terça-feira, 22 de novembro de 2011

PRAZO PARA IMPUGNAR NORMAS DO PROGRAMA DE UM CONCURSO.

Proc. 7056.11 TCAS

PRAZO PARA IMPUGNAR NORMAS DO PROGRAMA DE UM CONCURSO.

O prazo de um mês para impugnar normas do programa de um concurso conta-se a partir do conhecimento dessas normas, não a contar da adjudicação


Recorrente: N….. – Sociedade Nacional de ……………., Lda e S……….. e Alimentação, Lda..
Recorrido: ANCP – Agência Nacional de Compras Públicas, EPE.
Contra-interessados:
Vem o presente recurso interposto da Sentença de fls. 520, que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção, absolvendo a requerida do pedido.
Foram as seguintes as conclusões da recorrente:
1- As ora Recorrentes intentaram uma acção de contencioso pré-contratual de impugnação de normas do programa do concurso limitado aberto pela ora Recorrida ANCP, para o fornecimento de refeições confeccionadas e invalidação de todos os actos procedimentais consequentes, maxime decisão de qualificação e posteriormente, por ampliação do pedido, admitida pelo Tribunal a quo, o acto de adjudicação e o acordo quadro celebrado.
2- Nessa acção as Recorrentes vieram impugnar a validade dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira, constantes dos artigo 7° e 8° do Programa de Concurso, bem como a validade de todos os actos procedimentais consequentes que tomavam como pressuposto tais requisitos mínimos.
3- A entidade Recorrida e a contra-interessada, nas suas contestações, suscitaram a questão prévia da caducidade do direito de acção, à qual o Tribunal a quo deu provimento, por supostamente ter decorrido o prazo de impugnação das ilegalidades das peças procedimentais.
4- Essa Douta Sentença do Tribunal a quo padece, em primeiro lugar, de erro na apreciação da matéria de facto, pois é notória a ausência, na matéria de facto dada como provada, da data na qual as Recorrentes tomaram conhecimento da decisão de qualificação proferida no âmbito do Concurso Limitado aberto pela Recorrida.
5- A data desse conhecimento — 6 de Maio de 2010, conforme doc. 14 junto à PI — encontra-se suficientemente comprovada nos autos, por documento não posto em causa pela Recorrida ou pela contra-interessada, não sendo contrariada por quaisquer outros elementos de prova constantes do processo, de modo que deverá ser acrescentada pelo Douto Tribunal ad quem à matéria de facto considerada provada, nos termos do art. 712°, n.° 1, alínea b), do CPC, aplicável ex vi art. 1° do CPTA.
6- Em segundo lugar, entendem as Recorrentes que a Douta sentença padece do vício de erro de julgamento na aplicação do Direito (neste caso dos artigos 101° e 51°, n.° 3, do CPTA) ao caso concreto.
7- O Tribunal a quo, depois de considerar aplicável ao prazo de impugnação das normas das peças procedimentais o art. 101° do CPTA, refere que "no caso concreto, o conhecimento advém da publicação, nomeadamente da publicação de anúncio ou programa de concurso (...)", concluindo que "a data relevante para início da contagem de prazo de impugnação das normas concursais referidas não pode, em caso algum, ultrapassar a data em que terminou o prazo para a apresentação das candidaturas".
8- Para o Tribunal a quo, não tendo impugnado as peças procedimentais nesse prazo de um mês a partir, o mais tardar, do final do prazo de candidaturas, também não poderiam as Recorrentes impugnar os actos do procedimento praticados na sequência e ao abrigo de tais normas.
9- As questões a decidir pelo Tribunal eram, e são, as seguintes:
(i) E aplicável o prazo de impugnação de um mês constante do art. 101° do CPTA à impugnação dos vícios das peças procedimentais identificados pelas Recorrentes?
(ii) Admitindo, para efeitos de raciocínio, que a resposta à pergunta anterior é positiva, qual o termo inicial desse prazo?
(iii) Mesmo admitindo, para efeitos de raciocínio, com base nas respostas às questões anteriores, que o prazo de impugnação das ilegalidades das peças procedimentais já tinha decorrido quando a acção foi proposta, isso prejudica a impugnação da decisão de qualificação, dos demais actos subsequentes do procedimento, maxime a decisão de adjudicação, e ainda do contrato celebrado na sequência do procedimento?
10- Em resposta à primeira questão, o prazo do art. 101° do CPTA deve ser considerado inaplicável ao caso da impugnação de normas das peças procedimentais, por duas razões.
11- A primeira razão: porque isso seria manifestamente contrário ao princípio da legalidade e ao regime geral do desvalor das normas administrativas ilegais (art. 74° do CPTA, apontando para a nulidade do regulamento ilegal), e por aproximação ao regime da nulidade do acto pré-contratual, que, de acordo com a melhor Doutrina (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, MARIA JOÃO ESTORNINHO, PEDRO GONÇALVES, ANDRÉ SALGADO DE MATOS), pode ser invocada a todo o tempo, em homenagem à gravidade do vício que a causa.
12- A segunda razão: porque o próprio art. 101° do CPTA claramente marca a sua aplicação, exclusivamente, a actos pré-contratuais, ou seja, ao estabelecer-se o prazo de um mês para a impugnação dos actos praticados no âmbito do procedimento pré-contratual, não pode, em nenhum sentido que tenha um mínimo de correspondência com a letra da lei, ser entendido como abrangendo também o regulamento administrativo que é o programa de concurso. A Doutrina e o próprio aresto citado na Douta Sentença de que ora se recorre entendem que o art. 101°, pelo menos na letra, limita a sua aplicação a "actos", e não a normas.
13- Em resposta à segunda pergunta, equacionada somente para efeitos de raciocínio, mesmo que se admitisse a aplicação do prazo do art. 101° do CPTA, surgiria o problema de saber como conciliar a exigência de segurança jurídica com a exigência de cumprimento do princípio da legalidade, particularmente em causa aqui, porque o programa é um regulamento administrativo (art. 41° do Código dos Contratos Públicos) e por isso terá de ser vista como excepcional a inimpugnabilidade das suas normas.
14- Ora, a natureza do programa responde à questão de saber até quando, no limite, as suas normas podem ser impugnadas autonomamente: tratando-se de um regulamento administrativo, que vigora durante todo o tempo do procedimento, poderá ser impugnado durante o tempo em que ele ainda pode levar à produção de efeitos lesivos, isto é, enquanto ainda puder constituir o fundamento jurídico de actos praticados no âmbito do procedimento pré-contratual que esse documento rege.
15- O que significa que as peças procedimentais são autonomamente impugnáveis até, pelo menos, o ser o acto definitivo, ou seja, tendencialmente, até um mês após ser eficaz o acto que põe termo ao procedimento.
16- E no caso sub iudice as Recorrentes propuseram a presente acção de contencioso pré-contratual numa fase bem anterior ao acto de adjudicação, e dentro do prazo de um mês a partir do momento em que tomaram conhecimento da decisão de qualificação.
17- Andou mal o Tribunal a quo nesta matéria, tendo hesitado entre duas teses sobre o momento inicial da contagem do prazo, ambas erróneas e levando a consequências caricatas, salvo o devido respeito.
18- A primeira tese do Tribunal a quo, de começar a contar o prazo a partir da publicação, teria como consequência que o prazo de impugnação contenciosa das peças procedimentais terminaria antes do prazo para apresentação de candidaturas (!), o que significa que o prazo poderia terminar quando o interessado ainda nem sequer tinha lido as peças todas, como nota RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA.
19- A segunda tese do Tribunal a quo, de começar a contar o prazo a partir do termo do prazo de apresentação das candidaturas, significaria, tendo em conta o art. 187°/1 do CCP, que poderia ficar precludida a impugnação autónoma das peças procedimentais antes sequer de a entidade adjudicante praticar o primeiro acto de aplicação das peças procedimentais, que é, precisamente, a decisão de qualificação (ou de não qualificação) (!).
