quinta-feira, 17 de novembro de 2011

CONCURSO PÚBLICO DE FORNECIMENTO DE BENS E SERVIÇOS NATUREZA DA PROPOSTA. PROPOSTA CONDICIONADA E PROPOSTA COM VARIANTES.


02583/08.8BEPRT  TCAN

CONCURSO PÚBLICO DE FORNECIMENTO DE BENS E SERVIÇOS
NATUREZA DA PROPOSTA.
PROPOSTA CONDICIONADA E PROPOSTA COM VARIANTES.

1. Apesar de ter um estatuto sui generis, subordinada a determinados requisitos essenciais, como a seriedade, firmeza e certeza, a proposta num concurso público não deixa de encerrar uma declaração negocial do concorrente privado em relação à Administração Pública.
2. Como verdadeira declaração de vontade negocial que é, também se lhe deve aplicar as regras da interpretação da declaração negocial constantes dos artigos 236º e ss. do Código Civil, assim como a teoria dos vícios da vontade.
3. Na proposta condicionada o concorrente declara que só quer contratar se for satisfeita certa pretensão sua, não prevista no caderno de encargos; na proposta com variantes o concorrente propõe-se assumir uma obrigação diferente daquela que se prevê no caderno de encargos e que no seu entendimento serve igualmente o interesse da Administração.
4. Não estando prevista no concurso qualquer fase de testes ou ensaios, o júri apenas tem que se ater ao alegado na proposta, confiando que o material proposto e adjudicado irá ser entregue com as funcionalidades previstas no caderno de encargos

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – O Ministério da Educação [ME], interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida em 03/03/2010 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, no processo de contencioso pré-contratual interposto pelas sociedades A…, S.A., J…, S.A. e P…, S.A., julgou ilegal o acto de adjudicação do contrato de aquisição dos bens e serviços necessários ao fornecimento, instalação, manutenção e help-desk de apoio de quadros interactivos para as escolas públicas com 2º e 3º ciclos do ensino básico e com ensino secundário e, por impossibilidade absoluta de execução da consequente anulação, convidou as partes a, querendo, acordarem no montante da indemnização a que as autoras têm direito.
Nas alegações, concluiu o seguinte:
1. - No artigo 6.º do Caderno de Encargos estão previstos, por referência a meses, o prazo máximo global e os prazos parcelares a que se devem conformar as propostas apresentadas.
2. - O artigo 24.º, n.º 4, al. a) do Programa do Concurso, dispõe que na avaliação das propostas, o júri deve propor a exclusão das que considere inaceitáveis por não respeitarem regras imperativas do Caderno de Encargos.
3. - O concorrente n.º 3 declara expressamente na sua proposta que “o prazo total de fornecimento, instalação e formação mantêm-se os 4 meses que são estipulados no Caderno de Encargos como tempo máximo disponibilizado e que está devidamente preparado para a realização de todo o processo de entregas, instalação e formação bem como o arranque de Manutenção e Apoio e Helpdesk,” sem nunca exceder o prazo máximo de 4 meses, de acordo com o estipulado no ponto 1 do artº 6 do Caderno de Encargos, bem como os mínimos mensais.
4. - A douta sentença recorrida ao decidir como decidiu e ao considerar que o acto de adjudicação enferma de vício de violação da lei, por infracção aos artigos 24.º, n.º 4, al. a) do Programa do Concurso e 6.º do Caderno de Encargos, o que determinaria a exclusão do concorrente n.º 3 (entidade adjudicatária) faz, salvo o devido respeito, incorrecta e deficiente apreciação e valoração dos factos, bem como errada interpretação e aplicação das normas alegadamente ofendidas enfermando, em suma, de deficiente fundamentação de facto e de direito.
Nas contra-alegações, as recorridas, ampliando o objecto do recurso, concluíram o seguinte:
I. Os presentes autos tiverem como causa de pedir alguns fundamentos que, na decisão de 3-3-2010, de fls. .., foram considerados improcedentes, pelo que, nessas partes, a sentença recorrida é desfavorável às aqui Contra-Alegantes, designadamente:
- Improcedência do vício relativo à não exclusão da Proposta da Concorrente n.º 3, que consubstancia uma proposta condicionada ou variante;
- Improcedência do vício de ilegalidade por erro grosseiro na apreciação Proposta da Concorrente n.º 3.
II. De facto, conforme alegado e demonstrado na p.i., a decisão de adjudicação de 22 de Outubro de 2008, e respectiva fundamentação, constante da “2.ª Versão do Relatório Final de Avaliação das Propostas”, bem como o “Contrato de Aquisição dos Bens e Serviços” celebrado a 05/12/2008 (fruto da ampliação do pedido a que as Autoras se viram obrigadas, em face da evidente falência da tutela cautelar prevista legalmente para estes casos e o sistemático desrespeito pela “proibição de execução” ínsita no pedido de suspensão de eficácia do acto…), estão feridas de outras ilegalidades, para além da verificada pelo TAF do Porto.
III. Daí a requerida ampliação do âmbito do recurso, nos termos do disposto no art. 684.º-A do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA.
IV. A sentença a quo desvaloriza por completo – tal como o Júri do concurso o fez – o que todas as demais concorrentes chamaram a atenção: a proposta da concorrente n.º 3 é inverídica!!!
V. Logo, enquadrada no art. 13.º do Programa de Concurso (PC): o Júri deveria ter averiguado e caso verificasse, como seria de esperar, a razão dos demais concorrentes, então aplicaria, nessa altura, a “sanção” prevista no art. 13.º do PC: exclusão do respectivo concorrente. A entidade adjudicante deveria ter averiguado e caso verificasse, como seria de esperar, a razão dos demais concorrentes, então aplicaria, nessa altura, a “outra sanção” prevista no art. 13.º do PC: invalidade e consequente anulação do acto de adjudicação e dos actos subsequentes.
VI. Da mesma forma deveria o Tribunal a quo ter anulado o acto de adjudicação com as consequências inerentes.
VII. A Adjudicatária apresentou-se a concurso sem ter – ao invés do que alegava – uma funcionalidade exigida no CE, e tal facto, denunciado por todos os demais concorrentes, foi totalmente irrelevado primeiramente pelo Júri, agora pelo Tribunal a quo!!
VIII. A sentença recorrida atende a meras formalidades das Propostas sem curar de saber das questões materiais, as que efectivamente estavam em causa nesta fase do concurso: não é, de todo, aceitável que se fundamente a não paridade da Proposta n.º 3 com a Proposta n. 1, porque naquela “em rigor do que se trata é tão só de informar a Administração de que os quadros a fornecer permitirão, no futuro, a utilização de outras funcionalidades em resultado da constante evolução técnica que o produto sofre; contudo essas novas funcionalidades não são exigidas nos documentos concursais, apenas resultam da normal e constante evolução técnica ao nível do software” (págs. 13 e 14 da sentença).
IX. Com o devido respeito, o Tribunal a quo não entendeu o que se tratava: a paridade das duas Propostas não é formal, é substantiva, pois ambas não dispunham da funcionalidade exigida nos documentos concursais.
