facto, impondo-se a ampliação da factualidade assente [inclusão dos factos indicados nas als. a) a j) do ponto 8 das alegações de recurso] [cfr. alegações e conclusões supra reproduzidas].
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Da decisão recorrida resultaram provados os seguintes factos:
I) Através de anúncio publicado no D.R. n.º 70, IIª Série, de 09.04.2009, foi aberto concurso n.º 1525/2009 para prestação de serviços de vigilância - cfr. docs. 01 junto com a p.i..
II) Os locais onde serão prestados os serviços de vigilância, a iniciar a 01.07.2009, são os constantes do artigo 01.º do Programa de Concurso, que se dá por integralmente reproduzido.
III) Os concorrentes têm de demonstrar possuir um número mínimo de 1000 vigilantes inscritos no Ministério da Administração Interna em cada um dos últimos três anos dos quais 75% pertencentes aos quadros efectivos da empresa - cfr. alínea c) do art. 06.º do Programa de Concurso.
IV) Os concorrentes têm de demonstrar possuir uma autonomia financeira média nos últimos três anos igual ou superior a 0,15 - cfr. art. 07.º alínea b) do Programa de Concurso.
V) Os concorrentes têm de demonstrar uma liquidez geral média nos últimos três anos igual ou superior a 1,5 - cfr. art. 07.º alínea c) do Programa de Concurso.
VI) Os concorrentes têm de demonstrar ter um volume de negócios médio nos últimos três anos igual ou superior a 15.000.000 (quinze milhões de euros) - cfr. art. 07.º alínea d) do Programa de Concurso.
VII) A requerida pretende, para efeitos de qualificação, seleccionar 05 candidatos - cfr. art. 05.º, n.º 2 do Programa de Concurso.
VIII) O volume de negócios considerado óptimo é de 200.000.000 € (duzentos milhões de euros) - cfr. anexo ao Programa de Concurso que se dá por integralmente reproduzido.
IX) A A. é titular do alvará n.º 76 C emitido pelo Ministério da Administração Interna para o exercício da actividade de segurança privada - cfr. doc. 06 junto com o requerimento inicial dos autos de providência relativa a procedimentos de formação de contratos apensos aos presentes.
X) A A. realizou uma operação de fusão com a empresa “F…- facto não impugnado pelas partes.
XI) A A. teve nos exercícios de 2005 a 2007 uma autonomia financeira média superior a 0,15 - facto admitido por acordo das partes.
XII) A A. não teve ao seu serviço, excluindo a referida operação de fusão, nos anos de 2006 a 2008, 1000 vigilantes - facto não impugnado pelas partes.
XIII) A A. nos anos de 2005 e 2006 teve um volume de negócios médio inferior a 15.000.000 (quinze milhões de euros) - facto não impugnado pelas partes.
XIV) Apresentaram proposta ao concurso em apreço, para além da requerente, as seguintes empresas:
- “P…, SA”;
- “2…, SA”;
- “G…, SA”;
- Em agrupamento: “C…, SA” e “4…, SA - cfr. P.A. junto aos autos.
XV) O caderno de encargos refere que o preço base é de 183.500 €, tendo o contrato a duração de seis meses.
XVI) De acordo com a base de dados de segurança privada do Ministério da Administração Interna existem 81 (oitenta e uma) entidades titulares de alvará necessário para o exercício da actividade de segurança, das quais 11 (onze) têm mais de 1000 vigilantes - cfr. fls. 427 dos autos.
XVII) Do total das empresas autorizadas a exercer a actividade de segurança 9 (nove), nas quais se inclui a “F…, Lda.”, apresentaram nos anos de 2005, 2006 e 2007 um volume de negócios superior a 15 milhões de euros - cfr. fls. 428 e 429 dos autos.
«»
3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada importa, agora, entrar na análise dos fundamentos dos recursos jurisdicionais.
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3.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF do Porto em apreciação da pretensão impugnatória urgente deduzida pela A., aqui igualmente ora recorrente, contra o “ARSN, IP” e as contra-interessados “S
, SA”, “2, SA”, “P, SA”, ”G, SA” e “C, SA”, na qual foi peticionado que fosse determinada a invalidade das normas constantes dos art. 06.º, 07.º e 13.º do Programa de Concurso em referência (abreviadamente «PC»), incluindo os artigos correspondentes do Anexo I, e, bem assim, que fosse a entidade demandada condenada na correcção das mesmas normas, veio concluir, em 16.11.2009, no sentido de que “in casu” apenas eram ilegais as normas constantes dos arts. 07.º als. b) e d) e 13.º daquele Programa e os correspondentes artigos da metodologia constante do Anexo I, assim condenando e determinando a sua necessária e adequada correcção.
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3.2.2. DO RECURSO JURISDICIONAL DO “ARSN, IP
Argumenta o recorrente em epígrafe que a decisão judicial em crise fez errado julgamento de direito, porquanto infringiu, na sua interpretação e aplicação, o preceituado nos arts. 01.º, n.º 4, 05.º, n.º 6 e 165.º, n.ºs 3 e 4 do CCP e ainda o previsto no DL n.º 282/86, visto, ao invés do sustentado naquela decisão, o «PC» e respectivos anexos na definição dos requisitos de capacidade financeira e o modelo de avaliação quanto à qualificação dos candidatos não violaram na sua elaboração e definição os princípios da concorrência e proporcionalidade, nem o quadro legal tido por desrespeitado na sentença aqui objecto de impugnação.
Analisemos, sendo que, para o efeito, importa previamente ter presente o quadro legal relevante nesta sede e efectuar pertinente enquadramento do mesmo e dos princípios que o enformam.
Nessa medida e como primeira nota prévia de enquadramento importa ter presente a importância e o papel que assume a intervenção do Estado na actividade económica nas suas diversas formas jurídicas, com particular relevo para o peso que a contratação pública representa em termos económicos no espaço da UE e para o processo de concretização/construção do mercado interno.
Com efeito, os contratos públicos representavam em 1997 11% do PIB da União (cfr. Relatório da Comissão sobre o funcionamento dos mercados de produtos e de capitais da Comunidade apresentado em resposta às conclusões do Conselho Europeu de Cardiff, que teve lugar em 15/16 de Junho de 1998), em Fevereiro de 2004 já constituíam 16% do mesmo PIB (cfr. Documento da Comissão, datado de 03.02.2004, denominado “Report on the functioning of public procurement markets in the EU: benefits from the application of EU directives and challenges for the future”), sendo que pode ler-se no relatório da Comissão sobre as negociações referentes ao acesso das empresas da Comunidade aos mercados de países terceiros nos sectores abrangidos pela Directiva 2004/17/CE que os “… alargamentos da UE de 2004 e 2007 adicionaram cerca de 55 mil milhões de euros em novas oportunidades de adjudicação de contratos, dos quais perto de 10 mil milhões equivalem a aquisições no sector dos serviços públicos. No EEE, o mercado de contratos públicos de serviços está avaliado em 460 mil milhões de euros, dos quais cerca de 81 mil milhões representam contratos públicos acima dos limiares, sujeitos a regras de adjudicação idênticas (directivas) …” (cfr. Relatório da Comissão de 28.10.2009 - COM (2009) 592 final).
