quarta-feira, 16 de novembro de 2011

CONTENCIOSO DA FORMAÇÃO DOS CONTRATOS ACTO DE ADJUDICAÇÃO IMPUGNAÇÃO PRAZO CADUCIDADE



01036/10 STA

CONTENCIOSO DA FORMAÇÃO DOS CONTRATOS
ACTO DE ADJUDICAÇÃO
IMPUGNAÇÃO
PRAZO
CADUCIDADE
O acto pré-contratual, perfeito e eficaz, de adjudicação em procedimento de concurso público, é impugnável no prazo de um mês (art. 101º CPTA), a contar da notificação prevista no art. 76º/1 do Código dos Contratos Públicos e não da ulterior notificação da apresentação dos documentos de habilitação pelo adjudicatário, efectuada em cumprimento do disposto no art. 85º/1 do mesmo diploma legal
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO
O Município da Nazaré interpõe para este Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 150º/1 do CPTA, recurso excepcional de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a fls. 360-370, que, concedendo provimento a recurso jurisdicional, revogou a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a excepção da caducidade do direito de acção nos presentes autos de contencioso pré-contratual.
Apresenta alegações com as seguintes conclusões:
1- O Acórdão proferido pelo TCA nos autos supra identificados reúne os requisitos previstos no artigo 150º, nº 1, do CPTA, pelo que a revista é possível;
2- A interpretação dada pelo TCA ao nº 3 do art. 51º e ao artigo 101º, ambos do CPTA, bem como a interpretação dada aos artigos 75º, nº 1 e 85º, nº 1, ambos do CCP, não tem o mínimo acolhimento no texto dos referidos preceitos, assim como não tem qualquer seguimento por parte da doutrina e da jurisprudência;
3- A questão que o Recorrente coloca para apreciação deste Tribunal não só se reveste de importância fundamental, atenta a sua relevância jurídica, como a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
4- De acordo com o disposto no artigo 51º, nº 3 do CPTA, o acto administrativo impugnável é o acto final de adjudicação;
5- No procedimento concursal em questão nos autos, o acto final de adjudicação foi proferido, pela Câmara Municipal da Nazaré, em 21 de Setembro de 2009 e notificado a todos os concorrentes em 30 de Setembro de 2009, conforme se encontra provado nos autos;
6- O acto final de adjudicação proferido, por constituir deveres ou encargos para os particulares e não estar sujeito a publicação, começou a produzir efeitos a partir da sua notificação aos destinatários, conforme dispõe o artigo 132º, nº 1 do CPA;
7- O prazo legalmente previsto para impugnar o acto de adjudicação é de um mês, a contar da notificação do mesmo aos interessados, conforme dispõe o artigo 101º do CPTA;
8- A acção administrativa especial intentada pela Recorrida somente deu entrada no Tribunal em 30 de Novembro de 2009, pelo que há muito havia caducado o direito respectivo de acção;
9- Da análise dos artigos 75º, nº 1 e 85º, nº 1 do CCP, retira-se que os mesmos não contêm qualquer referência ao acto final de adjudicação, nem muito menos prevêem o acto de adjudicação seja condicionado, nos termos em que o Acórdão em crise o prevê;
10- A redacção do art. 85º, nº 1 do CCP permite verificar que o legislador, ao referir-se ao “adjudicatário”, claramente atribuiu plenos poderes ao acto final de adjudicação, separando-o desde logo através da terminologia, dos demais concorrentes;
11- O legislador não fez depender a eficácia do acto final de adjudicação da notificação prevista no art. 85º, nº 1 do CCP;
12- Da redacção dada pelo legislador ao nº 3 do artigo 148º do CCP, verifica-se que o acto final de adjudicação é considerado pelo legislador o acto de contratar;
13- Os efeitos da decisão camarária que não adjudicou o procedimento concursal à Requerida iniciaram-se com a notificação à mesma do acto final de adjudicação;
14- A notificação prevista no artigo 85º, nº 1, do CCP permite aos recorrentes reagir contra os actos camarários praticados em momento subsequente ao da adjudicação e unicamente com fundamento em incumprimento dos requisitos legalmente exigidos ao adjudicatário para a celebração do contrato, previstos no art. 86º do CCP;
15- A interpretação dos artigos 75º, nº 1, e 85º, nº 1 do CCP, feita no Acórdão em crise viola o disposto no artigo 9º, nº 2 do Código Civil visto que é vedado a qualquer intérprete considerar um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal;
16- Decidindo como decidiu, o TCA Sul violou o disposto nos artigos 51º, nº 3, 100º e 101º, todos do CPTA, nos artigos 75º, nº 1, e 85º, nº 1, ambos do CCP, bem como violou o disposto nos artigos 127º e 132º, ambos do CPA;
17- O Acórdão proferido deve ser revogado e substituído por outro que, considerando que o prazo de um mês, previsto no art. 101º do CPTA, se conta da notificação aos concorrentes do acto final de adjudicação, considere procedente a caducidade do direito de acção, conforme foi decidido no despacho saneador proferido pelo TAF de Leiria, e absolva o Recorrente da instância, nos termos do disposto nos artigos 89º, nº 1, alínea h) e 101º do CPTA e 493º, nº 2, do Código de Processo Civil.
