quarta-feira, 23 de novembro de 2011

PREÇO ANORMALMENTE BAIXO; DECISÃO DISCRICIONÁRIA- ARTº 71º Nº 2 CCP - CONTRADITÓRIO SUCESSIVO - ARTº 71º NºS 3 E 4 CCP - COMPETÊNCIA INTRAJUDICIAL; JUIZ SINGULAR - IMPUGNAÇÃO DE DOCUMENTOS CONFORMADORES DO PROCEDIMENTO



Proc. 6985/10       17-02-2011      CA-2º JUÍZO

PREÇO ANORMALMENTE BAIXO; DECISÃO DISCRICIONÁRIA- ARTº 71º Nº 2 CCP
CONTRADITÓRIO SUCESSIVO - ARTº 71º NºS 3 E 4 CCP
COMPETÊNCIA INTRAJUDICIAL; JUIZ SINGULAR
IMPUGNAÇÃO DE DOCUMENTOS CONFORMADORES DO PROCEDIMENTO


1. O uso de poderes discricionários na qualificação do preço proposto como anormalmente baixo devido a considerar duvidosa uma dada proposta por ausência de congruência intrínseca e seriedade para sustentar a execução das prestações contratuais, pressupõe a existência de um sub-procedimento enxertado no procedimento pré-contratual, tendo por finalidade adjectiva a observância do contraditório sucessivo junto dos candidatos cujas propostas, depois de abertas e em via de análise pelo júri, suscitem objectivamente dúvidas de congruência e seriedade – cfr. artº. artº 71º nºs 2, 3 e 4 CCP.
2. Na forma dos processos especiais urgentes do contencioso pré-contratual, a competência funcional do tribunal segue o regime do julgamento de facto e de direito por juiz singular - cfr. artºs. 100º a 103º CPTA e 40º nº 1 ETAF.
3. No tocante ao modo de contagem do prazo de um mês do artº 101º CPTA, esteja em causa a impugnação de acto endo-procedimental ou dos documentos conformadores do procedimento, caso a ilegalidade do acto ou do documento se repercuta no acto final, o termo ad quem do prazo de impugnação ocorre 1 mês após o acto final procedimental em causa


P.. P…..– Soluções Empresariais de …………… e Sistemas, SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:

A. A sentença do Tribunal a quo declarou procedente a excepção de caducidade do direito de acção da Recorrente quanto ao pedido de declaração de ilegalidade do Caderno de Encargos do procedimento em apreço, bem como considerou improcedente o pedido de anulação do acto do Conselho de Administração da Entidade Demandada, pelo qual se seleccionou as propostas dos concorrentes V………. e A… T…….para determinados lotes postos a concurso.
B. Pelo presente recurso, pretende portanto a Recorrente a revogação da douta sentença, na medida em que a mesma (i) padece de vício de incompetência, incorre em erro de julgamento, por (ii) errada aplicação do direito e (iii) errada apreciação dos factos carreados para os autos.
C. Em primeiro lugar, a sentença padece de vício de incompetência, porque o valor da causa - € 14.040.000,00 - impunha que a decisão recorrida fosse tomada por um Tribunal Colectivo, em cumprimento do disposto no art. 31°, n.° 2, alínea b) do CPTA e art. 40°, nº 3 do ETAF, o que não se verificou no caso em apreço.
D. Sendo certo que, nos termos do art. 13° do CPTA que o conhecimento desta matéria preceda o das restantes.
E. Em segundo lugar, o Tribunal a quo fez - salvo o devido respeito - errada interpretação do direito aplicável, porque o prazo de impugnação das peças do procedimento em apreço não será de um mês a contar do conhecimento dos mesmos, por parte do Recorrente, nos termos do art. 101° do CPTA mas sim, um mês a contar da data da notificação do acto final do procedimento, in casu, a decisão de selecção dos concorrentes.
F. Tal interpretação resulta aliás da letrada lei - art. 101° do CPTA - que apenas se aplica a actos administrativos. Para além disso, refere o art. 74° do CPTA que, os regulamentos são impugnáveis a todo o tempo, havendo jurisprudência unânime no sentido de que o Caderno de Encargos é um regulamento;
G. Ora, uma interpretação sistemática e teológica da lei impõe que, estando em sede de contencioso pré-contratual - que por natureza traduz um processo urgente - os interessados não beneficiem do prazo geral do art. 74° do CPTA, podendo no entanto impugnar as peças enquanto gozarem de legitimidade para impugnar o acto final. Assim o dispõe o art. 51°, n.° 3 do CPTA, nos termos do qual: (..) a circunstância de não ter impugnado qualquer acto procedimental não impede o interessado de impugnar o acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento.
H. O que se encontra sustentado na Doutrina pela posição de ANDRÉ SALGADO MATOS e PEDRO GONÇALVES, cfr citado supra.
I. Acrescem razões de economia processual e de utilidade da lide, pois que sentido fará impugnar as peças de um procedimento, mesmo antes de se saber se há interesse em apresentar a proposta, mesmo antes de se ter apresentado pedidos de esclarecimento ou a lista de erros e omissões, mesmo antes de se saber se se é o adjudicatário?
J. Assacar ao interessado ónus de tal impugnação é o mesmo que lhe impor o dever de actuar como guardião da legalidade, o que se traduz numa violação clara do princípio do acesso ao direito - seriamente coarctado - e de uma tutela jurisdicional efectiva, prevista no art. 268°, n.° 4 da CRP.
K. Em segundo lugar, o Tribunal a quo prescindiu da inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, o que se afigura essencial para a descoberta da verdade e cumprimento do ónus de prova dos factos alegados pela Recorrente.
L. Ora, a lei o não impede, a demonstração de alegadas circunstâncias de facto, como sejam o valor de mercado de viaturas usadas (....) pode ser diligenciado através de prova testemunhal, o que Tribunal não permitiu in casu (vide Acórdão cit.)
M. No caso em apreço entendeu o douto Tribunal a quo que os pedidos da A. não podiam ser procedentes, porque esta não alega especificada e autonomamente todos os custos fixos, efectivamente suportados por cada empresa concorrente.
N. É por demais evidente que um concorrente não dispõe da (de)composição dos preços dos seus concorrentes, menos ainda quando a Entidade Adjudicante recusou pedir-lhes esclarecimentos quanto ao modo de formação do preço, pelo que
O. Sem prejuízo de o Recorrente ter junto aos autos evidência de factos que, ainda assim, o Tribunal considerou não provados, teria sido indispensável ouvir as testemunhas que este arrolou para prova de que os preços da V……… para os serviços de comunicações de voz e de dados eram anormalmente baixos (factos 35, 36, 38, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 54, 142, 144, 145, 146 e 147 da PI, que a A. se viu impedida de provar por via deste meio de prova).
P. Porque só deste modo poderia ter sido possível apurar o preço da V…….. e da A.. T……….. (o que atendendo ao facto de o preço ser o único factor a atender para a selecção das propostas assume especial relevância, acrescido do facto de estarmos perante um acordo quadro para o sector das comunicações).
Q. Contrariamente ao entendimento do douto Tribunal, a Recorrente juntou elementos documentais suficientes, no sentido de que o preço dos serviços de comunicações de voz era anormalmente baixo (vide doe. n° 15 e doe. junto pela V……. no art. 62° da sua contestação), o que aliás foi desde logo corroborado pela V……….quando em sede de Contestação alega que o preço empresarial que pratica assenta numa cobrança de componente fixa, o que o art. 20°, n.° 2 do Caderno de Encargos não permite.
R. Contrariamente ao entendimento do douto Tribunal, a Recorrente juntou elementos documentais suficientes no sentido de que o preço de € 20 para a rubrica serviços de dados - acesso à internet e conectividade, Lote 6, quanto ao preço proposto para uma largura de banda do circuito de acesso à internet categoria A com contenção assimétrica - era anormalmente baixo (vide doe. n° 16, 17 e 5), o que aliás estava já confessado pela V............... nos pedidos de esclarecimentos que endereçara ao Júri do concurso e nos quais claramente referia que se socorria da oferta grossista e que, por isso, teria de pagar um preço fixado pela ANACOM e prestar os serviços, de acordo com as condições fixadas pela ANACOM (vide doe. n° 5 junto com o RI).
S. Em suma, a sentença recorrida procede a uma errada apreciação da matéria de facto, padecendo de erro de julgamento que sustenta a sua revogação pelo douto Tribunal ad quem.
T. O que, refira-se, tem evidentes reflexos na aplicação do Direito, em especial nos vícios que a A. assacou ao acto impugnado (vício de violação de lei por inobservância do disposto nos arts. 317° do Código de Propriedade Industrial, no artigo 70°, n° 2, alínea g) e b) e e) do CCP e nos princípios da contratação pública).
U. Em especial, a Recorrente não se pode conformar com o entendimento do Tribunal a quo quando julga que in casu não seria possível apurar o que seria um preço anormalmente baixo, porquanto o Caderno de Encargos não mencionava essa definição, do mesmo modo que não fixara um preço base.
V. Sucede que, como refere o Tribunal de Contas o conceito de preço anormalmente baixo é um conceito verdadeiramente indeterminado (...) contudo para decidir sobre se os preços oferecidos são anormalmente baixos, o dono da obra deve atender (...) às diferenças quantitativas entre tal preço e os preços oferecidos como indício de se estar (ou não) perante preços anormalmente baixos (vide supra jurisprudência citada).
W. Acresce que, da prova carreada para os autos resulta, conforme já referido, que o preço da V..............., quer para os serviços de comunicações de voz, quer para os serviços de comunicações de dados é manifestamente inferior aos preços que aquela entidade pratica no mercado e dos restantes operadores.
X. O que causa estranheza, dado que o acordo quadro fixa os preços máximos que os operadores se vinculam a contratar.
Y. É pois grosseiro e manifesto o erro da Administração quando se escusa a solicitar esclarecimentos aos concorrentes sobre o modo de formação dos seus preços, nos termos dos art. 71°, n.° 2 e 3; 71°, n.° 2 do CCP, bem como a excluir a proposta da ………., nos termos do art. 70°, n.° 2, alínea e) do CCP, pelo que qualquer uma destas actuações é sindicável pelo Tribunal.
Z. Pelo exposto, verificam-se os requisitos necessários para a revogação da douta sentença recorrida.