Daí que face a estes dados resulta clara a necessidade, mesmo a importância, de regulamentar as matérias atinentes à contratação pública, tanto mais que esta assume relevância não apenas no plano económico e no processo de construção do mercado interno, mas também no plano jurídico com as necessidades de harmonização para construção do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (vulgo «ELSJ») e, bem assim, o assegurar do respeito aos princípios e demais normativos comunitários, com especial incidência em matéria dos princípios da concorrência e da proporcionalidade.
Ora o processo de construção do mercado interno, enquanto objectivo da União que “… compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada …”, reclama necessariamente um mercado concorrencial e a afirmação/efectivação quer do princípio da livre concorrência [cfr., entre outros, os arts. 03.º, n.º 3 do TUE, 03.º, 26.º, 40.º, 49.º, 56.º, 57.º, 60.º, 61.º, 101.º e segs. do Tratado de Funcionamento da União Europeia - versão consolidada publicada JOUE, C 115, de 09.05.2008], quer do da proporcionalidade enquanto princípio geral do direito comunitário tal como vem sendo afirmado sucessivamente pelo ora denominado Tribunal de Justiça da União Europeia (nomenclatura que deriva do Tratado de Lisboa, entrado em vigor em 01.12.2009, e que entre nós foi objecto de aprovação através da Resolução da AR n.º 19/08, publicada no DR, I Série, n.º 96, de 19.05.2008) (abreviadamente «TJUE» ou apenas «TJ») [cfr., v.g., Ac.
TJ de 13.11.1990 (Proc. C-331/88 - “The Queen”) in: «www.curia.europa.eu/»].Ainda que de forma breve precisemos os contornos dos princípios em questão.
O
princípio da concorrência reclama nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa e de André Salgado Matos que se mostre assegurado ou garantido “… o mais amplo acesso aos procedimentos por parte dos interessados em contratar, e que, em cada procedimento, seja consultado o maior número possível de interessados, no respeito pelo número mínimo que a lei imponha …”, sendo que o mesmo “… visa, quer a salvaguarda do normal funcionamento do mercado e a protecção subjectiva dos concorrentes [… arts. 81.º, f), e 99.º, a), c) CRP], quer a melhor prossecução do interesse público que preside à celebração do contrato, na medida em que a concorrência permite em regra que aquela se faça nas melhores condições financeiras para a administração …” (in: “Contratos Públicos - Direito Administrativo Geral”, Tomo III, pág. 75).
Também Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira sustentam a este propósito que é “… na concorrência (no apelo e defesa do mercado, ínsitos nestes procedimentos), que assenta, na verdade, o valor nuclear dos procedimentos (mais ou menos) concursais: é a ela que estes se dirigem e é no aproveitamento das respectivas potencialidades que se baseia o seu lançamento.
Com a existência de um procedimento dirigido à concorrência assegura-se, na medida do possível, que, na satisfação de interesses administrativos que lhes estão cometidos (e que implicam dispêndio de dinheiros públicos ou cedência de bens ou utilidades administrativos), os entes públicos o façam da forma publicamente mais vantajosa possível.
E, quanto mais pessoas se apresentarem perante a Administração, como eventuais futuros contratantes, quanto mais pessoas quiserem negociar com ela, no mercado administrativo, melhor: maior será o leque de ofertas contratuais - e o leque de escolha da Administração - e mais procurarão os concorrentes optimizar as suas propostas.
É esta uma das razões por que os procedimentos concursais foram legalmente erigidos no principal modus negociandi do mercado administrativo.
Chamar a concorrência, lançar um concurso, pressupõe, portanto, considerar os concorrentes como opositores uns dos outros, permitindo-se-lhes que efectivamente compitam e concorram entre si, que sejam medidos (eles ou as suas propostas) sempre e apenas pelo seu mérito relativo, em confronto com um padrão ou padrões iniciais imutáveis …” (in: “Concursos e outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa. Das Fontes às Garantias”, 2005, págs. 100 e 101; vide ainda, no mesmo sentido, Rodrigo Esteves de Oliveira em: “Os princípios gerais da contratação pública” in: «Estudos da Contratação Pública - I», pág. 67).
E Rodrigo Esteves de Oliveira refere ainda que no “… plano procedimental, um corolário da concorrência é, desde logo, o dever de a entidade adjudicante não definir requisitos de acesso ao procedimento tais (como número e valores das obras ou serviços iguais ou similares prestados, etc.) que resultem numa limitação desproporcionada no mercado habilitado a participar nesse procedimento …” (em loc. e ob. cit., pág. 71) (sublinhados nossos)
Importa, todavia, ter presente que, como sustenta Cláudia Viana, a “… concorrência é em sede de contratação pública, um resultado, que se obtém através da concretização dos princípios da igualdade e das liberdades comunitárias, enquanto regras que vinculam os Estados-membros na sua relação com os particulares. Esta tem sido, …, a posição adoptada pelo Tribunal de Justiça, que tem feito assentar o regime da contratação pública na igualdade e nas liberdades de circulação, e não na concorrência, enquanto conjunto de regras dirigidas fundamentalmente às empresas …” (in: “Os princípios comunitários na Contratação Pública”, pág. 172).
Quanto ao princípio da proporcionalidade importa reter que o mesmo se aplica a todas as espécies de actos emanados dos poderes públicos, sendo, inclusive, erigido como princípio com dignidade constitucional e com consagração ao nível do direito internacional e supranacional [v.g. cfr., arts. 05.º TUE e Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade anexo, 69.º, 296.º TFUE todos na versão decorrente do Tratado de Lisboa, sendo que o controlo da razoabilidade, da razoabilidade-adequação, proporcionalidade-necessidade é, hoje, uma imposição que recai sobre o julgador, sendo várias as decisões do «TJ» que disso fazem eco e apelo nas suas decisões - vide, entre outros, Acs. TJUE de 03.09.2009 (Procs. C-322/07, C-327/07 e C-338/07), de 02.03.2010 (Proc. C-135/08) in: «www.curia.europa.eu/jurisp/»].
Atente-se que o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito, impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado-legislador e o Estado-administrador adequar a sua projectada acção aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessária ou excessivamente restritivas.
Este princípio considerado em sentido lato pode, além disso, desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos. Assim, importa considerar, enquanto subprincípios do mesmo constitutivos, a adequação das medidas aos fins (princípio da conformidade ou adequação de meios), a necessidade ou exigibilidade das medidas (princípio da exigibilidade ou da necessidade) e a proporcionalidade em sentido estrito ou «justa medida» (princípio da proporcionalidade em sentido estrito).