X. Ora, não podem ser postas a concurso funcionalidades futuras, que a evolução da técnica venha a permitir existir…
XI. O Júri, como lhe competia, deveria ter averiguado a existência ou não da funcionalidade, no sentido de aquilatar a veracidade da Proposta n.º 3, face às “denúncias” dos demais concorrentes.
XII. Não pode assumir a Proposta como “verdadeira”, apenas porque formalmente a mesma refere a funcionalidade: nesta perspectiva, de facto, as Propostas n.º 1 e 3 são diferentes, mas não é no aspecto formal que as Recorrentes alegaram a paridade das mesmas, é sim no aspecto substancial e neste, elas são exactamente iguais: não possuíam a funcionalidade exigida pelo CE.
XIII. A única diferença é que a concorrente n.º 1 admite expressamente a sua “omissão”, enquanto que a concorrente n.º 3 afirma, ao invés, que a sua Proposta tinha aquela funcionalidade…
XIV. Não podia, pois, o Júri assumir, sem mais, a veracidade da Proposta n.º 3, sendo que, da mesma forma, não pode o Juiz a quo referir, sem mais, que os documentos juntos ao processo não revelam por completo essa falta de veracidade…
XV. Os documentos (e respectivas traduções) constantes dos autos expressamente referem que essa funcionalidade ainda não estava disponível no mercado, pelo que se dúvidas houvessem, deveria o Tribunal a quo ouvir as testemunhas para o efeito arroladas pelas partes.
XVI. Na verdade, não basta ao Exmo. Senhor Juiz do processo afirmar que os documentos não são elucidativos, é obviamente necessário dizer porquê e, para além disso, caso dúvidas permanecessem sobre a matéria em discussão, esgotar os demais meios de prova, designadamente ouvindo as testemunhas que foram arroladas para esse efeito.
XVII. Nestes termos, a sentença a quo carece de fundamentação, sendo NULA, nos termos do art. 668.º, alínea b) do CPC.
XVIII. Por outro lado, a sentença recorrida faz uma incorrecta interpretação dos factos, aplicando erradamente a lei, dado que a Proposta da adjudicada constitui, tal como a da Concorrente n.º 1, uma Proposta condicionada ou variante, uma vez que consubstancia uma solução alternativa à exigida no CE, pois não possuía, na altura do concurso e aquando da apresentação da Proposta, a funcionalidade exigida, conforme documentos juntos, designadamente provenientes do próprio fornecedor (cfr. documentos e respectiva tradução).
XIX. Efectivamente, a Proposta da Concorrente n.º 3, que acabou por ser adjudicada, deveria ter sido excluída pelas mesmas razões que estiveram na base da exclusão da Proposta da Concorrente n.º 1, cumprindo-se assim as determinações legais e concursais – o Caderno de Encargos (CE) e o Programa de Concurso (PC) não admitem propostas condicionadas ou variantes – e respeitando-se o princípio da legalidade.
XX. É que, da mesma forma, em termos substanciais, a Proposta da Concorrente n.º 3 também ia colocar a entidade adjudicante dependente do futuro…
XXI. Efectivamente, se atentarmos ao disposto nas págs. 11, 25, 26, 128 e 345 da Proposta em análise, constatamos que algumas das funcionalidades propostas não estão ainda disponíveis, mas estarão no futuro, o que implica, necessariamente, que apenas poderiam ser fornecidas no futuro, não existindo à data da Proposta e do Concurso!!! (ver igualmente págs. 14, 19 e 22 da Proposta).
XXII. De igual modo, prevê-se o fornecimento futuro de alguns elementos…
XXIII. Não se compreende, pois, esta diferença de entendimento: aqui, tal como na análise que a Proposta do Concorrente n.º 1 mereceu, deveria ter sido rejeitada a Proposta da Concorrente n.º 3 por consubstanciar uma proposta variante ou condicionada: “criaria uma dependência directa e perpétua da entidade adjudicante perante o fornecedor, que se manteria pelo período de vida útil do equipamento, e muito para além do prazo de vigência contratual, razão pela qual não foi contemplada nem no Programa de Concurso, nem no Caderno de Encargos.” (in pág. 37 do Relatório Final – 2.ª Versão).
XXIV. Mas mais, a incerteza quanto às funcionalidades “prometidas”, isto é, a fornecer “no futuro”, demonstra claramente que a proposta deveria ter sido excluída, por não serem admitidas no presente concurso propostas variantes ou condicionadas: na pág. 526 da Proposta da Concorrente n.º 3, sob o título “Novos produtos investigação e desenvolvimento constante”, apresentam-se certas funcionalidades que supostamente estriam disponíveis no final de 2007, mas que o próprio fornecedor do produto previa apenas estar disponível em meados de 2008 (“available mid 2008” – doc. 1 junto com a PI).
XXV. Ao sancionar o entendimento do Júri nesta matéria, a sentença recorrida é manifestamente desajustada, pois ao Júri não compete avaliar soluções futuras e, in casu, analisar Propostas que contenham funcionalidades e elementos futuros, como o próprio decidiu quanto ao Concorrente n.º 1 (“não podem ser apresentadas propostas variantes ou condicionadas”).
XXVI. Pelo que, deveria ter sido tomada, da mesma forma que foi para a Concorrente n.º 1, decisão de exclusão da proposta do Concorrente n.º 3, ao abrigo do disposto no artigo 106.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, por a mesma consubstanciar uma proposta condicionada ou variante, uma vez que nos termos do artigo 14.º do Programa de Concurso não são admitidas propostas condicionadas ou com variantes, e determinando a alínea d) do n.º 3 do artigo 22.º do Programa de Concurso a exclusão das propostas que sejam apresentadas como propostas condicionadas ou como propostas variantes.
XXVII. Ao não considerar esta situação, a sentença a quo viola claramente o disposto no artigo 106.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, bem como o artigo 14.º e a alínea d) do n.º 3 do artigo 22.º do Programa de Concurso.
XXVIII. Por fim, a sentença a quo contém um entendimento gravoso, porquanto pode inculcar uma certa “imoralidade” no seio da contratação pública, mundo que carece, como é do conhecimento geral, precisamente de uma certa “moralidade”…
XXIX. Não se pode valorar uma Proposta quando os demais concorrentes põem em causa a sua “veracidade”, pelo menos sem efectuar qualquer tipo de averiguação!
XXX. Muito menos pode o Tribunal a quo tutelar esta falta de cautela e de aviso… Sob pena de premiar-se a “falsidade”!!! E violar-se os princípios básicos da contratação pública, maxime o da concorrência e transparência…
XXXI. Na verdade, não podendo o Direito tutelar este tipo de posturas, o Tribunal a quo deveria aquilatar – já que o Júri não o fez – da veracidade da Proposta da Concorrente n.º 3 (adjudicada), pois, como já se referiu, a entidade adjudicante foi alertada, em devido tempo e por todos concorrentes em concurso, da “Ilegalidade da Proposta da Concorrente n.º 3”.
