segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Tribunal de Contas: Acórdão nº 39/10 - contratos de prestação de serviços inter-relacionados. Fraccionamento de contrato. Ajuste directo

transitou em julgado em 25 de Novembro de 2010

ACÓRDÃO Nº 39 /10 – 03.NOV.-1ª S/SS

Processos nºs 1175 a 1178/2010

I. RELATÓRIO

A Administração da Região Hidrográfica do Norte. I.P., (doravante designada por ARH do Norte) remeteu a este Tribunal, para fiscalização prévia, os seguintes quatro contratos de aquisição de serviços celebrados entre aquela entidade e a Sérvulo & Associados - Sociedade de Advogados, R.L:
                        a) Contrato para a definição do modelo legal e institucional dos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica, que integram as regiões hidrográficas 1, 2 e 3, consagradas na Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água), com o preço contratual de 340.000,00;
                        b) Contrato para o apoio e acompanhamento jurídicos na elaboração dos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica das mencionadas três regiões hidrográficas, pelo preço de 343.000,00;
                        c) Contrato para o desenvolvimento do sistema de apoio à decisão do licenciamento das utilizações privativas dos recursos hídricos dos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica que integram aquelas três regiões hidrográficas, no valor de 330.000,00;
                        d) Contrato para o desenvolvimento do sistema de gestão e recursos humanos dos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica, no montante de 338.600,00.

                        II. DOS FACTOS

Para além do referido no número anterior e nos pontos subsequentes, são dados como assentes e relevantes para a decisão os seguintes factos:
                        a) Os quatro contratos foram precedidos das Informações n.ºs 868/DPIC/2009, 869/DPIC/2009, 870/DPIC/2009 e 871/DPIC/2009, cada uma das informações respeitando a um dos contratos, mas todas elas subscritas, em 20 de Julho de 2009, pelo Coordenador do Departamento de Planeamento, Informação e Comunicação da ARH do Norte, propondo, em todos os casos, a adopção de procedimento de ajuste directo à Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, R.L;
                        b) Sobre cada uma das quatro informações foi exarado, em 30 de Julho de 2009, despacho de autorização do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional;
                        c) Junto a cada um dos processos encontra-se um despacho diferente, em todos os casos assinado em 29 de Julho de 2009, pelo mesmo Ministro, autorizando a realização da despesa, determinando o recurso ao procedimento pré-contratual de ajuste directo e estabelecendo que a proposta deveria ser solicitada à Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, R.L;
                        d) Todos os quatro despachos ministeriais qualificaram os serviços a adquirir nos quatro contratos como de assessoria jurídica;
                        e) Do texto das informações referidas em a), do conteúdo dos despachos referidos em c) e do teor dos contratos consta a fundamentação para a opção pelo procedimento pré-contratual de ajuste directo e para escolha da Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, R.L, invocando-se:
                        i. O que se dispõe no artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos;
                        ii. Que a ARH do Norte, tendo entrado em funcionamento em 1 de Outubro de 2008, não está capacitada na respectiva estrutura funcional interna de recursos humanos, para desenvolver os trabalhos em causa;
                        iii. Que “a natureza dos serviços a adquirir, de carácter eminentemente intelectual, não é compatível com a definição de especificações contratuais necessárias à adjudicação de uma proposta de acordo com a tramitação inerente aos procedimentos concursais previstos no Código dos Contratos Públicos, concretamente a adjudicação com recurso ao critério da proposta economicamente mais vantajosa”;
                        iv. Que se trata de “um tipo de serviço em que a escolha do prestador assenta, fundamentalmente, nas respectivas qualidades e experiência técnico-jurídicas no âmbito dos recursos hídricos, do domínio público hídrico, do ambiente e do ordenamento do território e não em características objectivas de eventuais propostas de prestação de serviços”;
                        v. Que o que está em causa é “uma situação em que a escolha do prestador de serviços assenta em razões ligadas à sua experiência e características” – nomeadamente o facto de aquele ter participado activamente em trabalhos de natureza técnico jurídica relativos à elaboração do Plano Nacional da Água, do Plano Regional da Água da Região Autónoma dos Açores, no processo de implementação das Administrações de Região Hidrográfica criadas pela Lei da Água, bem como em trabalhos relativos a matéria de emprego público, “que lhe conferem especial aptidão para a execução do objecto das prestações de serviços a contratar”;
                        vi. Que “o fundamento para a escolha do prestador dos serviços assenta numa relação cujos pressupostos são a base da confiança entre entidade adjudicante e adjudicatário, factor este que, em si mesmo, é imensurável”;
                        f) Em 31 de Julho de 2009, o Presidente da ARH do Norte remeteu à Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, R.L, quatro convites para apresentação de proposta no âmbito dos procedimentos de ajuste directo adoptados para a celebração dos contratos de prestação de serviços referidos em I, através dos ofícios n.ºs 8216, 8217, 8218 e 8219, daquela data;
                        g) Em 10 de Agosto de 2009, a Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, R.L, subscreveu quatro propostas para a realização dos referidos serviços;
                        h) As referidas propostas diferem na respectiva Cláusula I (Objecto dos Serviços Jurídicos a Prestar) e no valor dos honorários e dos pagamentos parcelares. Em tudo o mais, nomeadamente na definição dos produtos a entregar, da equipa, do escalonamento dos pagamentos, do plano de trabalhos e do prazo contratual, as propostas são idênticas;
                        i) Em 14 de Agosto de 2009, o Presidente da ARH do Norte adjudicou as quatro aquisições de serviços à Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, R.L, pelos valores propostos, sem negociação, nos termos propostos pelo Coordenador do Departamento de Planeamento, Informação e Comunicação nas Informações n.ºs 971/DPIC/2009, 972/DPIC/2009, 973/DPIC/2009 e 974/DPIC/2009, da mesma data;
                        j) Todos os quatro contratos foram assinados em 1 de Setembro de 2009;
                        k) Todos os contratos foram celebrados pelo prazo máximo de 18 meses;
                        l) Todos os contratos entraram em vigor no dia seguinte ao da sua assinatura;
                        m) Em todos eles ficou convencionada, nos exactos termos constantes das propostas, a apresentação de um Relatório de Metodologia no prazo de cinco dias, contados da data da outorga do contrato, e a entrega dos produtos decorrentes da execução do contrato nos termos definidos nesse Relatório;
                        n) Em todos os contratos se estabeleceu que a Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, R.L se vinculou à afectação de recursos humanos, devidamente qualificados e especializados, para a prestação dos serviços, podendo a ARH do Norte impor o reforço, modificação ou substituição dos meios técnicos, materiais e humanos utilizados pela empresa em caso de verificar que os mesmos são insuficientes ou inadequados à boa execução do contrato;
                        o) Os encargos financeiros dos contratos enquadram-se num financiamento comunitário FEDER, contratado no âmbito do Programa Operacional Regional do Norte;
                        p) Em 5 de Agosto de 2010, a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Norte, no âmbito da tramitação de pedidos de reembolso de despesas incorridas no âmbito dos contratos, comunicou à ARH do Norte dúvidas sobre o recurso a quatro procedimentos autónomos para as aquisições de serviços, sobre um eventual fraccionamento da despesa visando furtar os contratos a fiscalização prévia do Tribunal de Contas e sobre o respeito pela Comunicação Interpretativa da Comissão Europeia n.º 2006/C/179/02 (relativa ao direito comunitário aplicável à adjudicação de contratos não abrangidos, ou apenas parcialmente abrangidos, pelas directivas comunitárias relativas aos contratos públicos);
                        q) A referida Autoridade havia solicitado um parecer a um consultor externo (CEJUR - Centro de Estudos Jurídicos do Minho). A versão final deste parecer concluiu no seguinte sentido:
                        i. A opção de celebrar os contratos por ajuste directo, nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Código dos Contratos públicos, está em conformidade com o direito comunitário;
                        ii. Os contratos referidos nas alíneas a) e d) do ponto I têm autonomia;
                        iii. A autonomização dos contratos descritos nas alíneas b) e c) do mesmo ponto I, relativamente ao referido na alínea a), não está objectivamente justificada, pelo que se verificou um fraccionamento indevido da despesa e, atento o somatório dos respectivos preços contratuais, deveriam esses contratos ter sido submetidos a fiscalização prévia do Tribunal de Contas;
                        r) Em 23 de Agosto de 2010, a ARH do Norte remeteu os quatro contratos em referência para fiscalização prévia do Tribunal de Contas, a coberto do ofício n.º 12159, tendo os mesmos sido registados neste Tribunal em 30 de Agosto de 2010;
                        s) Nesse ofício, a ARH do Norte explicita pormenorizadamente por que razões considera que os contratos têm plena autonomia, que não houve fraccionamento indevido da despesa e que os mesmos não estavam nem estão sujeitos ao visto deste Tribunal. Para esse efeito, invoca, em síntese, que:
                        i. A proibição prevista no n.º 2 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, dirige-se tão só a evitar que as regras de competência para a autorização das despesas públicas sejam torneadas através de uma divisão artificial dessas despesas;
                        ii. Quando, “como ocorreu no presente caso – a despesa a suportar com a execução de cada um daqueles contratos tenha sido autorizada pelo órgão competente para autorizar a realização da despesa equivalente ao valor acumulado dos mesmos, o n.º 2 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, não impede o fraccionamento da despesa”;
                        iii. O ordenamento jurídico nacional não proíbe, antes autoriza, as entidades adjudicantes a dividir as prestações abstractamente integráveis no objecto de um único contrato por diferentes instrumentos contratuais, o que poderá, aliás, ser aconselhável por razões de conveniência administrativa, de ordem técnico-funcional ou de ordem financeira;
                        iv. A figura do fraccionamento da despesa para efeitos de fiscalização preventiva do Tribunal de Contas não tem acolhimento no Direito escrito, não estando, portanto, previstos os seus específicos pressupostos;
                        v. Uma situação de eventual fraccionamento indevido da despesa, no sentido em que “o fraccionamento se transformou num artifício especificamente vocacionado a iludir a aplicação de um determinado regime jurídico” exige uma “análise de alcance subjectivo orientada a confirmar ou infirmar a existência de um intuito deliberado de escapar ao regime”, sendo necessário averiguar da existência ou não de intenção fraudulenta;
                        vi. A operação de celebração dos quatro contratos serve interesses legítimos das partes, está alicerçada em diferenças que significativamente separam os respectivos objectos contratuais e é impossível detectar no caso a existência de uma vontade especificamente vocacionada a burlar a aplicação da norma delimitadora do campo de aplicação do regime de fiscalização preventiva pelo Tribunal de Contas;
                        vii. Mesmo quando as prestações sejam juridicamente aglutináveis no objecto de um único contrato, essa circunstância não basta para que a sua dispersão por distintos instrumentos contratuais possa ser juridicamente qualificável como fraccionamento indevido da despesa;
                        viii. A circunstância de os contratos “se encontrarem todos finalisticamente orientados para o propósito único de elaboração dos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica das Regiões Hidrográficas 1, 2 e 3 é insuficiente para demonstrar a unidade dos seus objectos e o seu fraccionamento indevido;
                        ix. As prestações contratuais só são aglutináveis no objecto de um único contrato quando à sua interdependência ou interconexão funcional acresça uma interconexão ou independência económica, “em termos que propiciem a identificação de um único segmento de operadores económicos aptos a executar todas as prestações contratuais” em causa;
                        x. No que se refere ao contrato referido na alínea a) do ponto I, o seu objecto orienta-se para a concepção, elaboração e redacção da Resolução do Conselho de Ministros que aprova os Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica, em compatibilidade com os objectivos definidos na Directiva Quadro da Água. Este objecto contratual “traduz-se na assessoria jurídica directa à elaboração destes instrumentos de planeamento e gestão dos recursos hídricos das regiões hidrográficas 1, 2 e 3, permitindo directamente a prossecução daquela que é a primeira atribuição da ARH do Norte”; “O traço unificador destas prestações contratuais – e, simultaneamente, diferenciador dos restantes contratos celebrados entre a ARH do Norte, I.P., e a Sérvulo & Associados - traduz-se no emprego de conhecimentos da área do Direito do Ambiente e do Ordenamento do Território, maxime da legislação comunitária e nacional sobre a gestão e ordenamento dos recursos hídricos. Está essencialmente em causa garantir a compatibilidade jurídica dos novos instrumentos de planeamento e gestão dos recursos hídricos das regiões hidrográficas 1, 2 e 3 com os objectivos estatuídos na já referida Directiva Quadro da Água, na Lei da Água e no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial”;
                        xi. Quanto ao contrato referido na alínea b) do ponto I, o mesmo tem titulado a assessoria jurídica a prestar nas fases de formação e execução de diversos contratos públicos necessários à elaboração dos Planos de Gestão de Bacias Hidrográficas. Não obstante o clausulado desse contrato não reflectir esse conteúdo, mas um outro diferente, verificou-se “uma menos correcta expressão daquela que foi a vontade contratual da ARH do Norte, I.P. e da Sérvulo & Associados, pois não são estas as relações contratuais que têm sido efectivamente tituladas por este instrumento contratual e não foi à regulação destas obrigações que se destinou a celebração deste contrato”, só podendo ter-se por lapso de escrita que figurem no respectivo objecto contratual referências à elaboração e validação de conteúdos a integrar nos PGBH;