Socorrendo-nos da doutrina e entendimento sustentado por J.J. Gomes Canotilho temos que o princípio da adequação “… impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes …”, sendo que a “… exigência de conformidade pressupõe a investigação e prova de que o acto do poder público é apto para e conforme os fins justificativos da sua adopção (…). Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim ...”, ao passo que no princípio da exigibilidade, também conhecido como o da “menor ingerência possível” “… coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível …” reclamando-se “… sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adoptar outro meio menos oneroso para o cidadão …” e aferindo-se a exigibilidade em termos materiais, espaciais, temporais e pessoais. E quanto ao princípio da proporcionalidade em sentido restrito o mesmo configura-se pela aferição ou medida sobre se o “… meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim …” (in: “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7.ª edição, págs. 269/270).
Nesta sede e a propósito do princípio da proporcionalidade sustentou o «TJ» no seu acórdão de 13.11.1990 (Proc. C-331/88 atrás citado) que por força do mesmo “… a legalidade da proibição de uma actividade económica está subordinada à condição de que as medidas de proibição sejam adequadas e necessárias à realização dos objectivos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo-se que, quando existe uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos …”.
Pronunciando-se sobre a concretização deste princípio refere Rodrigo Esteves de Oliveira que o mesmo tem o “… seu campo privilegiado de actuação … no seio das relações jurídicas materiais, mas ele não deixa de ter importantes projecções e consequências nas relações procedimentais da contratação pública.
O que se exige então à entidade adjudicante (e ao júri) é que, considerando a função e objectivos do procedimento em causa, não adopte medidas restritivas da concorrência sem justificação suficiente e adequada para o efeito, exigência que vale desde logo na definição do universo concorrencial que seja admitido participar no procedimento. Assim, a entidade adjudicante não deve, por exemplo, estabelecer requisitos de acesso tais … que resultem numa limitação desproporcionada do mercado habilitado a participar nesse procedimento …” (em loc. e ob. cit., pág. 104) (sublinhados nossos).
Referindo-se a este princípio Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos sustentam que o mesmo “… releva para os procedimentos pré-contratuais nas suas três dimensões de adequação, necessidade e razoabilidade (…). Da dimensão da adequação decorre que, dentro dos limites legais, deve ser escolhido o procedimento pré-contratual mais adequado ao interesse público a prosseguir; da dimensão da necessidade decorre que, na tramitação dos procedimentos pré-contratuais, apenas se devem efectuar as diligências e praticar os actos que se revelem indispensáveis à prossecução dos fins que legitimamente se visam alcançar; da dimensão da razoabilidade decorre a necessidade de ponderação dos custos e dos benefícios decorrentes da utilização de cada um dos procedimentos pré-contratuais para efeitos da sua escolha …” (in: ob. cit., pág. 76).
Presentes estes breves considerandos de enquadramento quanto aos princípios postos em referência e que são objecto de discussão nos autos, os quais, aliás, se mostram aflorados em vários normativos do CCP [cfr., v.g., n.º 4 do art. 01.º, n.º 2 do art. 113.º, n.º 2 do art. 313.º], cumpre, agora, trazer à colação o quadro legal pertinente para o julgamento, mormente o invocado e tido por desrespeitado pela decisão judicial recorrida.
Deriva do art. 41.º do CCP que o “… programa do procedimento é o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração …”.
Mostra-se, posta em causa nestes autos, a legalidade do que deriva previsto em sede concursal nos arts. 07.º e 13.º do «PC» e respectivo anexo, normativos concursais esses que tem o seguinte teor:
Artigo 7.º
Requisitos (mínimos) de capacidade financeira que os candidatos devem preencher
Os candidatos devem preencher os seguintes requisitos mínimos de capacidade financeira através dos documentos identificados no n.º 2 do Artigo 10º do Programa do Concurso:
a) Requisito mínimo de capacidade financeira a que se refere o n.º 2 do artigo 165.º do Código dos Contratos Públicos;
b) Demonstrar possuir Autonomia Financeira (AF), apurada através da média dos últimos três anos. Este indicador traduz a capacidade de financiar o activo sem recorrer a capital alheio, sendo calculado do seguinte modo:
AF = Capital Próprio
Activo Líquido Total
Sendo o activo líquido total constituído pelo valor do activo após terem sido feitas as correcções patrimoniais, ou seja, depois de ter sido deduzido ao activo o valor das provisões e das amortizações referentes às diversas rubricas do balanço. O valor do activo líquido a utilizar será o indicado no campo A225 do anexo A da Declaração Anual para o ano de 2005 e os correspondentes da declaração de 2006 e 2007.
Assim, considera-se que os candidatos devem possuir como requisito mínimo AF de ≥ 0,15.
c) ....
d) Demonstrar possuir Volume de Negócios (VN), apurado através da média dos últimos três anos de ≥ 15.000.000,00 €. O valor de VN será obtido através do campo A104 do anexo A da Declaração Anual para o ano de 2005 e os correspondentes da declaração de 2006 e 2007 (…).
Artigo 13.º
A qualificação será feita de acordo com o modelo de avaliação constante do Anexo I ao presente Programa, que dele faz parte integrante …”.
Deste anexo I, denominado de “Modelo de avaliação dos candidatos”, resulta estabelecida uma fórmula matemática para classificação final de cada candidato [“… classificação final de cada candidato = (CT x 0,50) + (CF x 0,50) …” em que «CT» é capacidade técnica e «CF» é capacidade financeira], classificação essa segundo a qual será apurado o candidato vencedor, sendo que faz parte dessa fórmula, com o referido peso de 0,50 aclassificação da capacidade técnica de cada candidato”, que por sua vez é dividida em 4 sub-critérios, cada um com a ponderação de 0,25, constando do primeiro “… A = Experiência curricular dos candidatos na prestação de serviços aferida pela data da constituição da empresa com o objecto social na prestação de serviços da actividade do contrato a celebrar, a comprovar através dos documentos identificados em e) e f) do n.º 3 do art. 10º do Programa do Concurso …”, e que faz apelo a um critério de antiguidade do candidato “… data de constituição da empresa, com o objecto social na prestação de serviços da actividade do contrato a celebrar …”, sem que seja mencionado a existência de alvará para a actividade de vigilância.
Vistos os normativos concursais em questão importa, então, centrarmos nossa atenção no demais quadro legal vigente, à luz do qual caberá aferir da legalidade concursal e da bondade do julgado sob impugnação, tecendo a tal propósito alguns considerandos de enquadramento.
Assim, e no âmbito que aqui ora releva, dimana do art. 01.º do CCP, em termos da definição do seu “âmbito”, que o “… presente Código estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo …” (n.º 1), que o “… regime da contratação pública estabelecido na parte II do presente Código é aplicável à formação dos contratos públicos, entendendo-se por tal todos aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código …” (n.º 2), que a “… parte II do presente Código é igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, aos procedimentos destinados à atribuição unilateral, pelas entidades adjudicantes referidas no artigo seguinte, de quaisquer vantagens ou benefícios, através de acto administrativo ou equiparado, em substituição da celebração de um contrato público …” (n.º 3), sendo que à “… contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência …” (n.º 4).