20- Por fim, a resposta à terceira questão referida supra não pode deixar de ser que mesmo que se admitisse que já tinha decorrido o prazo de impugnação das manifestas ilegalidades das peças procedimentais, isso nunca pode levar à conclusão pela inimpugnabilidade dos actos procedimentais e do próprio contrato, pelo menos numa situação como a dos autos.
21- A Doutrina (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS FERNANDES CADILHA; PEDRO GONÇALVES; RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA) é consensual no entendimento de que a possibilidade de impugnação autónoma das peças procedimentais é uma faculdade, um plus, aberto aos interessados, e não um ónus de impugnação.
22- Pelo que a não utilização dessa faculdade nunca poderá ser invocada como fundamento para a impossibilidade de impugnação das decisões do procedimento, se elas são viciadas pela ilegalidade das peças.
23- Neste caso, não pode haver dúvidas de que as manifestas ilegalidades das peças procedimentais são plenamente aptas a limitar de forma inaceitável a concorrência que era devida neste procedimento, e que a Recorrida invalidamente limitou, e consequentemente, viciam quaisquer actos decisórios deste procedimento.
24- Pelo que não pode aceitar-se que a restrição ilegal do universo concorrencial nas peças procedimentais possa "convalidar-se", quanto mais "convalidar-se" antes ainda, sequer, de ter sido proferida a decisão final do procedimento, como resulta da Sentença do Tribunal a quo.
25- O Tribunal a quo decidiu, pura e simplesmente, que por mais grave que seja a invalidade da peça procedimental, a sua não impugnação em um mês não só torna inimpugnável autonomamente as próprias peças, mas legitima todos os actos procedimentais posteriores, mesmos que eles próprios ainda sejam impugnáveis, como o eram.
26- O art. 51°/3 do CPTA é, sem razão, invocado na Douta Sentença, mas nem a sua letra — que se refere a "actos" de exclusão — e muito menos o seu espírito podem, sem um completo desrespeito pelo Direito vigente, ser interpretados como precludindo o direito de impugnar os actos procedimentais só por não se ter utilizado a faculdade que é a impugnação autónoma das peças.
27- Ao decidir como decidiu, com efeito, o Tribunal a quo criou um novo pressuposto processual de acesso à tutela impugnatória das decisões procedimentais: o prévio exercício da impugnação autónoma das peças procedimentais.
28- Se a tese do Tribunal a quo tivesse vencimento, a entidade recorrida beneficiaria duplamente com a fixação de requisitos de qualificação ilegais, pois bastaria a sua não impugnação num prazo curto de um mês para já não se poder pôr em causa os actos procedimentais proferidos no procedimento cujo universo concorrencial foi restringido em tão frontal desconformidade com as regras nacionais e comunitárias, incluindo requisitos de qualificação baseados na prévia experiência neste ou naquele local de Portugal, que são evidentemente desconformes com as mais básicas exigências de igualdade, concorrência e não discriminação.
29- De tudo o que fica dito conclui-se ainda que, como reconhecem (PEDRO GONÇALVES, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS FERNANDES CADILHA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e o próprio STA, no aresto citado na decisão recorrida, o quadro normativo aplicável à questão de saber se o prazo do art. 101° do CPTA é aplicável à impugnação contenciosa dos documentos conformadores e em caso afirmativo, qual o termo inicial desse prazo, é manifestamente ambíguo, não podendo as Recorrentes ser prejudicadas por uma falha do legislador.
30- Assim, deve recorrer-se ao art. 58°/4/b) do CPTA, (aplicável ao contencioso pré-contratual ex vi art. 100°/1 CPTA), que estabelece um regime de tolerância para aqueles casos onde o legislador foi manifestamente inconclusivo e ambíguo no estabelecimento de um regime jurídico em matéria de prazo. Como entendem VIEIRA DE ANDRADE e PEDRO GONÇALVES, a norma deve ser adaptada quando aplicada ao contencioso pré-contratual, no sentido de se considerar que em vez do prazo de um ano, poderá aplicar-se o art. 58°/4/b) se ainda não tiver sido celebrado o contrato; ora a acção interposta pelas Recorrentes foi posta bem antes da adjudicação e quase dois meses antes da celebração do acordo quadro.
31- Ao mesmo resultado também conduz a aplicação do princípio pra actione, consagrado no art. 7° do CPTA.
Foram as seguintes as conclusões da recorrida ANCP – Agência Nacional de Compras Públicas, EPE.:
A) Foi dado como provado pelo Tribunal a quo (cfr. págs. 9 e ss. da douta sentença recorrida) que as Recorrentes impugnaram, nos presentes autos, "normas do programa do Concurso limitado por prévia qualificação para a celebraçâo de acordo quadro para o fornecimento de refeições confeccionadas.
B) As Recorrentes colocam em causa a validade, quer dos requisitos de capacidade técnica relativos à "experiência territorial" e ao "número de trabalhadores", constantes do art. 7.° do PC, quer dos requisitos de capacidade financeira previstos no art. 8.° do PC, respeitantes à "divisão em lotes" do Acordo Quadro e à criação de um "valor estimado para os contratos a celebrar".
C) E peticionaram, entre o mais, que fosse "declarada a invalidade dos requisitos de capacidade técnica e financeira contidos nos artigos 7o e 8o do Programa de Concurso, pelas razões acima indicadas", sendo os restantes pedidos formulados uma mera consequência da eventual procedência daquela alegada invalidade, dado estarem entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência.
D) Ou seja, não só ambicionavam discutir, nos presentes autos, por impugnação directa, a legalidade das referidas normas do Concurso, como pretendiam ver decretada a sua invalidade e, indirectamente, a do próprio procedimento pré-contratual.
E) Logo, no processo de contencioso pré-contratual intentado nos termos do art. 100.° do CPTA, as Recorrentes pretendiam obter, directamente, ao abrigo do disposto no n.° 2 do referido preceito, a "declaração de invalidade" dos arts. 7.° e 8.° do PC (ambicionando, ainda que indirectamente, mas de forma completamente ilegítima e ilegal, atacar o acto de qualificação, entretanto, praticado, bem como impedir a Recorrida de celebrar o Acordo Quadro).
F) Com efeito, a causa de pedir em que se baseia a pretensão das Recorrentes assenta, exclusivamente, em factos e argumentos jurídicos que visam demonstrar - porém, sem sucesso - a ilegalidade das especificações constantes do PC, no que tange aos requisitos mínimos de capacidade técnica e de capacidade financeira a cumprir pelos Candidatos.
G) Assim, discutindo-se nestes autos, somente, a validade das exigências constantes dos arts. 7 ° e 8 ° do PC, é a acção de contencioso pré-contratual o meio processual próprio, e o único adequado, para impugnar, a título principal, as referidas normas do programa do procedimento (cfr. o citado art. 100.° do CPTA).
H) Do acima exposto, resulta manifesto que o aludido prazo de impugnação contenciosa não representa uma faculdade para o interessado, face ao teor dos citados arts. 100.° e 101.° do CPTA e atentos os fins visados com o referido instrumento processual específico.
I) Contudo, este meio processual específico, imperativo no caso vertente, está sujeito a um prazo curto, ou seja, 'deve ser intentado no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto" (cfr. art. 101.° do CPTA e, sobre esta matéria, o Acórdão desse Venerando Tribunal de 29.01.2009, Proc. N.° 04218/08, bem como os arestos do STAde 06.2.2007, Proc. N.° 598/06, e de 12.12.2006, Proc. N.° 528/06, todos in www.dqsi.pt.).
J) Assim, na falta de notificação, o conhecimento do acto é o momento relevante para o início da contagem do prazo em relação aos particulares interessados.
K) Nesses casos, e no que aqui releva, o conhecimento advém da publicação, nomeadamente da publicação de anúncio ou programa de concurso, por força do disposto no art. 59.° aplicável ex art. 100.°, n.° 1, ambos do CPTA.