*
A Contra-Interessada A…. T………. – Acessos e Redes de …………….. SA, ora Recorrida, contra-alegou, concluindo como segue:

1. A Recorrente alega a incompetência do tribunal singular para julgar os presentes autos, em função do valor da acção porquanto nos termos do artigo 40.°, número 3 ETAF, as acções administrativas especiais de valor superior à alçada, devem ser julgadas por tribunal colectivo.
2. Não assiste razão à Recorrente, uma vez que a douta sentença recorrida foi proferida nos termos do artigo 27.°, n.° l, al. i), do CPTA, por ter o tribunal entendido que a questão é de decisão simples.
3. A decisão do tribunal a quo não ocorreu na fase do despacho saneador (ao abrigo do art.° 87° n° l b) CPTA), mas sim na fase processual subsequente, ao abrigo do art.° 92° n° l, 1a parte, CPTA, o qual determina que "concluso o processo ao relator, quando não deva ser julgado por juiz singular, tem lugar a vista simultânea aos juízes-adjuntos, que, no caso de evidente simplicidade da causa, pode ser dispensada pelo relator".
4. O mecanismo do art.° 27° n° l, i) CPTA tanto pode fundamentar a direcção do processo segundo o sistema do juiz-único (que intervém da instrução à prolação de sentença) como fundamentar a dispensa de vistos aos juízes-adjuntos (intervindo a conferência na decisão da matéria de facto, matéria de direito e solução jurídica da causa).
5. Nesta medida não foi preterido o disposto no art.° 40° n° 3 ETAF uma vez que a Mma. Juíza despachou previamente à prolação da sentença no sentido da simplicidade da questão a decidir por remissão expressa para o art.° 27° n° l, i) CPTA, não procedente a alegação da Recorrente.
6. Vem a Recorrente alegar que os presentes autos foram apresentados a juízo atempadamente, porquanto a interpretação do disposto no artigo 101.° com os artigos 100.°, número 2 e 74° todos do CPTA permite que as peças do procedimento sejam impugnadas enquanto o puder ser o acto final.
7. Acrescenta a Recorrente que o artigo 101.° do CPTA apenas se refere a actos e não a regulamentos, e o Caderno de Encargos é um verdadeiro regulamento, não se podendo aplicar o referido artigo extensivamente aos regulamentos; tal determinaria que, na ausência de norma que indique o prazo de acordo com o qual se inicie o prazo para intentar as acções de contencioso pré-contratual onde se impugnem cadernos de encargos, dever-se-ia aplicar o disposto no artigo 74.° do CPTA.
8. Não assiste razão à Recorrente, porquanto o único pedido da Recorrente que põe em causa um regulamento é o pedido de declaração de ilegalidade dos artigos 20.°, número 2, 3 alínea b), 6 alínea f) e g), 7 alíneas d) e e) e 24.° do CE, sendo certo que o artigo 100.°, número 2 do CPTA permite impugnar actos pré-contratuais regulamentares, mas faculta a utilização da acção administrativa especial.
9. Os presentes autos são um processo urgente de contencioso pré-contratual, pelo que devem ser submetidos aos prazos estipulados no artigo 101.° do CPTA e não a outros prazos respeitantes à acção administrativa especial, razão pela qual não se pode aplicar aos presentes autos o disposto nos artigos 51.°, número 3 e 74.° do CPTA.
10. Nos termos do número 2 do artigo 100° do CPTA, além dos actos administrativos relativos à formação de contratos, são também susceptíveis de impugnação directa os documentos conformadores do procedimento (caderno de encargos, programa do procedimento e outros).
11. Tendo a Recorrente apresentado a sua proposta em 03.03.2010, pode considerar-se que pelo menos nessa data teve conhecimento do CE, razão pela qual ao apresentar a presente acção em 17.06.2010 já se encontra volvido o prazo de um mês estipulado no artigo 101.° CPTA.
12. A Recorrente põe em crise a decisão do tribunal de primeira instância que não concedeu provimento ao seu pedido de anulação da deliberação do Conselho de Administração da ANCP de 29.04.2010, por não ter excluído candidaturas das concorrentes V……….. e A…. T……….. por apresentarem preços anormalmente baixos.
13. Todavia não pode assistir razão à Recorrente porquanto não alegou, nem apresentou os indicadores e variáveis, na sua petição inicial, que permitissem determinar de forma objectiva que os preços em causa eram anormalmente baixos.
14. O critério do CCP para aferição dos preços anormalmente baixos será a apresentação de uma proposta 50% inferior ao preço base ou quando esse preço anormalmente baixo for fixado no caderno de encargos, contudo no presente concurso não foi estabelecido qualquer indicador ou valor base que pudesse determinar que preço propostos fosse anormalmente baixo.
15. Por outro lado o CCP não impõe qualquer obrigação da Administração Pública estabelecer um valor base no âmbito de um concurso público, uma vez que o artigo 71.°, número 2 do CCP determina que quando o caderno de encargos não fixa um preço base o órgão competente deve fundamentar a decisão de considerar que o preço de uma proposta é anormalmente baixo, não sendo necessário fazer pedidos de esclarecimentos aos concorrentes sempre que os preços forem discrepantes em si.
16. Os preços de telecomunicações reflectem os custos materiais da instalação, manutenção e operação da rede, que devem ser subtraídos para apurar a margem de lucro, o que determina a existência de preços discrepantes entre os diversos operadores.
17. No que diz respeito aos serviços de dados, é certo que há uma regulação sectorial imposto ao operador com maior expressão, o que se denomina oferta grossista, contudo, as ofertas da V............... e da A…. T…….. não são determinadas for essa oferta, porquanto as referidas entidades têm sistemas próprios, o que tem um impacto directo nos custos.
18. As diferenças nos preços têm que ver com os mercados competitivos, além do mais estão em causa propostas que não são comparáveis porque dizem respeito a diferentes tipos de produtos para áreas geográficas diferentes.
19. Não logrou a Recorrente fazer prova que os preços apresentados pela Contra-Interessados determinassem uma violação ao princípio da concorrência, não sendo pois de aplicar o disposto no artigo 70.°, número 2 alínea g) do CCP, devendo pois ser mantida a decisão recorrida.
20. Não se encontrando a douta Sentença ferida de qualquer erro de julgamento, nem tendo aplicado erradamente o Direito no que diz respeito à sua consideração de que cabia à entidade adjudicante a discricionariedade para considerar um determinado preço como "anormalmente baixo".
21. Alegou a Recorrente o facto de não ter sido feita prova testemunhal nos presentes autos, limitou os 1012 contudo não poderiam as testemunhas que eventualmente fossem inquiridas pelo Ilustre Tribunal a quo determinar com certeza que os preços apresentados dos seus concorrentes eram "anormalmente baixos".
22. A douta Sentença recorrida considerou não ser útil a realização de qualquer diligência de prova, por desnecessidade ao apuramento da verdade, não existindo questões que pudessem obstar ao conhecimento da causa ou matéria controvertida que determinasse a necessidade de produção de prova, reunindo-se, assim, as condições para decidir imediatamente e após a fase dos articulados.
23. A decisão recorrida não cometeu qualquer nulidade ou irregularidade processual, nem violou o princípio do inquisitório, razão pela qual a Mma. Juíza satisfez-se com a prova carreada para o processo, a qual era a necessária ao apuramento da verdade material.