1.2. A autora, ora recorrida, contra-alegou, concluindo:
A) Entende a Recorrente que a questão dos autos não assume o carácter de questão fundamental na ordem jurídica e cuja nova decisão pudesse contribuir definitivamente para a melhor aplicação do Direito, nos termos em que o recurso não deve ser admitido.
B) Não existe falha na decisão recorrida, pelo que a mesma não deve ser alterada, uma vez que se percebe efectivamente que o acto notificado à Recorrida era de natureza precária e não assumia a virtualidade de afectar a posição e interesses da Recorrida sem que lhe caísse a condição de que dependia a sua eficácia.
C) Apenas com o perfeccionar do acto na ordem jurídica e a notificação do mesmo à Recorrida, foi a mesma atingida de forma a se entender lesada nos seus interesses.
D) Ademais deverá sempre levar-se em conta que em caso de dúvida criada pela administração pública, relativamente à prática do acto lesivo dos interesses do particular, sempre seria de um ano o prazo de impugnação do acto, o que voltaria a colocar em prazo a acção da Recorrida.
Termos em que não admitindo o recurso interposto pela Recorrente, ou se assim não o entenderem, não o julgando procedente e mantendo por seu lado a decisão recorrida, farão V. Exas a costumada JUSTIÇA.
1.3. A formação prevista no art. 150º/5 do CPTA, pelo acórdão proferido a fls. 433-438, admitiu a revista.
1.4. O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, nos seguintes termos:
“1. A questão que se coloca na presente revista tem em vista apurar a partir de que momento se deve contar o prazo de um mês referido no art. 101º do CPTA. O mesmo deve contar-se a partir da notificação do acto final de adjudicação ou a partir da notificação do acto que informou todos os concorrentes da entrega, por parte do adjudicatário, dos documentos habilitantes à celebração do contrato.
2. Temos para nós, que tal prazo se deve contar, sem dúvida, do acto final de adjudicação. A definição de adjudicação que nos é dada pelo art. 73º do DL nº 18/2008, de 29 de Janeiro (CCP) não deixa margem para dúvidas.
Noção de adjudicação
1-A adjudicação é o acto pelo qual o órgão competente para a decisão de contratar aceita a única proposta apresentada ou escolhe uma de entre as propostas apresentadas.
2-No mesmo procedimento podem efectuar-se adjudicações de propostas por lotes, caso em que podem ser celebrados tantos contratos quantas as propostas adjudicadas ou quantos os adjudicatários.
Assim, a adjudicação consuma-se com a escolha, pelo órgão competente de uma das propostas concorrentes. Posteriormente, o adjudicatário apresentará todos os documentos que habilitem à celebração do contrato mas, obviamente, que aqui o órgão competente apenas conferirá se estão reunidas todas as condições para celebrar ou não o contrato com aquele.
Aqui não há escolha entre as várias propostas a concurso e, por isso, não se pode falar de adjudicação.
Aliás, o nº 2 daquele art. 73º também não deixa margem para dúvidas quando dispõe – “… não podem celebrar-se tantos contratos quantas as propostas adjudicadas ou quantos os adjudicatários. Desta redacção só se pode tirar a interpretação de que a adjudicação já foi efectuada e os contratos serão celebrados posteriormente à adjudicação. E a mesma interpretação se deverá fazer quando se tem em conta a redacção dos arts. 81º e segs. do CCP que sempre se referem ao adjudicatário.
E não se pode deixar de ter em consideração o disposto nos arts. 74º e 79º do mesmo código.
Artigo 74º
Critério de adjudicação
1-A adjudicação é feita segundo um dos seguintes critérios:
a) O da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante;
b) O do mais baixo preço.