L) Ora, o presente Concurso foi publicitado através dos Anúncios: n.° 2009/S 241-344855, publicado no JOUES de 15.12.2009, e n.° 5598/2009, publicado no Diário da República, 2a Série, n.° 240, de 14.12.2009.
M) Atendendo ao anteriormente exposto, a data relevante para início da contagem do prazo de impugnação é 14.12.2009.
N) Deste modo, o prazo para impugnação das peças concursais terminou em 14.01.2010 (cfr. art. 101.° do CPTA).
O) Com efeito, nos termos dos arts. 100.°, n.° 2, e 101.do CPTA, as Recorrentes dispunham apenas de um mês para impugnarem os referidos arts. 7.° e 8.° do PC, sob pena de caducidade do direito de acção (cfr. neste sentido, o citado Acórdão do TCA Sul, de 29.01.2009, Proc. N.° 04218/08, in www.dgsi.pt).
P) Note-se que os processos de contencioso pré-contratual tem carácter urgente (cfr. art. 36.°, n.° 1, al. b), do CPTA), correndo, por isso, em férias (cfr. n.° 2 do citado art. 36.°).
Q) Nesta conformidade, em 07.06.2010, data da propositura da acção principal de contencioso pré-contratual (e em que também foi apresentada uma providência cautelar), já o direito das Recorrentes a impugnar directamente ou a invocar a ilegalidade dos arts. 7.° e 8.° do PC se encontrava extinto por caducidade (pelo menos, a partir de 14.01.2010).
R) Assim, não tendo exercitado esse seu direito no prazo devido, tal direito extinguiu-se por caducidade, não podendo vir agora exigir a esse Venerando Tribunal que declare a invalidade dos arts. 7.° e 8 do PC, ou tão pouco que declare a eliminação das exigências técnicas neles constantes.
S) E nem sem se afigura verosímil dizer que o prazo de um mês previsto no art. 101.° do CPTA não é aplicável à impugnação das peças do procedimento, uma vez que, conforme se demonstrou nestas Contra-Alegações, os fins visados pelo legislador com a instituição do meio processual previsto no art. 100.° do CPTA, nomeadamente os que se prendem com a celeridade, estabilidade e segurança jurídica das relações contratuais entre a Administração e os particulares, valem mutatis mutandis quer para a impugnação dos actos administrativos relativos a formação dos contratos quer para a impugnação das peças do procedimento, ou seja, os actos normativos pré-contratuais.
T) Aliás, atentos os fundamentos e as conclusões firmadas no recente Acórdão do STA, de 26.08.2009, Proc. N.° 471/09, in www.dgsi.pt, é possível concluir, com segurança, que o prazo para a impugnação de normas constantes das peças concursais - como no caso vertente - é o prazo de um mês fixado no art. 101do CPTA.
U) Saliente-se que a doutrina perfilha, nesta como em outras matérias, o entendimento jurisprudencial firmado, de modo praticamente uniforme, sobre as questões em discussão no presente recurso jurisdicional.
V) Note-se ainda que, ao nível, da jurisprudência dos Tribunais Superiores, a questão controvertida neste recurso tem sido reiteradamente decidida em sentido idêntico ao que foi perfilhado na douta sentença recorrida.
W) Face a tudo o que antecede, ê de concluir que a acção de contencioso pré-contratual intentada pelas Recorrentes, em 04.06.2010, é manifestamente extemporânea.
X) No caso vertente, deve rejeitar-se a aplicação do art. 58.°, n.° 4, do CPTA, uma vez que não existe nenhum motivo válido que justifique a sua aplicação, nem tal foi demonstrado pelas Recorrentes, ainda que indiciariamente.
Y) Com efeito, sendo leigos ou especialistas, "a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas." (cfr. artigo 6.° do CC).
Z) De acordo com a jurisprudência recente desse Venerando Tribunal (cfr. Acórdão de 02.06.2010, Proc. N.° 06014/10, in www.dgsi.pt), "o artigo 58°n.°4, al.b) do CPTA só é aplicável em situações de manifesta ambiguidade do quadro normativo, e não já em situações de mera complexidade jurídica. " - negrito nosso.
AA) Não existe o mínimo indício, sequer, que as Recorrentes tenham ficado impossibilitadas de reagir, em tempo útil, e de forma esclarecida, contra as normas do PC, cuja invalidade requerem, aliás, num arrazoado muito extenso — mas assente em pressupostos totalmente errados - , e no qual qualificam essas invalidades como sendo "manifestas"!
BB) Deste modo, atenta a clareza do quadro legal acima evidenciado, designadamente os arts. 100.° e 101.° do CPTA, não é de aplicar, ao caso vertente, o disposto no art. 58.°, n.° 4, do CPTA.
CC) Se assim não for - o que se admite como mero raciocínio, sem conceder a aplicação do citado art. 58.°, n.D 4, do CPTA, no caso dos autos, em nome do princípio pro actione, conduzirá ao afastamento de um regime processual de carácter imperativo que resulta da lei, como seja o do prazo de impugnação dos documentos conformadores do procedimento.
DD) Face ao exposto, verifica-se, nos presentes autos, a excepção dilatória insuprível da caducidade do direito de acção (prevista na ai. h) do n.° 1 do art. 89.° do CPTA), o que obsta ao prosseguimento do processo e implica a absolvição da instância da Recorrida e das Contra-lnteressadas (nos termos do disposto na al. e) do n.° 1 do art. 288.° do CPC aplicável ex vi do art. 1.° do CPTA).
EE) No tocante à impugnação directa de actos procedimentais, que as Recorrentes assumem ter efectuado em tempo, sempre se dirá que estas carecem, nesse ponto, de legitimidade activa para impugnar judicialmente tais actos da Recorrida, na medida em que não participaram no Concurso (cfr. neste sentido, o Acórdão desse Venerando Tribunal de 23.04.2009, Proc.c. N.° 04566/08 (in www.dqsi.pt).
FF) Sendo assim, como é, verifica-se também, no caso vertente, a excepção dilatória da "ilegitimidade activa", que é fundamento de rejeição da presente acção e obsta ao prosseguimento do processo, implicando a absolvição da instância da Ré e das Contra- Interessadas (cfr. arts. 89.°, n.° 1, ai. d), do CPTA, 493.°, n ° 2, 494.°, al. e), e288.°, n.° 1, ai. d), do CPC ex vi art. 1o do CPTA).
GG) Relativamente aos fundamentos da acção de contencioso pré-contratual, dá-se aqui por reproduzido, para todos os efeitos legais, o que foi alegado pela ora Recorrida, então Ré, nos artigos 56 a 205.° da Contestação apresentada no Tribunal a quo, onde se demonstrou, à saciedade, que as normas impugnadas não padecem dos vícios que lhes são assacados, devendo, assim, improceder os pedidos formulados pelas Recorrentes.
HH) Face a tudo o que antecede, deve improceder o presente recurso jurisdicional, mantendo-se, nos seus exactos termos, a douta sentença recorrida.
Foram as seguintes as conclusões da contra-interessada G……….:
1- A douta sentença recorrida considerou - e bem - caduca a presente acção de contencioso pré-contratual porquanto as Autoras, aqui Recorrentes, não impugnaram o programa do concurso no prazo de um mês a contar da data do termo de apresentação das candidaturas.
2- O Art.° 74° do CPTA, que estabelece que a declaração de ilegalidade das normas administrativas, não é aplicável à impugnação das normas concursais
3- O Art.° 100° n.° 2 do CPTA estabelece que a impugnação das normas concursais se rege pelo disposto na secção II, do capítulo I, do título IV e não noutra secção (designadamente, na secção que contém o Art.° 74°).
4- O Art.° 100° n.° 1 do CPTA estabelece a aplicação subsidiária da secção I do capítulo II do título III e não da secção que contém o Art.° 74°.