*
A Contra-Interessada V............... Portugal – ……………. Pessoais, SA, ora Recorrida, contra-alegou, concluindo como segue:

A. A Recorrente alega que a «douta sentença foi proferida apenas por um juiz singular»,
devendo, no seu entendimento, o julgamento ter sido feito por Tribunal Colectivo, o que se deve somente a um seu erro de interpretação.
B. Ora, nos termos do art. 40.°, n.° 1, do ETAF, os tribunais administrativos de círculo funcionam com juiz singular, havendo uma excepção prevista no n.° 3 deste artigo para as acções administrativas especiais de valor superior à alçada, nas quais o tribunal funciona em formação de três juizes, excepção essa invocada pela Recorrente.
C. Sucede que os autos dizem respeito a um processo de contencioso pré-contratual, que não é um tipo de acção administrativa especial, pelo que não teria que ser julgado por um tribunal colectivo.
D. A distinção entre os dois tipos de processo decore do CPTA: o contencioso pré-contratual é um "Dos processos urgentes" previsto no Título IV, enquanto a Acção Administrativa Especial vem regulada no Título III do CPTA.
E. Também as regras de tramitação destas duas formas de processos (contencioso pré-contratual e acção administrativa especial) são divergentes, tendo, por exemplo, prazos processuais totalmente divergentes, em função da natureza dos valores em causa.
F. A Recorrente sustenta também a tese de que o artigo 101.° do CPTA, ao referir-se apenas
a "acto", não se aplicaria ao Caderno de Encargos, por ser um Regulamento e, portanto, constituído por normas.
G. Esta questão já foi resolvida pelo Supremo Tribunal de Justiça, posição aliás, reiteradamente repetida pela restante Jurisprudência, e com a qual a doutrina igualmente se mostra de acordo, não se suscitando dúvidas de que o legislador previu, no art. 101.°, um prazo de impugnação judicial de 1 mês, aplicável a todos os actos (sejam eles administrativos ou normativos, desde que sejam actos jurídicos), no âmbito da forma de processo de contencioso pré-contratual.
H. Não restam dúvidas, assim, de que ocorreu a caducidade do direito de acção da ora Recorrente relativamente ao pedido de ilegalidade de normas do Caderno de Encargos.
I. No que toca à apreciação da matéria de facto, o Tribunal a quo fundamentou, de forma detalhada, a sua decisão, e a existência de preços distintos, propostos pelos vários concorrentes, é apenas sinal de uma efectiva concorrência no sector das comunicações electrónicas em Portugal.
J. Não é pelo facto de os concorrentes apresentarem preços distintos que há indícios de dois deles terem preços susceptíveis de falsear a concorrência entre os operadores. Pelo contrário, os preços distintos são sinal de uma efectiva concorrência no mercado.
K. O que em causa está matéria da discricionariedade da Administração Pública, não podendo o Tribunal substituir-se a esta; que o Tribunal a quo apenas poderia "controlar" esta actuação da Recorrida perante a existência de um erro manifesto, ostensivo.
L. Na verdade, a regra em matéria de pedir esclarecimentos aos concorrentes quanto ao modo de formação do preço é a de que essa «é uma faculdade na disponibilidade do júri, isto é, um mecanismo a que este pode recorrer se e na medida em que considere necessário para efeitos da correcta análise e avaliação das propostas. (...) É unânime o entendimento de que não pode, nesse contexto, ser equacionada a existência de um verdadeiro ónus de solicitação de esclarecimentos sobre quaisquer aspectos das propostas dos concorrentes. (...)» (Parecer de João Amaral e Almeida e Ana Sofia Alves - Informação Jurídica -, p. 3, doe. n.° 14 junto pela ora Autora aos autos de providência cautelar).
M. Portanto, somente se a Entidade Adjudicante formular, num primeiro momento, um juízo sobre a anormalidade do preço proposto, e se responder positivamente a esta formulação, é que terá o dever de passar para uma segunda fase - o procedimento de verificação da proposta e de solicitação de esclarecimentos justificativos do preço. Esta é a conclusão que resulta, por exemplo, do acórdão do TJCE de 27.11.2001, proc.s Lombardini/Mantovani (C-285/99 e C-286/99), e que não tem sido posta em causa nem doutrinal nem jurisprudencialmente.
N. Portanto, o artigo 71.°, n.° 2, do CCP, ao utilizar propositadamente um conceito indeterminado (preço anormalmente baixo), reserva à entidade Adjudicante uma margem de livre apreciação que só pode ser correctamente concretizada perante o caso concreto.
O. O Tribunal a quo entendeu «não se considera[r] ordenar quaisquer diligências de prova, por desnecessidade destas ao apuramento da verdade», o que bem se percebe face, designadamente, à excepção de caducidade, à discricionariedade da Administração quanto à possibilidade de pedir esclarecimentos ao Júri do concurso, e ainda às "alegações" meramente opinativas da Autora.
P. A Jurisprudência não tem mostrado reticências em entender que, neste tipo de situações, não devem ser inquiridas testemunhas eventualmente arroladas.
Q. Sustenta a Recorrente que «fez expressa referência a dois aspectos fundamentais, que o Tribunal a quo desconsiderou totalmente», que seriam: (i) os preços praticados pela V............... no mercado empresarial; e (ii) o custo fixo inerente ao recurso a uma oferta de referência da PT Comunicações, S.A. É falso que o Tribunal a quo tenha desconsiderado estes aspectos. O Tribunal a quo ponderou-os na douta sentença, dedicando-lhes inclusivamente vários parágrafos, considerou-os foi no sentido contrário à pretensão da Recorrente, tendo-o, no entanto, feito de forma (bem) fundamentada.
R. Perante o exposto resulta também evidente não ter correspondência com a realidade a afirmação da Recorrente de que «foi a própria V............... que, de forma a tentar justificar a razoabilidade do preço proposto para os serviços de comunicações de voz, refere que o preço que normalmente pratica para a área empresarial é de 0,027 €, remetendo também para o seu s/fe».
S. Aliás, consultando a Contestação apresentada pela V..............., verifica-se que, resumidamente, o que foi dito foi que (art.s 34.° e ss): «...o preço proposto numa solução destinada a uma pequena empresa nas chamadas efectuadas para a rede fixa nacional é de € 0,0207.// Assim, quando a V............... endereça uma proposta para o sector da Administração Pública cuja despesa relativa a comunicações fixas é estimada em cerca de € 300 milhões por ano, é fácil entender que o preço apresentado reflicta esta realidade.
T. Ou seja, a Autora aparentemente esquece os benefícios resultantes das economias de escala inerentes à receita garantida pelo volume associados ao tido de serviço objecto do presente procedimento.»
U. Pelo que é nitidamente falso que a V............... justifique o preço apresentado no âmbito deste procedimento com o preço disponível no seu site aplicável especialmente a pequenas empresas. Tal não faria sequer sentido, pois em causa estão situações que não são de todo comparáveis; o volume de negócios de uma pequena empresa é completamente díspar daquele da Administração Pública.
V. A Recorrente também sustenta que a estrutura de custos da V............... depende da oferta grossista ORALL, elaborando, posteriormente, uns cálculos no mínimo aleatórios, e concluindo, mais uma vez, que o preço a propor pelos concorrentes nesta rubrica nunca poderia ser igual ou inferior a 20 euros.
W. A Recorrida pressupõe erradamente que a V............... recorre sempre aos serviços grossistas da empresa regulada (a PT Comunicações), não considerando que a V............... também pode prestar o serviço sobre outras infra-estruturas, que não os lacetes da P… Comunicações, S.A..
X. De facto, os serviços que a V............... oferece através do contrato estabelecido com o cliente final somente numa pequena parte dependem do produto grossista regulado que a V............... adquire à PTC, pelo que não têm qualquer correspondência com a realidade as afirmações feitas pela Recorrente a este respeito.
Y. Resulta do supra exposto que a Autora, ora Recorrente, nunca demonstrou haver um erro, muito menos grosseiro e ostensivo, na apreciação das propostas por parte da ora Recorrida; até porque não o podia fazer, pois a V............... não vende produtos abaixo do preço de custo e responde às exigências do Caderno de Encargos. Em suma, a Autora apresenta uma versão deliberadamente truncada dos factos e tenta obnubilar a realidade, desconsiderando muitos factores que são relevantes para a formação de preços.
Z. Em consequência, deve o presente recurso ser considerado improcedente, por ausência de qualquer erro de julgamento, confirmando-se a decisão de primeira instância.

*
A Entidade Demandada Agência Nacional de Compras Públicas, EPE, ora Recorrida, contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.

*

Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência – artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.