Preceitua-se no n.º 6 art. 05.º do mesmo Código [normativo respeitante à «contratação excluída» da parte II do CCP - relativa à formação dos procedimentos contratação pública] que à “… formação dos contratos referidos nos n.ºs 1 a 4 são aplicáveis: a) Os princípios gerais da actividade administrativa e as que concretizem preceitos constitucionais constantes do Código do Procedimento Administrativo; ou b) Quando estejam em causa contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos, as normas constantes do Código do Procedimento Administrativo, com as necessárias adaptações …”.
E em matéria do procedimento de concurso limitado por prévia qualificação prevê-se no do art. 165.º, sob a epígrafe de “requisitos mínimos”, que os “… requisitos mínimos de capacidade técnica a que se refere a alínea h) do n.º 1 do artigo anterior devem ser adequados à natureza das prestações objecto do contrato a celebrar, descrevendo situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos, designadamente: a) À experiência curricular dos candidatos; b) Aos recursos humanos, tecnológicos, de equipamento ou outros utilizados, a qualquer título, pelos candidatos; c) Ao modelo e à capacidade organizacionais dos candidatos, designadamente no que respeita à direcção e integração de valências especializadas, aos sistemas de informação de suporte e aos sistemas de controlo de qualidade; d) À capacidade dos candidatos adoptarem medidas de gestão ambiental no âmbito da execução do contrato a celebrar; e) À informação constante da base de dados do Instituto da Construção e do Imobiliário, I. P., relativa a empreiteiros, quando se tratar da formação de um contrato de empreitadas ou de concessão de obras públicas …” (n.º 1), que a “… capacidade financeira baseia-se, pelo menos, no requisito mínimo traduzido pela expressão matemática constante do anexo IV do presente Código e do qual faz parte integrante …” (n.º 2), que os “… requisitos mínimos de capacidade financeira a que se refere o n.º 4 do artigo anterior devem reportar-se à aptidão estimada dos candidatos para mobilizar os meios financeiros previsivelmente necessários para o integral cumprimento das obrigações resultantes do contrato a celebrar …” (n.º 3), na certeza de que os “… requisitos mínimos de capacidade técnica referidos no n.º 1 e o factor «f» referido na alínea i) do n.º 1 do artigo anterior não devem ser fixados de forma discriminatória …” (n.º 5), sendo que no caso de empreitadas ou de concessões de obras públicas quando “… os requisitos mínimos de capacidade técnica e de capacidade financeira exigidos no programa do concurso se basearem em elementos de facto já tidos em consideração para efeitos da concessão do alvará ou título de registo contendo as habilitações adequadas e necessárias à execução da obra a realizar, tais requisitos devem ser mais exigentes que os legalmente previstos para aquela concessão …” (n.º 4).
Sendo este o quadro normativo a atentar cumpre ter ainda presente que no concurso limitado por prévia qualificação, como é o caso do procedimento “sub judice”, existe sempre uma fase de prévia qualificação destinada à avaliação da capacidade técnica e da financeira dos candidatos, sendo que apenas os seleccionados é que, posteriormente, são convidados a apresentar a respectiva proposta.
Ora a avaliação das capacidades técnica e financeira pressupõe necessariamente um juízo valorativo sobre a aptidão dos candidatos para o cabal e integral cumprimento do contrato a outorgar em termos dos respectivos equipamentos, pessoal, métodos, materiais e meios financeiros.
Como tivemos oportunidade de referir supra o programa do concurso corporiza o regulamento que define os termos a que deve obedecer a fase da formação do contrato [cfr. art. 41.º do CCP], sendo que o mesmo deve conter, nomeadamente, os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira que os candidatos devem preencher [cfr. art. 164.º, n.º 1, als. h), i), m) do CCP], requisitos esses a aferir na fase de qualificação [cfr. arts. 167.º e segs. do mesmo diploma], prevendo-se dois modelos de qualificação (modelo simples e o modelo complexo).
Como afirma Ana Gouveia Martins a “… capacidade financeira reporta-se à avaliação da aptidão estimada dos candidatos para mobilizar os meios financeiros previsivelmente necessários para o integral cumprimento das obrigações contratuais.
O fulcro da capacidade financeira não reside tanto, por conseguinte, na verificação da titularidade de capitais ou bens próprios por parte do candidato mas antes se destina a garantir que este tem ao seu dispor, logo que se afigure necessário, os meios e recursos financeiros adequados para garantir que a empresa em causa se manterá em exercício e desenvolverá a sua actividade durante o período contratual, executará integralmente o contrato adjudicado e poderá satisfazer qualquer demanda indemnizatória decorrente da execução do contrato, designadamente, por incumprimento contratual …” (em “Concurso limitado por prévia qualificação” in: «Estudos da Contratação Pública - I», pág. 260) (sublinhados nossos).
Flui da jurisprudência comunitária a existência duma grande margem de livre decisão e apreciação quanto à fixação dos critérios suplementares que permitem avaliar os requisitos mínimos de capacidade financeira destinados a assegurar o cabal cumprimento do contrato [cfr., v.g., Ac. «TJ» de 15.01.1986 (Proc. C- 27-29/86 - “CEI e Bellini”) in: «www.eur-lex.europa.eu/» ou in: “Colectânea da Jurisprudência 1987”, pág. 03347].
Todavia e como defende Ana Gouveia Martins, com inteiro acerto no nosso juízo, os “… critérios devem, …, reportar-se à capacidade para garantir a satisfação das obrigações decorrentes do contrato a adjudicar, não podendo, designadamente, estender-se à aptidão financeira para executar outros contratos que possam vir a ser celebrados na sequência da execução do contrato de adjudicado ou revelar-se excessivos e discriminatórios face à simplicidade do objecto contratual. Tal decorre inequivocamente do disposto no art. 44.º, n.º 2 da Directiva n.º 18/2004/CE que impõe que os níveis mínimos de capacidade exigidos para um determinado concurso, bem como as informações a fornecer para efeitos dessa avaliação, «devem estar ligados e ser proporcionais ao objecto do contrato» …”, entendimento que a mesma mantém e reitera quanto à definição dos critérios de avaliação da capacidade técnica dos candidatos quando refere que a “… entidade adjudicante dispõe de alguma liberdade na fixação dos critérios de avaliação da capacidade técnica desde que respeitados os limites gerais previamente apontados. Mormente, a avaliação da capacidade técnica deve estar ligada única e exclusivamente ao objecto do contrato e ser proporcional à satisfação das obrigações decorrentes do particular e concreto contrato a adjudicar (art. 44.º, n.º 2 da Directiva n.º 18/2004/CE) …” (em loc. e ob. cit., págs. 263 e 266) (sublinhados nossos).