Artigo 79º
Causas de não adjudicação
1-Não há lugar a adjudicação quando:
a) Nenhum candidato se haja apresentado ou nenhum concorrente haja apresentado proposta;
b) Todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas;
c) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento após o termo do prazo fixado para a apresentação das propostas;
d) Circunstâncias supervenientes ao termo do prazo para a apresentação das propostas, relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem;
e) No procedimento de ajuste directo em que só tenha sido convidada uma entidade e não tenha sido fixado preço base no caderno de encargos, o preço contratual seria manifestamente desproporcionado;
f) No procedimento de diálogo concorrencial, nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da entidade adjudicante.
3. Estes dois artigos dizem-nos qual é o critério para a adjudicação e quais são as causas da não adjudicação, sendo que em nenhum deles é referido qualquer dos pressupostos exigidos para a celebração ou não celebração do contrato.
Daqui se concluirá que estamos perante realidades distintas. A adjudicação por um lado e a posterior celebração ou não do contrato com o adjudicatário, por outro. Ou seja, tanto o critério para a adjudicação (art. 74º) como as causas para a não adjudicação (art. 79º) não se confundem com o critério para a celebração do contrato ou com as causas para a não celebração do contrato.
Aliás, se o adjudicatário não apresentar os documentos habilitantes referidos no art. 81º do CCP a adjudicação caduca nos termos do art. 86º do CCP e se caduca é porque já existia antes.
4. E os fundamentos de uma acção de impugnação do acto de adjudicação serão sempre diferentes dos fundamentos de uma acção de impugnação do acto que aceita como válidos os documentos habilitantes apresentados pelo adjudicatário. Na primeira, discutir-se-á a bondade da proposta vencedora por contraponto com as demais apresentadas a concurso (se é a economicamente mais vantajosa ou se tem preço mais baixo). Na segunda, discutir-se-á se os documentos apresentados são válidos para permitirem a assinatura do contrato.
Como acima se disse, são realidades distintas que se consumam em momentos também diferentes.
5. Acompanhamos, pois, a fundamentação do despacho saneador do TAF de Leiria (fls. 290/7) bem como a fundamentação do recorrente (fls. 393/406).
A Autora, ora recorrida, foi notificada da adjudicação em 30 de Setembro de 2009 e a acção entrou em 30 de Novembro de 2009, ou seja, muito para além do prazo de um mês indicado no art. 101º do CPTA.
6. Por tudo o expendido, somos de parecer que o presente recurso de revista merece provimento.”
Cumpre decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. OS FACTOS
No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
A) O Município da Nazaré abriu concurso público através de Anúncio publicado no Diário da República nº 116, no dia 18 de Junho de 2009, II Série, para a empreitada de obra pública designada de “Obras de Urbanização e Infra-Estruturas Instalações Desportivas da Área de localização Empresarial de Valado dos Frades (Nazaré);
B) A esse concurso apresentaram-se vários concorrentes, entre os quais a ora Autora;
C) Aos 18 de Setembro de 2009, o júri do concurso reuniu-se “a fim de elaborarem Relatório de acordo com o artigo 148º do Código dos Contratos Públicos (CCP) aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, para ser presente à Exmª Câmara, para sua apreciação sobre a aceitação do concorrente preferido, ou decisão de não adjudicação e seus motivos, da empreitada acima referida”, e deliberou, designadamente: “Pelo que, e dado que a proposta economicamente mais vantajosa é a apresentada pelo A… S.A. e B… propõe-se a adjudicação condicional até à aprovação da minuta do contrato, dos trabalhos, pelo valor de 3 833 027,29 € “ – dá-se por reproduzido o teor do doc. 8 junto com a petição inicial;
D) Sobre esse Relatório Final foi exarado o seguinte: “Deliberado Aprovado 21/09/09 [assinatura]”, na sequência de deliberação tomada em reunião da Câmara Municipal da Nazaré realizada em 21-09-2009 (doc. junto pelo Réu em 26-02-2010, cujo teor se dá por reproduzido);
E) Pelo ofício nº 4217, referência 429/09/DIOP, datado de 28-09-2009, subordinado ao “Assunto: «Adjudicação da empreitada de obras de urbanização e infraestruturas instalações desportivas da área de localização empresarial de Valado dos Frades (Nazaré)”, a Câmara Municipal da Nazaré notificou a Autora C…, S.A., do seguinte, designadamente:
“Em cumprimento do disposto no nº 1 do art. 77º do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, e porque essa firma foi concorrente à empreitada acima referenciada, informo V. Exª de que a mesma foi adjudicada ao concorrente Consórcio A…, SA (…) e B…, S.A (…) pelo valor de 3 833 027,29 €.