XXXII. Não o tendo feito, é porque o Tribunal a quo considerou estar perante uma evidência, pois não esgotou os meios de prova, o que obviamente só poderia ocorrer por desnecessidade… Mas acabou por a negar!!!
XXXIII. Ora, não se entende!
XXXIV. Note-se que foram admitidas apenas 3 Propostas: as dos Concorrentes n.ºs 3, 4 e 6, sendo que a Proposta adjudicada quanto à funcionalidade em crise foi questionada fundamentadamente por todos os outros concorrentes, conhecedores do mercado melhor do que ninguém.
XXXV. A tarefa que incumbia ao Júri seria, pois, face a estas denúncias, facilitada, melhor conseguida e com maior mérito, se as propostas dos concorrentes tivessem sido alvo de demonstração prática, em cenário real, o que permitiria aos elementos do júri não só analisarem teoricamente as propostas, mas também verem, na prática, a verdade, o funcionamento e valia das soluções em comparação – o que foi requerido pela aqui Recorrente, em sede de Audiência Prévia.
XXXVI. A falta de veracidade da Proposta do Concorrente n.º 3 – denunciada pelas demais concorrentes – deveria ter sido testada e não formalmente justificada - pois ao Júri compete escolher a melhor solução para o interesse público e para o fim visado, sendo que a funcionalidade escrita simultânea é importante sub-factor de avaliação, influenciando decisivamente a “classificação final”.
XXXVII. Há pois uma omissão grave do Júri que o Tribunal a quo não deveria ter tutelado… Quanto mais não fosse, por razões pedagógicas…
XXXVIII. Acresce que no processo sub judice foi demonstrado – embora o Tribunal a quo assim não entenda, o que implicaria o dever de esgotar os meios de prova apresentados pelas partes – que a Proposta adjudicada não continha a funcionalidade exigida pelos documentos concursais e que serve de base à avaliação, designadamente ao factor qualidade técnica das propostas e subfactor escrita simultânea.
XXXIX. Ora, perante a omissão do Júri, deveria este facto, decisivo, ter sido aquilatado e analisado pelo Tribunal a quo – e não desconsiderado, como se faz na sentença recorrida.
XL. Se dúvidas houvesse, então dever-se-ia lançar mão das demais provas, designadamente efectuando-se a respectiva audiência de Julgamento e audição de testemunhas arroladas precisamente para esse efeito.
XLI. É verdade que, face à procedência de outro vício, invalidante da decisão em causa na acção, seria de todo desnecessário recorrer a esses meios de prova, mas não é disso que in casu se trata, pois o Exmo. Sr. Juiz a quo, na sentença recorrida, apenas refere que não há elementos de prova suficientes, reportando-se, apenas, à prova documental, faltando, portanto, esgotar os demais meios, designadamente a prova testemunhal.
XLII. Deveria, face à consideração da não evidência dos documentos (o que se contesta face à evidência dos docs. 1 e 3, juntos com a PI e demais documentos dos autos e respectivas traduções), colocar a hipótese aqui referida: de eventual audição das testemunhas para prova (ou não) de que, no momento da apresentação das Propostas, a funcionalidade exigida pelo CE não era característica dos produtos da adjudicada.
XLIII. A (eventual) falta de veracidade da Proposta da Concorrente n.º 3 (adjudicada) é grave, de per se, e ainda mais porque foi decisiva na avaliação e adjudicação, pois caso tivesse sido atribuída a respectiva pontuação ao concorrente nº 3 – pontuação de zero (“0”), tal como foi ao Concorrente n.º 6 – a adjudicação seria diferente: a Proposta do Concorrente n.º 4 seria a adjudicada, em face das pontuações obtidas…
XLIV. Foi este o resultado da sentença recorrida, mas não com este fundamento, pelo que a mesma deveria conter estas evidências.
XLV. Nestes termos, a sentença recorrida viola os princípios da aquisição processual e do esgotamento dos meios de prova, o disposto no art. 515.º do CPC e os princípios gerais de Direito e da Justiça, bem como põe em causa os princípios da concorrência e da boa-fé., princípios fundamentais na Contratação Pública.
XLVI. É certo que a sentença recorrida decide bem, pois considera que a adjudicação deveria ter sido à Proposta da Autora, mas não com este fundamento, pelo que a mesma deveria conter estas evidências.
XLVII. O sentido da sentença recorrida deve ser mantido, embora com o acréscimo de fundamentos aqui demonstrados: a procedência da acção deve, portanto, ver alargada a sua fundamentação nos termos supra aduzidos.
XLVIII. E esta asserção é intocada pela tese da Ré, Ministério da Educação, pois é inegável que a Proposta da adjudicada não cumpriu o “Prazo de Execução” imposto pelo PC e CE.
XLIX. As regras concursais em causa no recurso da Ré são o art. 24.º, n.º 4, al a) do PC e art. 6.º do CE, que impõe como “prazos de execução e de vigência contratual” os seguintes:
- Prazo máximo de fornecimento e instalação: 4 (quatro) meses ou prazo da proposta se inferior (carregado nosso);
- Sem prejuízo deste prazo, o adjudicatário deve ainda observar os seguintes prazos intercalares:
- Até ao final do primeiro mês…
- Até ao final do segundo mês…
- Até ao final do quarto mês…
L. Portanto, as normas concursais em causa referem-se sempre a meses e não a dias, o que, como se sabe e é Jurisprudência corrente, é bastante diferente (até em termos judiciais, como bem sabem os agentes da Justiça, como por exemplo advogados…).
LI. Desta forma, os prazos contados em meses ou dias não são idênticos, pelo que tendo as peças concursais estipulado e definido imperativamente prazos em meses, deveriam as Propostas seguir tais prazos, ainda que, como diz a Recorrente, tal se bastasse com uma simples afirmação: “prazo de execução: o constante do Caderno de Encargos” (cfr. ponto 7 das alegações)…
LII. Mas não foi isso que a concorrente nº 3 fez com a sua proposta: no local apropriado para explicação do prazo de execução, a Concorrente escreveu na sua Proposta um prazo em dias úteis, que ultrapassa ou pode ultrapassar, consoante a entrada em vigor do contrato, o prazo máximo estipulado.