5- A aplicação do Art.° 74° do CPTA às impugnações das normas concursais levaria a que nenhum procedimento concursal, ou contrato celebrado na sua sequência, pudesse algum dia se tornar estável, podendo a todo o tempo ser posto em causa, com consequências gravíssimas para a Administração Pública e os seus co-contratantes, que, assim, poderiam ver os contratos que celebraram ser invalidados a todo o tempo, consequências que o legislador do CPTA certamente não quis até porque estabeleceu o prazo de seis meses para a impugnação dos contratos administrativos (cf. Art.° 41° n.° 2 do CPTA).
6- O programa e o caderno de encargos apenas são aplicáveis ao procedimento que se destinam a regular, ou seja, aplicam-se apenas a um procedimento concreto e a destinatários concretos (os candidatos ou concorrentes desse procedimento) contrariamente ao que sucede com a generalidade das normas administrativas, as quais se caracterizam pela generalidade (indeterminação dos seus destinatários) e abstracção (aplicação a um número indeterminado de casos).
7- Se faz sentido que a generalidade das normas administrativas sejam impugnáveis a todo o tempo porque susceptíveis de serem aplicadas indefinidamente a um número indeterminado de casos, já não fará sentido que o programa ou o caderno de encargos o possam ser porquanto a sua aplicação se esgota no procedimento concreto que se destinam a regular.
8- "A primeira coisa a reter prende-se com a inadmissibilidade de se pedir «a todo o tempo» a ilegalidade de normas inclusas no programa ou no caderno de encargos de um concurso. E que uma tal aplicação do art. 74° do CPTA às impugnações previstas no art. 100°, n° 2, traria o efeito intolerável de nenhum procedimento desse tipo adquirir alguma vez estabilidade. Por isso mesmo é que a remissão operada pelo n.° 1 do art. 100° excluiu, «a contrario sensu», o uso daquele art. 74° no contencioso pré-contratual E não se objecte que uma tal exclusão redunda na possibilidade de se convalidarem regulamentos ilegais; pois as normas que regem cada concurso, ao invés do que é normal na maioria dos regulamentos, carecem de uma vocação de aplicação sucessiva num tempo indefinido, sendo por isso sensato e curial que a sua impugnabilidade cesse nalgum momento" - sic Acórdão do STA de 26 de Agosto de 2009, processo 471/09
9- A jurisprudência tem entendido que o prazo previsto no Art.° 101° do CPTA é aplicável aos actos nulos (cf. o douto acórdão do STA (Pleno) de 06-02- 2007, processo n.° 0598/06).
10- O Art.° 101° do CPTA pode (e deve) ser interpretado como nele estando incluídos também os actos normativos conformadores dos procedimentos de formação dos contratos na medida em que essa interpretação tem correspondência na letra do preceito (a palavra "acto" inclui acto administrativo e acto normativo)
11- A letra do Art.° 100° n.° 2 do CPTA também aponta claramente para a aplicação do Art.° 101° do CPTA às impugnações dos documentos conformadores dos procedimentos de formação de contratos.
12- Os artigos 100° a 103° e 132° do CPTA correspondem aos diplomas que, antes do Código, tiveram em vista proceder à transposição para a ordem jurídica portuguesa das chamadas Directivas recursos (Directiva 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro e Directiva 92/13/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992).
13- O objectivo principal das Directivas recursos é, por um lado, optimizar a tutela do impugnante procurando-se evitar, corrigir e sancionar, em tempo útil e oportuno, as decisões das entidades adjudicantes desconformes com o direito comunitário e, por outro lado, promover a mais rápida estabilização das relações jurídicas envolvidas, no interesse das entidades adjudicantes e dos contra-interessados.
14- O sistema concebido pelas Directivas recursos está, assim, teleologicamente dirigido para uma antecipação da tutela, visando que as questões de ilegalidade sejam colocadas e corrigidas no momento em que surjam, no decurso do procedimento adjudicatório, de forma a permitir a sua atempada correcção e a rápida estabilização das relações jurídicas estabelecidas na sequência do procedimento adjudicatório.
15- O próprio CCP também instituiu um sistema que visa a correcção das ilegalidades das peças procedimentais no momento em que as mesmas surgem e não no fim do procedimento (cf. Art.os 50° e 61° do CCP).
16- Conforme referido no douto Acórdão do STA de 26 de Agosto de 2009, proferido no processo n.° 471/09: "o «prazo de um mês» referido no art. 101° tem uma dimensão curta que é harmónica com os fins a que se inclinam as impugnações aí em causa. Normalmente, a impugnação de actos preparatórios ou de regras de um concurso cumpre finalidades preventivas, visando precaver a possibilidade de a Administração emitir um acto final desfavorável aos interesses do impugnante, fundado na pronúncia ou na norma impugnadas. Ao que acrescem propósitos correctivos, dado que a entidade demandada pode admitir o bem fundado da impugnação e corrigir, «motu próprio» o lapso que reconheça existir no procedimento ainda em curso. Ora, se tais prevenção e correcção supõem celeridade, também as impugnações que as possibilitem terão de ser instauradas com rapidez — fazendo sentido que o legislador onere o impugnante com um prazo curto a contar do conhecimento do vício por si detectado" (sic)
17- As Recorrentes afirmaram claramente na petição inicial que não apresentaram candidatura porque não preenchiam os requisitos exigidos nos artigos 7o e 8o do programa do concurso (cf. artigo 63° da petição inicial).
18- O que significa que as Recorrentes tiveram conhecimento do programa do concurso em apreço e, nomeadamente, dos seus artigos 7o e 8o, antes do termo do prazo de apresentação das candidaturas.
19- O entendimento da douta sentença recorrida no sentido de que a data do início do prazo de um mês coincide com a data do termo de apresentação das candidaturas permite, por um lado, que os interessados possam, num prazo razoável (o prazo de 54 dias para a apresentação das candidaturas no concurso em apreço não pode deixar de ser considerado como tal), tomar pleno conhecimento do programa do concurso e do caderno de encargos e, por outro lado, permite que estes documentos conformadores possam ser corrigidos antes de serem objecto de aplicação pela entidade adjudicante.
20- O programa do concurso, designadamente, os seus artigos e 8o, impediu as Recorrentes de se apresentarem a concurso e, por conseguinte, excluiu-as do mesmo.
21- Não tendo as Recorrentes impugnado o programa do concurso no prazo de um mês a contar do termo do prazo de apresentação das candidaturas, não podem impugnar os actos procedimentais subsequentes (cf. Art.° 51° n.° 3 do CPTA)
22- O Art.° 51° n.° 3 pode e deve interpretado como abrangendo os actos normativos conformadores do procedimento de formação do contrato.
23- Não existem razões para estabelecer um regime diferente consoante estamos na presença de um acto administrativo que exclui o candidato ou o concorrente do concurso e uma norma concursal que o impede de apresentar candidatura ou proposta, porquanto ambos os actos produzem o mesmo efeito, a saber, o afastamento do concurso funcionando para o lesado como o acto final do concurso.
24- Não é aplicável a disposição do Art.° 58° n.° 4 al. b) do CPTA.
25- Não existe omissão do legislador do CPTA quanto ao início da contagem do prazo de impugnação dos documentos conformadores do procedimento.
26- A impugnação dos documentos conformadores do procedimento aplicam-se as disposições que regulam o processo de contencioso pré-contratual (cf. Art.° 100° n.° 2 do CPTA).
27- A disposição do Art.° 101° do CPTA estabelece o prazo para a instauração do processo de contencioso pré-contratual e o modo da sua contagem.
28- Caso os documentos conformadores do procedimento não sejam notificados aos interessados, o prazo para a sua impugnação conta-se a partir do respectivo conhecimento, ou seja, a partir do termo do prazo para a apresentação das candidaturas ou das propostas.
29- As Recorrentes não alegaram, na petição inicial, como era seu ónus, factos constitutivos do direito de apresentarem a petição para além do prazo estabelecido no Art.° 101° do CPTA nem requereram a prorrogação desse prazo ao abrigo do disposto no Art.° 58° n.° 4 al. b) do CPTA.
