terça-feira, 22 de novembro de 2011

CONTENCIOSO PRÉCONTRATUAL. - RECURSO JURISDICIONAL. - IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA. - PARÂMETROS BASE. - ENCARGOS LEGAIS OBRIGATÓRIOS COM PESSOAL. - EXCLUSÃO DA PROPOSTA (NÃO).




Proc. 7359/11   CA- 2º JUÍZO     28-04-2011     FONSECA DA PAZ

CONTENCIOSO PRÉCONTRATUAL.
RECURSO JURISDICIONAL.
IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.
PARÂMETROS BASE.
ENCARGOS LEGAIS OBRIGATÓRIOS COM PESSOAL.
EXCLUSÃO DA PROPOSTA (NÃO).

I -Estando explicitados os motivos de discordância da sentença recorrida, considera-se que a recorrente a impugna mesmo quando mantém, nas alegações do recurso jurisdicional, a posição vertida na petição inicial, pois não é exigível que ele “invente” argumentos novos para defender a tese jurídica que sustentara na 1ª instância.

II - Os parâmetros base que vinculam as propostas podem dizer respeito a quaisquer aspectos da execução do contrato e devem ser definidos através de limites mínimos ou máximos que constituem a base a partir da qual funciona a concorrência.

III -Se o Caderno de Encargos de um concurso público para fornecimento de alimentação não fixou um valor mínimo de encargos com pessoal, não poderia a proposta da adjudicatária ser excluída ao abrigo da al. b) do nº 2 do art. 70º do C. Contratos Públicos.

IV - E, não tendo sido demonstrado que a proposta da adjudicatária não apresentava os encargos legais obrigatórios mínimos com o pessoal para o período do serviço a prestar, também não poderia ela ser excluída com fundamento na al. f) do referido art. 70º, nº 2


ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª. SECÇÃO, 2º. JUÍZO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1. A “G…….. Companhia ……………, SA”, com sede na Rua da Garagem, nº 10, freguesia de …………, concelho de Oeiras, inconformada com a sentença do T.A.F. de Sintra, que julgou improcedente a acção de contencioso précontratual que intentara contra o Município de Oeiras, dela recorreu para este Tribunal, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
“1ª.) Não tem aplicação ao caso em apreço o regime do preço anormalmente baixo previsto no art. 71º. do C.C.P.;
2ª.) Porém, existem outras causas que determinam a exclusão da proposta da “Uniself”, ainda que esta não apresente um preço anormalmente baixo nos termos do disposto no art. 71º. do C.C.P.;
3ª.) O Caderno de Encargos exige que as refeições sejam fornecidas quer no período lectivo (180 dias), quer nos períodos de interrupção lectiva (50 dias) (cláusula 2ª. nos 2 e 3 do Caderno de Encargos e Esclarecimentos prestados pelo Júri);
4ª.) O quadro de pessoal estabelecido na cláusula 40º. do Caderno de Encargos tem que estar ao serviço durante 230 dias e, consequentemente, ser remunerado;
5ª.) Os Encargos legais obrigatórios mínimos com o pessoal têm que ser determinados e suportados durante 230 dias;
6ª.) Se o preço proposto não é suficiente para suportar os encargos legais mínimos obrigatórios com o pessoal exigido pelo Caderno de Encargos durante 230 dias, das duas uma
Ou o concorrente não vai cumprir o quadro de pessoal exigido pela cláusula 40ª. do Caderno de Encargos, violando este aspecto da execução do Contrato não submetido à concorrência pelo Caderno de Encargos, o que constitui causa de exclusão da proposta prevista no art. 70º. nº 2 al. b) do CCP;
Ou o concorrente não suporta os encargos legais obrigatórios mínimos com o quadro de pessoal que irá afectar à prestação dos serviços, incumprindo a legislação laboral, o que constitui a causa de exclusão da proposta prevista no art. 70º. nº 2 al. f) do CCP;
7ª.) Assim, qualquer proposta que não apresenta encargos legais obrigatórios mínimos com o pessoal para o período do serviço a prestar (180+50 dias) x 3 anos), terá, obrigatoriamente e para cumprimento da disposição do art. 70º. nº 2 als. b) e f) do CCP, que ser excluída;
8ª.) A proposta da “U………” não apresenta um valor de encargos com pessoal que lhe permita suportar os encargos legais obrigatórios mínimos correspondentes a 230 dias;
9ª.) As médias diárias de refeições a servir durante o ano lectivo (180 dias) estão indicadas nos anexos A, B e C do Caderno de Encargos;
10ª.) Para os períodos de interrupções lectivas (50 dias), o Caderno de Encargos não indica o número de refeições a servir, estabelecendo que a Câmara Municipal de Oeiras indicará esse número ao adjudicatário com uma antecedência mínima de 10 dias úteis (cfr. cláusula 2ª. do Caderno de Encargos e Esclarecimento);
11ª.) A média diária de refeições a servir para o grupo de escolas A (Escolas com serviço de confecção local) é de 2962, o que dá uma média anual de refeições de 533.160 (multiplicando 2962 por 180 dias);
12ª.) A média diária de refeições a servir para o grupo de escolas B (Escolas com serviço de refeições transportadas) é de 1032, o que dá uma média anual de refeições de 185.760 (multiplicando 1032 por 180 dias);
13ª.) Para o grupo de escolas A, a “U…………” apresenta encargos com pessoal no valor de 60.327,38 €/mês e uma incidência no preço por refeição de 1,02 € (cfr. proposta da “U………”);
14ª.) Para o grupo de escolas B, a “U………” apresenta encargos com pessoal no valor de 18.834,10 €/mês e uma incidência no preço por refeição de 0,91 € (cfr. proposta da “U……….”);
15ª.) Que a “U……….” não apresenta um valor de encargos com pessoal que lhe permita suportar os encargos obrigatórios correspondentes a 230 dias úteis, é demonstrado através do seguinte exercício:
I. Multiplicando o valor da incidência dos encargos com pessoal indicado pela U………. na sua proposta pela média anual de refeições a servir, obtemos o valor anual dos encargos com o pessoal:
Grupo A
1,02 € x 533.120 = 543.823,20 €
Grupo B
0,91 x 185.760 = 169.041,60 €
II. Dividindo o valor anual dos encargos com pessoal pelo valor mensal dos encargos indicados pela “U…….” na sua proposta, obter-se-á apenas 9 meses de custo com o pessoal:
Grupo A
543.823,20 € : 60.327,38 € = 9,01 meses
Grupo B
169.041,60 € : 18.834,10 € = 8,97 meses
16ª.) O que torna evidente a ausência de previsão de custos com pessoal para todo o período de fornecimento;