Os serviços jurídicos abrangidos pelo objecto deste contrato envolvem conhecimentos na área do Direito da Contratação Pública e da Teoria Geral dos Contratos Administrativos, o que é um factor distintivo relativamente aos restantes, por força da dissemelhança das áreas do conhecimento jurídico a que cabe recorrer;
                        xii. No que concerne ao contrato referido na alínea c) do ponto I, os serviços implicam a elaboração de um manual de procedimentos a seguir na tramitação dos pedidos de licenciamento de utilização privativa do domínio público hídrico localizado na área abrangida pelas regiões hidrográficas 1, 2 e 3, a concepção dos modelos-tipo das peças a utilizar nesses procedimentos administrativos de licenciamentos, o apoio à concepção de critérios e de um modelo de hierarquização de prioridades que norteiem a atribuição dos direitos de utilização privativa, o acompanhamento da definição do portal informático onde será possível aceder à documentação e a obrigação de acompanhamento jurídico da ARH do Norte nos procedimentos promovidos por particulares com vista a obter o licenciamento da utilização privativa de bens do domínio público hídrico abrangidos pelas regiões hidrográficas em causa.

Apesar de também neste caso se verificarem lapsos de escrita na descrição do conteúdo contratual, não há identidade ou unidade entre o objecto deste contrato e as prestações contratuais dos restantes porquanto este inclui serviços que se dirigem à consecução de uma outra atribuição da ARH do Norte: não já a elaboração dos Planos de Gestão de Bacias Hidrográficas, mas a decisão e emissão dos títulos de utilização de recursos hídricos e a fiscalização do cumprimento da sua aplicação.
Os serviços jurídicos abrangidos neste contrato envolvem conhecimentos na área da regulação jurídica do domínio público, mais especialmente do domínio público hídrico e dos mecanismos jurídico-procedimentais de atribuição de títulos de utilização ou exploração desses bens dominiais;
                        xiii. Por força do contrato referido na alínea d) do ponto I, deve ser prestada assessoria jurídica à ARH do Norte na definição da quantidade de recursos humanos a contratar para assegurar a implementação dos instrumentos de planeamento e gestão dos recursos hídricos, dos respectivos perfis académicos e experiências profissionais exigíveis, na identificação do tipo de vínculo jurídico a estabelecer com os diferentes recursos humanos, na tramitação e decisão dos procedimentos administrativos necessários à formação dos actos administrativos ou contratos que enquadrem a alocação desses meios humanos à implementação dos Planos de Gestão de Recursos Hídricos e na modelação da organização e funcionamento da ARH do Norte.

Os serviços jurídicos abarcados pelo objecto deste contrato envolvem conhecimentos na área do Direito Administrativo Geral e do Direito da organização administrativa, bem como do regime jurídico das relações de emprego em funções públicas, o que funciona como factor diferenciador deste contrato relativamente aos demais;
                        xiv. Tal como todos os contratos que a ARH do Norte celebre, os objectos contratuais em exame estão funcionalmente interligados, destinando-se, de modo directo ou indirecto, a assessorar a elaboração ou a execução e implementação dos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica, mas isso não impõe a sua aglutinação no objecto de um único contrato.
                        xv. Acresce que os objectos dos contratos também não estão economicamente interligados, pois apesar de estarmos perante prestações do mesmo tipo (de natureza jurídica) não há um único segmento de operadores económicos aptos a executar todas as prestações contratuais.

A pluridisciplinaridade envolvida nos objectos contratuais, implicando o emprego de distintos e específicos saberes da área do Direito, e a sua crescente especialidade, tornam inviável “que uma mesma pessoa singular, prestador de serviços jurídicos, congregue os conhecimentos jurídicos necessários à execução destes diversos serviços que apenas aparentemente são do mesmo tipo”.
                        xvi. Os diversos ramos e sub-ramos do Direito envolvidos “constituem, em abstracto, segmentos diferentes de negócio dentro do universo profissional da advocacia, susceptíveis, portanto, de suscitar o interesse em contratar por diferentes grupos de destinatários. Ocorre apenas que, em virtude da diversificação e crescente especialização dos serviços jurídicos por elas prestados, as sociedades de advogados, enquanto estruturas empresariais e profissionais multifacetadas, respondem a esse diferentes segmentos do negócio da advocacia”;
                        xvii. Não existe qualquer conexão económica entre as prestações contratuais em exame, que imponha a aglutinação dos diferentes serviços no objecto de um único contrato, pois, se tivesse sido escolhido um procedimento concursal em lugar de um ajuste directo para a formação de cada um dos quatro contratos, o universo de destinatários que responderia ao apelo à concorrência não seria exactamente o mesmo, podendo os respectivos anúncios provocar o interesse de diferentes segmentos de destinatários;
                        t) No que se refere à opção pelo procedimento pré-contratual de ajuste directo, e à identificação precisa da sociedade convidada a apresentar as propostas, a ARH do Norte veio ainda referir, no ofício n.º 12159, de 23 de Agosto de 2010, que:
                        i. A definição de atributos de natureza quantitativa era manifestamente desadequada face aos objectivos da aquisição pretendida, já que a prioridade da entidade adjudicante consiste na obtenção de serviços de elevada qualidade e não na obtenção de um qualquer serviço ao mais baixo preço ou no prazo mais curto possível;
                        ii. O objectivo da entidade adjudicante foi o de escolher o co-contratante em função da qualidade intrínseca da prestação;
                        iii. Essa qualidade não pode ser verdadeiramente revelada pelos atributos da sua proposta, mas apenas deduzida dos atributos do proponente, que geram no adquirente a confiança dessa qualidade;
                        iv. Assim, a escolha do co-contratante assenta fundamentalmente nas suas qualidades técnicas pessoais, maxime no seu currículo e na confiança que dele emana para o adquirente dos serviços;
                        v. O juízo de avaliação da sua aptidão técnica não pode ser fundamentado em elementos objectivamente mensuráveis, o que constitui uma consequência necessária de a prestação de serviços de advocacia se basear numa relação de estrita confiança subjectiva que o beneficiário deposita nas qualidades pessoais do prestador de serviços;
                        vi. A decisão de escolha do prestador de serviços jurídicos concretiza-se na escolha de um operador económico cuja identidade é directamente apurada, em razão da sua preferência subjectiva, pelo órgão competente da entidade adjudicante;
                        vii. O ajuste directo é o procedimento mais adequado à formação de um contrato de aquisição de serviços jurídicos, visto que qualquer outro tipo de procedimento pré-contratual pode potencialmente conduzir a entidade adjudicante a iniciar uma relação contratual com um prestador em quem não deposita a sua confiança;
                        viii. Essa é, aliás, a razão pela qual, reconhecendo a inaptidão genérica do regime de contratação pública para a formação de contratos de aquisição de serviços jurídicos, a própria Directiva n.º 2004/18/CE (…) exclui esses serviços do seu âmbito de aplicação, permitindo que a entidade adjudicante adopte um procedimento não concorrencial e seleccione directamente os prestadores que pretende convidar para apresentar uma proposta (cfr. artigo 21.º e Anexo II-B da Directiva);
                        ix. O parecer referido em q) concluiu pela possibilidade do ajuste directo.
                        u) De acordo com a cláusula 7.ª dos contratos, o segundo outorgante deveria apresentar um Relatório de Metodologia no prazo de cinco dias a contar da data de outorga do contrato;
                        v) Nos termos da Cláusula 12.ª dos contratos, o pagamento do preço é efectuado nos termos da proposta apresentada, da seguinte forma:

“a) Primeiro pagamento no montante de 30% do preço contratual (…) com a entrega do Relatório de Metodologia e início dos trabalhos;
b) Pagamento seguinte, no montante de 30% do preço contratual (…) até final de Outubro de 2009;
c) Pagamento seguinte, no montante de 30% do preço contratual (…) até final de Março de 2010;
d) Pagamento de 10% do preço contratual (…) com a conclusão dos trabalhos”;
                        w) Nos Relatórios de Metodologia apresentados para cada um dos contratos, os quais, nos termos dos Cadernos de Encargos, deveriam definir os planos de trabalhos, refere-se:
                        i. (…) os serviços a executar no âmbito do contrato são, manifestamente, de natureza de assessoria e consultoria jurídica, cuja dinâmica está ínsita ao desenvolvimento do próprio contrato. Ou seja, é, também, no desenvolvimento da relação entre contraentes que hão-de vir a detectar-se outras necessidades elementares que integram o objecto do contrato, necessidades essas não determinadas à partida mas determináveis com a execução contratual. (…) Este aspecto assume uma importância crucial para poder justificar-se que a métrica dos trabalhos a serem prestados não pode inferir-se com base num cronograma de execução contratual associados a um plano de trabalhos e reportado a determinados produtos concretos que devam surgir a cada momento. Esta situação não impede, contudo, que a execução do contrato possa “ser medida” com base num número de horas total de serviços jurídicos prestados e cujo cômputo reflectirá, necessariamente, o número de colaboradores que a Sérvulo & Associados venha a afectar à execução de todas as tarefas a executar, com maior ou menor grau de complexidade.”
                        ii. No ponto 1, a descrição das principais obrigações contratuais;
                        iii. “(…) a metodologia para o desenvolvimento dos serviços a prestar (…) compreende:

2.1. A elaboração de memorandos técnicos, informações, pareceres e outros documentos escritos (troca de e-mails, proposta de minutas de documentos internos da ARH Norte I.P., peças de procedimento administrativo/peças de procedimento de contratação pública/peças de procedimentos concursais e outras de procedimentos administrativos1 e toda uma outra actividade de suporte à decisão mas reportada ao objecto do contrato que pode incluir, em muitos casos, conferências telefónicas, participação em reuniões de trabalho internas da ARH Norte I.P., ou desta com entidades terceiras/apoio a júris de concurso, entre outras);
2.2. Afectação adequada de recursos humanos, devidamente qualificados e especializados à prestação directa de serviços objecto do contrato, em regime de colaboração com a ARH Norte, I. P., e segundo um modo de permanência nas respectivas instalações e durante o período e horário normal de expediente, bem como serviços prestados pela Sérvulo & Associados, nos seus escritórios do Porto e Lisboa, consoante os casos e a complexidade da matéria o justifique ou que resulte de acordo estabelecido com a ARH Norte I.P.”
                        iv. “2.3.Para a execução do contrato prevê-se a afectação pela Sérvulo & Associados de um número de colaboradores a acordar com a ARH Norte I.P., ainda que de diferentes níveis de qualificação (seniores e juniores)/ de, pelo menos, quatro(4)/ cinco (5)) colaboradores, de diferentes níveis de qualificação (seniores e juniores3), estimando-se o valor médio do custo/hora da prestação de serviços no montante de 175,00 € (…)”
                        v. “2.4. De acordo com a cláusula 3.ª do contrato o prazo de execução do mesmo tem início a 2 de Setembro de 2009 e termina em Março de 2011, isto é, decorridos que sejam 18 meses, contados da data de outorga do contrato.”
                        vi. 2.5.Considerando o disposto na cláusula contratual que regula o preço e as condições de pagamento, é devido pela ARH Norte, I.P., à Sérvulo & Associados e pelos serviços prestados no âmbito da execução do contrato, o montante de (…). Tomando como referência o valor médio do custo/hora da prestação de serviços (…) e o prazo de execução contratual (…), serão prestadas, aproximadamente, (…) horas de trabalho, distribuídas pelas mais diversas tarefas que integram a execução do objecto do contrato e repartidas pelos colaboradores a elas afectos pela Sérvulo & Associados”.

                        x) Questionada sobre o instrumento de verificação utilizado para garantir que os pagamentos a realizar têm efectiva contrapartida em serviços prestados, a ARH do Norte informou, no ofício n.º 16368, de 22 de Outubro:

“(…) O instrumento de verificação utilizado pela ARH do Norte I.P. para garantir que os pagamentos realizados têm efectiva contrapartida em serviços prestados é baseado numa métrica de valor hora médio (175,00), associando-se esta a uma premissa não variável que radica na integral satisfação de todas as necessidades de serviços jurídicos que se imponham no âmbito da execução do contrato e atento o seu objecto. (…)”
                        III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Da sujeição dos contratos a fiscalização prévia do Tribunal de Contas
A primeira questão que se suscita nestes processos é a da sua sujeição, ou não, a fiscalização prévia deste Tribunal.
Do disposto nos artigos 5.º, n.º 1, alínea c), 46.º, n.º 1, alínea b), e 48.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC), resulta que os contratos de aquisição de serviços celebrados por institutos públicos estão sujeitos a visto do Tribunal de Contas quando impliquem despesa de valor igual ou superior a um montante fixado anualmente nas leis do Orçamento.
O valor fixado nos termos do artigo 48.º da LOPTC foi, em 2009, e em 20106, de € 350.000.
Como se refere nas alíneas a) a d) do ponto I e j) do ponto II deste Acórdão, os contratos em causa foram celebrados, em 1 de Setembro de 2009, pelos valores de, respectivamente, € 340.000, € 343.000, € 330.000 e € 338.600.
À data em que foram celebrados, e tendo estritamente em atenção o seu valor unitário, que em todos os casos se aproximava mas não atingia € 350.000, os contratos não estariam, pois, de per si, sujeitos a visto deste Tribunal.
No entanto, foi suscitada pela Autoridade de Gestão a questão de alguns deles deverem ser considerados em conjunto, já que poderíamos estar perante um fraccionamento indevido da despesa com o objectivo de furtar os contratos ao controlo prévio deste Tribunal.
A ARH do Norte produziu extensa argumentação no sentido de não ter ocorrido esse fraccionamento, da qual se deu nota na alínea c) do ponto II.
Ao analisar a situação, verificamos que os quatro contratos:
                         São celebrados entre os mesmos outorgantes;
                         Foram autorizados e celebrados simultaneamente;
                         Declaram destinar-se todos eles à prestação de serviços de assessoria jurídica;
                         Baseiam-se em propostas idênticas, que apenas diferem na discriminação dos respectivos objectos detalhados e no valor;
                         Têm articulados idênticos, excepto no que respeita aos seus objectos detalhados e valor11;
                         São celebrados pelo mesmo prazo e nas mesmas condições;
                         Estão todos “finalisticamente orientados para o propósito único de elaboração dos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica das Regiões Hidrográficas 1, 2 e 3;