30- Em conclusão, a douta sentença recorrida não padece de erro de julgamento, tendo feito uma aplicação correcta do direito aplicável aos factos provados.
DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
31- Salvo o devido respeito, andou mal a douta sentença recorrida ao julgar improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade activa, razão pela qual, e ao abrigo do disposto no Art.° 684° -A n.° 1 do CPC, expressamente se requer a V. Ex.as, caso entendam que deverá proceder o recurso das Recorrentes, a apreciação desta questão.
32- Ainda que viesse a julgar procedentes os pedidos de anulação dos artigos 7o e 8o do programa do Concurso e dos actos procedimentais subsequentes, o tribunal nunca poderia condenar a ANCP a elaborar novos requisitos de capacidade técnica e financeira e a retomar o procedimento, publicitando novamente anúncio de procedimento, disponibilizando novamente o Programa de Concurso e o Caderno de Encargos e aceitando nova entrega de candidaturas por parte dos agentes económicos interessados.
33- Estamos aqui no domínio do poder discricionário da Administração Pública.
34- É a Administração Pública que decide se vai ou não proceder à abertura de procedimento para a formação de contrato, qual o tipo de procedimento e quais as regras que o regem.
35- O Tribunal não se pode substituir à ANCP obrigando-a a prosseguir com um procedimento diferente daquele que ela decidiu lançar.
36- O Tribunal poderá apenas anular os artigos 7o e 8o do programa do concurso e os actos procedimentais subsequentes mas cabe à ANCP decidir se retoma ou não o procedimento ou se lança ou não um novo procedimento.
37- A declaração de invalidade dos artigos 7o e 8o do Programa do Concurso e da decisão de qualificação não traz às Autoras utilidade imediata.
38- Ainda que sejam anulados os artigos 7o e 8o do Programa do Concurso, tal não implica necessariamente que a ANCP retome o procedimento ou mesmo que venha a lançar algum ao qual as Recorrentes se pudessem candidatar.
39- E mesmo que viesse a ser retomado o procedimento pela ANCP, não é garantido que as Recorrentes nele se qualificassem.
40- Carecem, pois, as Recorrentes de legitimidade/interesse em agir para a presente acção uma vez que o seu interesse é meramente eventual ou conjectural, de carácter hipotético e não um interesse directo (cf. o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28/10/2009, processo 05512, in www.dgsi.pt).
41- Ao decidir pela improcedência da excepção da ilegitimidade activa, violou a douta sentença recorrida a disposição do Art.° 55° n.° 1 al. a) do CPTA.

2. Foi a seguinte a factualidade assente pela Sentença recorrida:
1- As AA. dedicam-se, para além do mais, ao fornecimento de refeições confeccionadas.
2- Em 14.12.09 foi publicado no Diário da República, II Série, n° 240, o anúncio de procedimento n° 5598/2009, para a realização de um concurso público limitado por prévia qualificação em que é entidade adjudicante a entidade requerida.
Pode ler-se o seguinte:
"10 - PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DAS CANDIDATURAS: Até às 17:00 do 54° dia a contar da data de envio do presente anúncio."
3- Para este concurso foram aprovados o programa do concurso, de fls. 71 e sgts e o caderno de encargos, de fls. 93 e sgts, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4- O artigo 2o, n° 2 do Caderno de Encargos dispõe: "O presente concurso tem por objecto a selecção de co-contratantes no acordo quadro para o fornecimento de refeições confeccionadas e prestação de serviços associados em instalações próprias ou geridas pela entidade adquirente. "
E o artigo 3o, n° 1: "O acordo quadro tem a duração de dois anos a contar da data da sua entrada em vigor, e considera-se automaticamente prorrogado por períodos sucessivos de um ano, se nenhuma das partes o denunciar, até ao limite máximo total de quatro anos. "
5- Este concurso foi também publicitado através do anúncio n° 2009/s 241-344855, publicado no JOUE S de 15.12.09.
6- As AA. não apresentaram candidatura.
7- Em 25.03.2010 teve lugar a deliberação de qualificação.
8- A presente acção de contencioso pré-contratual deu entrada em 07.06.2010.
9- Em 23.06.06 teve lugar a deliberação de adjudicação e de aprovação da minuta do contrato (cfr. doe. de fls. 712 a 716 dos autos de processo cautelar em apenso).
10- Em 28 de Julho de 2010 foi outorgado o acordo quadro (cfr. doe, de fls. 717 dos autos de processo cautelar em apenso).
O M. P. foi notificado para se pronunciar sobre o mérito do recurso.
O processo foi submetido à conferência sem colher vistos, por se tratar de processo urgente.


3. São as seguintes as questões a resolver:
3.1. A acção é tempestiva ?
4.2. Em caso afirmativo, os AA são partes legítimas ?

4.1. A questão do prazo para impugnar o programa ou o caderno de encargos tem sido decidida uniformemente pelo STA, entendendo que o prazo se conta a partir do conhecimento pelo interessado.
Neste sentido, pronunciou-se o Ac. do STA de 26/08/2009, proc. nº 471/09, consultável in www.dgsi.pt :
“Através da acção dos autos, que se insere no contencioso pré-contratual, a ora recorrente veio impugnar pontos determinados do programa e do caderno de encargos de um concurso público que o Ministério da Educação lançou para a aquisição de serviços, o qual está acima identificado. Contudo, as instâncias entenderam que a acção fora interposta para além do «prazo de um mês» previsto no art. 101° do CPTA, razão por que julgaram caduco o direito de accionar e absolveram da instância os demandados. E, na presente revista, a recorrente aduz múltiplos argumentos a fim de persuadir que deduzira tempestivamente a sua acção.
Portanto, o recurso trata primacialmente do problema de saber se, «in casu», deveras se verificava a referida excepção de caducidade. Mas, porque a recorrida B… diz que a lide é inútil — isto por suposta consolidação do acto final do procedimento, entretanto emitido — há que ver se o assunto pode ser tratado prioritariamente nesta revista. Ora, relendo-se o acórdão recorrido, constata-se que essa mesma questão já fora colocada ao TCA, que a considerou subsidiária e, «in fine», expressamente decidiu que a não conhecia. Esse juízo de subsidiariedade e o posterior juízo de não conhecimento não vêm questionados, seja pela recorrente (desprovida de interesse em fazê-lo), seja pela recorrida B… (nos termos do art. 684°-A, n.° 1, do CPC), Com efeito, a conclusão Q) desta recorrida, embora díspar com as três anteriores e a imediatamente seguinte, parece acatar a metodologia de apreciação que o TCA enunciou. E, se atentarmos no «corpus» dessa contra-alegação, vemos imediatamente que a recorrida B… quis sobretudo garantir que o problema da inutilidade superveniente da lide seria enfrentado pelo STA na hipótese de a revista obter êxito, o que também se infere do pormenor de a mesma minuta formular o pedido final de que o acórdão «sub censura» se mantenha integralmente. Deste modo, é de concluir que a contra-alegação da B… não ataca deveras os segmentos do aresto em que se definiu a ordem de conhecimento dos assuntos e em que se decidiu não conhecer da invocada inutilidade da lide; e, na falta de sindicância desses pontos, não estamos em condições de subverter a disposição metódica delineada no TCA — pelo que só veremos se a lide é inútil se acaso concluirmos que não ocorre a excepção de caducidade.
Debrucemo-nos, pois, sobre a revista. O seu âmbito está delimitado pelas conclusões P) a NN), já que as anteriores tiveram como destinatária a formação de juízes que admitiu o recurso. E tudo o que a recorrente ali disse pode ser sintetizado em três afirmações essenciais: que «o prazo de um mês», aludido no art. 101º do CPTA, não se aplica às impugnações de normas do programa ou do caderno de encargos; que, se todavia se considerar incerta essa não aplicabilidade, haverá então um estado de dúvida causal de que a excepção de caducidade improceda «ex vi» do art. 7º do CPTA; que, de todo o modo, a acção dos autos até observou aquele prazo de um mês. E é por este último assunto que devemos começar, pois a certeza que porventura adquiríssemos de que o prazo fora realmente observado tornaria inúteis quaisquer especulações quanto à ideal necessidade da sua observância.