Na mesma linha de pensamento sustenta Cláudia Viana que “… sem prejuízo de na fase de habilitação também haver lugar a uma verificação da capacidade técnica do adjudicatário considerada como indispensável à execução do contrato, podemos dizer que a avaliação das capacidades técnica e financeira dos operadores económicos ocorre, em especial, nos procedimentos que contemplam a qualificação, ou seja, no concurso limitado por prévia qualificação (…).
… o legislador nacional tem liberdade para fixar os níveis das capacidades técnica e financeira exigidos aos operadores económicos, ou permitir que as entidades adjudicantes o façam. O CCP, no que respeita a esta matéria, não prescindiu, …, de fixar regras a cumprir pelas entidades adjudicantes …”, para depois afirmar que o Código “… admite ainda que as entidades adjudicantes possam fixar outros requisitos mínimos de capacidade financeira, que os candidatos devem preencher cumulativamente com o requisito mínimo obrigatório, dispondo-se que estes requisitos mínimos devem reportar-se à aptidão estimada dos candidatos para mobilizar os meios financeiros previsivelmente necessários para o integral cumprimento das obrigações resultantes do contrato a celebrar. Neste caso, importa, pois, ter presente que as exigências feitas pela entidade adjudicante aos operadores económicos devem ser proporcionais e adequadas ao objecto do contrato.
… as informações exigidas pelas entidades adjudicantes para a verificação da capacidade técnica a escolher de entre as enumeradas, devem estar ligadas e ser proporcionais ao objecto do contrato …” [em “A qualificação dos operadores económicos nos procedimentos de contratação pública” in: «Estudos da Contratação Pública - II», págs. 162/164, 169/170 e 174; da mesma Autora vide ainda “Os princípios comunitários na Contratação Pública”, págs. 499 a 501 172; Acs. «TJ» de 20.09.1998 (Proc. n.º C-31/87 “Beentjes”) in: Colectânea 1988, pág. 4635, de 19.06.2003 (Proc. n.º C-315/01) in: «www.curia.europa.eu» ou in: Colectânea 2003, pág. I-6351] (sublinhados nossos).
Munidos dos considerandos de enquadramento antecedentes importa, agora, reverter ao caso sob apreciação para aferir e responder às questões suscitadas pelo R. aqui ora recorrente.
E respondendo às mesmas temos para nós que não procede a argumentação e tese sustentada pelo R. em sede de instância de recurso.
Com efeito, pese embora a margem de liberdade que é conferida à entidade adjudicante na definição dos requisitos mínimos da capacidade técnica e da capacidade financeira dos operadores económicos que desenvolvam actividade no mercado e que são potenciais candidatos ao procedimento temos que, como vimos supra, tal liberdade mostra-se, desde logo, limitada pelos princípios da proporcionalidade e da concorrência, devendo ser operacionalizada de molde a assegurar e respeitar tais princípios e objectivos últimos pelos mesmos propugnados ou prosseguidos.
Assim, a definição dos requisitos não poderá ser feita em abstracto sem qualquer ligação ao contrato que se visa vir a outorgar na sequência do procedimento de formação aberto.
Tal definição terá de considerar e de se ajustar ao objecto daquele contrato, devendo na concretização dos requisitos ter sempre presentes as exigências de proporcionalidade, de necessidade e de adequação à luz e atentos os termos do ulterior contrato, devendo ainda atentar nos deveres de prossecução do normal funcionamento do mercado e da protecção subjectiva dos potenciais concorrentes por forma a assegurar o mais amplo acesso aos procedimentos por parte dos interessados em contratar.
Ora na situação vertente e no que tange aos artigos postos em crise na presente acção e que aqui estão a ser objecto de apreciação temos que entidade adjudicante efectuou definição no «PC» e respectivos anexos de requisitos mínimos de qualificação relativamente às capacidades técnica e financeira desconformes com tais princípios e, bem assim, com os normativos atrás reproduzidos, porquanto, claramente desproporcionais, desadequados e limitadores da concorrência tendo por referência e padrão de aferição o concreto contrato que se visava outorgar, as necessidades e exigências, objectivos que ali se visavam prosseguir. Como vimos é o próprio legislador ordinário nacional, em recepção do direito comunitário derivado, que consagra e prevê tal dever de respeito, em cada procedimento aberto e logo desde o seu início, pelos princípios gerais em alusão, quando, por exemplo, no art. 165.º do CCP, em sede do tipo de procedimento de formação em questão, disciplina os requisitos mínimos de capacidade técnica e de capacidade financeira, prevendo que os mesmos devem ser sempre adequados e por referência à natureza das prestações objecto do contrato a outorgar, para o que consagra situações, qualidades e características relativos à concretização daquele desiderato.
Atente-se que a questão que aqui ora se mostra em discussão já mereceu resposta deste TCA Norte no seu acórdão de 11.03.2010 (Proc. n.º 00509/09.0BEPRT - inédito), julgamento esse que aqui se secunda, acolhe e reitera por inequivocamente transponível para o caso “sub judice” com as devidas adaptações à concreta situação dos autos.
Aí se referiu no essencial e que com a devida vénia se reproduz que “… todos os requisitos de admissão a concurso devem ser estabelecidos, pela entidade administrativa que lança o concurso, por referência às características específicas do objecto do contrato que pretende celebrar.
Só por esta via é que se torna possível respeitar os princípios da proporcionalidade e da concorrência.
Começando pelo requisito estabelecido na alínea d), podemos desde já afirmar que foi correcto o julgamento feito na decisão recorrida.
Está provado que o presente contrato tem um valor estimado de cerca de 131.000,00 €, sendo que é exigido aos concorrentes que apresentem um volume de negócios, nos últimos 3 anos, superior a 15.000.000,00 €.
… Sendo o valor do contrato a celebrar na ordem dos 131.000,00 €, não se percebe por que razão é que o concorrente deve apresentar um volume de negócio, mínimo, de 15.000.000,00 €. Na verdade há uma desproporção enorme entre ambos os valores, já que, o valor previsível do contrato a celebrar não chega sequer a 1% do valor estabelecido como requisito mínimo para admissão ao concurso. E, como atrás se disse, não se percebe porque razão é que uma empresa de menor dimensão, p. ex. com um volume de negócios de apenas 7.500.000,00 € não possa cumprir pontualmente o contrato visado, já que, também relativamente a ela, o valor do contrato não excederá os 2% ou 3%.
Assim, e pelas mesmas razões já atrás adiantadas, se pode concluir que, também aqui, ocorre a violação do princípio da proporcionalidade e, consequentemente, o da concorrência.
Quanto à alínea b).
Acerca desta alínea escreveu-se na decisão recorrida:
“Referiu a A. que a consagração de um requisito mínimo de autonomia financeira igual ou superior a 0,35 é violadora do princípio da concorrência e da proporcionalidade, bem como do n.º 3 do art. 165.º do Código dos Contratos Públicos.
Apreciando a argumentação aduzida pela A., sendo que do rol de argumentos por esta aduzidos existe um que adquire especial relevância e que alicerçará a decisão de concluir pela ilegalidade do item do Programa de Concurso em apreço.