Podia, pois, o conteúdo desses contratos facilmente constituir objecto de um único contrato.
Invoca a ARH do Norte14 que a ordem jurídica não proíbe que as prestações abstractamente integráveis no objecto de um único contrato sejam divididas por diferentes instrumentos contratuais, o que pode ser aconselhável por razões de conveniência administrativa, de ordem técnico-funcional ou de ordem financeira.
Pretende ainda a ARH do Norte demonstrar a autonomia dos contratos, com base na diferenciação dos respectivos objectos e na sua independência económica, “pois, se tivesse sido escolhido um procedimento concursal em lugar de um ajuste directo para a formação de cada um dos quatro contratos, o universo dos destinatários que responderia ao apelo à concorrência não seria exactamente o mesmo, podendo os respectivos anúncios provocar o interesse de diferentes segmentos de destinatários”.
O que a ARH do Norte não esclarece é por que razões de natureza administrativa, técnico-funcional ou financeira optou, no caso concreto, por celebrar no mesmo exacto tempo15 quatro contratos de assessoria jurídica em vez de um único.
De resto, a análise do conteúdo dos contratos evidencia alguma confusão na definição dos serviços neles abrangidos, o que gera natural controvérsia sobre a respectiva autonomia16.
Existem sobreposições nomeadamente nos domínios da validação dos contributos das diversas áreas temáticas de elaboração dos PGBH, da validação do processo e resultados da participação e discussão públicas e da definição do modelo institucional e organizacional da ARH do Norte ou das possíveis alternativas para esse efeito.
Em face destas sobreposições, veio agora alegar-se ter havido lapsos de escrita e incorrecta formulação da vontade dos outorgantes. É surpreendente que esses lapsos nunca tenham sido antes detectados e tenham ficado consagrados, sem qualquer correcção, em todos os documentos, de ambas as partes: informações, cadernos de encargos, propostas contratuais, contratos e relatórios de metodologia.
O sucedido leva também a questionar da utilidade ou conveniência da divisão da prestação de serviços em vários contratos.
Tal como suscita naturais dúvidas sobre a forma como foram, ou não, correctamente calculados os respectivos valores.
E se o critério da independência económica dos contratos, tal como vem proposto, pode até ser conceptualmente útil para delimitar os casos em que se verifica interesse na divisão das prestações por mais de um instrumento contratual, a verdade é que, no caso concreto, não tem qualquer relevância, uma vez que a ARH do Norte preconizou desde o primeiro momento o ajuste directo de todos os quatro contratos à mesma sociedade17, nunca tendo equacionado um apelo à concorrência.
Não havendo qualquer razão económica concreta para a separação dos contratos, não tendo sido apresentados concretos inconvenientes para a possível aglutinação do respectivo objecto e valor, e obedecendo os contratos, no mais, às mesmas exactas condições de execução, só pode concluir-se que a principal consequência da divisão feita foi a não submissão dos contratos a fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
Saber se essa consequência foi a motivação da divisão e se se verificou, ou não, “uma vontade especificamente vocacionada a burlar a aplicação da norma delimitadora do campo de aplicação do regime de fiscalização preventiva”, de modo a integrar uma figura de fraccionamento indevido da despesa que, no entender da ARH do Norte, “não tem acolhimento no Direito escrito”, levar-nos-ia a elaborar sobre a lei aplicável, sobre uma eventual situação de fraude à lei e sobre as circunstâncias que rodearam a formação da vontade contratual.
Tratando-se de matéria relevante para a qualificação de eventuais infracções financeiras, não é, no entanto, determinante para decidir sobre se os presentes processos estão, ou não, sujeitos a fiscalização prévia deste Tribunal, decisão que só pode ser norteada por critérios objectivos.
Ora, o artigo 138.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010), estabelece, para efeitos do disposto no artigo 48.º da LOPTC, que ficam isentos de fiscalização prévia do Tribunal de Contas os “actos e contratos, considerados isolada ou conjuntamente com outros que aparentem estar relacionados entre si18, cujo montante não exceda o valor de € 350 000 .
Como resulta da legislação que regula a competência dos tribunais, as regras aplicáveis ao exercício da competência de fiscalização prévia são aquelas que estejam em vigor no momento em que ela se exerce, ou seja, no momento em que os respectivos processos dão entrada neste Tribunal19.
Uma vez que os quatro processos em causa foram registados neste Tribunal em 30 de Agosto de 201020, aplica-se aos mesmos o disposto naquele artigo 138.º da Lei n.º 3-B/2010.
Decorre dos termos desse preceito que estão inequivocamente sujeitos a fiscalização prévia os contratos que, considerados conjuntamente com outros que aparentem estar relacionados entre si, sejam de valor superior a € 350 000.
No caso, e face a tudo o que até agora se referiu, não há dúvidas de que estamos perante quatro contratos que estão relacionados entre si e que, embora sejam de valor unitário inferior àquele montante, representam um valor global muito superior.
Note-se que o legislador se basta, para este efeito, com uma mera aparência. Para que o valor a considerar para efeitos de fiscalização prévia seja o valor conjunto é suficiente que determinados contratos aparentem estar relacionados entre si, sem ter de se demonstrar que efectivamente o estão.
Com esta formulação, o legislador terá, precisamente, querido evitar subtilezas jurídicas na delimitação de contratos que poderiam ser agregados e não o foram.
No caso concreto, essa aparência é mais do que evidente.
Os contratos foram negociados e outorgados simultaneamente, entre os mesmos outorgantes, para o mesmo tipo de serviços, com condições contratuais idênticas e com uma significativa convergência funcional.
Tanto basta para que devam ser considerados, para efeitos de fiscalização prévia, pelo seu valor conjunto.
Não há, pois, para este efeito, que analisar quaisquer aspectos de natureza subjectiva.
2. Da admissibilidade da contratação
Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 208/2007, de 29 de Maio, as Administrações de Região Hidrográfica (ARH) são institutos públicos periféricos integrados na administração indirecta do Estado.
Enquanto institutos públicos, devem dispor dos recursos indispensáveis à prossecução das suas atribuições (Cfr. artigo 33.º, n.º 1, da Lei-quadro dos Institutos Públicos (LQIP), aprovada pela Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 51/2005, de 30 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 200/2006, de 25 de Outubro, e pela Lei n.º 105/2007, de 3 de Abril)
Podem, em alternativa, recorrer à contratação de serviços externos para o desenvolvimento das actividades a seu cargo, mas apenas quando tal método assegure um controlo mais eficiente dos custos e da qualidade do serviço prestado.
O recurso à assessoria jurídica externa no âmbito do desenvolvimento das normais atribuições dos institutos públicos carece, pois, legalmente, de uma demonstração específica da maior eficiência desse mecanismo.
Significa isto que a decisão de recorrer à contratação de assessoria jurídica externa para o apoio ao desenvolvimento das atribuições das ARH não é uma decisão inteiramente livre, mas obedece a um pressuposto legalmente vinculado. Essa contratação só é admissível se for demonstrado que, para a adequada realização dessas atribuições, essa modalidade é a mais apta à realização dos objectivos e é menos onerosa e garante mais qualidade do que a utilização de serviços próprios.
Tal resulta, aliás, também do artigo 5.º, n.º 2, da LQIP, quando refere que “Os órgãos de direcção dos institutos públicos devem assegurar que os recursos públicos de que dispõem são administrados de uma forma eficiente e sem desperdícios, devendo sempre adoptar ou propor as soluções organizativas e os métodos de actuação que representem o menor custo na prossecução eficaz das atribuições públicas a seu cargo”.
Por outro lado, o artigo 9.º, n.º 6, da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, estabelece que as Administrações das Regiões Hidrográficas devem realizar um conjunto de atribuições, em que se incluem a elaboração dos planos de gestão de bacias hidrográficas e a decisão e emissão dos títulos de utilização de recursos hídricos e respectiva fiscalização, através dos seus órgãos e serviços.
Ora, conforme resulta dos artigos 3.º e 5.º da Portaria n.º 394/2008, de 5 de Junho, a ARH do Norte dispõe de unidades orgânicas para o desenvolvimento das suas missões, nomeadamente de um Departamento Financeiro, Administrativo e Jurídico, que assegura o apoio jurídico e o apoio à gestão de recursos humanos.
Se analisarmos a descrição das prestações incluídas nos contratos, verificamos que nelas se incluem matérias e tarefas que se enquadram nas competências de natureza corrente do referido Departamento Financeiro, Administrativo e Jurídico, como sejam a preparação, organização e acompanhamento dos procedimentos administrativos de contratação pública e a gestão e desenvolvimento dos procedimentos e actividades relativos à gestão de pessoal e respectiva formação profissional (Cfr. artigo 5.º, n.º 2, da Portaria n.º 394/2008, de 5 de Junho).
Sendo certo que da página 19 do Relatório de Actividades de 2009 da ARH do Norte24 se verifica que esse departamento está dotado de pessoal, fica também por demonstrar a necessidade e justificação para o recurso à contratação externa nessas matérias.
Conforme consta da alínea e)ii do ponto II deste Acórdão, a ARH do Norte justificou as presentes contratações de serviços externos com a alegação de que “tendo entrado em funcionamento em 1 de Outubro de 2008, não está capacitada na respectiva estrutura funcional interna de recursos humanos para desenvolver os trabalhos em causa”.
Face à imposição legal de utilização dos seus serviços internos25 e de recurso à contratação externa apenas quando isso represente inequívocos ganhos de eficiência, facilmente se conclui que a justificação avançada é, de todo, insuficiente para comprovar e se dar por verificado o pressuposto vinculado de que depende a contratação.
3. Do procedimento de formação dos contratos.
A terceira questão que importa resolver é a de saber se os contratos em apreciação podiam ser adjudicados directamente à Sérvulo & Associados - Sociedade de Advogados, R.L.
3.1. Do princípio da concorrência
O princípio da concorrência é, de há muito, um dos princípios axilares da contratação pública, tanto no âmbito nacional como no comunitário.
Tal sucede, aliás, na generalidade dos Estados de Direito, como não podia deixar de ser, já que se apresenta como imprescindível à protecção do princípio fundamental da igualdade, que lhes é inerente, e, simultaneamente, como a melhor forma de proteger os interesses financeiros públicos.
Na ordem jurídica portuguesa, e, tal como tem sido expresso na doutrina e na jurisprudência, estão constitucionalmente estabelecidos os princípios da igualdade e da concorrência e a obrigação de a Administração Pública os respeitar na sua actuação26, seja em que circunstâncias for, em nome simultaneamente dos valores fundamentais, da ordem económica e da prossecução do interesse público.
Estes princípios constitucionais aplicam-se a qualquer actuação da Administração Pública, mesmo que de gestão privada27 e têm uma especial incidência em matéria de Contratação Pública.
Nessa linha, o Código dos Contratos Públicos28 estabelece, no n.º 4 do seu artigo 1.º, que à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência.
Estes princípios estão também claramente estabelecidos na ordem jurídica comunitária a que nos encontramos vinculados.
Os tratados europeus afirmam um objectivo de integração económica, a realizar através do respeito pelas «liberdades fundamentais» (livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais), de onde deriva a obrigatoriedade de os Estados Membros da União Europeia legislarem e agirem de modo a assegurarem a mais ampla concorrência possível e a prevenirem quaisquer favorecimentos.
Como se referiu, entre outros, nos processos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) n.ºs C-458/03, Parking Brixen, e C-324/98, Telaustria O recente acórdão de 20 de Maio de 2010, tirado no processo T-258/06, é bastante esclarecedor nessa matéria), quando uma autoridade pública confia o exercício de uma actividade económica a terceiros, aplica-se o princípio da igualdade de tratamento e as suas expressões específicas, nomeadamente o princípio da não-discriminação, bem como os artigos 43.º e 49.º do Tratado CE29, sobre a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços. O TJCE afirma ainda que estes princípios implicam uma obrigação de transparência, que consiste em assegurar a todos os potenciais concorrentes um grau de publicidade adequado, que permita abrir o mercado de bens e serviços à concorrência.
Ainda que as directivas emitidas para a coordenação dos procedimentos nacionais de adjudicação de contratos públicos excluam do seu âmbito algumas áreas da contratação, o TJCE tem sido claro e afirmativo no sentido de que os princípios referidos se aplicam mesmo que não sejam aplicáveis as directivas relativas aos contratos públicos, uma vez que derivam directamente dos Tratados30.
Os princípios da igualdade e da concorrência impõem-se, pois, à actividade contratual pública, tanto por via constitucional como por via comunitária.
Ora, o respeito pelos princípios em causa, e, em particular, pelo princípio da concorrência, implica que se garanta aos interessados em contratar o mais amplo acesso aos procedimentos, através da transparência e da publicidade adequada.
É também esse o modo de garantir a melhor protecção dos interesses financeiros públicos, já que é em concorrência que se formam as propostas competitivas e que a entidade adjudicante pode escolher aquela que melhor e mais eficientemente satisfaça o fim pretendido.
As teorias dos jogos e dos leilões demonstram matematicamente que assim é, sendo que, nos termos do artigo 42.º, n.º 6, da Lei de Enquadramento Orçamental31, nenhuma despesa pode ser autorizada ou paga sem que satisfaça os princípios da economia e da eficiência.
Em suma, o respeito pelo princípio da concorrência e seus corolários subjaz a qualquer actividade de contratação pública, por força de imperativos comunitários, por directa decorrência de normas constitucionais, por previsão da lei aplicável à contratação e por imposição da legislação financeira e dos deveres de prossecução do interesse público e de boa gestão.
Donde resulta que para a formação de contratos públicos devem ser usados procedimentos que promovam o mais amplo acesso à contratação dos operadores económicos nela interessados.
3.2. Dos procedimentos de contratação pública
As Directivas europeias de contratação pública (em especial a Directiva n.º 2004/18/CE) e, no plano nacional, o Código dos Contratos Públicos, estabelecem um conjunto de procedimentos a seguir, consoante as situações, para a formação de contratos públicos.
Em ambos os casos são estabelecidos como regra procedimentos concorrenciais abertos.
No entanto, ambos os diplomas estabelecem também excepções à utilização desses procedimentos concorrenciais abertos, admitindo que há situações em que não se justifica ou não é possível desenvolvê-los.
A este respeito importa ter presentes dois aspectos bem clarificados na jurisprudência do TJCE, os quais são também plenamente transponíveis e aplicáveis no plano exclusivamente nacional.
Em primeiro lugar, as directivas comunitárias de contratação pública (tal como a Parte II do Código dos Contratos Públicos), procedendo à definição de procedimentos a utilizar na adjudicação de contratos públicos, têm de ser vistos como meros instrumentos de realização dos princípios e objectivos mais amplos referidos no ponto anterior. Donde resulta que, mesmo quando os procedimentos típicos estabelecidos nas directivas ou na legislação nacional não sejam aplicáveis, a entidade pública está vinculada a adoptar práticas de contratação que salvaguardem a concorrência.
Por outro lado, sempre que a lei estabeleça excepções aos procedimentos concorrenciais mais abertos deve ser-se muito rigoroso e exigente na interpretação e na aplicação dessas excepções, procurando sempre a salvaguarda máxima do princípio da concorrência e admitindo a realização de procedimentos fechados apenas quando não haja alternativa concorrencial possível.
O ajuste directo, tal como descrito no artigo 112.º do Código dos Contratos Públicos, e tal como foi aplicado nos casos, constitui um procedimento completamente fechado, que não integra qualquer nível de concorrência.
Só deve, pois, aceitar-se a sua utilização quando se demonstre inviável qualquer outra solução procedimental que melhor salvaguarde a concorrência.
3.3. Da aquisição de serviços intelectuais
A Directiva 2004/18/CE reconhece, no seu artigo 30.º, n.º 1, alínea c), que as prestações de carácter intelectual podem ser de molde a impossibilitar a elaboração de especificações com precisão suficiente para permitir a adjudicação do contrato através da selecção da melhor proposta de acordo com as regras que regem os concursos.
Na sequência desse reconhecimento, permite-se que os contratos relativos a esses serviços possam ser precedidos de um procedimento de negociação, mas sempre com publicação de anúncio.
Ou seja, admite-se para casos de serviços intelectuais um procedimento mais flexível, com possibilidade de adaptação das propostas aos requisitos
pretendidos, mas não se dispensa, antes se impõe, um procedimento concorrencial aberto.
O artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos, previu na alínea b) do seu n.º 1, que pode ser adoptado o ajuste directo quando estejam em causa prestações de natureza intelectual que não permitam a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam qualitativamente definidos atributos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação e não seja adequada a definição quantitativa de outros atributos.
Mas, o mesmo artigo, no seu n.º 3, estabelece que, nos casos em que estejam em causa contratos de aquisição de serviços abrangidos pela directiva comunitária e de valor superior aos limiares para a sua aplicação, já não poderá ser assim. Nesses casos, e não obstante estarmos perante serviços de natureza intelectual em relação aos quais não é aparentemente possível a definição de especificações e de atributos para aplicação de um critério de adjudicação, está proibida a adopção do ajuste directo.
O n.º 4 do mesmo artigo 27.º proíbe também a adopção do ajuste directo quando o serviço intelectual a adquirir, mesmo quando insusceptível de ser especificado e avaliado, consista na elaboração de um plano, de um projecto ou de uma qualquer criação conceptual nos domínios artístico, do ordenamento do território, do planeamento urbanístico, da arquitectura, da engenharia ou do processamento de dados.
Ou seja, em todos estes casos, e apesar da impossibilidade da elaboração das especificações contratuais e da definição qualitativa e quantitativa dos factores de avaliação das propostas, a entidade adjudicante é forçada a seguir procedimentos de natureza concorrencial e a encontrar a melhor forma de avaliar e seleccionar as propostas.
Assim, deve concluir-se que a caracterização dos serviços a adquirir como de natureza intelectual e uma eventual impossibilidade ou dificuldade em definir as respectivas especificações e atributos a valorar não autoriza, só por si, a não utilização de procedimentos concorrenciais.
3.4. Da aquisição de serviços jurídicos
Os artigos 52.º e seguintes do Tratado CE32 estabeleceram que a liberalização de serviços no âmbito europeu se faz prioritariamente em determinados tipos de serviços, identificados como os que mais influem nos custos de produção e que mais contribuem para fomentar a circulação de bens.
Nessa linha, a Directiva n.º 2004/18/CE subdividiu os serviços em duas categorias.
Uma, a descrita no anexo II A da Directiva33, respeita aos serviços a que se aplicam integralmente as disposições da directiva de modo a permitir “a plena concretização do potencial de crescimento do comércio transfronteiras34.
A outra, a descrita no Anexo II B, engloba os serviços aos quais, durante um período transitório, não se aplica a totalidade das normas da directiva, ficando, entretanto, sujeitos a controlo, até que seja tomada uma decisão sobre a aplicação integral da directiva35. Estes serviços são vulgarmente conhecidos como os serviços não prioritários.
Mas a não aplicação a esta segunda categoria de serviços da maioria das regras processuais estabelecidas na directiva não significa a sua não subordinação aos princípios decorrentes dos Tratados.
Conforme se refere no considerando (2) da directiva e se estabelece claramente no acórdão do TJCE tirado no processo T-258/06, apesar de os procedimentos específicos e rígidos previstos pelas directivas comunitárias relativas à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos se aplicarem unicamente aos contratos por elas integralmente abrangidos, isso não significa que os restantes contratos públicos estejam excluídos do âmbito de aplicação do direito comunitário. É entendimento do Tribunal de Justiça que as obrigações decorrentes do direito primário relativas à igualdade de tratamento e à transparência se aplicam de pleno direito a contratos excluídos do âmbito das directivas e a contratos relativos a serviços incluídos no Anexo II B36.
O referido acórdão afirma também inequivocamente que a obrigação de transparência decorrente dos princípios do Tratado CE implica que os referidos contratos sejam precedidos de um procedimento que, ainda que não siga as regras da directiva, deve envolver necessariamente uma publicitação prévia, que permita a potenciais interessados manifestar o seu interesse na obtenção do contrato.
Os serviços jurídicos estão incluídos no Anexo II B da Directiva 2004/18/CE, aplicando-se-lhes integralmente a jurisprudência acabada de referir.
É, pois, completamente desajustado o que é alegado pela ARH do Norte e transcrito na alínea t)viii do ponto II. Ao invés, e ao contrário do que esta entidade refere:
                         Os contratos de aquisição de serviços jurídicos não estão excluídos do âmbito de aplicação da Directiva 2004/18/CE, mas sim sujeitos a uma aplicação parcial da mesma;
                         Essa aplicação parcial não permite que a entidade adjudicante adopte um procedimento não concorrencial e seleccione directamente os prestadores que pretende convidar para apresentar uma proposta, uma vez que, como já vimos, esse procedimento é, em princípio, proibido pelo direito comunitário primário e pela interpretação que dele é feita pelo TJCE.