*
Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. Por anúncio publicado na II Série do Diário da República do dia 24.09.2009, foi aberto um concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de comunicações de voz e dados em local fixo (acordo: cf. PA, em suporte informático).
2. O concurso teve por objecto a selecção de co-contratantes no acordo quadro para a prestação dos seguintes serviços de comunicações de voz e dados em local fixo, em todo o território nacional, ou em partes do mesmo: a) serviços de comunicações de voz, com 5 lotes: b) serviços de dados acesso à internet e conectividade, com 5 lotes: e c) serviços combinados de comunicações de voz e de dados - acesso à internet e conectividade, com 5 lotes (acordo; cf. doe. de fls. 483 a 512 e 589 a 610).
3. O referido concurso compreendeu os seguintes lotes:
(a) Serviços de comunicações de voz:
i. Lote l - Prestação de serviços de comunicações de voz no Distrito de Lisboa;
ii. Lote 2 - Prestação de serviços de comunicações de voz no Distrito do Porto;
iii. Lote 3 - Prestação de serviços de comunicações de voz na Região Autónoma dos Açores;
iv. Lote 4 - Prestação de serviços de comunicações de voz na Região Autónoma da Madeira:
v. Lote 5 - Prestação de serviços de comunicações de voz em lodo o território nacional.
(b) Serviços de dados - acesso à Internet e conectividade:
i. Lote 6 - Prestação de serviços de dados - acesso à Internet e conectividade no Distrito de Lisboa:
ii. Lote 7 - Prestação de serviços de dados - acesso à Internet e conectividade no Distrito do Porto;
iii. Lote 8 - Prestação de serviços de dados - acesso à Internet e conectividade na Região Autónoma dos Açores;
iv. Lote 9 - Prestação de serviços de dados - acesso à Internet e conectividade na Região Autónoma da Madeira:
v. Lote 10 Prestação de serviços de dados acesso à Internet e conectividade em todo o território nacional.
(c) Serviços combinados de comunicações de voz e de dados - acesso à Internet e conectividade:
i. Lote 11 - Prestação de serviços combinados de comunicações de voz e de dados - acesso à Internet e conectividade no Distrito de Lisboa;
ii. Lote 12 - Prestação de serviços combinados de comunicações de voz e de dados - acesso à Internet e conectividade no Distrito do Porto;
iii. Lote 13 - Prestação de serviços combinados de comunicações de voz e de dados - acesso à Internet e conectividade na Região Autónoma dos Açores;
iv. Lote 14 - Prestação de serviços combinados de comunicações de voz e de dados - acesso à Internet e conectividade na Região Autónoma da Madeira;
v. Lote 15 - Prestação de serviços combinados de comunicações de voz e de dados - acesso à Internet e conectividade em todo o território nacional (acordo: c f. doe. de fls. 483 a 512 e 589 a 610).
4. O acordo quadro resultante do concurso em apreço disciplinará as relações contratuais futuras a estabelecer entre os prestadores de serviços e a ANCP, UMC, entidades compradoras vinculadas e voluntárias (acordo: cf. doe. de fls. 483 a 512 e 589 a 610).
5. Em data não concretamente apurada o Caderno de Encargos do presente concurso foi objecto de consulta pública (acordo: cf. doe. de fls. 483 a 512 e 589 a 610; cf. PA cm suporte informático).
6. Em data concretamente não apurada a A. apresentou a sua resposta à referida consulta (acordo: cf. PA em suporte informático).
7. Em data concretamente não apurada as seguintes entidades apresentaram candidatura ao procedimento:
(a) V............... P…….. - COMUNICAÇÕES PESSOAI, S.A.;
(b) P…. P……….;
(c) S……….. - SERVIÇOS DE ……………, S.A;
(d) O…………. – I………….., S.A;
(e) C…. T……….. - SERVIÇOS DE ……………….., UNIPESSOAL, LDA;
(f) A…. T………….. - ACESSOS E REDES DE ……………….., S.A (acordo; cf. PA em suporte informático).
8. A data limite para a apresentação das candidaturas foi de 19.11.2009 (acordo).
9. Em data concretamente não apurada a A a V............... a O………… e a A…… T………. foram admitidas no procedimento (acordo: cf. PA em suporte informático).
10. Em data concretamente não apurada as entidades qualificadas no procedimento foram convidadas a apresentar as respectivas propostas (acordo; cf. PA em suporte informático).
11. Em data concretamente não apurada os concorrentes apresentaram vários pedidos de esclarecimento, aos quais o Júri veio a responder (acordo; cf. PA em suporte informático).
12. Em data concretamente não apurada os concorrentes apresentaram, do mesmo modo, uma lista de erros e omissões das peças do procedimento, a qual veio também a ser objecto de resposta (acordo; cf. PA em suporte informático).
13. A A apresentou a sua proposta em 03.03.2010 (acordo).
14. Neste concurso seriam adjudicadas as cinco propostas com o mais baixo preço, sendo que, para esse efeito, os concorrentes deviam apresentar os seus preços unitários de acordo com as tabelas definidas nos anexos V. 1, V.2 e V.3 ao Programa do Concurso, para os seguintes serviços: a) Serviços de comunicações de voz (Lotes l a 5 e Lotes combinados 11 a 15): Preço em €/minuto, tarifado ao segundo: b) Serviços de dados (Lotes 6a 10 e Lotes Combinados 11 a 15): Preço para o aluguer mensal de largura de banda, devendo ser apresentados os tarifários para as seguintes categorias: i) Categoria A: Largura de banda até 10 Mbps: ii) Categoria B: Largura de banda até 100 Mbps; e iii) Categoria C: Largura de banda superior a 100 Mbps (acordo: c f. doe. de lis. 483 a 512 e 589 a 610).
15. Exigência que os concorrentes cumpriram, tendo os respectivos preços sido objecto da pontuação, constante do Relatório Preliminar de avaliação das propostas, constante do PA em suporte informático, que aqui se dá por reproduzido (acordo).
16. Da tabela que se junta a fls. 646, que aqui se dá por reproduzida, constam os preços propostos pelos diversos concorrentes para os lotes l a 5, referentes à prestação de serviços de comunicações de voz (acordo).
17. A V............... apresenta os seguintes preços para os lotes l a 5 (serviços de comunicações de voz): Lote l a 5 Preço proposto para as chamadas nacionais para destinos fixos locais/regionais 0.012; Preço proposto para as chamadas nacionais para destinos interurbanos/nacionais 0.012: Preço proposto para as chamadas nacionais para destinos móveis 0,07 (acordo; cf. doe. de lis. 646).
18. Da tabela que se junta a fls. 647 a 648, que aqui se dá por reproduzido constam os preços propostos pelos diversos concorrentes para os lotes 6 a 10, referentes à prestação de serviços de dados - acesso à internet e conectividade (acordo).
19. A V............... apresenta os seguintes preços para os serviços de comunicações de dados na Categoria A do Lote 6 - distrito de Lisboa : Preço proposto para uma largura de banda do circuito de acesso à internet categoria A com contenção assimétrica € 20: Preço proposto para uma largura de banda do circuito de acesso à internet categoria A com contenção simétrica €' 648; Preço proposto para uma largura de banda do circuito de acesso à internet categoria A sem contenção assimétrica € 212; Preço proposto para uma largura de banda do circuito de acesso à internet categoria A sem contenção simétrica € 648: Preço proposto para uma largura de banda dos circuitos dedicados categoria A € 2032; Preço proposto para circuitos VPN categoria A €785 (acordo: cfr. doe. de fls. 647 a 648).
20. A Ar T…………, para a mesma categoria do Lote 6 (serviços de comunicações de dados na Categoria A do Lote 6 distrito de Lisboa): Preço proposto para uma largura de banda do circuito de acesso à internet categoria A com contenção assimétrica €150; Preço proposto para uma largura de banda do circuito de acesso à internet categoria A com contenção simétrica € 755: Preço proposto para uma largura de banda do circuito de acesso à internet categoria A sem contenção assimétrica €755: Preço proposto para uma largura de banda do circuito de acesso à internet categoria A sem contenção simétrica €755; Preço proposto para uma largura de banda dos circuitos dedicados categoria A €1510; Preço proposto para circuitos VPN categoria A €840. (acordo: cfr. doe. de fls. 647 a 648).
21. Da tabela que se junta a fls. 649, que aqui se dá por reproduzida, constam os preços propostos pelos diversos concorrentes para os lotes 11 a 15 referentes à prestação de serviços combinados de comunicações de voz e dados (acordo; cfr. doe. de fls. 649).
22. Em 29.03.2010 foi elaborado o Relatório Preliminar de avaliação das propostas que consta de fls. 246 a 251 e de fls. 612 a 624, que aqui se dá por reproduzido.
23. Em data concretamente não apurada foi comunicado à A. o Relatório Preliminar de avaliação das propostas (acordo).
24. Em data concretamente não apurada a A. apresentou resposta em sede de audiência prévia, na qual manifestava o seu desacordo face à consideração dos preços propostos pelos concorrentes V............... e Ar Telecom para os diversos lotes, na medida em que os mesmos eram manifestamente inferiores aos preços correntes de mercado, para os serviços em apreço, mais requerendo que o Júri lhes solicitasse os respectivos esclarecimentos sobre o modo de formação do preço (acordo: cf. doe. de fls. 650 a 659).
25. Na sequência da elaboração do relatório final de avaliação das propostas, o Conselho de Administração da ANCP deliberou, em 29.04.2010, aprovar aquele mesmo relatório, proceder às adjudicações aos 5 concorrentes - incluindo a P…. P…….. com as propostas com os mais baixos preços, e aprovar a minuta dos Acordos Quadro, conforme doe. de fls. 475 a 482, que aqui se dá por reproduzido.
26. Em 30.04.2010 foi comunicado à A a decisão de 29.04.2010 (acordo).
27. Em data concretamente não apurada a P….. P…….. reclamou dessa deliberação (acordo; cf. doe. de fls. 660 a 677).
28. Em data concretamente não apurada a reclamação foi indeferida e o Júri manteve em sede Relatório Final a ordenação das propostas, sem qualquer verificação adicional quanto aos preços apresentados ou qualquer pedido de esclarecimento quanto ao modo de formação do preço (acordo).
29. A A. reclamou desta deliberação do CA da ANCP, por documento datado de 07.05.2010. alegando que as propostas da V............... e da A…… T…….. apresentavam preços anormalmente baixos - que deviam ter sido objecto de esclarecimento - e que induziam uma prática de concorrência desleal no mercado (acordo).
30. Foi elaborada a informação jurídica de fls. 678 a 704 relativamente à reclamação da A. (cf. doe. de fis. 678 a 704).
31. Em 25.05.2010 foi indeferida a reclamação da A. por deliberação do CA (acordo).
32. Em 25.05.2010 foi comunicado à A o indeferimento expresso do seu pedido (acordo).
33. A presente acção foi apresentada no site do Sitaf em 17.06.2010 (cf. doe. de fls. 1).