Tal argumento prende-se com a invocação do regime previsto nas Portarias 994/2004, de 5 de Agosto e 1075/2005, de 19 de Outubro.
A Portaria n.º 1075/2005, de 19 de Outubro altera a redacção do ponto 19.3 do programa de concurso tipo em anexo à Portaria n.º 104/2001, de 21 de Fevereiro, passando o referido item a ter a seguinte redacção:
“19.3 - A fixação de critérios de avaliação da capacidade económica e financeira dos concorrentes para a execução das obras postas a concurso, na parte respeitante ao equilíbrio financeiro, terá em conta os indicadores de liquidez geral e autonomia financeira com a definição e os valores de referência constantes da portaria em vigor publicada ao abrigo do n.º 5 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, não podendo ser excluído nenhum concorrente que, no mínimo, apresente cumulativamente os valores de referência previstos nessa portaria, relativos ao último exercício ou, em alternativa, a média aritmética simples dos três últimos exercícios”.
Ora, tal valor encontrava-se fixado na Portaria n.º 994/2004, de 5 de Agosto, que consagrava como indicador de autonomia financeira o valor de 0,15, valor esse que foi mantido pela Portaria n.º 971/2009, de 27 de Agosto.
Do que vem de ser dito é legítimo concluir que, se nos contratos de empreitada de obras públicas qualquer que seja o seu valor - e é sabido que tais contratos ascendem, muitas vezes, a valores muito elevados - o valor máximo de autonomia financeira que os donos de obra podem exigir, como condição de participação no procedimento concursal, é de 0,15, então, no concurso em apreço - prestação de serviço de vigilância/recepção - em que a execução do contrato tem a duração de nove meses e um preço base de 131.000 €, a exigência de uma autonomia financeira igual ou superior a 0,35 é violadora do princípio da concorrência - por limitar, sem justificação, o acesso ao procedimento concursal - bem como do princípio da proporcionalidade, por a consagração do critério em apreço se revelar desnecessária face ao preço base indicado no caderno de encargos, pelo que o n.º 3 do art. 165.º do Código dos Contratos Públicos é violado pelo critério em questão”.
Contra-argumenta a recorrente ARSN, IP, no essencial, que tais exigências a nível de capacidade financeira se devem ao facto de os concorrentes se tratarem de prestadores de serviços de mão-de-obra intensiva, salvaguardando-se, assim, que os trabalhadores não tenham de sofrer de precariedade e vicissitudes dos seus direitos remuneratórios - salários, prestações acessórias, contribuições parassociais, seguros de trabalho e encargos da segurança social -, com repercussão sobre a sua própria prestação, ou seja, apenas pretende garantir a solvabilidade económica do eventual adjudicatário.
Não nos parece que os argumentos adiantados pela recorrente possam invalidar a argumentação expendida na decisão recorrida.
Na verdade, e como atrás se concluiu, tendo que se definir os critérios de admissão ao concurso por referência ao contrato que se pretende adjudicar não se vê que tais exigências de solvabilidade financeira se imponham face ao contrato em apreço, quer porque, e como já se disse, se trata de um contrato de muito reduzida dimensão, quer porque o serviço a prestar, apesar de ser no apoio à área da saúde, não difere substancialmente daquele que é prestado noutros locais (é preciso não esquecer que, a par dos funcionários encarregues da vigilância e recepção, há outros, pertencentes aos quadros dos vários organismos públicos que operam na área da saúde, com funções específicas de atendimento e encaminhamento dos doentes).
Deve-se, assim, também aqui concluir pela ilegalidade na fixação de tal requisito por ofensa dos mesmos princípios fundamentais …”.
Valendo aqui e para a situação vertente a argumentação antecedente improcede o recurso jurisdicional do R. “ARSN, IP” enquanto estribado num pretenso erro de julgamento quanto ao disposto nos arts. 01.º, n.º 4, 05.º, n.º 6 [preceito cuja infracção que pelos seus próprios termos e âmbito se mostra logicamente afastada no caso] e 165.º, n.ºs 3 e 4 do CCP.
E ao mesmo juízo de improcedência se chega tendo por referência um pretenso erro de julgamento quanto à consideração do art. 13.º do «PC» e respectivo anexo I face ao regime previsto no DL n.º 282/86.
Socorrendo-nos, de novo, dos considerandos expendidos a este propósito relativamente a artigo similar no acórdão deste Tribunal de 11.03.2010 (Proc. n.º 00509/09.0BEPRT - inédito), pode ler-se o seguinte “… sob a epígrafe “Critério de qualificação” que, a qualificação será feita de acordo com o modelo de avaliação constante do Anexo I ao presente Programa, que dele faz parte integrante.
Nesse Anexo I, denominado de “Modelo de avaliação dos candidatos” é estabelecida a fórmula matemática segundo a qual será apurado o candidato vencedor, sendo que faz parte dessa fórmula, com um peso de 0,50 a “Classificação da capacidade técnica de cada candidato”, que por sua vez é dividida em 4 sub-critérios, cada um com a ponderação de 0,25, constando do primeiro: “A = Experiência profissional dos candidatos na prestação de serviços aferida pela data da constituição da empresa com o objecto social na prestação de serviços da actividade do contrato a celebrar, a comprovar através dos documentos identificados em e) e f) do n.º 3 do art. 10.º (…).
Nesse art. …, al. e) lê-se: “Certidão de registo comercial da empresa” e na al. f), lê-se: “Declarações emitidas pelas empresas, relativas à prestação de serviço de vigilância realizada pelo candidato nas instalações do cliente. As declarações devem conter a seguinte informação: designação da entidade contratante, objecto social da entidade contratante, respectivos montantes e datas da prestação de serviços realizada pelo candidato. Os contratos respeitantes a estas declarações terão de se ter iniciado ou ter estado em vigor entre 1 de Janeiro de 2005 e a data de lançamento do presente concurso”.
Na decisão recorrida concluiu-se pela ilegalidade deste critério de qualificação com o seguinte fundamento:
“Segundo o artigo 12.º do Programa de concurso em apreço “a qualificação será feita de acordo com o modelo de avaliação constante do Anexo I ao presente Programa que dele faz parte integrante.”
Analisado o anexo I constata-se que o item A) faz apelo a um critério de antiguidade do candidato - data de constituição da empresa com o objecto social na prestação de serviços da actividade do contrato a celebrar - sem que seja mencionado a existência de alvará para a actividade de vigilância.
O DL n.º 282/86, de 5 de Setembro veio regular a actividade das empresas privadas de segurança, prevendo o art. 7.º n.º 1 que “a prestação de serviços de segurança privada a terceiros depende de autorização do Ministro da Administração Interna, mediante a concessão de alvará”.