Por outro lado, não há qualquer fundamento para considerar que o direito comunitário reconhece a inaptidão genérica do regime de contratação pública para a formação de contratos de aquisição de serviços jurídicos.
Desde logo, e como já vimos, a aplicação das obrigações de transparência e publicidade para os serviços incluídos no Anexo II B resulta do direito primário europeu e da jurisprudência do TJCE.
Por outro lado, prevê-se que a aplicação parcial da directiva apenas persista durante um período transitório.
Depois, estabelece-se que, desde já, se eliminem especificações discriminatórias37, o que só se compreende no quadro de processos concorrenciais.
Pode ainda referir-se que no considerando 47 da directiva em referência se refere a relação dos critérios de adjudicação com honorários de advogados, o que também só se compreende no quadro da aplicação de processos concorrenciais a serviços de advocacia.
Vários sinais existem, assim, de que não se estabelece ou reconhece qualquer incompatibilidade na utilização de procedimentos concorrenciais para a aquisição de serviços jurídicos, mas tão só que se reconhecem esses serviços como não prioritários no estabelecimento do mercado interno.
No plano nacional, o Código dos Contratos Públicos não excluiu os contratos de aquisição de serviços jurídicos do regime de formação dos contratos públicos nele estabelecido, apesar de o ter feito relativamente a outros serviços mencionados no anexo II B da Directiva 2004/18/CE38.
É certo que os serviços não prioritários incluídos no Anexo II B da directiva, como é o caso dos serviços jurídicos, não se encontram sujeitos ao disposto no artigo 30.º da Directiva 2004/18/CE nem se encontram abrangidos no regime do n.º 3 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos, que proíbe o recurso ao ajuste directo.
Mas, a não ser que se lhe aplique em concreto uma das bem delimitadas excepções previstas, a aquisição de serviços jurídicos parece subordinar-se aos princípios gerais de aplicação dos procedimentos concorrenciais, em função dos valores envolvidos, porque disso não está expressamente excluída no Código, para além de que se subordina à aplicação directa dos princípios do Tratado e da nossa Constituição, o que a sujeita a uma obrigação geral de concorrência, transparência e publicidade.
Ou seja, ao contrário do que vem alegado, não há nenhuma cláusula geral ou princípio que declare a aquisição de serviços jurídicos insusceptível de se subordinar a uma escolha concorrencial. Antes pelo contrário.
Por todas as razões acima referidas, a aplicação de uma excepção como a que consta do artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos, que foi invocada nos casos, permitindo a utilização de ajuste directo para aquisições de serviços intelectuais, e eventualmente jurídicos, de elevado valor, tem de estar inequivocamente justificada, fundamentada e demonstrada, em termos de afastar, em concreto e não em abstracto, a viabilidade de qualquer outra solução concorrencial.
Como já referimos, devemos ser muito rigorosos e exigentes na interpretação e na aplicação da excepção, procurando sempre a salvaguarda possível e máxima do princípio da concorrência.
Significa isso que, para efeitos da aplicação do disposto no artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos, teria de demonstrar-se inequivocamente no caso concreto que não é de todo possível a definição de atributos qualitativos das propostas para integrar o critério de adjudicação nem de todo adequada a definição de atributos quantitativos, não bastando apenas afirmá-lo.
Mas teria também de demonstrar-se inequivocamente no caso concreto que não podia utilizar-se qualquer forma de concorrência, mesmo que mitigada.
3.5. Dos serviços abrangidos nos contratos em análise
No essencial, as informações referidas na alínea a) do ponto II detalhavam já os aspectos em que se pretendia a assessoria e os principais produtos a obter, e foram esses os aspectos que se fizeram constar dos cadernos de encargos, das propostas e dos contratos.
Ficou contratualmente consagrado que o co-contratante apresentaria, no prazo de cinco dias a partir da outorga dos contratos, Relatórios de Metodologia, os quais vieram basicamente reproduzir as obrigações constantes dos contratos, embora tenham, nalguns casos, procedido a algumas especificações adicionais.
Sobre o conteúdo dos serviços abrangidos pelos contratos, e tendo em atenção o que consta desses contratos e dos vários documentos que os antecederam e que os concretizaram, incluindo os referidos Relatórios de Metodologia, importa salientar alguns aspectos importantes:
                        - Nenhum dos contratos abrange o estabelecimento de mandato forense;