DO DIREITO



Atentas as conclusões de recurso, vem assacada a sentença de incorrer em violação primária de direito adjectivo e substantivo por erro de julgamento nas seguintes matérias:
1. competência em razão do valor da causa e forma de processo; preterição de tribunal colectivo; nulidade de processo………………………………………………………………. itens C e D;
2. impugnação das peças do procedimento; prazo, artº. 101º CPTA ………………… itens E a J;
3. insuficiência de probatório; preço anormalmente baixo ……………………….….. itens K a Y.


1. competência intrajudicial; preterição de tribunal colectivo;

Vem suscitada a incompetência relativa do Tribunal singular em resultado da infracção das regras dos artºs. 31º nº 2 b) CPTA e 40º nº 3 ETAF respeitantes à forma do processo e valor da causa na vertente da distribuição de poderes, dentro do tribunal competente, no tocante à determinação do órgão julgador em matéria de facto e de decisão da causa (tribunal colectivo, juiz singular e formação alargada de três juízes), matéria que, além do mais, é também de conhecimento oficioso por aplicação do disposto no artº 110º nº 2 CPC.
Sendo aplicável a lei adjectiva cível por força da remissão geral do artº 1º CPTA, a intervenção do órgão julgador em violação das regras de competência funcional ou intrajudicial (e não da medida de jurisdição) tem como consequência, na circunstância da assacada preterição do tribunal colectivo, a nulidade do acto praticado, ou seja, a nulidade do julgamento realizado pelo Tribunal singular e a sua renovação ab initio, conforme regime do artº 646º nº 3 com remissão para o artº 110º nº 4, ambos do CPC. (1)

*
Em abstracto, o regime é este, só que não aplicável ao caso dos autos, na medida em que a forma urgente do contencioso pré-contratual relativa à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e fornecimento de bens [na terminologia do CCP, aquisição de serviços e de bens móveis, vd. artº 6º nº 1 als. d), e)], não se reconduz à forma não urgente da acção administrativa especial, configurando uma e outra regimes específicos e distintos, seguindo a primeira, prevista nos artºs. 35º nº 2, 36º e 100º a 103º do Título IV, Cap. I, Secção II do CPTA, um regime de tramitação célere evidenciado nos artºs 36º nº 2 (em férias) e 147º (prazo de recurso em metade),ao contrário da tramitação mais alargada prevista para a acção administrativa especial, conforme decorre do Título III, Caps. I, II e III do citado Código.
A forma processual urgente é especificamente definida para os casos em que “(..) ocorram situações de especial urgência que como tal estejam expressamente previstas na lei, para o efeito de deverem corresponder a uma forma de processo especial, caracterizada por um modelo de tramitação simplificado ou, pelo menos, acelerado em razão urgência (..)”. (2)
Estamos perante uma figura legal típica, configurada no Título IV que “(..) corresponde à ideia de processos urgentes principais – que se distinguem, quer dos processos principais não urgentes, quer dos processos urgentes não principais (os processos cautelares) (..)” . (3)
Sendo os processos urgentes do Título IV uma forma de processo tipicizada segundo a tramitação gizada para cada uma das quatro modalidades de situações de urgência especial (duas impugnatórias, o contencioso eleitoral e pré-contratual e outras duas de intimação), tal significa a definição vinculada da sequência ordenada em abstracto para os actos e formalidades necessários à emissão da pronúncia que, em sede de acto final do processo, substancia a norma do caso concreto levado a juízo, sequência essa estruturalmente distinta da estatuída para os actos e formalidades processuais respeitantes a pretensões que não correspondam às situações de urgência tipificadas na lei adjectiva.
Pelo que vem dito, na forma dos processos especiais urgentes do contencioso pré-contratual, artºs 100º a 103º CPTA, a competência funcional do tribunal segue o regime do julgamento de facto e de direito por juiz singular nos termos estatuídos pelo artº 40º nº 1 ETAF, sendo aqui indiferente o valor da causa superior à alçada do Tribunal de 1ª instância (TAC) para determinar a intervenção da formação alargada de três juízes a título de competência intrajudicial, regime específico do artº 40º nº 3 ETAF para a acção administrativa especial e, muito menos, do tribunal colectivo para o julgamento da matéria de facto na acção administrativa comum, regime do nº 2 do citado artigo.
De modo que, pelas razões de direito expostas, improcede a questão trazida a recurso nos itens C e D das conclusões.

2. termos a quo e ad quem do prazo de impugnação das peças do procedimento – artºs. 100º nº 2 e 101º CPTA;

Tendo em conta os fins de interesse público a que o contencioso pré-contratual urgente pretende dar resposta (rápida estabilização do procedimento pré-contratual e início de execução dos contratos públicos) no domínio dos contratos especificamente referidos no artº 100º nº 1 CPTA o prazo de um mês estabelecido no artº 101º é aplicável aos casos constantes da norma do artº 100º nº 2, ou seja, em sede de impugnação do programa do concurso, do caderno de encargos e de qualquer outro documento conformador do procedimento de formação dos contratos, sendo, assim, passíveis de impugnação directa através do contencioso pré-contratual urgente. (4)
Na circunstância importa o modo de contagem dos termos a quo e ad quem do dito prazo de 1 mês.
A ora Recorrente peticiona a declaração de ilegalidade dos artºs. 20º nºs. 2 e 3 b), nº 6 f), g) e nº 7 d) e e) e artº 24º do Caderno de Encargos, tendo a sentença declarado a caducidade do direito de acção porquanto apresentada a proposta pela ora Recorrente em 03.03.2010, à data da entrada da petição em juízo, em 17.06.2010, o prazo de um mês já havia decorrido, sufragando o entendimento sustentado no Ac. do STA tirado no rec. nº 471/09 de 26.08.2009.
Todavia, aderindo a entendimento doutrinário distinto no tocante ao modo de contagem do prazo de um mês do artº 101º CPTA, esteja em causa a impugnação de acto endo-procedimental ou dos documentos conformadores do procedimento, caso a ilegalidade do acto ou do documento se repercuta no acto final, o termo ad quem do prazo de impugnação ocorre 1 mês após o acto final procedimental em causa, isto é, “(..) esse prazo não se conta a partir da prática do acto ilegal, mas da prática do acto final do procedimento (em princípio, do acto de adjudicação). Melhor dizendo, ele termina 1 mês após a adjudicação e corre desde a prática do acto endo-procedimental ilegal. É isso que resulta do facto de a ilegalidade do acto endo-procedimental se repercutir no acto final de adjudicação (..)
Quanto ao prazo de impugnação dos documentos conformadores do procedimento (..) esse prazo talvez não devesse começar a contar do acesso ao documento em causa (..) o prazo podia começar a contar do momento em que o interessado ficou colocado em condições concretas de deduzir a impugnação judicial, isto é, a partir do momento em que a ilegalidade (uma certa ilegalidade) do documento se tornou uma questão do procedimento. (..)
Para não dizer também que não veríamos necessariamente como má solução a de permitir a impugnação do documento por todo o tempo do procedimento até ao decurso de 1 mês após o acto de aplicação do documento ou até mesmo ao prazo de 1 mês a contar do acto final.
Na verdade, se a ilegalidade do documento se mantém operativa e invocável contra os actos de sua aplicação (em última instância, em princípio, a adjudicação), por que motivo não permitir a impugnação do documento nesses momentos? (..)”. (5)
Na mesma linha doutrinária no tocante aos documentos conformadores do procedimento “(..) não se afigura razoável submeter a impugnação destes documentos, que se destinam a vigorar pelo menos durante todo o período de pendência do procedimento pré-contratual, a um prazo preclusivo de um mês, contado desde a data em que eles se tornem acessíveis aos eventuais interessados. Coloca-se, em todo o caso, a necessidade de articular a possibilidade de impugnar, desde logo, as determinações contidas nos documentos em causa com a possibilidade de impugnar os actos administrativos que, ao longo do procedimento, podem ser praticados em aplicação ou, pelo menos, no pressuposto de tais determinações. (..)
Com efeito, o contencioso pré-contratual urgente deve ser, a nosso ver, encarado como uma unidade, nas duas modalidades em que, em conformidade com as Directivas recursos, o nº 1 e o nº 2 deste artº 100º o desdobram. Deve, por isso, entender-se que entre as previsões do nº 1 e do nº 2 existe uma relação de complementaridade, que explica o silêncio do segundo dos preceitos quanto à questão dos pressupostos processuais aplicáveis.
Tudo ponderado, parece-nos, pois, de entender que o prazo de um mês do artº 101º também vale para a impugnação dos documentos conformadores do procedimento pré-contratual. (..) o eventual não exercício da faculdade de impugnação concedida pelo artº 100º nº 2 não preclude a faculdade, que sempre existiria, da impugnação dos actos administrativos que, ao longo do procedimento, porventura venham a ser praticados em aplicação ou, pelo menos, no pressuposto da determinação ilegal contida no documento conformador não impugnado – maxime, a faculdade da impugnação do acto final do procedimento, com fundamento em todas as ilegalidades que ao longo do mesmo possam ter sido cometidas. (..)” (6)