Em anexo se envia cópia do Relatório justificativo da decisão tomada, com os fundamentos respectivos. (…)”;
F) Esse ofício 4217 foi recebido pela Autora no dia 30 de Setembro de 2009 (articulado em 24º da petição inicial e acordo do Réu);
G) Pelo ofício nº 4904, referência 458/09/DIOP, datado de 10-11-2009, subordinado ao “Assunto: «Adjudicação da empreitada de obras de urbanização e infraestruturas instalações desportivas da área de localização empresarial de Valado dos Frades (Nazaré) – Notificação de apresentação de documentos de habilitação”, a Câmara Municipal da Nazaré notificou a Autora C…, S.A., do seguinte, designadamente:
“Em cumprimento do disposto no nº 1 do art. 85º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, venho pelo presente notificar V. Exª da apresentação dos documentos de habilitação no transacto dia 12 de Outubro de 2009, por parte das firmas em Consórcio externo, A…, S.A, B…, S.A, adjudicatária da empreitada em epígrafe”;
H) Esse ofício 4904 foi recebido pela Autora no dia 12 de Novembro de 2009 (articulado em 25º da petição inicial e acordo do Réu);
I) O presente processo de contencioso pré-contratual deu entrada em juízo no dia 30 de Novembro de 2009, processado por computador às 13:38:58 horas
2.2. O DIREITO
Nesta revista, a única questão a decidir é a da caducidade do direito de acção.
As anteriores instâncias perfilharam soluções diferentes. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria entendeu que a presente acção de contencioso pré-contratual foi intentada fora de tempo. Por sua vez, o Tribunal Central Administrativo Sul pronunciou-se em sentido oposto e decidiu que a acção foi introduzida em juízo em tempo oportuno.
A raiz da divergência esteve na eleição da notificação relevante a partir da qual se deu início à contagem do prazo de caducidade de um mês, previsto no art. 101º do CPTA.
A 1ª instância considerou que o prazo começou a contar da notificação à autora, “C…, S.A”, em 30 de Setembro de 2009, do acto de adjudicação da empreitada ao concorrente “A…, SA (...) e B…, S.A.” [alínea E) do probatório].
A 2ª instância entendeu que o prazo para intentar a acção só teve início com a notificação efectuada à autora, em cumprimento do disposto no art. 85º/1 do CCP, da apresentação dos documentos de habilitação por parte do adjudicatário [alíneas G) e H) do probatório].
Nesta revista, o Município da Nazaré, defende a posição adoptada pelo TAF de Leiria.
Para bem se perceberem as razões de uma e de outra das decisões, passamos a transcrever o essencial dos discursos justificativos de cada uma das instâncias:
TAF de Leiria:
“ (...) O acto de adjudicação que resulta da deliberação de aprovação adoptada pela Câmara Municipal da Nazaré, de 21-09-2009, contempla, na verdade, a versão de adjudicação proposta pelo Júri do Concurso, ou seja, a adjudicação condicional até à aprovação a minuta do contrato ao consórcio A… e B….
Todavia, isso não significa que esse acto não seja desde logo impugnável enquanto acto administrativo relativo à formação do contrato de empreitada e, portanto – face ainda ao disposto na parte final do nº 1 do art. 100º do CPTA – acto com eficácia externa (nº 1 do art. 51º do CPTA), o que determina a sua impugnabilidade, enquanto acto pelo qual a administração aceita uma das propostas apresentadas no procedimento pré-contratual – art. 73º, nº 1 do CCP.
Na verdade e por outro lado, a formulação da condição tal como efectuada não configura uma verdadeira cláusula acessória de subordinação a uma expressa condição, termo ou modo.
Atente-se nos termos da formulação: “A adjudicação é condicional até [note-se!] à aprovação da minuta do contrato.
Não é, pois, uma condição suspensiva.
E tanto não é que, como de seguida veremos, nada impede que sejam validamente praticados os subsequentes e atinentes actos procedimentais e contratuais, os quais pressupõem precisamente a aceitação da escolha da proposta graduada em primeiro lugar, ou seja, a adjudicação.
O que bem se compreende, face ao regime legal aplicável.
O procedimento de escolha teve lugar e os concorrentes foram graduados pela ordem que o Júri do Concurso entendeu por bem efectuar no âmbito do concurso.
O concorrente com o qual o contrato deverá ser celebrado foi, portanto, escolhido e identificado.
(...)