LIII. E esse local próprio não é, naturalmente, a declaração genérica e abstracta de “cumprimento do CE”; se isso bastasse, então porque se exigia a apresentação das propostas de forma tão complexa, completa e com todos os itens!!? Se não fosse necessário e relevante, então a sua exigência violaria com certeza princípios básicos da actividade administrativa, bem explícitos no Código de Procedimento Administrativo…
LIV. É certo que a Concorrente poderia até (embora não muito bem, confesse-se) estipular um prazo em dias úteis, Mas desde que nunca ultrapassasse o limite máximo estipulado: nesse caso, nos termos das normas do concurso (art. 6.º do CE), vigoraria o prazo inferior…
LV. Mas superior é que não pode, como bem decidiu a sentença recorrida…
LVI. Decidiu e fundamentou, não deixando dúvidas quanto à sua “base de influência”: o Ac. do Tribunal de Contas de 4/02/2009, de acordo com o qual “nem sempre o prazo de 83 dias úteis constante da proposta da concorrente n.º 3 para o fornecimento e instalação do equipamento está em consonância com o prazo máximo de 4 meses imposto pelo Caderno de Encargos” (pág. 16 da sentença). Claro e insofismável…
LVII. É que não se sabendo, ao certo, a data de entrada em vigor do contrato, o prazo máximo previsto no n.º 1 do art. 6.º do CE – 4 meses – pode ser ultrapassado, atendendo a que os 88 dias úteis assumidos na Proposta em análise podem consubstanciar, face aos feriados existentes e aos fins-de-semana, um alargamento ilegal do prazo, conforme melhor se demonstrou nas possibilidades supra colocadas.
LVIII. Daqui resulta claramente a violação de disposições (obrigatórias e imperativas) do Caderno de Encargos, ainda para mais com influência directa na avaliação – note-se que, de acordo com o disposto no Anexo VII do PC, “na avaliação da qualidade técnica proposta, abrange apenas os Meios e métodos para a execução do projecto, onde é avaliada a metodologia apresentada nas propostas para a execução do projecto e para a respectiva gestão e acompanhamento, incluindo a sua coerência com os prazos de execução contratual propostos. Para esse efeito, para além dos meios humanos e técnicos a afectar ao projecto e a sua organização em função das actividades necessárias à sua implementação, presentes no plano de instalação com a identificação e calendarização dos trabalhos”. (ver pág. 42 do PC).
LIX. Face ao exposto e à clara violação do Caderno de Encargos e, portanto, das regras concursais, decidiu bem a sentença recorrida quanto à exclusão do Concorrente n.º 3.
LX. Nem as tentativas da Recorrente para fugir a esta evidência colhem, pois se é de “meridiana clareza” algumas discrepâncias quando se procura traduzir o prazo estipulado em meses no CE para a sua especificação em dias (certeza constatada no ponto 8.º das Alegações), então é de meridiana cautela num concurso público não se converter, precisamente por essa razão, prazos imperativos de meses para dias, sob pena de se correr o risco da sua violação, como aconteceu in casu.
LXI. Muito menos se podem aceitar, num mundo tamanhamente formalista como o da contratação pública, por imperativos de transparência, concorrência e igualdade, que haja nas Propostas uma qualquer “falta de rigor” (como expressamente admite a Recorrente do ponto 9 das suas Alegações), e muito menos “intuições”, sendo certo que nesses casos só há uma “saída” legal: a exclusão das Propostas que denotem falta de rigor e intuições tais que violem normas imperativas…
LXII Aliás, jamais se poderá aceitar a intuição referida nas Alegações, pois bem se sabe que nesta matéria de prazos a “intuição entre as duas referências” (meses / dias) não é admitida, muito menos com a demonstração infeliz (com o devido respeito) que no ponto 9.º das Alegações se faz: é que essa demonstração realça precisamente o acerto da decisão judicial recorrida e o desacerto da Proposta da concorrente n.º 3 (entenda-se, a violação das normas imperativas do CE).
LXIII. Admitindo a intuição (reforça-se, inadmissível em matéria de contratação pública e sobretudo, de apresentação e concretização das Propostas) da Recorrente, que considera que o mês de calendário é normalmente associado a um período de 20 ou 22 dias úteis, então forçoso é concluir que na Proposta adjudicada não há um prazo certo nem determinável para aquilatar do cumprimento do prazo limite estipulado imperativamente no CE.
LXIV. Basta pensar, na própria óptica da Recorrente, se um mês corresponder intuitivamente a 20 dias úteis, os 4 meses corresponderiam intuitivamente a 80 dias, pelo que propondo 88 dias úteis, a Proposta violaria o prazo estipulado…
LXV. Em conclusão, a sentença recorrida esteve bem ao decidir que a Proposta da Concorrente n.º 3 não cumpre os prazos imperativos previstos no CE, até porque viola igualmente os prazos intercalares impostos.
LXVI. Na verdade, atentando ao proposto pela Adjudicada, facilmente se constata que também os prazos intercalares não são ou podem não ser totalmente cumpridos:
- “até ao final do primeiro mês de execução orçamental” (exigido na al. a) do n.º 2 do art. 6.º do CE) não é o mesmo ou pode não ser o mesmo que “30 dias” (apresentados na Proposta) – e como não se sabe quando o contrato entra em vigor, corre-se o risco de tal prazo intercalar de execução não ser respeitado, sendo ele imperativo;
- Pela mesma razão, o prazo intercalar da alínea c) do n.º 2, também não é, ou pode não ser, cumprido – a Proposta apresenta um prazo de 88 dias úteis, que podem não coincidir com os 4 meses impostos como limite máximo naquele normativo do CE, como acabamos de demonstrar.
LXVII. Da mesma forma, a consequência apenas poderia ser a exclusão da Proposta da Concorrente ora em causa… Andou, pois, bem a sentença recorrida.
LXVIII. Por fim, a Proposta adjudicada, apesar de referir uma execução do contrato “dividida em 3 lotes”, como se impõe no CE, apenas apresenta 2 lotes, o que implica, para além do mais, o total desconhecimento sobre o cumprimento do prazo intercalar imposto pela alínea b) do n.º 2 do art. 6.º do CE.
LXIX. É certo que a sentença recorrida não se pronuncia sobre este vício, expressamente alegado pelas Autoras, mas deveria tê-lo feito, pois implica igualmente o dever de exclusão da proposta por uma dupla razão:
- Ao referir e concretizar a execução em apenas 2 lotes, a Proposta consubstancia uma Proposta Condicionada ou variante, inadmissível nos termos concursais (art. 14.º e 22.º, n.º 3 al. d) do PC);
- Ao apenas apresentar 2 lotes sem se referir ao prazo intercalar imposto pela alínea b) do n.º 2 do art. 6.º do CE, viola este prazo imperativo. É que ao assumir (apenas) que entregará 20% dos equipamentos nos 1.ºs 30 dias e a totalidade nos 88 dias úteis após a assinatura do contrato, não está a assegurar que “Até ao final do segundo mês de execução contratual, o adjudicatário deve concluir o fornecimento e a instalação de, pelo menos, 50% dos quadros interactivos e videoprojectores objecto do contrato;”.
LXX. Este vício foi constatado pelo Júri do Concurso e expressamente referenciado no Relatório Final (2.ª Versão), no quadro existente na pág. 83, mas não teve, como se impunha, qualquer consequência!!!
LXXI. O que demonstra, claramente, os sucessivos erros e vícios da decisão de adjudicação…
LXXII. Desta forma, deve a sentença recorrida ser mantida no que tange o incumprimento dos prazos de execução, acrescentando-se, ainda, os argumentos ora demonstrados.