*
Neste sentido e quanto ao caso presente, releva o acto final do procedimento de formação do acordo quadro de 29.04.2010, notificado a 30.04.2010, itens 25 e 26 do probatório, bem como a dedução em 07.05.2010 de reclamação graciosa da deliberação do Conselho de Administração da Entidade Demandada, indeferida e notificada à Recorrente em 25.05.2010, itens 29, 31 e 32 do probatório.
Pelo que atento o disposto nos artºs. 59º nºs 1 e 4 CPTA (contagem do prazo desde a notificação e efeitos suspensivos da impugnação graciosa facultativa) o prazo de um mês do artº 101º CPTA aplicável aos casos do artº 100º nº 2 CPTA, começou a correr no dia 30.04.2010, suspendeu-se no dia 07.05.2010, recomeçou o decurso em 25.05.2010 e atingiu o termo final em 17.06.2010, ou seja, no dia em que a petição inicial deu entrada em juízo, conforme alegado nos itens E a J das conclusões de recurso.
Significa isto que relativamente ao pedido de declaração de ilegalidade das citadas normas do caderno de encargos, a acção é tempestiva, não podendo subsistir o entendimento sustentado pelo Tribunal a quo ao abrigo da doutrina constante do citado Ac. do STA de 26.08.2009, in rec. nº 472/09.

Cumpre, pois conhecer em substituição.

Na circunstância está em causa um procedimento de formação de acordo quadro para a aquisição de serviços de comunicação de voz e dados em local fixo e em todo ou parte do território nacional, de modo que, nesta fase, trata-se de fixar antecipadamente os termos dos contratos que eventualmente a Administração venha a celebrar no prazo de vigência do acordo quadro, isto é, trata-se de disciplinar por antecipação as condições contratuais próprias dos contratos a celebrar, que em princípio, não podem ser alteradas, vd. artºs. 251º e 257º nº 2 CCP.
No caso concreto a Recorrente controverte cláusulas inseridas no caderno de encargos por, a seu ver, constituírem cláusulas contratuais inválidas no que respeita aos futuros contratos, concretamente o artº 20º nº 2 por “impedir os prestadores de serviços de cobrarem aos clientes um serviço que estes prestam “ e, assim, “ obriga os concorrentes a prestar serviços gratuitamente” – artigos 151 e 157 da petição; o artº 20 nºs 3, 6 e 7 porque “trata-se de exigências que os próprios operadores não podem cumprir” pelo que “impõe-se que os requisitos técnicos funcionais e níveis de serviços constantes do CE sejam objecto de interpretação correctiva, ou seja, venham a ser lidos à luz das ofertas de referência existentes no mercado” - artigos 175 e 183 da petição; o artº 24º por em conjugação com o artº 5º h), fixar uma obrigação de remuneração da Entidade Adjudicante a cargo dos concorrentes seleccionados, que se reconduz à criação de uma taxa, sem norma habilitante para tal – artigos 185, 187 e 203 da petição.
Todo o petitório nesta matéria das cláusulas referentes ao artº 20º nºs 2, 3 b), 6 f), g) e 7 d), e), cujo texto de alegação constitui o teor dos artigos 150 a 183, tem natureza conclusiva o que, conjugado com a circunstância de as mencionadas cláusulas se reconduzirem a matéria técnica própria dos específicos serviços a contratar, implica que se trate de alegação insusceptível de ser levada à fase de instrução processual, isto é, insusceptível de constituir objecto de apreciação jurídica por intermédio dos meios probatórios admitidos em juízo.
Na medida em que a petição inicial não contém alegação de factos sobre os quais, num primeiro momento, fazer recair a prova em ordem a, num segundo momento, decidir do direito aplicável, tal significa que a petição se apresenta organizada em termos que não obedecem ao disposto nos artºs. 511º e 512º do CPC, ou seja, em rigor, não discrimina matéria de facto que substancie a causa de pedir em ordem a decidir a favor ou em contrário do pedido deduzido.
Quanto à ilegalidade da obrigação de remuneração - no montante de 1% sobre o total da facturação (sem IVA, naturalmente) em periodicidade semestral - constante do artº 5º h) por referência aos termos do artº 24º do CE, assumir a natureza técnico-jurídica de taxa, tal qualificação não é sustentável desde logo porque se trata de competência em matéria fiscal integrada na reserva legislativa da Assembleia da República conforme regime decorrente das disposições conjugadas dos artºs. 103º nº 2 e 165º nº 1 al. i) da CRP, ou seja, configura matéria de soberania sendo que a ora Recorrida Agência Nacional de Compras Públicas, EPE tem a natureza de entidade pública empresarial cfr. artº 1º nº 1 DL 37/07 de 19.01.
De modo que, pelas razões expostas, improcedem as imputadas ilegalidades ao caderno de encargos.

3. preço anormalmente baixo;