Todavia, se o percurso de escolha da proposta culmina no acto de adjudicação, isso não significa que com a adopção desse acto o procedimento conducente à celebração do contrato esteja totalmente cumprido, pois que não está.
Vicissitudes várias podem ainda ocorrer que venham a determinar a não celebração do contrato, v. g. por caducidade da adjudicação.
Na verdade, depois de praticado o acto de adjudicação há lugar à habilitação do adjudicatário – cf. arts. 81º a 84º do CCP.
Certo é que a não apresentação dos documentos de habilitação ou a falsidade desses documentos e declarações conduz à caducidade da adjudicação – arts. 86º e 87º do CCP.
E também caduca a adjudicação nos casos de não prestação de caução a que haja lugar – art. 91º do CCP – e de não confirmação de compromissos, tal como previsto no art. 93º do CCP.
E caduca ainda a adjudicação no caso previsto no nº 1 do art. 180º do CCP, ou seja, por decadência da declaração bancária.
Assim, só no caso de se verificarem todas essas condições legalmente impostas, entre outras eventualmente, é que a adjudicação permanece incólume, caso contrário, a sua não verificação opera a caducidade da adjudicação.
Feita essa travessia dos terrenos da habilitação e caução é chegada finalmente a fase da celebração do contrato, na qual se inclui, naturalmente, a da notificação da minuta do contrato e aceitação ou reclamação da mesma e seus ajustamentos – arts. 99º a 103º do CCP – seguindo-se-lhe, por fim, a outorga ou a não outorga do contrato – arts. 104º e 105º do CCP.
Afinal, a ênfase – induzida pela formulação abstracta de uma adjudicação condicional – de não comprometimento total e definitivo com a decisão de adjudicação nessa fase procedimental do concurso tem uma vertente própria de resolução que passa pela figura da caducidade da adjudicação, designadamente nos casos supra identificados.
A esta luz se compreende a formulação utilizada – adjudicação condicional até à aprovação da minuta do contrato – quiçá inconsequente ou mesmo inútil, já que nenhuma expressa condição, termo ou modo ali se identifica, as apenas uma formulação tabelar e inócua face ao regime supra exposto.
Aqui chegados e atendendo ao que acima já se deixou exarado em primeiro lugar, importa relevar que a Autora afirma ter sido notificada no dia 30 de Setembro de 2009 de que a empreitada em crise havia sido adjudicada ao concorrente consórcio A… /B… [facto E) do probatório].
O presente processo deu entrada em juízo no dia 30 de Novembro de 2009.
Donde, a essa data há muito que o prazo de um mês a que alude o art. 101º do CPTA havia alcançado o seu termo (...)”
TCA Sul:
“(...) Nos termos do artigo 73º nº 1 do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP), aprovado pelo Decreto – Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, “ a adjudicação é o acto pelo qual o órgão competente para a decisão de contratar aceita a única proposta apresentada ou escolhe uma de entre as propostas apresentadas” .
Segundo MARCELLO CAETANO in MANUAL I, pag. 53 “A adjudicação é o acto administrativo pelo qual a autoridade competente escolhe de entre as várias propostas admitidas a concurso aquela que é preferida para a celebração do contrato” .
Com o novo regime legal decorrente da introdução do CCP resulta porém que desde a escolha da proposta até à celebração do contrato interpõe-se um conjunto de actos de natureza procedimental que preparam e de algum modo condicionam o próprio acto de celebração do contrato. Começa logo por essa escolha não ter necessariamente um carácter definitivo, no sentido de sempre se lhe seguir aquela celebração do contrato. Este ultimo acto depende ainda de vários requisitos, a maioria dos quais inerentes ao adjudicatário, cuja falta determina a caducidade da adjudicação. Assim sucede, designadamente, com a apresentação dos documentos da habilitação (artigo 86º nº 1), com a não ocorrência de declarações falsas (artigo 87º) com a prestação da caução (artigo 91º), com a aceitação da minuta do contrato (artigo 104º) e com a outorga do contrato pelo adjudicatário (artigo 105º). Decorre daí a necessidade de adoptar um conceito amplo de adjudicação, como um acto composto, continuado e complexo, que encerra um procedimento preparador da celebração do contrato.