17ª.) Com efeito, e resultando da cláusula 2ª. do Caderno de Encargos e do Esclarecimento que o fornecimento abrange quer o período lectivo quer os períodos de interrupções lectivas, com excepção do mês de Agosto, há que considerar 10,7 meses de fornecimento (230 dias úteis: 21,5 dias úteis (mês = 10,7 meses) durante os quais o quadro de pessoal estabelecido na cláusula 40ª. do Caderno de Encargos tem que estar ao serviço e, consequentemente, ser remunerado;
18ª.) A “U……….”, para calcular o preço global que se obrigou a cobrar pela totalidade do serviço considerou apenas e tão só 180 dias de funcionamento por ano lectivo e os inerentes encargos com o pessoal, ou seja, não considerou os 50 dias de interrupção lectiva e os encargos com o pessoal relativos a estes 50 dias;
19ª.) Pelo que, contrariamente ao entendido na sentença recorrida, a “G……….” efectivamente demonstrou que o preço total proposto pela “U…………” é insuficiente para fazer face aos encargos legais obrigatórios mínimos com o pessoal relativos a todos o período em que serão fornecidas refeições;
20ª.) Violando a proposta da “U………” as cláusulas 1ª. do Programa do Concurso, 2ª e 40ª. do Caderno de Encargos e o Esclarecimento do Júri, a mesma devia ter sido excluída nos termos das als. b) e f) do nº 2 do art. 70º. do CCP;
21ª.) Deverá ser anulada a deliberação de 14/7/2010 da Câmara Municipal de Oeiras que adjudicou à “U………” o fornecimento de alimentação objecto do Concurso público nº 88/10/DCP (art. 135º. do CPA);
22ª.) E a reposição da legalidade exige a exclusão da proposta da “U………..” e a ordenação em 1º. lugar da proposta da “G…….”, com a consequente adjudicação à “G……” dos serviços objecto do concurso em apreço;
23ª.) Sendo o critério de adjudicação o do mais baixo preço, e tendo a proposta da “G……….” ficado ordenada em 2º. lugar com o segundo preço mais baixo, da exclusão da proposta da “U………” resulta “ipso facto” a ordenação proposta da “G……….” em 1º. lugar, por ter o preço mais baixo;
24ª.) Devendo, pois, a entidade demandada ser condenada a praticar o acto de exclusão da proposta da “U………..” e o acto de adjudicação à “G………” dos serviços objecto do presente concurso;
25ª.) Assim, a douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou as cláusulas 1ª. do Programa do Concurso, 2ª. e 40ª. do Caderno de Encargos, o Esclarecimento do Júri, e a disposição do art. 70º., nº 2, als. b) e f) do CCP;
26ª.) Em conclusão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, a decisão recorrida ser substituída por outra que considere a acção procedente e, em consequência, anule o acto de adjudicação e o contrato celebrado, condene o R. a excluír a proposta da “U……….” e a adjudicar à “G……….” o serviço objecto do identificado concurso, com o que se fará Justiça!”.
Nas respectivas contraalegações, tanto o Município de Oeiras como a “U………. Sociedade ……………….., S.A.” concluíram pela improcedência do recurso.
O digno Magistrado do M.P., notificado nos termos do art. 146º. do CPTA, não emitiu parecer.
Sem vistos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2.1. A matéria de facto pertinente é a que foi considerada provada na sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos do nº 6 do art. 713º. do C.P. Civil.
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2.2. A ora recorrente, na acção que intentou ao abrigo dos arts. 100º. e segs. do CPTA, pediu a anulação da deliberação, de 14/7/2010, da Câmara Municipal de Oeiras que adjudicara à “U……….” o fornecimento de alimentação objecto do concurso público nº. 88/10/CP e a condenação do Município de Oeiras a abster-se de celebrar o contrato com a “U………”, excluindo a proposta desta e adjudicando-lhe o serviço em causa.
Para o efeito invocou que, por força do disposto nas als. b) e f) do nº 2 do art. 70º. e da al. m) do nº 2 do art. 146º do Código dos Contratos Públicos (CCP), a proposta da “U……….” deveria ter sido excluída do concurso por apresentar atributos que violam os parâmetros base fixados no Caderno de Encargos, por o contrato a celebrar implicar a violação de vinculações legais e regulamentares aplicáveis e por o concorrente ter prestado culposamente falsas declarações.