Por sua vez, tal exigência foi mantida no DL n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro - cfr. art. 22.º n.º 1 - pelo que a consagração do critério de qualificação em apreço - atendendo apenas à data de constituição da empresa - é violador das supra referidas normas legais, pelo que procede a arguição aduzida pela A. no que concerne ao critério de qualificação em apreço”.
A isto contrapôs a recorrente ARSN, IP que, o Júri do concurso deve associar essa antiguidade a que se refere o Programa do Concurso ao exercício “legal” da actividade, ou seja, ao exercício da actividade titulado pelo alvará respectivo uma vez que, já há mais de 20 anos é exigido, pela Lei, tal alvará.
Lido atentamente o teor do Anexo I do Programa do Concurso, …, consegue-se associar tal sub-critério à efectiva prestação de serviços devidamente licenciada, desde logo, porque os documentos que devem servir para provar tal requisito devem-se referir a contratos cuja execução se iniciou, ou manteve, após o dia 1 de Janeiro de 2005. Contudo não se pode deixar de considerar que, tomado tal requisito com o sentido que se pode retirar do mesmo, e assinalado na decisão recorrida, e tendo o mesmo sido fixado para aferir da experiência do candidato, pode vir a ser valorizada com o máximo da pontuação uma candidatura à qual não corresponde, de forma directa, uma prestação efectiva de serviços dentro do quadro legal vigente. Tudo depende, como bem refere a recorrente, do modo pelo qual o Júri interprete o Anexo I. E se na interpretação mais lógica, racional, e aferida face às normas em vigor e bem assim aos regulamentos do concurso, está respeitada a legalidade do sub-critério, na interpretação mais literal resultará numa violação flagrante do disposto no art. 165.º, n.º 1, al. a) do CCP.
Assim, e porque a interpretação de tal sub-critério não pode estar dependente da interpretação “subjectiva” que o júri venha a fazer do mesmo, antes devendo configurar-se como um critério puramente objectivo, podemos concluir que, também aqui, se mostram violados os princípios atrás referidos …”.
Não se vislumbram razões nos autos, face ao alegado e nos mesmos documentado, para nos afastarmos, neste segmento, do juízo antecedente, termos em que também neste âmbito inexiste o imputado erro de julgamento.
Improcede, pois, totalmente o recurso jurisdicional do “ARSN, IP” pelo que a decisão judicial recorrida no âmbito impugnado deverá ser mantida na íntegra.
*
3.2.3. DO RECURSO JURISDICIONAL DA “F …, SA
Argumenta, por seu turno, a A. que a decisão judicial recorrida ao não considerar ilegal o art. 06.º do «PC» padece de erro de julgamento já que infringiu na sua apreciação e juízo o preceituado nos arts. 01.º e 05.º, n.º 2 do CPA, 01.º, n.º 4 e 165.º, n.ºs 1 e 5 do CCP.
Vejamos.
Nesta sede importa, assim, aferir da legalidade do que deriva definido no art. 06.º do «PC», normativo concursal esse que possui o seguinte teor:
Artigo 6.º
Requisitos (mínimos) de capacidade técnica que os candidatos devem preencher
Os candidatos devem preencher os seguintes requisitos mínimos de capacidade técnica:
a) Experiência curricular dos candidatos na prestação de serviços (...);
b) (…);
c) Recursos humanos detidos pelos candidatos, número médio anual de empregados efectivos inscritos no Ministério da Administração Interna.
Apenas serão admitidos candidatos que possuam, um número mínimo de vigilantes inscritos no MAI (1000 Vigilantes), em cada um dos últimos três anos, dos quais 75% pertençam aos quadros efectivos da empresa a comprovar através dos documentos identificados em g), h) e i) do n.º 3 do art. 10º do Programa do Concurso;
d) Modelo e capacidade organizacionais dos candidatos através de sistema de controlo da qualidade ...”.
Cientes do teor do enquadramento concursal normativo posto em crise importa, então, entrar na análise da sua legalidade ou conformidade com o ordenamento vigente nesta matéria.
E, para esse efeito, valem e aqui se reiteram todos os considerandos expendidos em sede do ponto 3.2.2) do presente acórdão quanto ao enquadramento legal, doutrinal e jurisprudencial dos princípios gerais de direito em questão e que cumpre trazer à colação para o julgamento do litígio.
Assim, munidos de todos esses considerandos de enquadramento ali avançados temos que, à sua luz, se nos afigura assistir clara razão à recorrente no fundamento do recurso ora em apreciação.
Na verdade, temos para nós que na al. c) do art. 06.º do «PC» se mostra definido requisito de qualificação da capacidade técnica de potenciais concorrentes que infringe os princípios da proporcionalidade e da concorrência, bem como os normativos supra referidos, porquanto se traduz na fixação de requisito que, claramente, se revela desproporcional, desadequado e limitador da concorrência tendo por referência e padrão de aferição o concreto contrato que se visava outorgar, as necessidades e exigências, objectivos que ali se visavam prosseguir.
Também neste particular fundamento se reitera e secunda, devidamente adaptado ao enquadramento factual e normativo apurado nos autos e por referência ao procedimento administrativo em questão, o juízo feito por este Tribunal no seu acórdão de 11.03.2010, a que vimos fazendo referência, quando ali se sustentou e se passa a citar que “… a Administração elabora os regulamentos concursais, naturalmente em respeito pela Lei e por aqueles princípios, mas com uma ampla margem de liberdade de escolha quanto aos critérios de admissão ao concurso, de selecção e seriação dos candidatos.
E é no momento em que faz tais escolhas que deve ter em consideração os princípios da concorrência e da proporcionalidade, de modo a que, nem limite excessivamente a possibilidade de candidaturas, tendo em vista o objecto do contrato, nem permita candidaturas, que sabe, à partida, face àquele mesmo objecto, que não terão nenhuma possibilidade de competir, em termos concorrenciais, com as restantes (nos considerandos iniciais da Directiva 2004/18/CE de 31.03 pode ler-se: “A adjudicação de contratos celebrados nos Estados-Membros por conta do Estado, das autarquias locais e regionais e de outros organismos de direito público deve respeitar os princípios do Tratado, nomeadamente os princípios da livre circulação de mercadorias, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, assim como os princípios deles resultantes, tais como os princípios da igualdade de tratamento, da não-discriminação, do reconhecimento mútuo, da proporcionalidade e da transparência”).
Assim, tais princípios como que se complementam, já que, uma escolha proporcional de tais critérios conduzirá necessariamente ao respeito pelo princípio da concorrência e consequentemente, também, ao da igualdade
Na verdade, tal actividade só incorrerá em “...violação dos princípios da igualdade e da concorrência se a descriminação operada pela aplicação dos regulamentos do concurso for infundada, injustificada e sem critério, ou seja, se a concretização do que é a capacidade técnica adequada ao objecto do contrato (prestação de determinado serviço) consubstanciar, em termos reais e objectivos, a criação de uma situação arbitrária de desigualdade, violadora do núcleo essencial da igualdade e da concorrência”, cfr. Acórdão do STA de 27.06.2007, proc. n.º 0302/07.