O ME respondeu à ampliação do recurso concluindo da seguinte forma:
I - Na alínea a) do artigo 1.º do CE sobre o objecto do contrato “fornecimento e instalação de 5.613 quadros interactivos (…)” refere-se que os quadros devem conter os requisitos mínimos obrigatórios especificados na Parte II, anexo I – Cláusulas técnicas – prevendo-se no ponto 2.6., a propósito da escrita simultânea que “São valorizadas soluções que permitam a escrita simultânea no quadro interactivo, i.e. permitam que duas pessoas escrevam ao mesmo tempo no quadro”, pelo que resulta claro que, ainda que a proposta não contivesse tal requisito (o que por mera hipótese académica se admite), tal não consubstanciaria a apresentação de uma proposta condicionada ou variante, apenas relevando na sua valoração.
II - As funcionalidades futuras que as AA vêm invocar não consubstanciam nenhuma solução alternativa à exigida no CE, consistindo tão-só na descrição de possibilidades funcionais e de características do quadro interactivo proposto pela concorrente n.º 3, que não são exigidas nos documentos concursais e, como tal, não foram valoradas pelo Júri.
III - Sendo, consequentemente, completamente absurda e sem qualquer base factual a tese das AA de que – à semelhança da proposta da concorrente n.º 1 – a indicação na proposta do concorrente n.º 3 da possibilidade do quadro interactivo proposto vir a permitir, no futuro, a utilização de outras funcionalidades criaria e cita-se «uma dependência directa e perpétua da entidade adjudicante perante o fornecedor (…)».
IV - Ademais, a funcionalidade da “escrita simultânea” faz parte da proposta da Concorrente n.º 3, sendo que ao Júri compete avaliar as propostas concretas tal como são apresentadas pelos concorrentes, o que fez.
V - Pelo que, decorrendo do ponto 5 do anexo VIII ao Programa do Concurso que a solução proposta (quadro interactivo) que não suporte a escrita em simultâneo por dois alunos é pontuada com 0 pontos e que a solução que permita a escrita simultânea, i.e, permita que dois alunos escrevam ao mesmo tempo no quadro é pontuada com 5 pontos, o Júri do concurso, no âmbito da sua tarefa avaliativa, apenas podia valorar a proposta da concorrente n.º 3 neste subfactor com a pontuação de 5, dado a mesma conter tal funcionalidade, sem que com isso se tenha extravasado a “margem de livre apreciação” que sempre tem que assistir à entidade administrativa decisora, sob pena dos concursos se prolongarem indefinidamente, com grave prejuízo para o interesse público.
VI - Em suma, no que respeita à apreciação das propostas e nomeadamente no que concerne ao item em causa - “escrita simultânea” -, tudo foi ponderado e devidamente fundamentado, tendo a proposta do Concorrente n.º 3 sido avaliada com base em elementos objectivos e presentes no equipamento proposto, não se vislumbrando que o Júri tenha cometido qualquer erro, e muito menos, erro grosseiro ou ostensivo.
VII - O que, nesse sentido, foi correctamente interpretado, de facto e de direito, pelo Tribunal a quo.
VIII - Também não é verdade como pretendem as AA que a douta sentença recorrida - ao decidir pela improcedência dos alegados vícios - tenha violado o artigo art.515.º do CPC e posto em causa os princípios gerais de direito e da contratação pública.
IX - Sendo certo que as provas documentais constantes dos autos são suficientes para fundamentar a decisão de improcedência relativamente aos vícios apontados, o que o Douto Tribunal aquilatará.
X - Pelo que deve ser mantida a douta sentença recorrida na parte em que decide pela improcedência do «vício relativo à não exclusão da Proposta da Concorrente n.º 3 que consubstancia uma proposta condicionada ou variante» e do «vício de ilegalidade por erro grosseiro na apreciação da Proposta da concorrente n.º 3» o que não viola o artigo 106.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho e o art.515.º do CPC nem ofende nenhum principio geral de direito, e designadamente, os princípios da concorrência e da boa-fé.
O Ministério Público junto deste tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º, nº1 do CPTA, não se pronunciou.
2. O aresto recorrido deu como provado os seguintes factos:
1) Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 132/2007, de 13/09, foi determinada a abertura de procedimento de concurso público internacional para a aquisição dos bens e serviços necessários ao fornecimento, instalação, manutenção e help-desk de apoio de quadros interactivos para as escolas públicas com 2º e 3º ciclos do ensino básico e com ensino secundário, ao qual veio a ser atribuído o n.º 4/ME-PTE/2008 (cfr. doc. do processo administrativo apenso – Pasta 1 de 2).
2) O respectivo aviso de abertura foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º 2008/S 84-113765, de 28/04/2008 e no Diário da República, 2ª Série, n.º 86, de 5/05/2008 (cfr. doc. do processo administrativo apenso – Pasta 1 de 2).
3) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o Programa de Concurso referente ao Concurso Público n.º 4/ME-PTE/2008, do qual consta o seguinte (cfr. doc. do processo administrativo apenso – Pasta 1 de 2):
“Artigo 13º
Propostas e documentos
9. Sem prejuízo da participação à entidade competente para efeitos de procedimento penal, a falsificação de documentos ou a prestação culposa de falsas declarações em propostas e documentos determina, consoante o caso, a exclusão do respectivo concorrente, qualquer que seja a fase em que o procedimento se encontre, ou a invalidade e consequente anulação do acto de adjudicação e dos actos subsequentes.
Artigo 14º
Propostas condicionadas ou com variantes
Não são admitidas propostas condicionadas nem com variantes.
Artigo 22º
Abertura das propostas
3. São excluídas as propostas que:
a) Não contenham os elementos exigidos no n.º 7 do artigo 13º do Programa de Concurso;
b) Não sejam acompanhadas do reconhecimento a que se refere o n.º 3 ou, se for o caso, do n.º 4 do artigo 13º do Programa de Concurso ou a que se referem os modelos de documentos a apresentar pelos concorrentes;
c) Não observem o disposto no artigo 12º e nas demais disposições aplicáveis do artigo 13º do Programa de Concurso, desde que o júri considere, em qualquer dos casos, a inobservância essencial;
d) Sejam apresentadas como propostas condicionadas ou como propostas variantes.”
Artigo 24º
Avaliação das propostas
4. O júri deve propor a exclusão das propostas que considere inaceitáveis, nomeadamente por:
a) Não respeitarem as regras imperativas do Caderno de Encargos.”
4) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o Caderno de Encargos referente ao Concurso Público n.º 4/ME-PTE/2008, do qual consta o seguinte (cfr. doc. do processo administrativo apenso – Pasta 1 de 2):
“Artigo 6º
Prazos de execução e de vigência contratual
1. O prazo máximo para o fornecimento, instalação dos quadros interactivos e videoprojectores é de 4 (quatro) meses, contados a partir da entrada em vigor do contrato, nos termos do artigo 33º, ou o prazo que conste da proposta, se inferior.