A matéria de facto diz-nos que a recorrente tomou conhecimento das «peças concursais» no dia 4/3/2008, que foi uma sexta-feira; por outro lado, a acção tem-se por interposta no dia 7/4/2008, dados os arts. 150°, n.° 1, e 267°, n.° 1, do CPC. Ora, a recorrente socorre-se do art. 67º, n.° 2, do CPA, para defender que o dito prazo de um mês começou «no dia seguinte» a 4/3/2008, ou seja, em 7/3/2008, pelo que a acção teria fortuitamente respeitado o prazo. Mas esta tese, em que a própria recorrente parece acreditar pouco — donde a sua tímida Localização na conclusão LL) — não colhe. Com efeito, os prazos relativos ao exercício do direito de acção administrativa, sendo de caducidade do exercício de um direito, têm índole substantiva (neste sentido, e v.g., «vide» Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. de 2004, pág. 381). Daí que o «dies a quo» do prazo fixado em meses continue a ser a data do evento, nos termos do art. 279°, al. c), do Código Civil — e não o dia seguinte, a que se refere a al. b) do artigo — findando «o prazo de um mês» no dia dele que àquela data corresponda. Aliás, este é um assunto pacífico na jurisprudência. Consequentemente, não pode sustentar-se que a recorrente, conhecedora em 4/3/2008 dos elementos por que se regia o concurso, atacou «no prazo de um mês» esses dados normativos, já que esse prazo, a ser exigível, findaria sempre em 4/4/2008 e a acção dos autos só foi interposta três dias depois. Portanto, o acórdão recorrido andou bem neste particular, improcedendo a conclusão LL) da alegação de recurso.
Todavia, permanece por resolver o problema fundamental posto na revista, isto é, o de apurar se «o prazo de um mês» previsto no art. 101° do CPTA se aplica só à impugnação de actos administrativos e equiparados ou também à «impugnação directa» de regras insertas no programa do concurso, no caderno de encargos ou noutros documentos análogos. E, como já dissemos, a recorrente prossegue uma dupla via: directamente, tenta persuadir que o art. 101° é alheio à impugnação de normas; indirectamente, pela força ou pelo número dos argumentos que esgrime, procura ao menos criar um estado de dúvida que, proporcionando o recurso ao chamado princípio «pro actione», assim conduza à improcedência da excepção de caducidade.
São três as razões fundamentais em que a recorrente se estriba para excluir do art. 101° do CPTA a impugnação de dados normativos dos concursos: a distinção que o art. 100º faz entre essas impugnações e as de actos administrativos ou equiparados; o teor literal do art. 101°, também conjugado com um critério sistemático; e a impossibilidade de convalidação de regulamentos ilegais, sob pena de ocorrerem inconstitucionalidades várias.
Mas os argumentos centrados no teor do art. 100º são inconsequentes e até reversíveis. Decerto que aí se distinguem as impugnações de normas das impugnações de actos («sensu lato»). No entanto, isso explica-se pela necessidade legislativa de logo se definir o âmbito possível do contencioso pré-contratual, que agora inovadoramente abrange as impugnações de normas de índole regulamentar. Ora, a recorrente precipita-se ao passar das diferenças entre os objectos possíveis das impugnações para as supostas diferenças no tratamento processual deles, pois nada legitima esse seu trânsito mental. Aliás, é mais natural o pensamento inverso: o art. 100° aponta tudo o que pode ser acometido e, depois desse indispensável preliminar, os artigos seguintes indicam o regime unitário a que todas as impugnação atrás previstas se sujeitarão. E essa naturalidade tem uma efectiva expressão nos arts. 101º e 102°, que aludem aos «processos de contencioso pré-contratual» no seu conjunto, sem os diferenciar pelos seus objectos. Portanto, o art. 100º não aporta um qualquer subsídio favorável à tese da recorrente, a não ser na restrita medida em que possa residualmente esclarecer o sentido do termo «acto», incluso no artigo seguinte. O que nos permite passar à exegese desse art. 101°, «situs» onde se centra toda a problemática da revista.
Este preceito estabelece que «os processos do contencioso pré-contratual têm carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto». Para a recorrente, a alusão ao «acto» exclui «de plano» que o prazo previsto se aplique à impugnação de normas de concursos, já que isso fluiria da letra do preceito e do sentido que no CPTA geralmente se atribui ao uso do termo. É realmente verdade que a palavra «acto» costuma assumir, nesse e noutros diplomas, a conotação normal e específica de acto administrativo, e não o significado do género que também inclui os actos normativos e as suas determinações pontuais. Todavia, não é logicamente impossível que o «acto» dito no art. 101° tenha sido tomado pelo legislador naquele sentido geral; e, mesmo que assim não fosse, pode haver razões poderosas que nos obriguem a concluir que o legislador «minus dixit quam voluít», tornando-se então forçoso que a norma seja extensivamente interpretada de modo a que o conceito de «acto» ascenda da espécie ao género e abranja os elementos normativos susceptíveis de impugnação directa. Tudo isto aponta para a necessidade de se olhar o art. 101º do CPTA muito para além da superficialidade da sua letra. Até porque esta parece ser desmentida por um argumento óbvio e imediato — e que, sozinho, também é primário ou elementar — o qual consiste na unidade de regime a que o preceito parece cingir todos os casos de contencioso pré-contratual. Há, pois, que ver as razões mais profundas que explicarão a necessidade ou a dispensa de se submeter a impugnação de normas concursais à observância do «prazo de um mês».
A este propósito, a recorrente assevera mesmo que as acções como a dos autos não estão sujeitas a prazo algum — por óbvia identidade com as acções administrativas de impugnação de normas, cuja ilegalidade «pode ser pedida a todo o tempo» (art. 74° do CPTA). Aliás, é aqui que a recorrente localiza os seus argumentos sobre a impossibilidade de convalidação de regulamentos ilegais e algumas inconstitucionalidades confinantes ou consequentes. Mas há dois firmes obstáculos que a argumentação da recorrente não logra transpor: «primo», o facto de o art. 100º remeter para o disposto «na secção I do capítulo II do título III» do CPTA, e não para a secção diversa que contém aquele art. 74º; «secundo», as consequências absurdas que adviriam da possibilidade de se atacar «a todo o tempo» as regras insertas no programa ou no caderno de encargos de um concurso público. Consciente disso mesmo, a recorrente acedeu em sacrificar a ideia de uma «inexistência de prazo» para impugnar actos normativos, substituindo-a pela fantasia de um prazo a definir «por recurso ao princípio da impugnação unitária», prazo esse que vigoraria «até ao momento em que terminar o último prazo de impugnação de um acto invalidante do procedimento». Ao enveredar por esse trilho, a recorrente incorre em dois ilogismos óbvios: desde logo, procura extrair da premissa de que não há prazo a consequência de que ele existe (embora em termos diversos dos previstos no art. 101°); depois, toma a «impugnação unitária» como antecedente justificativo de uma impugnação de outro tipo. Em ambos esses casos, depara-se-nos um claro «non sequitur». A que também acresce a fragilidade de assim se ressuscitar uma «impugnação unitária» que, com o CPTA, perdeu os favores de que anteriormente gozava. Tudo isto mostra bem que os argumentos da recorrente não são persuasivos. O que não exclui de todo que ela tenha razão, embora por acaso ou acidente, isto é, por fundamentos diversos. Donde a necessidade de vermos se o resultado hermenêutico a que as instâncias chegaram na análise do art. 101ºdo CPTA é o correcto.