                        - Em todos os documentos referidos, e no que concerne a todos os contratos, ficou consagrado como primeira obrigação integrada nos objectos contratuais a criação e redacção de conteúdos técnico-jurídicos a incorporar nos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica (PGBH);

                        - Os contratos estão todos “finalisticamente orientados para o propósito único de elaboração dos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica das Regiões Hidrográficas 1, 2 e 3.

                        - O contrato referido na alínea a) do ponto I:
                         Traduz-se na assessoria jurídica directa à elaboração dos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica (PGBH), enquanto instrumentos de planeamento e gestão dos recursos hídricos das regiões hidrográficas 1, 2 e 3;
                         Envolve a estruturação, fundamentação, criação e redacção do conteúdo e forma jurídica finais dos PGBH, considerando os trabalhos produzidos pelas diversas áreas temáticas de elaboração do plano e a ponderação dos resultados da participação e discussão públicas;



                         Envolve a elaboração, criação e redacção do projecto de Resolução do Conselho de Ministros que aprova os PGBH e definição dos elementos que a acompanham43.

O contrato referido na alínea b) do ponto I:
                         Prevê o apoio na validação dos conteúdos técnicos a incorporar no PGBH.

O contrato referido na alínea c) do ponto I envolve:
                         A estruturação, criação e redacção de guias e manuais de apoio ao licenciamento das utilizações privativas dos recursos hídricos do domínio público integrados nas bacias hidrográficas das RH 1, 2 e 3;
                         A definição, criação e redacção de procedimentos-administrativos-tipo relativos ao licenciamento de utilizações privativas dos referidos recursos hídricos;
                         A definição, criação e redacção de critérios e modelo de hierarquização de prioridades para utilizações privativas concorrenciais relativas a um tipo de utilização dos referidos recursos hídricos;
                         A análise e definição da importância da atribuição de títulos de licenciamento e concessão de captações de água para produção de energia eléctrica e respectivo impacte no âmbito dos PGBH e das RH 1, 2 e 3;
                         O acompanhamento da definição do portal informático para acesso à documentação, procedimentos-tipo, critérios e condicionantes de licenciamento das utilizações privativas dos referidos recursos hídricos.

O contrato referido na alínea d) do ponto I inclui:
                         A identificação das disponibilidades existentes e das necessidades da ARH do Norte em matéria de recursos humanos;
                         A definição da quantidade e do perfil mais adequado de recursos humanos a contratar pela ARH do Norte para execução dos PGBH;
                         A identificação das necessidades de formação relativamente aos recursos humanos existentes;
                         O apoio à tramitação e decisão dos procedimentos administrativos e necessários à formação dos actos administrativos ou contratos que enquadrem a alocação desses meios humanos;
                         A determinação e hierarquização de soluções organizacionais alternativas;
                         O apoio à modelação da organização e funcionamento da ARH do Norte, reflectidas na definição de uma Visão e Missão Estratégica articulada com as diversas estruturas e órgãos das distintas Regiões Hidrográficas 1, 2 e 3, sede e Gabinetes.