A sentença recorrida, entendendo que não foi fixado um parâmetro relativo a um valor mínimo de encargos com o pessoal, considerou que não poderia concluir-se que a proposta da “U……….” apresentava atributos violadores de parâmetros base fixados no Caderno de Encargos que determinassem a sua exclusão nos termos da al. b) do citado art. 70º, nº 2. E porque a recorrente se limitara a tentar demonstrar que o cálculo efectuado pela U……..teve por base apenas 180 e não 230 dias, não se poderia concluír que o valor indicado pela “U………” não lhe permitiria cumprir com os encargos obrigatórios com pessoal e que o contrato celebrado violaria vinculações legais ou regulamentares. Finalmente, os factos alegados não permitiriam concluír pela violação dos princípios da igualdade e da concorrência, nem que a “U………” prestara culposamente falsas declarações, quando esclareceu o júri que o valor global da sua proposta teve em consideração a média de refeições definida no Caderno de Encargos e o número de 230 dias.
Como decorre das conclusões da alegação da recorrente que delimitam o âmbito de cognição do presente recurso jurisdicional , esta apenas contesta o entendimento da sentença quando julgou que não se verificavam as causas de exclusão da proposta da “U………..” previstas nas als. b) e f) do nº 2 do art. 70º. do C.C.P.
E se é certo que, no essencial, ela mantém a posição vertida na petição inicial não se pode daí inferir que, como pretende o recorrido Município, não ocorre uma impugnação da sentença que teria como consequência que não se conhecesse do objecto do recurso jurisdicional. É que, estando explicitados os motivos de discordância da sentença, não é exigível que a recorrente “invente” argumentos novos para defender a tese jurídica que sustentara na 1ª. instância, sabido que a função do Tribunal de recurso é a de reapreciar a questão que naquela fora colocada (cfr., neste sentido, o Ac. do STA de 29/9/99 Rec. nº. 34604).
Vejamos então se é de manter o entendimento da sentença.
Nos termos do art. 70º., nº. 2, do C.C.P., “são excluídas as propostas cuja análise revele:
b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no Caderno de Encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos nos 4 a 6 e 8 a 11 do art. 49º.;
f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”
Os parâmetros base fixados em cláusulas do caderno de encargos que vinculam as propostas podem dizer respeito a quaisquer aspectos da execução do contrato e devem ser definidos através de limites mínimos ou máximos que constituem a base a partir da qual funciona a concorrência cfr. nos 3, 4 e 5 do art. 42º. do C.C.P.
No caso em apreço, se foram estabelecidos parâmetros base quanto ao número e à categoria dos trabalhadores em serviço em cada refeitório das escolas e quanto ao valor atribuído para a componente de matériaprima alimentar, que não poderia ser inferior a 35% do preço global unitário por refeição (cfr. cláusulas 6ª., nº 7, do Programa do Procedimento corrigida nos termos que constam da al. F) dos factos considerados provados pela sentença e 40ª. do Caderno de Encargos), já o mesmo não sucedeu quanto às despesas com o pessoal onde não foi fixado qualquer valor mínimo.
Assim, com fundamento na transcrita al. b) do nº 2 do art. 70º., não poderia ser excluída a proposta da “U……..”.
Alega ainda a recorrente que teria necessariamente de ser excluída qualquer proposta que não apresentasse encargos legais obrigatórios mínimos com o pessoal para o período do serviço a prestar, estando nessa situação a proposta da “U……..” que apresentava um valor de encargos com pessoal que não era susceptível de suportar os encargos legais obrigatórios mínimos para o período de 230 dias (correspondente à soma dos 180 dias do período lectivo com os 50 dias do período de interrupção lectiva).
Como já referimos, a sentença negou a verificação desta ilegalidade, por a recorrente não ter demonstrado que o montante indicado pela “U……..” não lhe permitia fazer face aos encargos obrigatórios com o pessoal nem identificado as vinculações legais e regulamentares aplicáveis que seriam violadas, dado que o facto de a proposta daquele ter por base apenas 180 dias é insuficiente para que se possa concluír pela ocorrência de tal ilegalidade.
Ora, neste aspecto, a sentença terá de ser confirmada, pois a recorrente, no presente recurso, nada acrescentou ao que havia alegado na petição inicial, continuando sem demonstrar a mencionada insuficiência e sem identificar as referidas vinculações.
Assim sendo, terá de improceder o presente recurso jurisdicional.
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3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
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Lisboa, 28 de Abril de 2011
as.) José Francisco Fonseca da Paz (Relator)
Rui Fernando Belfo Pereira
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo (em substituição).

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