A tipologia procedimental em causa nos autos reporta ao concurso limitado por prévia qualificação da capacidade técnica e financeira dos concorrentes (artº 162º ss. ex vi artºs. 253º nº 2 e 20º nº 1 b) CCP), para formação de um acordo quadro com vista a futuros contratos de aquisição dos serviços identificados nos itens 1 a 4 do probatório, sendo o mais baixo preço o critério de adjudicação concursal das 5 propostas, conforme item 14 da fundamentação de facto da sentença.
Nada mais tendo sido clausulado em matéria de critério de adjudicação, tal significa que,
(i) no domínio do concurso limitado por prévia qualificação que disciplina a formação do presente acordo quadro, a entidade adjudicante e ora Recorrida não estabeleceu nenhum limiar de anomalia no programa do concurso ou nos convites endereçados aos concorrentes nem fixou um valor a título de preço base, isto é, não fixou nenhum parâmetro base do preço contratual, artºs 47º nº 1 a) e 71º nº 1 (1ª e 2ª partes) ambos do CCP,
(ii) logo, para efeitos de subsunção normativa do preço anormalmente baixo, compete o disposto no artº 71º nºs 2 e 3 do CCP.
Os citados comandos dos nºs. 2 e 3 do artº 71º dispõem como se transcreve:
2 – Quando o caderno de encargos não fixar o preço base, bem como quando não se verificar qualquer das situações previstas no nº 3 do artº 115º, no nº 2 do artº 132º e no nº 3 do artº 189º, o órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar, para efeitos do disposto no número seguinte, a decisão de considerar que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo.
3 – Nenhuma proposta pode ser excluída com fundamento no facto de dela constar um preço total anormalmente baixo, sem antes ter sido solicitado ao respectivo concorrente, por escrito, que, em prazo adequado, preste esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considere relevantes para esse efeito.”
*
Em síntese, o dever de solicitação de esclarecimentos a cargo do órgão competente para a decisão de contratar, pressuposto integrativo do poder de exclusão das propostas nesta matéria do preço anormalmente baixo e estatuído no artº 71º nº 3 CCP, rege, desde logo, no caso de não haver nem limiar de anomalia no convite ou programa do concurso, nem preço base no caderno de encargos.
E entende-se porquê, pois fixado que seja o preço base no caderno de encargos ou determinado o limiar de anomalia no convite ou programa do procedimento, os concorrentes tomam conhecimento pela consulta e fornecimento das peças concursais e no que respeita especificamente ao preço contratual, de quais as balizas que delimitam o conceito de preço anormalmente baixo no caso do contrato a celebrar, isto é, conhecem o limiar da anomalia das propostas no tocante ao preço que podem propor.
O que não pressupõe que lhes seja vedado apresentar preço competitivo abaixo ou inferior ao limiar da anomalia, só que, nesta circunstância, entre os documentos constitutivos obrigatórios da proposta e de consequente apresentação obrigatória, figura o documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto “quando esse preço resulte, directa ou indirectamente das peças do procedimento” cfr. artº 57º nº 1 d) CCP. (7)
Havendo preço fixado nos termos do artº 71º nº 1, 1ª ou 2ª parte, a ausência de documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto pelo candidato, determina a exclusão da respectiva proposta, cfr. artº 70º nº 2 e) CCP.
*
Diferentemente, as circunstâncias de facto do caso em apreço remetem para a hipótese contida no artº 72º nº 2 CCP, no quadro da decisão discricionária de anormalidade da proposta por referência ao conceito jurídico indeterminado de preço anormalmente baixo, aferido em função do contrato a cuja adjudicação e celebração tende o procedimento pré-contratual em curso.
Importa saber como é que se forma o dever jurídico de pedir esclarecimentos, isto é, quais são os pressupostos desse dever administrativo quando a entidade adjudicante não se auto-vinculou a um limiar de anomalia, como é o caso dos autos.
O uso de poderes discricionários da entidade adjudicante para considerar duvidosa uma dada proposta por ausência de congruência intrínseca e, consequentemente, de seriedade para sustentar a execução continuada das prestações contratuais, juízo dubitativo de seriedade tomado à luz das circunstâncias vigentes e conhecidas no momento em que decorrem os preliminares pré-contratuais e fundado no preciso preço contratual proposto que à entidade adjudicante se apresenta como passível de enquadrar um preço anormalmente baixo, pressupõe que terminado o prazo de apresentação das propostas, o júri,
(i) primeiro, proceda à análise das que foram apresentadas no uso da competência genericamente estatuída no artº 69º nº 1 b) CCP,
(ii) segundo, peça ao candidato, por escrito e sob prazo adequado, esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta” antes de propor a exclusão da proposta com fundamento no citado preço anormalmente baixo, isto é, peça esclarecimentos sobre os pontos concretos da proposta apresentada que, no critério motivado do júri, num primeiro patamar de análise suportam o juízo conclusivo de dúvida sobre a congruência e seriedade da proposta e, num segundo patamar de análise convergem na subsunção do preço contratual proposto no conceito de preço anormalmente baixo vazado no texto legal, vd. artº 71º nº 3 CCP,
(iii) terceiro, analise os esclarecimentos prestados pelo candidato sobre os pontos concretos da proposta solicitados e o dito preço anormalmente baixo proposto, artº 71º nº 4, 2ª parte na medida em que ao caso sob recurso importa a hipótese do artº 71º nº 2, ambos do CCP.
Os dispositivos legais mencionados evidenciam a existência de um sub-procedimento enxertado no procedimento pré-contratual, tendo por finalidade adjectiva a observância do contraditório sucessivo junto dos candidatos cujas propostas, depois de abertas e em via de análise pelo júri, suscitem objectivamente dúvidas de congruência e seriedade quanto ao cumprimento das obrigações no domínio da execução contratual, no que tange ao preço contratual.
Efectivamente, em juízo de normalidade com suporte nas características concretas do bem ou serviço que a entidade adjudicante pretende adquirir no mercado, o preço proposto há-de ser suficiente para cobrir os custos correntes contabilisticamente necessários à execução do contrato, acrescidos da margem de lucro expectável pela pessoa singular ou colectiva, maxime, a sociedade comercial, que se candidata à adjudicação.
E mais; a componente do preço contratual reportada à margem de lucro não pode apresentar-se de tal modo esmagada no meio dos restantes custos correntes de execução do contrato que, em critério de probabilidade a qualquer sujeito com conhecimentos próprios no âmbito do objecto contratual se lhe afigure como verosímil que, contas feitas, a margem de lucro é obtida à custa de uma execução deficiente do produto ou serviço prestado pela Administração (aos contribuintes).
Consequentemente, em caso de adjudicação, os vícios na execução do contrato serão originários de uma prática administrativa indevida por adjudicação de proposta que, em si mesmo, continha todas as indicações objectivas de que não era séria e congruente para cumprir o contrato e que, seja o órgão competente para a decisão de contratar, artº 71º nº 2 CCP, seja o júri por delegação, artº 69º nº 2 CCP, deviam ter visto e não viram.
Naturalmente que estamos em sede de valorações por recurso a juízos técnicos, melhor dizendo, o juízo jurídico sobre o preço anormalmente baixo é incindível dos juízos próprios da lex artis a que o contrato a adjudicar se reporta.
Como diz a doutrina, “(..) O contraditório que é imposto pelas directivas comunitárias é, a nosso ver, um contraditório dirigido, no sentido de que os concorrentes cujas propostas são qualificadas como de preço anormalmente baixo têm de se justificar perante imputações, sejam elas genéricas ou concretas, que lhes são dirigidas no sentido da suspeita de falta de seriedade ou congruência do preço proposto em relação á proposta contratual em causa.
Esse
contraditório tanto é dirigido, no sentido assinalado, nos casos em que o concorrente propõe um preço que já sabe
ser anormalmente baixo (como sucede “quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento”, na sintética expressão da parte final da alínea d) do nº 1 do artº 57º do CCP), como nos casos em que só é confrontado com essa qualificação no seguimento de uma decisão discricionária da entidade adjudicante proferida nos termos do nº 2 do artº 71º do CCP.
[(70) Ou ainda, quando a qualificação do preço como anormalmente baixo resulte da aplicação de um critério automático que, à semelhança do previsto na legislação italiana ou do que, entre nós, já constou do nº 6 do artº 93º do DL nº 235/86, de 18 de Agosto, depende da média dos preços propostos e, como tal, só pode ser conhecido depois de apresentadas e abertas as propostas. Nesse caso, é igualmente aplicável, por identidade de razão, o disposto no nº 2 do artº 71º.].
(..) nos casos em que a anomalia da proposta resulta do exercício de um poder discricionário da entidade adjudicante, como esta é obrigada a fundamentar a sua decisão (cfr. nº 2 do artº 71º do CCP), a anomalia tem que assentar em pontos precisos da proposta que lhe suscitam suspeitas concretas e que ao concorrente cabe afastar nas justificações que apresente ao abrigo do nº 3 do mesmo artº 71º.
(..) justificações (..) idóneas a demonstrar que o preço, ainda que anormalmente baixo, é um preço de mercado, sério e congruente. Trata-se, em síntese, de uma demonstração, feita através de juízos de verosimilhança, que assenta num confronto com a realidade do mercado.
(..) Por isso, sob pena de violação da directiva comunitária (cfr. nº 1 do artº 55º da Directiva nº 2004/18), o artº 71º do CCP deve ser interpretado à luz da jurisprudência Lombardini, [Acórdão do TJCE de 27.11.2001, processo C-285/99 e C-286/99 - Lombardini/Mantovani] no sentido de o seu nº 3 se aplicar também, nos dois casos previstos no nº 1, quando as justificações anteriormente apresentadas tenham criado na entidade adjudicante dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta.
Mas assim sendo, impõe-se também que seja convocada a aplicação da segunda parte do nº 2 do artº 71º do CCP, isto é, que a entidade adjudicante fundamente essa decisão de solicitar novos “esclarecimentos justificativos”, pois só assim é que ocorre um verdadeiro contraditório, como o prevê, tanto aquele nº 3 do artº 71º do CCP. (..)”(8)
*
No caso dos autos em sede de procedimento pré-contratual de formação do acordo quadro, a Entidade Adjudicante ora Recorrida entendeu que da análise das propostas não resultavam indícios de preço anormalmente baixo no tocante aos concretos preços apresentados pelas contra-interessadas para os lotes identificados pela ora Recorrente.
Assim sendo, não cabia formular nenhum juízo de verosimilhança em matéria de preços contratuais abaixo dos preços do mercado em causa, nem abrir o sub-procedimento em ordem à efectivação do contraditório sucessivo com fundamento em esclarecimentos justificativos “relativos aos elementos constitutivos da proposta” a solicitar às mencionadas contra-interessadas, nos termos supra referidos do artº 71º nºs 2 e 3 CCP.
Em sede de recurso jurisdicional, cumpre saber se a sentença incorreu em erro de julgamento por violação primária de direito adjectivo reflectida na insuficiência de probatório em ordem a uma solução da causa plausível em direito, isto é, se, como sustenta a ora Recorrente, cabe produzir prova sobre os preços apresentados pelas contra-interessadas, assacados de preços anormalmente baixos
A doutrina citada responde também ao caso dos autos que a ora Recorrente suscita relativamente aos preços propostos por parte das contra-interessadas A… T……… – Acessos e Redes de …………SA e V............... Portugal – Comunicações ……., SA [doravante, A……. T…….. e V...............] para os serviços de comunicações de voz e de dados, para os diversos lotes que identifica, e que qualifica de constituírem preços anormalmente baixos.
Todavia, a entidade adjudicante, ora Recorrida, indeferiu em sede procedimental o requerido pela ora Recorrente no sentido de serem solicitados esclarecimentos junto dos referidos concorrentes sobre o modo de formação dos citados preços, matéria levada ao probatório nos itens 24 a 32., tendo por isso seleccionado no procedimento do acordo quadro propostas anómalas, violadoras do princípio da concorrência.
Daí, atenta a cumulação de pedidos, a peticionada anulação da deliberação de adjudicação de 29.04.2010 na parte viciada quanto às contra-interessadas V............... e A… T….. nos ditos lotes, bem como a anulação dos contratos eventualmente celebrados e, em sede recurso, a insuficiência de probatório decorrente da desatendida produção de prova testemunhal, itens K a Y das conclusões.
Salvo o devido respeito, entendemos que não assiste razão à ora Recorrente pelos motivos que seguem

