quinta-feira, 17 de novembro de 2011

DEVER DE NOTIFICAÇÃO DE ACTO COM EFICÁCIA EXTERNA - ACTO DE ADJUDICAÇÃO – ART. 85º Nº 1 DO CODIGO DOS CONTRATOS PUBLICOS - PRINCIPIO DA TRANSPARÊNCIA - PRAZO DE IMPUGNAÇÃO EM PROCESSO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL – ART. 101º DO CPTA



Proc. Nº 6773/10 -  TCAS   -  CA . 2.º JUÍZO


DEVER DE NOTIFICAÇÃO DE ACTO COM EFICÁCIA EXTERNA
ACTO DE ADJUDICAÇÃO – ART. 85º Nº 1 DO CODIGO DOS CONTRATOS PUBLICOS
PRINCIPIO DA TRANSPARÊNCIA
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO EM PROCESSO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL – ART. 101º DO CPTA


I - Decorre do artigo 85º do CCP que o órgão competente para a decisão de contratar notifica em simultâneo todos os concorrentes da apresentação dos documentos de habilitação pelo adjudicatário, indicando o dia em que ocorreu essa apresentação.

II – A notificação ordenada neste preceito – artigo 85º - , como decorre do principio da transparência, visa facultar aos concorrentes ou candidatos o controlo da legalidade da actuação da entidade adjudicante quanto à adjudicação, viabilizando –lhes a actuação dos meios garantisticos de defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, sejam eles administrativos (artigo 267º a274º) ou judiciais ( artigos 2º, 3º, 46º nº 3, 100º a 103º do CPTA).
É, pois, uma formalidade essencial

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

A..., SA., com sinais nos autos, inconformada com o despacho saneador proferido pelo TAF de Leiria, em 29 de Julho de 2010, que julgou procedente a excepção dda caducidade do direito de acção de contencioso pré-contratual por si intentada e consequentemente absolveu da instância o R. Município da Nazaré, dele recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões :

“ A) O conhecimento da autora de que havia sido proferido acto de adjudicação definitivo da empreitada de obra pública em causa nos autos, apenas se pôde e se tornou efectivo de facto para a Autora, com a notificação da Ré à Autora, contendo a menção de que o Consócio B..., SA C..., SA, haviam procedido à entrega de documentos habilitantes à celebração do contrato – sinal de que haviam provado a minuta do mesmo.

B)  Não se pode presumir de nenhum efeito, como o faz o Tribunal a quo a condição aposta pela Ré ao acto de adjudicação da empreitada de obra pública.

C) Na notificação de adjudicação condicional da empreitada, a Ré não identifica o autor, qualidade e poderes da decisão de Aprovação da proposta de Júri de adjudicação condicional.

D) A notificação à Autora dirigida pela Ré, com respeito à Adjudicação da empreitada de obra pública a que a primeira fora candidata, querendo transmitir a prolação de uma acto plena de eficácia externa, não se mostrou inequívoco nesse sentido, levando a Autora a legitimamente esperar pela notificação dos elementos que perfecionassem tal acto de adjudicação na ordem jurídica, o que efectivamente aconteceu por parte da Ré, com a notificação à Autora da entrega pelo Consorcio Adjudicatário dos documentos habilitantes à contratação.

E) A acção é tempestiva porque é do acto de notificação último dirigido pela Ré à Autora, datado de 12 de Novembro de 2010, que se deve de contar o prazo que marca a possibilidade de impugnação judicial pré-contratual do acto de adjudicação.

F) A não ser assim, deve atender-se ao facto de que a Ré contribuiu definitivamente para a não percepção clara pela Autora, da prática do acto considerado de eficácia externa e lesivo dos interesses da Autora e do momento de reacção a tal acto de adjudicação da empreitada, acto que a Autora pretendia sindicar, aliás o que sobressai da apresentação de impugnação graciosa que fez e sobre que não teve qualquer decisão da Ré.

G) Impugnação graciosa esta que a ter-se como efectivo o acto de adjudicação no momento em que o Tribunal a quo o preconiza, revela que nem sequer teria a Ré respeitado o tempo de decisão ou de formação de indeferimento tácito da impugnação graciosa apresentada pela Autora.”

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O Recorrido Município da Nazaré contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

*

O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmado o despacho saneador recorrido.

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Sem vistos foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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A matéria de facto pertinente é a constante do despacho saneador recorrido, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 713º nº 6 do Cód. Proc. Civil.

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Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto do despacho saneador proferido pelo TAF de Leiria que julgou procedente a excepção da caducidade do direito de acção de contencioso pré-contratual intentada por A... SA. e consequentemente absolveu da instância o R. Município da Nazaré.