2. Sem prejuízo do disposto no n.º 1, o adjudicatário deve observar os seguintes prazos intercalares, a contar da entrada em vigor do contrato, nos termos do artigo 33º do Caderno de Encargos:
a) Até ao final do primeiro mês de execução contratual, o adjudicatário deve concluir o fornecimento e instalação de, pelo menos, 20% dos quadros interactivos e videoprojectores abrangidos pelo contrato;
b) Até ao final do segundo mês de execução contratual, o adjudicatário deve concluir o fornecimento e a instalação de, pelo menos, 50% dos quadros interactivos e videoprojectores abrangidos pelo contrato;
c) Até ao final do quarto mês de execução contratual, o adjudicatário deve concluir o fornecimento e a instalação da totalidade dos quadros interactivos e videoprojectores abrangidos pelo contrato.”
Artigo 33º
Produção de efeitos
O contrato produz efeitos a partir da comunicação pela entidade adjudicante ao adjudicatário da emissão de visto pelo Tribunal de Contas, o que deve ter lugar no prazo de 15 (quinze) dias a contar do conhecimento, por parte da entidade adjudicante, de uma tal decisão.”
5) Ao abrigo do disposto no artigo 4º do Programa de Concurso, o júri prestou a todos os interessados diversos esclarecimentos, que foram juntos ao processo de concurso (cfr. doc. do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – Pasta 1 de 2).
6) Em 26/06/2008 realizou-se o acto público do concurso, tendo sido elaboradas as actas n.ºs 1 e 2, juntas a fls. do processo administrativo apenso – Pasta 1 de 2, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, tendo sido deliberado:
- Admitir os seguintes concorrentes:
• Concorrente n.º 1 – Agrupamento constituído I…, Lda e D…, SA.
• Concorrente n.º 2 – D…, SA.
• Concorrente n.º 3 – Agrupamento constituído por N…, SA, D…, SA, I…, Lda e P….
• Concorrente n.º 4 – Agrupamento constituído por A…, J…, SA e P…, SA.
• Concorrente n.º 5 – Agrupamento constituído por C…, SA e L…, Lda.
• Concorrente n.º 6 – B…, SA
- Excluir o concorrente n.º 7 – Agrupamento constituído por 3…, Lda., 3… e R…, Lda.
7) A concorrente n.º 3 apresentou a proposta junta a fls. do processo administrativo apenso – Pasta n.º 2/3, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8) As autoras apresentaram a proposta junta a fls. do processo administrativo apenso – Pasta n.º 1/3, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9) Em 5/08/2008 o júri do concurso elaborou o Relatório Preliminar de Avaliação das Propostas, tendo proposto à Sr.ª Ministra da Educação a adjudicação da proposta apresentada pelo Concorrente n.º 3 (cfr. doc. de fls. de fls. do processo administrativo apenso – Pasta 2 de 2, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
10) A autora pronunciou-se sobre o Relatório Preliminar de Avaliação das Propostas nos termos constantes do doc. de fls. 23 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11) A contra-interessada B…, SA pronunciou-se sobre o Relatório Preliminar de Avaliação das Propostas nos termos constantes do doc. de fls. do processo administrativo apenso – Pasta 2 de 2, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
12) Em 6/10/2008 a Sr.ª Ministra da Educação proferiu o seguinte despacho (cfr. doc. de fls. do processo administrativo apenso – Pasta 2 de 2):
“Nos termos conjugados dos artigos 54º e 109º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de Junho e do artigo 27º do Programa de Concurso, (…) e com os fundamentos constantes do relatório final de avaliação das propostas elaborado pelo júri do procedimento em 3 de Setembro de 2008, anexo ao presente despacho e constituído por 96 páginas, determino o seguinte:
a) A exclusão do Concorrente n.º 2, a sociedade D…, SA, por não ter demonstrado possuir a capacidade financeira exigida pelo artigo 5º, n.ºs 2 a 4 do Programa de Concurso;
b) A exclusão da proposta apresentada pelo Concorrente n.º 1, o AGRUPAMENTO CONSTITUÍDO PELAS SOCIEDADES I.., LDA E D…, SA, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 14º e 24º, n.º 4 do Programa de Concurso e no artigo 106º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de Junho, por consubstanciar uma proposta condicionada ou variante, violando elementos imperativos do Caderno de Encargos;
c) A exclusão da proposta apresentada pelo Concorrente n.º 5, o AGRUPAMENTO CONSTITUÍDO PELAS SOCIEDADES C…, SA E L…, LDA, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 14º e 24º, n.º 4 do Programa de Concurso e no artigo 106º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de Junho, por consubstanciar uma proposta condicionada ou variante, violando elementos imperativos do Caderno de Encargos;
d) A adjudicação da aquisição dos bens e serviços necessários ao fornecimento, instalação, manutenção e help-desk de apoio de quadros interactivos para as escolas públicas com 2º e 3º ciclos do ensino básico e com ensino secundário, à proposta apresentada pelo Concorrente n.º 3, o AGRUPAMENTO CONSTITUÍDO PELAS SOCIEDADES N…, SA, D…, SA, I…, LDA. e P….
(…).”
13) Em 20/10/2008 foi elaborado novo Relatório Final de Avaliação das Propostas, nos termos constantes do doc. de fls. do processo administrativo apenso – Pasta 2 de 2, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
14) Em 22/10/2008 a Sr.ª Ministra da Educação proferiu o seguinte despacho (cfr. doc. de fls. do processo administrativo apenso – Pasta 2 de 2):
“Considerando que, findo o prazo concedido pelo júri do concurso público acima identificado para audiência prévia dos interessados, que precedeu o acto de adjudicação constante do meu Despacho de 6 de Outubro de 2008, o júri apurou que, por lapso dos serviços, a pronúncia do concorrente n.º 6 ao referido procedimento não havia sido considerada no Relatório Final de Avaliação das Propostas submetido a consideração superior.
Considerando que o júri, detectado o lapso e em cumprimento do seu dever legal de apreciação e pronúncia sobre todas as observações expendidas pelos concorrentes em sede de audiência prévia (cfr. artigo 109º do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de Junho), entendeu:
a) Reformular o Relatório Final de Avaliação das Propostas de modo a incluir a ponderação das observações formuladas pelo concorrente n.º 6 em sede de audiência prévia e
b) Tendo em conta que, efectuada a referida ponderação, concluiu que os argumentos expendidos e entretanto apreciados não alteram a ordenação classificativa das propostas constante da primeira versão do relatório final, submeter a nova versão do Relatório Final de Avaliação das Propostas à apreciação da Ministra da Educação, propondo que, em caso de concordância com as respectivas fundamentação e conclusões, nele se baseie para proferir despacho de ratificação do acto de adjudicação proferido ao abrigo do Despacho de 6 de Outubro, nos termos dos n.ºs 2 e 4 do artigo 137º do Código do Procedimento Administrativo.