4. insuficiência de probatório;

De acordo com os termos da alegação em sede de petição inicial, diz a ora Recorrente que tais preços são “manifestamente inferiores aos preços correntes de mercado, para os serviços em preço” – artigo 19 da p.i.. e que, artigo 66 da p.i., “bastar-se-ia a Entidade Adjudicante com os preços oferecidos pelos diferentes concorrentes que, sendo tão díspares, indiciariam o facto de se estar perante preços anormalmente baixos.”.
Vejamos, primeiro, em termos do conteúdo concreto do articulado inicial.
Quanto ao preço apresentado pela V............... de € 0,012 no artigo 33 da p.i., a comparar com o valor de € 0,049 do seu tarifário, no artigo 37 da p.i., alega a ora Recorrente nos artigos 35, 36 e 38 da p.i.., respectivamente, que “o preço das chamadas proposto pela V............... afigura-se incomportável com um modelo de negócio minimamente coerente com a realidade do mercado”, que “os preços propostos pela V............... apresentam-se totalmente inflacionados face aos custos correntes” e que “é manifestamente inferior face aos valores que a mesma pratica no mercado, quer face aos valores comummente praticados pelos restantes operadores no mercado em causa”, o que configura alegação valorativa e conclusiva, insusceptível de quesitação.
Nos artigos 40 e 52 da p.i. a ora Recorrente alega que “a V............... apresenta um preço de € 20 para uma “largura de banda do circuito de acesso à internet categoria A com contenção assimétrica”, enquanto os outros concorrentes apresentam preços substancialmente mais elevados”
Quanto ao alegado nos artigos 42, 45, 46, 50, 52 da p.i. reporta a matéria de facto de natureza técnica (lacete activo, lacete não activo, custo do router, custo grossista), pelo que a conclusão constante dos artigos 48 e 51 da p.i., no sentido de que “o preço a propor ... nunca pode ser igual ou inferior a 20 euros como assim o pretende a V...............” depende do meio probatório adequado, que no caso é a prova pericial e não o depoimento da testemunha.
E o mesmo ocorre com a matéria alegada nos artigos 58 e 59 da p.i. para uma “largura de banda do circuito de acesso à internet categoria A sem contenção assimétrica”, em que a V............... apresenta um preço de € 212 e a A… T… de € 755, “bem como para os circuitos VPN” em que a V............... apresenta um preço de € 785 e a A… T…. de € 840.
Como é de norma, os quesitos ordenados no questionário – base instrutória pela reforma de 1995 – constituem as perguntas (questioni) que, em audiência de julgamento e tomando a instância, os Senhores Advogados fazem às testemunhas e a que o Senhor Juiz responde “provado”, “não provado”, ou “provado apenas que” no despacho/acórdão de resposta aos quesitos.
O que é de reter é que as testemunhas são perguntadas sobre os factos que conhecem de ver, ouvir directamente ou ouvir dizer a terceiro que identifica (razão de ciência), e para cuja resposta esclarecem qual a razão de ciência que lhes assiste, sendo a razão de ciência conjugada com o teor do depoimento presencial (princípio da imediação) que habilitam o tribunal a aferir da bondade ou não bondade jurídicas do mesmo.
As testemunhas não são perguntadas sobre valorações ou opiniões que tenham, pois quem “opina” de direito é o tribunal, não a testemunha e quem “opina” de facto são os peritos no domínio da respectiva lex artis mediante resposta escrita em laudo pericial aos quesitos – outra vez os quesitos, conceito próprio e preciso de direito adjectivo – previamente formulados pelas partes e pelo tribunal.
O que significa que, em boa técnica, a cada quesito deve corresponder um único facto a perguntar à testemunha (e não uma sucessão de acontecimentos em amálgama) em ordem à resposta de “provado”, “não provado”, ou “provado apenas que”.
É assim desde a Novíssima Reforma do CPC de 1939, com mais ou menos alterações de pormenor que não vêm ao caso.
Do que vem dito conclui-se que o direito adjectivo não consente a organização da base instrutória (antigo questionário) a partir do alegado na petição inicial pela ora Recorrente, atento o conteúdo concreto dos artigos supra referidos, na medida em que o direito adjectivo só consente a selecção da “matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito”, ou seja, só compreende a selecção a partir dos factos articulados pelas partes, controvertidos e pertinentes à causa e indispensáveis para a resolver e decidir qual a norma que compete ao caso concreto – vd. artºs. 511º e 512º CPC ex vi artºs 1º e 90º nº 1 CPTA.
*
Em segundo lugar, cabendo à ora Recorrente o ónus de prova da aceitação de propostas no âmbito do procedimento de formação do acordo quadro apresentadas com preços anormalmente baixos, cabe reiterar o acima afirmado de que os juízos de verosimilhança da falta de seriedade e congruência das propostas por apresentarem preços anormalmente baixos se faz por reporte aos preços reais praticados no mercado e tendo por sustentação as reais condições que permitem ao concorrente apresentar os ditos preços assacados de anormalidade por suplantarem a competitividade em comparação com os preços dos outros concorrentes.
Ora, a dificuldade de prova em juízo que a ora Recorrente não sustentou em termos de alegação de matéria de facto, reside precisamente na exigência de uma dupla demonstração, tendo por objecto o preço contratual apresentado pelas contra-interessadas, a saber, que tais preços são
(i) abaixo dos preços praticados no mercado em causa e que
(ii) em face das reais condições do concorrente para apresentar aquela proposta com aqueles reais elementos constitutivos, o preço é anormalmente baixo porque não permite a execução do contrato no cumprimento do complexo de obrigações que o constituem.
Ora, como já referido, a petição inicial não apresenta matéria de facto susceptível de ser quesitada para sustentar o primeiro bloco de matéria de prova, que os preços contratuais apresentados são abaixo dos preços praticados no mercado – a ora Recorrente centrou a alegação no domínio da comparabilidade de preços entre os candidatos, sustentando que os das contra-interessadas V............... e A…T…… eram os mais baixos.
Quanto ao segundo bloco de matéria de prova, que os preços contratuais não permitem a execução do contrato no confronto com as reais condições do candidato e o conteúdo da proposta apresentada, a ora Recorrente nada alegou de concreto.
Naturalmente que esta exigência de dupla demonstração por via da exigência de dois blocos de matéria de prova tem assento no complexo normativo que preside ao modo de determinação do que se entende por proposta anómala de preço anormalmente baixo, artºs. 71º e 72º CCP na interpretação dada ao conceito de preço anormalmente baixo segundo o entendimento doutrinário e jurisprudência comunitária expostos.
Concluindo, pelas razões de direito expostas improcedem as questões trazidas a recurso nos itens K e Y das conclusões.


***

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso
Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 17.FEV.2011


(Cristina dos Santos) ……………………………………………………………………………..


(António Vasconcelos) …………………………………………………………………………..


(Paulo Gouveia).............................................................................................................................


(1) Aroso de Almeida, Manual de processo administrativo, Almedina/2010, págs. 212/213; Lebre de Freitas, Código de processo civil – anotado, vol 2º, Coimbra Editora/2ª edição, pág. 637 e vol. 1º , pág. 213; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, LEX/1997, pág. 339; Carlos Cadilha, Dicionário de contencioso administrativo, Almedina/2006, pág. 677.
(2) Mário Aroso de Almeida, Manual de processo administrativo, Almedina/2010, pág. 407.
(3) Vieira de Andrade, A justiça administrativa, 10ª ed. Almedina72009, pág. 253.
(4) Pedro Costa Gonçalves, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, CJA nº 62, págs. 4/5 e 10.
(5) Rodrigo Esteves de Oliveira, O contencioso urgente da contratação pública, CJA nº 78, págs.10 e 13/15.
(6) Mário Aroso de Almeida, Manual …, págs. 342/343.
(7) Mário Esteves de Oliveira et alii, Código dos Contratos Públicos e legislação complementar – guias de leitura e aplicação, Almedina/2008, págs. 64/641 e 790;João Amaral e Almeida, As propostas de preço anormalmente baixo - Estudos de Contratação Pública, III-CEDIPRE, Coimbra Editora/2010, págs. 129/134
(8) João Amaral e Almeida, As propostas de preço anormalmente baixo - Estudos de Contratação Pública, III-CEDIPRE, Coimbra Editora/2010, págs. 139/141, 145.

Sem comentários:

Enviar um comentário