A primeira coisa a reter prende-se com a inadmissibilidade de se pedir «a todo o tempo» a ilegalidade de normas inclusas no programa ou no caderno de encargos de um concurso. É que uma tal aplicação do art. 74° do CPTA às impugnações previstas no art. 100°, n.° 2, traria o efeito intolerável de nenhum procedimento desse tipo adquirir alguma vez estabilidade. Por isso mesmo é que a remissão operada pelo n.° 1 do art. 100º excluiu, «a contrario sensu», o uso daquele art. 74º no contencioso pré-contratual. E não se objecte que uma tal exclusão redunda na possibilidade de se convalidarem regulamentos ilegais; pois as normas que regem cada concurso, ao invés do que é normal na maioria dos regulamentos, carecem de uma vocação de aplicação sucessiva num tempo indefinido, sendo por isso sensato e curial que a sua impugnabilidade cesse nalgum momento — «in extremis» quando, até por imperativo dos interesses em presença, se justifique considerar que está esgotado e firmado o procedimento que servem. Deve, pois, haver um prazo qualquer para o exercício das impugnações previstas no art. 100°, n.° 2, do CPTA. E esta mera certeza condena imediatamente as tentativas da recorrente de colher na CRP — «maxime» nos seus arts. 112°, 5, e 204°, mas também em «princípios» — argumentos longínquos que influenciariam a exegese do art. 101º do CPTA. E, porque vem a propósito, também diremos que se nos afigura inútil buscar nas remotas Directivas citadas pelo TCA-Norte e pela recorrente quaisquer contributos eficazes para se interpretar a extrema singularidade daquela norma; o que sobre isso se diga poderá ornar o discurso, mas nunca constituirá um argumento constringente. Para já, importa considerar adquirido o seguinte: porque se deve crer que o referido prazo exista, tudo logo aponta para que ele conste do art. 101º, afinal o preceito que se ocupa do «prazo» em que «devem ser intentados» os «processos do contencioso pré-contratual». O «prazo de um mês» referido no art. 101º tem uma dimensão curta que é harmónica com os fins a que se inclinam as impugnações aí em causa. Normalmente, a impugnação de actos preparatórios ou de regras de um concurso cumpre finalidades preventivas, visando precaver a possibilidade de a Administração emitir um acto final desfavorável aos interesses do impugnante, fundado na pronúncia ou na norma impugnadas. Ao que acrescem propósitos correctivos, dado que a entidade demandada pode admitir o bem fundado da impugnação e corrigir, «motu proprio», o lapso que reconheça existir no procedimento ainda em curso. Ora, se tais prevenção e correcção supõem celeridade, também as impugnações que as possibilitem terão de ser instauradas com rapidez — fazendo sentido que o legislador onere o impugnante com um prazo curto a contar do conhecimento do vício por si detectado. Tudo converge, portanto, para a bondade da interpretação feita pelas instâncias. As impugnações previstas no art. 100°, n.° 2, do CPTA exigem um prazo e o artigo seguinte, que anuncia aplicar-se a todos «os processos do contencioso pré-contratual» prevê-o, fixando-o num mês. A única dificuldade reside na circunstância desse art. 101º reportar o «dies a quo» do prazo à data do conhecimento do «acto», termo cuja «suppositio» é normalmente a de acto administrativo. Mas, e precisando o que «supra» deixáramos em esboço, o «acto» a que alude o art. 101º só pode significar uma de duas coisas: ou o género que inclua toda a previsão do art. 100º, ou a espécie que abranja o previsto nos ns.° 1 e 3 desse artigo, excluindo o n.° 2; e, nesta derradeira hipótese, ainda se pode colocar a possibilidade de a expressão ter traído o pensamento legislativo, impondo-se a passagem da espécie ao género próximo — que consiste propriamente na interpretação extensiva. Ora, cremos que há razões sobejas para atribuir ao termo «acto» a amplitude genérica que as instâncias nele divisaram. Considerando que era inevitável estabelecer-se um prazo para a impugnação de actos normativos e que o art. 101° do CPTA está vocacionado para se aplicar a todos «os processos do contencioso pré-contratual», justifica-se concluir que aquele «acto» se refere a todas as modalidades contempladas no art. 100°, sem excepção. Até por uma razão coadjuvante: a recusar-se a aplicação do art. 101° às impugnações previstas no art. 100º, n.° 2, cair-se-ia na perplexidade de se necessitar de um prazo que o legislador esquecera; ao que se seguiria um qualquer exercício de imaginação donde brotasse um prazo «ad hoc», porventura o mais apetecível — recaindo-se sempre numa penosa explicação do «obscurus per obscurius». Assim, o legislador disse mesmo tudo o que queria dizer quando, no art. 101° do CPTA, aludiu ao «conhecimento do acto». Este «acto» tem o sentido semântico — menos vulgar, mas ainda verdadeiro e irrecusável — de abranger os elementos normativos susceptíveis de serem objecto da «impugnação directa» prevista no art. 100°, n.° 2, do CPTA. Pelo que nem sequer é preciso recorrer a uma interpretação extensiva a fim de dar ao termo a amplitude genérica que ele, por si mesmo, já mínima e suficientemente detém. Aliás, a doutrina propende para esta solução — implicitamente acolhida por Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha no n.° 6 da sua anotação ao art. 101° (Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos, ed. de 2005, pág. 513) e explicitamente afirmada por Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira acerca do art. 74° do CPTA (op. cit., pág. 448). Portanto, o acórdão recorrido interpretou correctamente o art. 101° — não se percebendo em que medida isso feriu a remissão do art. 100°, n.° 1, como a recorrente clama; pelo que se mostram improcedentes ou irrelevantes todas as teses e argumentos que ela verteu nas suas conclusões P) a KK), inclusive. E, tendo nós obtido a certeza de que o prazo previsto no art. 101° se aplica à hipótese dos autos, fica automaticamente excluído que, sobre o assunto, paire um estado de dúvida que justificasse o uso sucedâneo do mecanismo do art. 7º do CPTA. Assim, no há que recorrer ao princípio «pro actione», razão por que igualmente soçobram as duas últimas conclusões da alegação da recorrente.”
No mesmo sentido pronunciou-se o Ac. do STA de 27/01/2011, proc. nº 850/10:
“Com efeito, entendeu o TCAS, nesse mesmo acórdão recorrido, que «não é aplicável ao caso em apreciação o disposto no artigo 51º nº 3 do CPTA, por via da expressa ressalva que é feita (sem prejuízo do disposto em lei especial, sendo que – acrescentou o mesmo acórdão – a impugnação de normas conformadoras do procedimento de formação dos contratos está «expressamente prevista», no art. 100, nº 2, do próprio CPTA, e «sujeita a prazo preclusivo», no art. 101, do mesmo diploma legal. Do exposto resulta, claramente, que o acórdão recorrido – como a sentença a que respeita – não apreciou nem decidiu a questão relativa à eventual ilegalidade da norma, constante do citado art. 12, nº 2, al. d), do Programa do Concurso, respeitante à indicação das condições de revisão de preços. Pelo que se conclui que, diversamente do que pretende a recorrente, essa questão está fora do âmbito do presente recurso de revista. Resta, assim, apreciar e decidir sobre a questão de saber se a impugnação contenciosa dos documentos conformadores do procedimento concursal deve ser feita, nos termos do art. 101 no prazo de um mês a contar da respectiva publicação ou conhecimento pelo concorrente interessado, ou se tal impugnação, nessas circunstâncias, corresponde a mera faculdade e não a um ónus do mesmo concorrente, podendo este deduzi-la, ainda, no âmbito da impugnação do acto administrativo, designadamente o de adjudicação, que, durante o concurso, venha a dar aplicação concreta ao que naqueles documentos se determina. O acórdão recorrido, como vimos, decidiu que a impugnação de tais normas está sujeita ao prazo preclusivo estabelecido no indicado art. 101, do CPTA. Neste sentido, entendeu que o próprio CPTA, ao prever, no art. 100, nº 2, a impugnação das peças do concurso, afasta, relativamente a elas, por via da ressalva contida no art. 51, nº 3 («sem prejuízo do disposto em lei especial»), a regra da impugnabilidade, estabelecida, em geral, neste último preceito legal. No mesmo sentido, ainda segundo o mesmo acórdão recorrido, apontaria a disposição do art. 50 Artigo 50º (Esclarecimentos e rectificação das peças do procedimento):
1 – Os esclarecimentos necessários à boa compreensão e interpretação das peças do procedimento devem ser solicitados pelos interessados, por escrito, no primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas.