Já vimos que o concurso público em causa nestes autos se destina à celebração de um contrato de prestação de serviços de vigilância/recepção em oito instalações de saúde da área do Grande Porto, não sendo necessários mais do que 25 trabalhadores para o garantir em termos plenamente satisfatórios (no dizer da recorrente F… 17 trabalhadores), considerando os períodos de trabalho diários, as folgas e as faltas.
Assim, ao exigir, como critério de admissão ao concurso, que os concorrentes detenham um número mínimo de vigilantes inscritos no MAI (1000 vigilantes), em cada um dos últimos três anos, dos quais 75% pertençam aos quadros efectivos da empresa, pode-se concluir que as empresas concorrentes apenas terão que afectar a tal serviço posto a concurso, cerca de 2,5% (menos de 4% se considerado o valor de 750 trabalhadores pertencentes ao quadro efectivo da empresa), dos seus trabalhadores, ou seja, um número irrisório da força de trabalho, tendo em conta a necessária dimensão de tais empresas.
E o mesmo se poderá dizer se tal exigência de admissão ao concurso se quedasse pelos 500 trabalhadores (mantendo-se contudo a exigência de que 75% dos seus trabalhadores pertençam aos quadros efectivos da empresa), uma vez que, neste caso, a força total de trabalho dos concorrentes a afectar ao concurso, não passaria dos 5% (ou 8%).
Não se encontra, por esta razão, fundamento para que tal exigência seja feita a todos aqueles que pretendem concorrer uma vez que, concorrentes de dimensão bem menor, do que aqueles que foram admitidos ao concurso, também poderão estar aptos a prestar o serviço com igual qualidade e dignidade.
De resto, considerando que o prazo de validade e eficácia do contrato tem a duração de 9 meses, ainda que prorrogável (sendo certo que não se vislumbra que tal prorrogação seja automática, já que, o art. 10.º do Caderno de Encargos apenas prevê a possibilidade da prorrogação dos contratos, não resultando do art. 440.º, n.º 1 do CCP que tal prorrogação deva ocorrer de modo automático), tratando-se, por isso, de um prazo de execução relativamente curto, acresce mais esta razão para que empresas de menor dimensão possam ser admitidas ao concurso, porque, também elas, estarão habilitadas com um número mínimo de trabalhadores suficiente para prestar o serviço a contratar.
E por esta razão, afigura-se-nos que não colhe a argumentação expendida pela ARSN, IP, no sentido de que não deve ser estabelecida uma proporção entre a exigência de detenção de recursos humanos em quadro próprio e o número de vigilantes a afectar à execução do contrato.
É precisamente entre a relação do número de trabalhadores próprios e o número de trabalhadores a afectar ao serviço a prestar no âmbito do contrato (o objecto do contrato) que deve ser aferida a (des)proporcionalidade do critério de admissão pré-estabelecido (de resto é esta a regra que perpassa pelas Directivas Comunitárias e que o CCP transpôs para a ordem jurídica interna, encontrando-se expressamente prevista, p. ex., no art. 44.º, n.º 2 da Directiva 2004/18/CE de 31.03), porque só por essa via é que será possível determinar se se mostra, ou não, violado o princípio da proporcionalidade e, consequentemente, o da concorrência; e igualmente não é pelo facto de existir um grande número de empresas que possam cumprir tal critério de admissão que não se mostram violados tais princípios, já que, mesmo empresas de menor dimensão sempre o poderão cumprir com qualidade, mesmo face às características próprias do local onde o serviço é prestado - não faz qualquer sentido argumentar que a Administração lançou vários concursos idênticos a este a nível nacional, uma vez que tais serviços, porque de reduzida dimensão, podem perfeitamente ser prestados por empresas com uma implantação meramente regional, isto é, sem dimensão que lhes permita cobrir todo o território nacional, uma vez que isso limitaria a concorrência, porque excluiria todas as pequenas empresas que operam satisfatoriamente apenas em parte do território nacional.
Conclui-se, assim, que, na verdade, ao fixar um tal critério de admissão ao concurso, o mesmo se mostra desajustado para as necessidades de pessoal exigidas pela execução do contrato a adjudicar, mostrando-se, por isso, violados os princípios da proporcionalidade e da concorrência …”.
Sendo esta argumentação e fundamentação claramente transponível para o caso vertente temos que, também no procedimento “sub judice”, a definição do requisito de capacidade técnica pela al. c) do art. 06.º do «PC» se mostra inequivocamente desconforme com o objecto do contrato a celebrar, revelando-se uma clara desproporção entre o requisito definido e aquele objecto.
*
Refira-se, por fim, que face ao atrás apreciado e julgado se mostra precludido ou mesmo prejudicado, por desnecessário, o conhecimento do âmbito do presente recurso em matéria de ampliação e julgamento de facto.
De harmonia com o atrás exposto, procedem os fundamentos do recurso jurisdicional interposto pela A., não podendo, nesse âmbito, a sentença ser mantida.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) Negar total provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo R. “ARSN, IP”, confirmando-se, assim, no segmento impugnado a decisão judicial recorrida;
B) Conceder total provimento ao recurso jurisdicional interposto pela A. e, em consequência, revogar aquela decisão judicial nesse âmbito;
C) Julgar procedente a acção administrativa “sub judice”, declarando a ilegalidade dos arts. 06.º, al. c), 07.º, als. b) e d) e 13.º do Programa do Concurso, condenando-se o R. “ARSN, IP” a proceder à correcção dos mesmos, face às ilegalidades de que os mesmos padecem.
Custas em 1.ª instância a cargo do R. “ARSN, IP” e da R./contra-interessada contestante, sendo que na taxa de justiça, não revelando os autos especial complexidade, se atenderá ao valor resultante da tabela II anexa ao Regulamento Custas Processuais (doravante RCP) [cfr. arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, n.ºs 1 e 7, 447.º-D do CPC, 04.º “a contrario”, 07.º, n.ºs 1, 3 e 5, 22.º, n.º 3, al. p), 25.º, 26.º e 38.º todos do referido Regulamento, e 189.º do CPTA].
Custas nesta instância a cargo do R. “ARSN, IP”, sendo que na mesma a taxa de justiça, não revelando os autos especial complexidade, se atenderá ao valor resultante da secção B) da tabela I anexa ao RCP [cfr. arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, n.ºs 1 e 7, 447.º-D do CPC, 04.º “a contrario”, 06.º, n.º 2, 12.º, n.º 2, 25.º, 26.º e 38.º todos do referido Regulamento, e 189.º do CPTA].
Valor para efeitos tributários: 30.001,00€ [cfr. art. 12.º, n.º 2 do RCP].
Notifique-se. D.N..
Restituam-se, oportunamente, aos ilustres mandatários das partes os suportes informáticos gentilmente disponibilizados.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA).
Porto, 25 de Março de 2010
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador
Ass. Maria Isabel São Pedro Soeiro

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