Para justificar a caducidade do direito de acção de contencioso pré-contratual fundamentou o Mmo Juiz a quo nos termos seguintes:
O acto de adjudicação que resulta da deliberação de aprovação adoptada pela Câmara Municipal da Nazaré, de 21-09-2009, contempla, na verdade, a versão de adjudicação proposta pelo Júri do Concurso ou seja, a adjudicação condicional até à aprovação da minuta do contrato ao consórcio B...e Mota Engil.
Todavia, isso não significa que esse acto não seja desde logo impugnável enquanto acto administrativo relativo à formação do contrato de empreitada e, portanto


– face ainda ao disposto na parte final do n 1 do artº 100º do CPTA -, acto com eficácia externa (nº 1 do artº 51º do CPTA), o que determina a sua impugnabilidade, enquanto acto pelo qual a administração aceita uma das propostas apresentadas no procedimento pré – contratual – artº 73º, nº 1, do CCP.
(…)
Importa relevar que a A. afirma ter sido notificada no dia 30 de Setembro de 2009 de que a empreitada em crise havia sido adjudicada ao concorrente consórcio B.../ Mota Engil (facto E do probatório) .
O presente processo deu entrada em juízo em 30 de Novembro de 2009 .
Donde, a essa data há muito que o prazo de um mês a que alude o artº 101º do CPTA havia alcançado o seu termo.
O acto impugnado firmou-se na ordem jurídica.
Procede a excepção da caducidade do direito de acção, o que obsta ao prosseguimento do processo [ artº 89º, nº 1, alínea h), do CPTA] e determina, em consequência, a absolvição do Réu da instância [ artº 493º, nº 2, do CPC], o que se decide.”

Insurge-se contra este entendimento a aqui Recorrente ao alegar, em síntese, que existe na decisão recorrida uma desvalorização do condicionalismo legal que impõe que a adjudicação só se torna definitiva com a notificação que lhe foi efectuada em 12 de Novembro de 2009 e não com aquela notificação apontada de 30 de Setembro de 2009.
Na verdade, refere que com a primeira notificação (30 de Setembro de 2009) o Júri propõe a adjudicação da obra, condicionada à aprovação de minuta do contrato, com anonimato da entidade que delibera aprovar tal proposta de adjudicação, sendo que apenas com a notificação recebida em 12 de Novembro de 2009, a Autora pode assegurar-se que a obra estava efectiva e definitivamente entregue para contratação ao consócio B...SA e Mota Engil, tal como se afere do doc. nº 10 junto ao articulado da p.i., em que é expressamente anunciado pela R. que foram apresentados documentos de habilitação por parte das firmas referidas, adjudicatárias da empreitada.
Por conseguinte, tendo a acção dado entrada em juízo em 30 de Novembro de 2009 é tempestiva, atento o disposto no artigo 101º do CPTA.

Vejamos a questão.

Nos termos do artigo 73º nº 1 do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP), aprovado pelo Decreto – Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, “ a adjudicação é o acto pelo qual o órgão competente para a decisão de contratar aceita a única proposta apresentada ou escolhe uma de entre as propostas apresentadas” .
Segundo MARCELLO CAETANO in MANUAL I , pag. 53 “ A adjudicação é o acto administrativo pelo qual a autoridade competente escolhe de entre as várias propostas admitidas a concurso aquela que é preferida para a celebração do contrato” .
Com o novo regime legal decorrente da introdução do CCP resulta porém que desde a escolha da proposta até à celebração do contrato interpõe-se um conjunto de actos de natureza procedimental que preparam e de algum modo condicionam o próprio acto de celebração do contrato. Começa logo por essa escolha não ter necessariamente um carácter definitivo, no sentido de sempre se lhe seguir aquela celebração do contrato. Este ultimo acto depende ainda de vários requisitos, a maioria dos quais inerentes ao adjudicatário, cuja falta determina a caducidade da adjudicação. Assim sucede, designadamente, com a apresentação dos documentos da habilitação ( artigo 86º nº 1), com a não ocorrência de declarações falsas ( artigo 87º) com a prestação da caução ( artigo 91º), com a aceitação da minuta do contrato ( artigo 104º) e com a outorga do contrato pelo adjudicatário (artigo 105º). Decorre daí a necessidade de adoptar um conceito amplo de adjudicação, como um acto composto, continuado e complexo, que encerra um procedimento preparador da celebração do contrato.
É assim que, na esteira do entendimento de FAUSTO QUADROS in ROA , 1987, III , pag. 717 , SANTOS BOTELHO, PIRES ESTEVES e CANDIDO PINHO in CPA ANOTADO , 3ª Ed. pag. 806, separando a adjudicação do acto de celebração do contrato, afirmam que aquela se traduz num acto unilateral que põe termo ao concurso, o que subentende aquele conceito amplo de adjudicação, já que, enquanto as propostas mantiverem legalmente a sua validade e não houver lugar à adjudicação definitiva, elas mantêm-se com possibilidade de serem escolhidas - cfr. JORGE ANDRADE DA SILVA in CÓDIGO DOS CONTRATOS PUBLICOS, COMENTADO E ANOTADO , 2008, pag. 284.
Por sua vez, decorre do artigo 85º nº 1 do CCP que o órgão competente para a decisão de contratar notifica em simultâneo todos os concorrentes da apresentação dos documentos de habilitação pelo adjudicatário, indicando o dia em que ocorreu essa apresentação.
No regime estabelecido no actual CCP deixou de haver lugar ao acto publico do concurso ao contrário do que acontecia no regime anterior em que a possibilidade dos concorrentes examinarem os documentos de habilitação ocorria durante o acto publico do concurso por neste se integrar a fase de habilitação dos concorrentes – cfr. artigos 101º do RJRDPCP e 94º do RJEOP.