2 – …, nº 1, do Código dos Contratos Públicos, ao estabelecer o prazo dentro do qual os concorrentes «devem» solicitar esclarecimentos e rectificações das peças conformadoras do concurso.
A recorrente impugna este entendimento do acórdão recorrido, alegando que se traduz em errada das citadas disposições dos arts 51, nº 3 e 100 Artigo 100º (Âmbito):
1 – A impugnação de actos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens rege-se pelo disposto na presente secção e, subsidiariamente, pelo disposto na secção I do capítulo II do título III.
2 – Também são susceptíveis de impugnação directa, ao abrigo do disposto na presente secção, o programa, o caderno de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento de formação dos contratos mencionados no número anterior, designadamente com fundamento na ilegalidade das especificações técnicas, económicas ou financeiras que constem desses documentos.
3 - …, nº 2, do CPTA, e 50, do CCP.
Sustenta a recorrente que os artigos 100 a 103 do CPTA correspondem aos diplomas legais que, antes desse Código, visaram a transposição para a ordem jurídica interna das denominadas Directivas recursos (a Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21.12, e a Directiva 92/13/CEE do Conselho, de 25.2, que completou aquela), cujo alcance foi a da densificação do princípio da tutela jurisdicional efectiva no âmbito da contratação pública. O que – segundo o entendimento da recorrente – postula a conclusão de que a impugnação directa do Programa do Concurso e do Caderno de Encargos, prevista no art. 100, nº 2, do CPTA, corresponde a uma faculdade ao dispor dos interessados, cuja não utilização os não inibiria de, posteriormente, virem a impugnar qualquer acto administrativo, praticado no concurso, com fundamento em ilegalidade de disposições constantes daquelas mesmas peças concursais.
É certo que, como sustenta a recorrente, as normas dos arts 100 a 103 do CPTA representam a adopção, imposta pelas referidas Directivas recursos, das regras comunitárias, que visam o reforço das garantias dos particulares, no âmbito dos procedimentos de contratação pública, tendo como principal objectivo «evitar o ‘facto consumando’ – no caso, o contrato celebrado –, procurando-se evitar, corrigir e sancionar, em tempo útil e oportuno, as decisões das entidades adjudicantes desconformes com o direito comunitário» Cláudia Viana, Os Princípios Comunitários na Contratação Pública, Coimbra Editora 2007, 198.
Nesta perspectiva, a possibilidade, consagrada no indicado art. 100, nº 2, do CPTA, de impugnação de peças processuais, segundo um processo urgente especialmente previsto para a impugnação de actos pré-contratuais constitui, por si mesma, um acréscimo de garantia de tutela dos interessados. Tal impugnação directa das peças do concurso, por força do que estabelece, expressamente, o citado art. 101, do CPTA, tem de ser feita no prazo de um mês a contar da data do respectivo conhecimento pelos interessados. Pois que, como bem se ponderou, já, no acórdão desta 1ª Secção, de 26.8.09 (Rº 471/09), considerando que era inevitável estabelecer-se um prazo para a impugnação de actos normativos e que o art. 101º do CPTA está vocacionado para se aplicar a todos os «processos do contencioso pré-contratual», justifica-se concluir que aquele «acto» se refere a todas modalidades contempladas no art. 100º, sem excepção. Até por uma razão coadjuvante: a recusar-se a aplicação do art. 101º às impugnações previstas no art. 100º, nº 2, cair-se-ia na perplexidade de se necessitar de um prazo que o legislador esquecera; ao que se seguiria um qualquer exercício de imaginação donde brotasse um prazo «ad hoc», porventura o mais apetecível – recaindo-se sempre numa penosa explicação do «obscurus per obscurius». Assim, o legislador disse mesmo tudo o que quereria dizer quando, no art. 101º do CPTA, aludiu ao «conhecimento do acto». Esse «acto» tem o sentido semântico – menos vulgar, mas ainda verdadeiro e irrecusável – de abranger os elementos normativos susceptíveis de serem objecto da «impugnação directa» prevista no art. 100º, nº 2, do CPTA. Pelo que nem sequer é preciso recorrer a uma interpretação extensiva a fim de dar ao termo a amplitude genérica que ele, por si mesmo, já mínima e suficientemente detém. Aliás, a doutrina propende para esta solução – implicitamente acolhida por Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha no nº 6 da sua anotação ao art. 101º (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. de 2005 O mesmo sucede, quanto a este ponto, na edição de 2010 (vd. pp. 666 e 682)., pág. 513) e explicitamente afirmada por Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira acerca do art. 74º do CPTA (op. cit Trata-se do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, Liv. Almedina, ed. 2004.., pág. 448).
Assim, e como bem decidiram as instâncias, a falta de impugnação, naquele prazo de um mês, da norma do Programa do Concurso reputada de ilegal pela ora recorrente, implicou a caducidade do respectivo direito a tal impugnação.
E não colhe a alegação da recorrente de que esse entendimento contraria a disposição do referenciado art. 51, nº 3, do CPTA. Pois que – como também entendeu o acórdão recorrido –, estando a impugnação de normas constantes de peças do concurso expressamente prevista no art. 100, nº 2, do mesmo CPTA, e sujeita, como se viu, ao prazo estabelecido no art. 101 desse diploma, não se lhe aplica a regra da impugnabilidade, estabelecida naquele art. 51, nº 3, por estar incluída essa impugnação na ressalva («sem prejuízo do disposto em lei especial») aí consagrada.
De resto, o entendimento defendido pela recorrente, no sentido de que a falta de tempestiva impugnação da referida norma do Programa do Concurso não a inibe de impugnar essa mesma norma, por via da impugnação do acto final de adjudicação, que lhe deu aplicação concreta, também não seria aceitável, por ser contrário ao próprio interesse da segurança e celeridade da resolução dos litígios, que a consagração da referenciada possibilidade de impugnação de peças concursais, por meio de processo urgente, visou acautelar. Neste sentido, vejam-se as referidas Directivas recursos, ao imporem aos Estados-membros a adopção das «medidas necessárias para garantir que … as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível » (art. 1, nº 1, da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21.12.89) e para «… assegurar que as decisões das entidades adjudicantes possam ser eficazmente objecto de recurso e, em especial, tão rapidamente quanto possível, …» – sublinhado nosso.
A alegação da recorrente é, em suma, totalmente improcedente.”
Não vemos razão para divergir desta Jurisprudência, obtendo-se por esta via uma segurança jurídica que constitui um valor elevado e que convém preservar.
O prazo de um mês para propor a acção, conta-se não a partir da data em que a recorrente pediu a consulta dos autos, como ela pretende, mas a partir do fim do prazo para concorrer, como é óbvio. Se o que se pretende é obter a estabilidade do contrato, o prazo nunca poderia começar a decorrer depois de findo o prazo para concorrer. Nem pode a recorrente vir impugnar a validade de todos os actos procedimentais consequentes que tomavam como pressuposto o programa (e os tais requisitos mínimos em causa), como ela pretende.
Logo, há que confirmar a sentença recorrida, ficando prejudicada a segunda questão.

5. Conclusão: Por tudo quanto vem de ser exposto, Acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul em Julgar improcedente o recurso e confirmar a Douta Sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 23 de Março de 2011
Paulo Carvalho
Carlos Araújo
Teresa de Sousa

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