Constata-se, assim, que todos os contratos declaram orientar-se para a elaboração dos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica (PGBH), sendo isso especialmente evidente nos casos dos contratos referidos nas alíneas a) e b) do ponto I (Interessa-nos aqui o que consta expressamente dos contratos, pois é isso que é relevante para efeitos da sua fiscalização prévia. Os alegados lapsos na descrição do objecto deles constante ou os desvios na sua execução não relevam nesta sede).
Mas constata-se também que os contratos em referência incluem serviços jurídicos e serviços não jurídicos.
Nomeadamente, são serviços de natureza prevalentemente não jurídica a elaboração de manuais de procedimentos, a criação de modelos de apoio à decisão, incluindo a definição de critérios e hierarquização de prioridades, a análise da importância e do impacto da atribuição de títulos de licenciamento, a análise dos recursos humanos existentes, a definição da quantidade e perfil de recursos humanos a contratar, a definição das necessidades de formação e a análise e proposta de modelos organizacionais.
É claro que o direito regula toda a actividade humana e é sempre possível invocar que a elaboração dos documentos em causa e as opiniões a formular envolvem a aplicação de normas jurídicas. Mas também isso sempre sucederá na elaboração de um projecto técnico de engenharia, em que a lei regula o respectivo conteúdo necessário e um conjunto variado de padrões técnicos a observar, não sendo por isso que esse projecto passa a ser qualificado como um serviço jurídico.
Os serviços que referimos são qualificáveis como serviços de consultoria em gestão e alguns deles como serviços de consultoria em matéria de gestão de recursos humanos, não estando de modo algum reservados a advogados.
Os contratos que, de forma mais evidente, incluem estes serviços não jurídicos são os contratos referidos nas alíneas c) e d) do ponto I.
3.6. Do regime pré-contratual a aplicar aos serviços contratados
Como referimos, e independentemente das especificidades de cada um, todos os contratos se destinam à criação e redacção de conteúdos técnico-jurídicos a incorporar nos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica (PGBH), sendo mesmo propósito do contrato referido na alínea a) do ponto I a estruturação, fundamentação, criação e redacção do conteúdo e forma jurídica finais dos PGBH e a elaboração, criação e redacção do projecto de Resolução do Conselho de Ministros que aprova os PGBH e definição dos elementos que a acompanham.
Estes Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica são inquestionavelmente planos de ordenamento do território.
Nos contratos que ora nos ocupam está, pois, inequivocamente em causa a aquisição de serviços para a elaboração de planos no domínio do ordenamento do território.
Ora, nos termos do n.º 4 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos, para a elaboração de um plano no domínio do ordenamento do território está proibido o recurso ao ajuste directo ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo.
Ou seja, mesmo que consideremos estar perante serviços de natureza intelectual ou jurídica48, e que não descortinemos as especificações ou critérios a utilizar, a lei é peremptória: não podemos utilizar o ajuste directo. Teremos de encontrar uma forma de escolha mais aberta.
Pode sempre tentar invocar-se que estes contratos não se destinam a elaborar especificamente um plano de ordenamento do território, mas apenas a apoiar juridicamente a sua elaboração. Seriam, assim, meramente acessórios da elaboração desse plano.
Como consta dos processos e da lei, compete exclusivamente à ARH do Norte elaborar os Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica, sendo essa uma das suas atribuições.
Mas, conforme também consta dos processos, os referidos planos envolvem diversas valências e áreas temáticas e integram a definição do respectivo modelo legal e institucional, tendo a ARH do Norte considerado que, face ao seu nível actual de capacitação, necessitava de adquirir externamente serviços no âmbito dessas várias valências, incluindo a jurídica.
Não é pelo facto de os contributos necessários à elaboração dos planos terem sido parcelados por diversos contratos de aquisição de serviços, em função das várias valências necessárias, que devemos deixar de aplicar a norma constante do n.º 4 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos.
De facto, tanto se justifica a proibição de ajuste directo para a elaboração integral de um plano de ordenamento do território, como para a elaboração de partes desse plano, como para a assessoria na elaboração desse plano.
De resto, o contrato a que se refere a alínea a) do ponto I é aquele que se destina à elaboração da versão final e formal dos planos em causa e, portanto, o que mais se aproxima da descrição legal.
O nível de confiança técnica que se exige é muito próximo daquele que se deve ter em quem se delega a elaboração integral de um plano.
Quando se delegue a elaboração integral de um plano deste tipo deve até garantir-se um nível maior de confiança técnica, pois não se está no controlo da situação. E, ainda assim, não é legalmente possível recorrer a um ajuste directo.
Por maioria de razão, não o deve ser se adquirirmos serviços parcelares destinados ao mesmo fim.
Nesta segunda hipótese deve seguir-se, obviamente, o mesmo regime, até para salvaguardar o efeito útil da norma proibitiva e prevenir que a mesma seja contornada de forma artificial.
Por outro lado, e como também já assinalámos, os contratos a que se referem as alíneas c) e d) do ponto I, incluem a aquisição de serviços de consultoria em gestão, os quais estão indicados no Anexo II A da Directiva n.º 2004/18/CE. Ora, nos termos do n.º 3 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos e do artigo 30.º da Directiva, essa circunstância impede também a adopção do ajuste directo.
Mas, mesmo que assim não fosse, e na parte em que eventualmente assim não seja, estariam verificados os pressupostos de aplicação da excepção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos, invocada como autorizadora do ajuste directo?
3.7. Da fundamentação para a aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos
A norma em referência refere que pode adoptar-se o ajuste directo para a aquisição de serviços quando a natureza das respectivas prestações não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam qualitativamente definidos atributos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º, e desde que a definição quantitativa, no âmbito de um procedimento de concurso, de outros atributos das propostas seja desadequada a essa fixação, tendo em conta os objectivos da aquisição pretendida.
Vejamos se se encontra demonstrada nos casos a verificação destes requisitos.
Conforme ressalta do exposto nas várias alíneas do ponto II, e do teor dos documentos e dos contratos, foram definidos, para cada contrato, as principais áreas em que a assessoria da adjudicatária deveria desenvolver-se, sem prejuízo de não serem identificáveis em pormenor todas as intervenções concretamente necessárias.
Trata-se de uma situação relativamente comum nos serviços de consultoria e assessoria, mesmo de natureza não jurídica, como são os casos da consultoria de gestão e da consultoria científica e técnica, abrangidos no Anexo II A da Directiva 2004/18/CE.
Não obstante isso conduza a dificuldades na descrição exaustiva dos trabalhos a desenvolver, tal não impede uma descrição dos parâmetros que devem balizar esses trabalhos, tais como as matérias que devem abranger, os critérios a que devem obedecer, os prazos de resposta e os produtos que devem ser presentes.
São especificações desse tipo que constaram dos cadernos de encargos dos presentes procedimentos.
Por isso, e como se refere no documento a que alude a alínea w)i do ponto II, o valor contratual foi determinado, não com base no preço de cada um dos trabalhos a desenvolver, mas por referência a um número de horas de serviços jurídicos prestados e a um determinado valor hora desses serviços jurídicos.
Tal circunstância não impede, por si, a comparação de propostas, como terá, aliás, de suceder em consultorias abrangidas no referido Anexo II A da Directiva 2004/18/CE.
Como se dá nota nas alíneas e) e t) do ponto II, o objectivo da ARH do Norte foi escolher o co-contratante exclusivamente em função da qualidade intrínseca da prestação.
No entanto, a ARH do Norte considerou que essa qualidade não poderia ser revelada pelos atributos da proposta.
Eis a primeira afirmação não demonstrada e que é um pressuposto de aplicação da norma legal invocada.
Porque é que os atributos da proposta não podiam ser, no caso, critério de apreciação da respectiva qualidade?
O que é que diferencia estes casos de um outro contrato para aquisição de serviços no âmbito do Plano de Gestão das Bacias Hidrográficas do Norte,
recebido neste Tribunal49, e referente a serviços de análise económica, no qual a ARH do Norte realizou um concurso público e propôs-se avaliar a qualidade técnica das metodologias propostas, a qualidade das equipas técnicas propostas e o preço proposto?
Nos presentes casos, a ARH do Norte considerou que a pretendida qualidade das prestações só podia ser deduzida das qualidades técnicas pessoais do proponente, únicas que lhe poderiam gerar confiança na qualidade do serviço.
Mais entendeu que as qualidades técnicas pessoais do proponente só poderiam ser aferidas pela sua experiência, pelo seu currículo e pela confiança que eles lhe inspiram.
A ARH do Norte invocou ainda que só podia percepcionar essas qualidades pessoais com base no que ela própria conhece do prestador de serviços e com base na confiança subjectiva que nele deposita50. Porquê? Não explicita.
A entidade afirma que não podia avaliar a aptidão técnica do prestador de serviços com base em elementos objectivamente mensuráveis. No entanto, invoca como justificação para a escolha do mesmo a sua experiência em trabalhos de natureza técnico jurídica relativos à elaboração do Plano Nacional da Água, do Plano Regional da Água da Região Autónoma dos Açores, no processo de implementação das Administrações de Região Hidrográfica criadas pela Lei da Água, bem como em trabalhos relativos a matéria de emprego público, “que lhe conferem especial aptidão para a execução do objecto das prestações de serviços a contratar51. Todos estes elementos são objectivamente mensuráveis.
Admite-se que nos serviços de natureza intelectual, a avaliação da aptidão técnica do prestador de serviços seja, para o adquirente, a forma mais fiável de prever a qualidade das prestações a adquirir. E que, por isso, a entidade pública prefira avaliar essa aptidão técnica a avaliar aspectos da proposta, que poderiam redundar em apreciações meramente formais de documentos sem conteúdo verdadeiramente relevante para as aquisições em causa.
Admite-se também que a avaliação da aptidão técnica do prestador de serviços não pode integrar os elementos de definição do critério da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos previstos para os concursos.
Mas não pode concluir-se daí que a mera percepção subjectiva dessa aptidão técnica seja legalmente reconhecida como critério de escolha e adjudicação.
Em primeiro lugar, a aptidão técnica só é reconhecida como único critério de escolha pelo artigo 24.º, n.º 1, alínea e), do Código dos Contratos Públicos, e pelo artigo 31.º, n.º 1, alínea b) da Directiva 2004/18/CE. Ora, estes preceitos só o admitem para as situações em que apenas um operador económico determinado detenha a aptidão necessária para a execução do contrato, excluindo, portanto, essa possibilidade nos restantes casos.
Ora, não é claramente essa a situação no caso, em que, como a própria ARH do Norte reconhece, há vários operadores económicos a fornecer os serviços.
Em segundo lugar, em inúmeras situações em que a avaliação da aptidão técnica do prestador seria adequada e em que a questão da confiança subjectiva no prestador se podia equacionar, o legislador afastou expressamente a possibilidade de essa avaliação ser feita de forma puramente subjectiva e de fundar uma atribuição directa.
É claramente o caso das criações conceptuais previstas no artigo 27.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos e dos serviços indicados no Anexo II A da directiva.
Por outro lado, o legislador previu a possibilidade de incluir nos processos concorrenciais a definição de requisitos de qualificação técnica dos concorrentes, permitindo definir patamares desejáveis de qualidade técnica e afastar os concorrentes que não os satisfaçam.
Esses requisitos podem ser aferidos por parâmetros curriculares, referenciados a matérias trabalhadas, respectiva extensão e resultados.
Tendo a ARH do Norte definido as valências do Direito importantes para cada contrato53, não demonstra a mesma porque é que não podia ter definido requisitos mínimos de currículo e experiência nessas valências, de modo a seleccionar vários potenciais prestadores dos serviços.
Tanto mais que reconhece que os objectos contratuais implicam um grau de pluridisciplinaridade e especialidade que não se pode encontrar numa só pessoa, que os contratos eram susceptíveis de suscitar a diferentes destinatários o interesse em contratar, e que as sociedades de advogados, enquanto estruturas empresariais e profissionais multifacetadas, respondem aos diferentes segmentos de negócio envolvidos.
Ora, tudo isso são razões para promover o concurso de vários proponentes, capazes de apresentar diversas valências e experiências.
Invocou a entidade que a sociedade escolhida tem uma especial aptidão para a execução dos serviços em apreço, atendendo à sua experiência técnico-jurídica nos domínios em causa, designadamente relativos ao domínio público hídrico e a matérias de emprego público.
Fica por demonstrar que outros prestadores e outras sociedades não tivessem aptidão equivalente.
Tanto mais que não lhes foi dada a oportunidade de o demonstrar.
Tanto mais que os serviços deverão ser prestados por um número variável de colaboradores indeterminados de diferentes níveis de qualificação55, sendo eventualmente comparável a dimensão, composição, qualificação e experiência das equipas propostas.
E não se diga que para a aquisição de serviços de assessoria jurídica só faz sentido a escolha directa do prestador de serviços, já que qualquer outro tipo de procedimento pré-contratual “pode potencialmente conduzir a entidade adjudicante a iniciar uma relação contratual com um prestador em quem não deposita a sua confiança”.
Estamos perante matéria de simples assessoria, nalguns casos de natureza corrente, para a qual uma qualificação técnica pode trazer confiança suficiente.
Refira-se, aliás, que, como já vimos, a referida assessoria deve, em circunstâncias normais, ser desenvolvida por recursos humanos próprios da entidade pública. Estes recursos humanos estarão ao abrigo de relações jurídicas de emprego público, as quais só podem ser constituídas na sequência de concursos públicos. Não é por isso que, nesse cenário, deixaria de haver confiança.
Para além disso, não está demonstrado que no caso concreto a confiança técnica não fosse avaliável por elementos curriculares, que, de resto, precisamente se invocaram para a concreta escolha feita57.
Foi invocado que a prioridade da entidade adjudicante consistia na obtenção de serviços de elevada qualidade e não na escolha do serviço em função do preço mais baixo ou do prazo mais curto, razão pela qual os critérios de natureza quantitativa não eram supostamente adequados à escolha das propostas.
Admitindo-se que o critério do preço pudesse não ser o único a relevar, afigura-se, no entanto, que o mesmo não poderia ser afastado de uma escolha como aquela que estava envolvida nas presentes contratações, pois que, como já referimos, a própria lei manda atender na contratação externa a parâmetros de eficiência, que, pela sua própria natureza, implicam a avaliação de custos.
Ademais, o disposto no artigo 42.º, n.º 6, alínea c), da Lei de Enquadramento Orçamental impõe, como já referimos, que nenhuma despesa possa ser autorizada ou paga sem que satisfaça os princípios da economia e da eficiência, pelo que os critérios ligados ao custo dos serviços não podem ser completamente arredados dos processos de escolha e compra dos mesmos.
Uma combinação de requisitos de qualificação técnica do prestador com critérios quantitativos de avaliação da proposta poderia ser adequada.
Finalmente, mesmo que ficasse demonstrado, que não ficou, que era impossível a definição de atributos adequados à definição de um critério de adjudicação nos termos dos procedimentos rígidos fixados, os princípios já acima identificados apontam para a necessidade de assegurar adequados níveis de transparência e concorrência, o que, face aos significativos valores envolvidos e à existência de mercado no sector, não é compatível com um ajuste directo sem qualquer consulta ou negociação.
A falta de obtenção ou procura de outras propostas conduziu, por outro lado, à aceitação simples do que foi proposto pela única sociedade convidada, sem que tenha ocorrido qualquer negociação para obtenção de melhores condições, nomeadamente financeiras.
Em suma, considera-se que a impossibilidade de definir e utilizar atributos qualitativos e quantitativos para a escolha da proposta, estando afirmada, não está suficientemente demonstrada em termos de poder conduzir a uma escolha dirigida a um único prestador de serviços.
4. Do regime de pagamentos.
Os contratos têm um prazo de 18 meses, as prestações vão sendo executadas ao longo desse tempo e são, em princípio, “medidas” em função do número de horas de serviços prestados.
Ora, verifica-se que o plano de pagamentos, consagrado na cláusula 12.ª dos contratos, conduz a que 30% do preço contratual seja pago com o início dos trabalhos e que 60% esteja pago ao fim de apenas 2 meses de execução contratual.