Assim, nos termos conjugados do artigo 109º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de Junho e do artigo 27º do Programa de Concurso (…) e com os fundamentos constantes da versão sanada do Relatório Final de Avaliação das Propostas, constituído por 118 págs., elaborado pelo júri do procedimento em 3 de Outubro de 2008, determino o seguinte:
a) A exclusão do Concorrente n.º 2, por não ter demonstrado possuir a capacidade financeira exigida pelo artigo 5º, n.ºs 2 a 4 do Programa de Concurso;
b) A exclusão da proposta apresentada pelo Concorrente n.º 1, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 14º e 24º, n.º 4 do Programa de Concurso e no artigo 106º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de Junho, por consubstanciar uma proposta condicionada ou variante, violando elementos imperativos do Caderno de Encargos;
c) A exclusão da proposta apresentada pelo Concorrente n.º 5, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 14º e 24º, n.º 4 do Programa de Concurso e no artigo 106º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de Junho, por consubstanciar uma proposta condicionada ou variante, violando elementos imperativos do Caderno de Encargos;
d) A adjudicação da aquisição dos bens e serviços necessários ao fornecimento, instalação, manutenção e help-desk de apoio de quadros interactivos para as escolas públicas com 2º e 3º ciclos do ensino básico e com ensino secundário, à proposta apresentada pelo Concorrente n.º 3, o AGRUPAMENTO constituído pelas SOCIEDADES N…, SA, D…, SA, I…, LDA e P….
e) A ratificação do meu despacho de 6 de Outubro de 2008, com os fundamentos expostos supra e os constantes da versão sanada do Relatório Final de Apreciação das Propostas submetido à minha apreciação pelo júri, ao abrigo do disposto no artigo 137º do Código do Procedimento Administrativo.
(…).”
15) Em 5/12/2008 foi celebrado entre o Estado Português e N…, SA, D…, SA, I…, Lda e P…, LTA, o “Contrato de Aquisição dos Bens e Serviços Necessários ao Fornecimento, Instalação, Manutenção e Help-desk de Apoio de Quadros Interactivos e Videoprojectores para as Escolas Públicas com 2 e 3º Ciclos do Ensino Básico e com Ensino Secundário, junto a fls. 390 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor dos documentos a fls. 330 a 356 dos autos.
17) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento junto a fls. 375 dos autos.
18) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento junto a fls. 582 dos autos.
3.1. Um dos agrupamentos concorrentes ao concurso público para fornecimento, instalação, manutenção de quadros interactivos às escolas públicas impugnou o acto de adjudicação com três fundamentos: a proposta do concorrente vencedor viola o prazo de execução imposto no caderno de encargos; é uma proposta condicionada ou variante, o que é proibido pelo programa do concurso; e não contem a funcionalidade de escrita simultânea exigida pelo caderno de encargos, pelo que deveria ter sido excluída ou classificada com zero pontos no subfactor escrita simultânea.
A sentença recorrida julgou procedente o vício de violação do prazo de execução pré-estabelecido no caderno de encargos e julgou improcedentes as demais ilegalidades.
A entidade demandada interpôs recurso jurisdicional por não se conformar com a parte da sentença que considerou existir incumprimento do prazo de execução fixado no caderno de encargos. E o agrupamento recorrido, nas respectivas alegações, usou a norma do artigo 684ª-A do CPC para ampliar o âmbito do recurso aos fundamentos em que decaíram.
Cumpre, pois, reapreciar todos os fundamentos que integram a causa de pedir da acção do contencioso pré-contratual, começando pela parte em que o recorrente ficou vencido.
3.2. A decisão recorrida faz um confronto entre as normas procedimentais relativas ao prazo de execução, nomeadamente o artigo 6º do caderno de encargos que prescreve um prazo de 4 meses e as indicações constantes da proposta do concorrente nº 3, a do agrupamento adjudicatário, para concluir, em concordância com a apreciação que o Tribunal de Contas fez no Acórdão de 4/2/2009 junto aos autos, que nem sempre o prazo de 83 dias úteis constantes da proposta está em consonância com o prazo máximo de 4 meses. Diz-se que, «há situações em que coincide e outras em que fica até aquém, mas há também casos que o ultrapassa».
Todavia, analisando e interpretando a proposta nº 3, em termos que não se ponha em causa o princípio da comparabilidade das propostas e o princípio da igualdade de concorrentes, não se pode concluir que a proposta ultrapassa o prazo imperativo de 4 meses de execução.
No capítulo 1º intitulado “sumário executivo da proposta” indica-se no ponto 1.4 o seguinte:
Prazos de execução
A execução do objecto proposto está dividida em 3 lotes de entrega, a saber:
Lote 01 – Correspondente a 20% dos equipamentos a serem fornecidos e instalados nos 1.ºs 30 dias;
Prazo de entrega (inclui a instalação dos equipamentos) 30 dias após a assinatura do contrato.
Lote 02 – Correspondente à totalidade dos equipamentos a serem fornecidos;
Prazo de entrega (inclui a instalação dos equipamentos) – 88 dias úteis após a assinatura do contrato” (cfr. doc. de fls. 3 da proposta).
No capítulo 3º intitulado “Metodologias de projecto”, no ponto 4.1. relativo ao “ prazo de execução do projecto” escreve-se o seguinte:
O Consórcio, aplicando as metodologias de projecto, analisou e planeou de forma coerente e está devidamente preparado para a realização de todo o processo de entrega, instalação e formação bem como o arranque da Manutenção e Apoio e Helpdesk, sem nunca exceder o prazo máximo de 4 meses, de acordo com o estipulado no ponto 1 do art. 6 do Caderno de Encargos, bem como os mínimos mensais, bem como o planeamento da formação está feito para cumprir escrupulosamente o prazo para esta actividade nos dois primeiros meses das actividades.
O Programa de Concurso e Caderno de Encargos referem-se aos prazos por datas de calendário, dado que não é conhecida a data de início do período de instalação, não nos é possível determinar quais são os dias não úteis (feriados nacionais e locais).
Cientes da responsabilidade na apresentação de Cronogramas de instalação, optámos por definir dias de trabalho de semanas de 5 dias, conjuntos de 4 semanas de 5 dias e conjunto de 4 meses com 20 dias úteis.
Dado que aparentemente é visível que o nosso prazo é menor ao prazo total, esta simplificação não induz em nenhum incumprimento de prazos.
O Consórcio apresenta um cronograma detalhado, por dia, escola, para a marcação total das instalações em 78 dias úteis, prazo este que deixa uma folga para eventuais arranjos que seja necessários ser efectuados. A organização e formação das equipas de instalação está previamente definida e preparada, para arrancar com o dia 1. As equipas de instalação estão em total sintonia com as entregas, aliás com um atraso de sensivelmente uma semana (5 dias) em relação à entrega, por medida de segurança.
Consideramos ter os recursos adequados ao serviço proposto, dando até uma folga, devido ao nível de recursos que disponibilizamos e em qualquer caso existem equipas de contingência preparadas para serem adicionadas como reforço ou de substituição.
Temos ciente, que ao prazo de 4 meses, existe um 4º mês reservado aos pontos 6, 7 e 8 do art° 13º do Caderno de Encargos. Dado a folga que poderemos ter de cerca de 10 dias, iremos redistribuindo qualquer deslocação adicional a começarem nesses dias.