É assim que, na esteira do entendimento de FAUSTO QUADROS in ROA, 1987, III, pag. 717, SANTOS BOTELHO, PIRES ESTEVES e CÂNDIDO PINHO in CPA ANOTADO, 3ª Ed. pag. 806, separando a adjudicação do acto de celebração do contrato, afirmam que aquela se traduz num acto unilateral que põe termo ao concurso, o que subentende aquele conceito amplo de adjudicação, já que, enquanto as propostas mantiverem legalmente a sua validade e não houver lugar à adjudicação definitiva, elas mantêm-se com possibilidade de serem escolhidas - cfr. JORGE ANDRADE DA SILVA in CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS, COMENTADO E ANOTADO, 2008, pag. 284.
Por sua vez, decorre do artigo 85º nº 1 do CCP que o órgão competente para a decisão de contratar notifica em simultâneo todos os concorrentes da apresentação dos documentos de habilitação pelo adjudicatário, indicando o dia em que ocorreu essa apresentação.
No regime estabelecido no actual CCP deixou de haver lugar ao acto público do concurso ao contrário do que acontecia no regime anterior em que a possibilidade dos concorrentes examinarem os documentos de habilitação ocorria durante o acto público do concurso por neste se integrar a fase de habilitação dos concorrentes – cfr. artigos 101º do RJRDPCP e 94º do RJEOP.
Assim a notificação ordenada neste preceito – artigo 85º - como decorre do princípio da transparência, visa facultar aos concorrentes ou candidatos o controlo da legalidade da actuação da entidade adjudicante quanto à adjudicação, viabilizando-lhes a utilização dos meios garantísticos de defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, sejam eles administrativos (artigos 267º a 274º) ou judiciais (artigos 2º , 3º, 46º nº 3 , 100º a 103º do CPTA).
É, pois, uma formalidade essencial (cfr. JORGE ANDRADE DA SILVA,, ob. cit. Pag. 331).
Na verdade, o dever de notificação dos actos da administração pública com eficácia externa é uma das manifestações do princípio da transparência.
O principio da transparência, no entender de MARCELO REBELO DE SOUSA in O CONCURSO PÚBLICO, pag. 41, encontra-se também ele imbricado com os princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade, da prossecução do interesse público bem como o da participação dos administrados. Por outro lado, ele é, em larga medida, projecção do princípio da tutela dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos.
Extraídos que foram os princípios legais e doutrinais da matéria em questão, cabe dilucidá-la nos termos a enunciar:
Na decisão a quo percebe-se que a mesma se funda no seguinte:
a) A decisão de adjudicação contempla a versão da proposta do júri do concurso;
b) tal acto de adjudicação na versão do júri é, desde logo, impugnável, pois tem eficácia externa;
c) a formulação da condição, tal como efectuada, não configura uma verdadeira cláusula de subordinação (na decisão a quo estabelece-se uma distinção entre a formulação a “adjudicação é condicional até; e condicionada à” ).
Aliás decorre da própria decisão recorrida que tal condicionalismo, tal como enquadrado pelo tribunal a quo, se pode tornar inútil ou inconsequente, pois se de facto o configurarmos da forma como o faz o tribunal a quo retirado fica de qualquer sentido tal condição.
Discordamos do entendimento vertido na sentença em crise.
Desde logo, porque não é licito presumir que o legislador tenha formulado normas inúteis, pelo que algum sentido seria de conferir a tal condicionalismo que se apõe ao acto de adjudicação.
Por outro lado, as normas decorrentes do novo regime do CCP supra citadas (artigos 75º nº 1 e 85º nº 1), conjugadas com os ensinamentos doutrinais adiantados, apontam para que apenas com a notificação efectuada em 12 de Novembro de 2009 se tornou perceptível à aqui Recorrente e aos demais concorrentes que estavam reunidas as condições – em face do presumível acordo do beneficiário do acto, uma vez que procedeu à entrega dos documentos de habilitação para a celebração do contrato – para que o acto se tornasse pleno e eficaz.
Ou seja, a primeira notificação à Autora, aqui Recorrente (30 de Setembro de 2009), com respeito à adjudicação da empreitada e obra pública a que fora candidata, sendo necessariamente uma adjudicação condicionada nos termos enunciados, não constitui o acto final do procedimento concursal, podendo, por conseguinte, aquela legitimamente esperar pela notificação dos elementos que perfeccionassem tal acto de adjudicação na ordem jurídica, o que efectivamente aconteceu por parte da Ré, com a notificação à Autora da entrega pelo consórcio adjudicatário dos documentos habilitantes à contratação.
Assim, tendo em consideração o que dispõe o artigo 101º do CPTA que passamos a citar “ Os processos de contencioso pré-contratual têm carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto”, a presente acção é tempestiva na medida em que é do acto de notificação ultimo dirigido pela Ré à Autora, datado de 12 de Novembro de 2009, que se deve contar o prazo que assinala a possibilidade de impugnação judicial pré-contratual do acto de adjudicação.