Tal aponta para o pagamento de prestações ainda por realizar, pelo menos no que respeita à primeira prestação.
De facto, o primeiro pagamento de 30% foi, em todos os contratos, efectuado com o início dos trabalhos, contra a entrega do respectivo Relatório de Metodologia, o qual, como se constata da alínea w) do probatório, consubstancia apenas uma definição genérica do desenrolar dos trabalhos. Por outro lado, considerando que o preço contratual corresponde a um determinado número de horas de prestação de serviços, e que esse valor foi pago no início, não se pôde verificar a proporcional prestação das correspondentes horas.
Foram, assim, pagos, no total dos quatro contratos, 405.480 sem contrapartida em prestações realizadas de igual valor, o que consubstancia uma violação do disposto no artigo 292.º do Código dos Contratos Públicos, uma vez que não foi prevista qualquer caução para estes adiantamentos.
O segundo pagamento pode ainda ser violador do disposto na alínea a) do n.º 1 do referido artigo 292.º, por exceder a percentagem máxima prevista para os adiantamentos.
5. Da relevância das ilegalidades verificadas
Conforme decorre do exposto, nas contratações em causa verificaram-se as seguintes ilegalidades:
                         Recurso à contratação externa de serviços de assessoria jurídica sem que se mostrem verificados os pressupostos estabelecidos nos artigos 5.º, n.º 2, e 33.º, n.º 3, da Lei–quadro dos Institutos Públicos e em violação do disposto no artigo 9.º, n.º 6, da Lei n.º 58/2005 e no artigo 42.º, n.º 6, alínea c), da Lei de Enquadramento Orçamental;
                         Contratação de serviços por ajuste directo, com violação do disposto no artigo 27.º, n.º 1, alínea b), n.º 3 e n.º 4, do Código dos Contratos Públicos, dada a natureza dos serviços envolvidos e a insuficiente fundamentação e demonstração da verificação dos pressupostos legais para o recurso a essa modalidade de adjudicação;
                         Violação dos princípios da igualdade, concorrência e transparência, resultantes dos Tratados europeus e da Constituição e lei portuguesas;
                         Violação do disposto no artigo 292.º do Código dos Contratos Públicos, no que s refere ao pagamento adiantado do preço.
As ilegalidades verificadas implicam a susceptibilidade de alteração do resultado financeiro dos procedimentos.
Isto é, se não tivessem ocorrido as violações de lei referidas, é possível que tivessem sido obtidos resultados diferentes, com melhor protecção dos interesses financeiros públicos.
Enquadram-se, pois, tais violações no disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC, quando aí se prevê, como fundamento para a recusa de visto, “ilegalidade que … possa alterar o respectivo resultado financeiro.”
Sublinhe-se que, para efeitos desta norma, quando aí se diz “[i]legalidade que (…) possa alterar o respectivo resultado financeiro” pretende-se significar que basta o simples perigo ou risco de que da ilegalidade constatada possa resultar a alteração do respectivo resultado financeiro.
As normas acima indicadas são, ainda, normas de protecção dos interesses financeiros públicos, pelo que igualmente se verifica a violação de normas financeiras referida na alínea b) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.
Há pois fundamentos para recusa do visto.

                        IV. DECISÃO

Pelos fundamentos indicados, e nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 44.º da Lei nº 98/97, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto aos contratos acima identificados.
São devidos emolumentos nos termos do artigo 5º, n.º 3, do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas59.
Lisboa, 3 de Novembro de 2010
Os Juízes Conselheiros,
(Helena Abreu Lopes - Relatora)
(Alberto Fernandes Brás)
(João Figueiredo)
Fui presente
(Procurador Geral Adjunto)
(Daciano Pinto)

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