Assim a notificação ordenada neste preceito – artigo 85º - como decorre do principio da transparência, visa facultar aos concorrentes ou candidatos o controlo da legalidade da actuação da entidade adjudicante quanto à adjudicação, viabilizando-lhes a utilização dos meios garantisticos de defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, sejam eles administrativos ( artigos 267º a 274º) ou judiciais (artigos 2º , 3º, 46º nº 3 , 100º a 103º do CPTA).
É, pois, uma formalidade essencial ( cfr. JORGE ANDRADE DA SILVA , ob. cit. Pag. 331) .
Na verdade, o dever de notificação dos actos da administração publica com eficácia externa é uma das manifestações do principio da transparência.
O principio da transparência, no entender de MARCELO REBELO DE SOUSA in O CONCURSO PUBLICO, pag. 41, encontra-se também ele imbricado com os princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade, da prossecução do interesse publico bem como o da participação dos administrados. Por outro lado, ele é, em larga medida, projecção do principio da tutela dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos.

Extraídos que foram os princípios legais e doutrinais da matéria em questão, cabe dilucidá-la nos termos a enunciar:
Na decisão a quo percebe-se que a mesma se funda no seguinte:
a) A decisão de adjudicação contempla a versão da proposta do juri do concurso;
b) tal acto de adjudicação na versão do júri é, desde logo, impugnável, pois tem eficácia externa;
c) a formulação da condição, tal como efectuada, não configura uma verdadeira cláusula de subordinação ( na decisão a quo estabelece-se uma distinção entre a formulação a “ adjudicação é condicional até ; e condicionada à “ ).
Aliás decorre da própria decisão recorrida que tal condicionalismo, tal como enquadrado pelo tribunal a quo, se pode tornar inútil ou inconsequente, pois se de facto o configurarmos da forma como o faz o tribunal a quo retirado fica de qualquer sentido tal condição.

Discordamos do entendimento vertido na sentença em crise.

Desde logo, porque não é licito presumir que o legislador tenha formulado normas inúteis, pelo que algum sentido seria de conferir a tal condicionalismo que se apõe ao acto de adjudicação.
Por outro lado, as normas decorrentes do novo regime do CCP supra citadas ( artigos 75º nº 1 e 85º nº 1 ), conjugadas com os ensinamentos doutrinais adiantados, apontam para que apenas com a notificação efectuada em 12 de Novembro de 2009 se tornou perceptível à aqui Recorrente e aos demais concorrentes que estavam reunidas as condições – em face do presumível acordo do beneficiário do acto, uma vez que procedeu à entrega dos documentos de habilitação para a celebração do contrato – para que o acto se tornasse pleno e eficaz.


Ou seja, a primeira notificação à Autora , aqui Recorrente (30 de Setembro de 2009), com respeito à adjudicação da empreitada e obra pública a que fora candidata, sendo necessariamente uma adjudicação condicionada nos termos enunciados, não constitui o acto final do procedimento concursal , podendo, por conseguinte, aquela legitimamente esperar pela notificação dos elementos que perfeccionassem tal acto de adjudicação na ordem jurídica, o que efectivamente aconteceu por parte da Ré, com a notificação à Autora da entrega pelo consórcio adjudicatário dos documentos habilitantes à contratação.
Assim, tendo em consideração o que dispõe o artigo 101º do CPTA que passamos a citar “ Os processos de contencioso pré-contratual têm carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto “, a presente acção é tempestiva na medida em que é do acto de notificação ultimo dirigido pela Ré à Autora, datado de 12 de Novembro de 2009, que se deve contar o prazo que assinala a possibilidade de impugnação judicial pré-contratual do acto de adjudicação.

Procedem pelo exposto todas as conclusões da alegação da Recorrente, pelo que é de conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e de revogar o despacho saneador recorrido.

*

Acordam, pois, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, 2º Juízo, em conceder provimento ao recurso jurisdicional e revogar o despacho saneador recorrido, devendo os autos baixar à 1ª instância para conhecimento de mérito da acção se outra questão não obstar.

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Custas pela ora Recorrida em ambas as instâncias.


Lisboa, 28 de Outubro de 2010


ANTÓNIO VASCONCELOS
COELHO DA CUNHA
FONSECA DA PAZ

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