Procedem pelo exposto todas as conclusões da alegação da Recorrente, pelo que é de conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e de revogar o despacho saneador recorrido (...).”
Apresentado o problema, cumpre dar-lhe resposta, em harmonia com a melhor interpretação do regime legal aplicável.
Neste processo especial de contencioso pré-contratual a Autora vem, nas suas próprias palavras (art. 27º da petição inicial), “impugnar o acto de adjudicação definitivo da empreitada (...) ao consórcio externo A… e B…l”, alegando que apenas teve conhecimento dele em 12 de Novembro de 2009.
Mas, diga-se, antes de mais, esta alegação, relativa ao conhecimento do acto, não é exacta.
Na verdade, de acordo com os factos provados, em 12 de Novembro de 2009, a Autora apenas foi notificada, nos termos previstos no art. 85º/1 do Código do Contratos Públicos (CCP), de que o consórcio adjudicatário da empreitada havia apresentado, no dia 12 de Outubro de 2009, os respectivos documentos de habilitação. Nessa data, nada mais lhe foi comunicado [alíneas G) e H) do probatório]
Da adjudicação da empreitada ao Consórcio A…/B… havia já sido notificada, por ofício por ela recebido em 30 de Setembro de 2009 [alíneas C) a F) do probatório].
Dito isto, vejamos.
Na regulação do Código dos Contratos Públicos, a apresentação dos documentos de habilitação (i) segue-se à decisão positiva de adjudicação, isto é, “ao acto pelo qual o órgão competente para a decisão de contratar aceita a única proposta apresentada ou escolhe uma de entre as propostas apresentadas” (art. 72º/1 CCP), (ii) precede a celebração do contrato (arts. 81º a 87º do CCP) e (iii) o incumprimento culposo, por parte do adjudicatário, das exigências legais desta fase do procedimento pré-contratual, determina a caducidade da adjudicação (arts. 85º e 86º do CCP).
No momento da habilitação já existe, pois, o acto de adjudicação. E não se detecta no CCP norma alguma que o submeta a condição suspensiva ou lhe imponha outro qualquer requisito que impeça a respectiva eficácia imediata. Ao contrário, o regime legal, fixa-lhe causas de caducidade (arts. 86º, 87º, 91º e 93º/1 do CCP), isto é, motivos de extinção dos efeitos jurídicos que vinha produzindo.
Neste quadro, a adjudicação é um acto que está perfeito e produz efeitos desde a sua prática (cfr. art.127º CPA), que é constitutivo de direitos para o adjudicatário, desfavorável para os concorrentes cujas propostas não foram escolhidas, vinculativo para a administração e que, salvo se for objecto de revogação, só não desembocará na celebração do contrato, por caducidade, se o adjudicatário não fizer a respectiva habilitação, nos termos legais (arts. 86º e 87º CCP), não prestar caução (art. 91º/1 CCP) ou não proceder à “confirmação dos compromissos assumidos por terceiras entidades relativos a atributos ou a termos ou condições da sua proposta” (arts. 92º e 93º/1 CCP).
E a notificação, na fase seguinte, a todos os concorrentes, da apresentação, dos documentos da habilitação pelo adjudicatário, nos termos previstos no art. 85º/1 do CCP, tem por única finalidade permitir aos concorrentes cujas propostas foram preteridas ajuizar sobre se o vencedor/adjudicatário reúne os requisitos legais exigidos ao co-contratante (art. 81º CPP) ou se, pelo contrário, não satisfaz essas exigências, caso em que a adjudicação caduca e o “órgão competente para a decisão de contratar deve adjudicar à proposta ordenada em lugar subsequente” (art. 86º/1/3 do CCP).
Deste modo, o incumprimento dos requisitos de habilitação, por parte do adjudicatário, situando-se a jusante, não afecta a validade do antecedente acto de adjudicação mas, tão-só, a sua eficácia, determinando a respectiva caducidade.
Nestes termos, é de repudiar a interpretação do acórdão recorrido que afirma a ideia de que de acordo com o regime do Código dos Contratos Públicos o acto de adjudicação só se torna pleno e eficaz com a notificação da apresentação dos documentos de habilitação do adjudicatário.
E podemos dizer, em súmula, que, de acordo o regime do CCP: (i) o acto de escolha da melhor proposta, em concurso público, é o acto final do procedimento adjudicatário; (ii) esse acto consubstancia a escolha do co-contratante e, do mesmo passo, contém a decisão implícita de que os restantes concorrentes perderam o concurso e que, portanto, para eles, a não ser que a primeira adjudicação claudique, o procedimento terminou, (Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira in “Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa”, p. 549); (iii) salvo estipulação em contrário, é um acto perfeito, que produz efeitos desde a data da sua prática (art. 127º CPA); (iv) e é oponível aos concorrentes preteridos a partir da data da respectiva notificação (art. 132º/1 CPA).
Por tudo isto é, seguramente, um acto impugnável, à luz do critério normativo do art. 51º/1 do CPTA.
E impugnáveis serão, igualmente, se padecerem de ilegalidades próprias, as ulteriores decisões (por exemplo de celebração do contrato) que já não dizem respeito à avaliação e graduação das propostas.
No caso concreto, é inequívoco que a Autora impugnou o acto de adjudicação e não qualquer outro acto posterior. E o que está em causa é saber se, sim ou não, a presente acção de contencioso pré-contratual foi intentada dentro do prazo de caducidade de um mês fixado no art. 101º do CPTA.
À primeira vista, fica a ideia de que o prazo se esgotou, uma vez que a Autora foi notificada do acto de adjudicação em 30 de Setembro de 2009 e o processo só deu entrada em juízo no dia 30 de Novembro de 2009.
Num olhar mais profundo, importa saber se, na singularidade da situação concreta, há particularidades que nos levem a concluir em sentido contrário.
Como primeira particularidade digna de atenção, emerge a perplexidade suscitada pela formulação do texto do acto: “adjudicação condicional até à aprovação da minuta do contrato”.
A 1ª instância considerou, em síntese, que a mesma não significava a sujeição da produção dos efeitos do acto a uma condição suspensiva, sentido incompatível com o elemento literal, mais precisamente, com a utilização do vocábulo até, preposição que, quando muito, sugeriria a interpretação de que a adjudicação produzia efeitos imediatos e tinha como limite de duração a aprovação da minuta do contrato. E, como este resultado – condição resolutiva – seria incompatível com o regime legal, dado que as fases seguintes, de habilitação e de celebração do contrato, pressupõem um acto eficaz de escolha da melhor proposta (adjudicação), concluiu que aquela formulação era meramente tabelar e inócua, limitando-se a remeter para os demais e ulteriores requisitos legais de que dependia a celebração do contrato com o adjudicatário.
A 2ª instância, sem pôr em crise o dito carácter tabelar daquela formulação, entendeu que, de acordo com o regime legal aplicável, o acto só se tornou “pleno e eficaz” com a apresentação dos documentos de habilitação, por parte do adjudicatário.
Fica, pois, de pé a interpretação do acto feita pela 1ª instância. E a leitura do regime legal aplicável, feita pelo acórdão recorrido, é de rejeitar pelas razões supra expostas, para as quais remetemos, por economia processual.
Portanto, sendo o acto de adjudicação perfeito e eficaz, deveria ter sido impugnado pela Autora no prazo de um mês a contar da data da respectiva notificação.
E não colhe, segunda particularidade, a argumentação da Autora de que, no caso concreto, a impugnação seria de admitir, para além do prazo de um mês, ao abrigo da norma do art. 58º/4 do CPTA.
Isto porque, à margem de outras ponderações, o contencioso pré-contratual, por razões de certeza e segurança jurídica está submetido a um processo especial de urgência, de utilização necessária e de prazo único, (Vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Aberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo Nos Tribunais Administrativos”, pp. 510/511) independentemente dos vícios e da espécie de invalidade do acto (Acórdão STA – Pleno – de 2007.02.06 – Proc. nº 0471/09) e de quem promove a impugnação (se um particular, se o Ministério Público), que prevalece sobre a norma do art. 58º/4 do CPTA.
Em suma: o presente processo de contencioso pré-contratual foi intentado para além do prazo de um mês, legalmente previsto para o efeito.
Procede, pois, a excepção de caducidade, que obsta ao prosseguimento do processo [art. 89º/1/h) do CPTA] e determina a absolvição do Réu da instância (art. 493º/2 do CPC).
Deste modo, não pode manter-se o acórdão recorrido.
3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, em revogar o acórdão recorrido e em absolver o Réu da instância.
Custas pela Autora
Lisboa, 29 de Março de 2011. – António Políbio Ferreira Henriques (relator) – Pires Esteves – Alberto Augusto de Oliveira

Sem comentários:

Enviar um comentário