Contudo o nosso prazo total de fornecimento, instalação e formação mantêm-se os 4 meses que são estipulados no Caderno de Encargos como tempo máximo disponibilizado” (cfr. doc. de fls. 188 da proposta).
De seguida apresentou o “cronograma geral do projecto”, o “fluxograma geral do projecto” e o “cronograma total das instalações”. O cronograma do projecto estabelece 40 dias para a entrega da totalidade dos bens adjudicados, 41 para a instalação do lote 1 e 88 dias para instalação do lote 2, correspondendo à totalidade do material adjudicado (cfr. doc. de fls. 192); o cronograma das instalações, indica quantas, quais e em que dias, as escolas serão equipadas com os quadros interactivos (cfr. doc. de fls. 198 a 216).
No ponto 4.2 do mesmo capítulo, sobre a epígrafe “fases do projecto” refere-se “o plano apresentado prevê a realização de aproximadamente 72 instalações por dia, divididas em 2 Zonas de instalação, Coordenação Norte e Coordenação Sul. Existe intervenção de instalações semanal de 360 soluções por semana, para um total de 16 semanas. Há intervenção semanal em cerca de 72 escolas” (cfr. doc. de fls. 226 da proposta).
Por fim, no capítulo 7, relativo às “condições financeiras e administrativas” o agrupamento proponente refere o seguinte: “Prazo de entrega: conforme estipulado para cumprimento do caderno de encargos; Prazo total de serviços: de entrega, instalação e formação: 4 meses” (doc. de fls. 337).
Dos extractos acabados de transcrever de modo algum se pode inferir que o proponente oferece um prazo maior do que referido no caderno de encargos. Ele é bem explícito no sentido de que o prazo total de fornecimento, instalação e formação são os 4 meses estipulados no Caderno de Encargos como tempo máximo disponibilizado. A conversão em dias úteis, que está na base da controvérsia, apenas surgiu pela necessidade de elaborar o cronograma detalhado das datas e das escolas em que o material iria ser entregue e instalado, uma vez aos sábados, domingos e dias feriados estão fechadas. O proponente não deixa de alertar para a dificuldade de se estabelecer um cronograma com desconhecimento do dia em que o contrato começa a produzir efeitos: «cientes da responsabilidade na apresentação de Cronogramas de instalação, optámos por definir dias de trabalho de semanas de 5 dias, conjuntos de 4 semanas de 5 dias e conjunto de 4 meses com 20 dias úteis. Dado que aparentemente é visível que o nosso prazo é menor ao prazo total, esta simplificação não induz em nenhum incumprimento de prazos».
É verdade que, não pretendendo ultrapassar os quatro meses, nem os mínimos mensais, não deixa de cometer um lapso na formulação da proposta ao referir que a está dividida em três lotes e logo de seguida indicar apenas dois. A dúvida que este lapso levanta é saber no final do segundo mês 50% dos quadros interactivos estão fornecidos e instalados. Mas, pelos cronogramas juntos deduz-se que a totalidade do material está entregue em 40 dias e mais 50% das instalações estão realizadas ao fim do segundo mês. No cronograma de instalações estão indicados o número de quadros interactivos instalados em cada dia e em cada escola, de onde se infere que ao fim de dois meses, mais de metade, ou seja, mais de 2087, estão instalados nessa data. Embora haja dias que são instalados mais de 72 quadros, proponente indica esse número médio diário, o que em dois meses ultrapassa os 50% previstos no caderno de encargos.
Ora bem: a proposta é uma manifestação de vontade que, como qualquer outra manifestação do espírito humano, postula uma interpretação. Trata-se de declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo. Pese embora o seu estatuto sui generis, subordinada a determinados requisitos essenciais, como a seriedade, firmeza e certeza, não deixa de encerrar uma declaração negocial do concorrente privado em relação à Administração Pública. Como verdadeira declaração de vontade negocial que é, também se lhe deve aplicar as regras da interpretação da declaração negocial constantes dos artigos 236º e ss. do Código Civil, assim como a teoria dos vícios da vontade.
Segundo o critério interpretativo do artigo 236º, que segue a doutrina da impressão do destinatário, a proposta vale com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria. Ora, atendendo ao conjunto dos elementos que fazem parte da proposta, assim como às deduções lógicas que se podem fazer dos números apresentados nos cronogramas, é evidente que uma pessoa razoável, normalmente atenta, não pode concluir que a proposta ultrapassa objectivamente o prazo de 4 meses. Basta ler o que o proponente diz a respeito do cronograma geral onde figuram os 88 dias: «o Cronograma Geral apresentado, pretende somente neste momento apresentar o encadeamento das acções. É um processo que necessita ainda de definições de datas de calendário e acompanhamento por parte da equipa de planeamento». Neste contexto, não faz qualquer sentido tentar encontrar no calendário um dia de início do prazo de 88 dias úteis de execução do contrato cujo termo final ocorra para além dos 4 meses, pois, esse prazo é meramente indicativo de um programa de acção que se supõe e se pretende que nunca ultrapasse o prazo de 4 meses e que para que tal não aconteça pode ser passível de “definições de data de calendário”. O proponente é bem explícito no sentido de que não pretende ultrapassar o prazo de 4 meses. Apenas, para efeito de elaborar os cronogramas, converteu tal prazo em dias úteis, o que originou as dúvidas de dois concorrentes, mas que, numa leitura atenta da proposta, não têm razão de ser.
Por outro lado, se perante os cronogramas, fica menos claro qual o prazo certo de entrega e instalação dos quadros interactivos, tal ambiguidade pode resultar de um erro na formulação da proposta, o qual que deve ser objecto de esclarecimentos por parte da Administração antes de se praticar um acto de exclusão. É o que resulta do nº 2 do artigo 92º do DL 197/99: «no estrito respeito pelos princípios da igualdade, da imparcialidade e da estabilidade, o júri pode solicitar aos concorrentes, por escrito, esclarecimentos sobre aspectos das propostas que suscitem fundadas dúvidas, devendo fixar prazo para a obtenção, por escrito, da respectiva resposta». Como refere Paulo Otero, «recai sobre a Administração a obrigação de atender aos eventuais vícios da vontade de que possa enfermar a declaração negocial do recorrente, nomeadamente os erros materiais ostensivos apreensíveis da mera leitura da proposta apresentada, ou seja, os erros que incidem sobre os elementos não variáveis que os concorrentes tiverem que tomar em consideração na elaboração das respectivas propostas. Sendo certo que só através de pedidos de esclarecimentos aos concorrentes é que a Administração pode concluir pela existência ou não de qualquer erro e bem assim da sua dimensão» (cfr. revista “O Direito”, Ano 131, 1990, pág. 92 e 93).
Portanto, sendo o prazo máximo de execução um prazo invariável, em face das dúvidas originadas pelos cronogramas, o que se impunha era um pedido de esclarecimentos e não a exclusão da proposta, como defendem os recorrentes. Mas, tendo interpretado, e bem, que a proposta não pretendeu ultrapassar o prazo de 4 meses, fez reflectir na avaliação do factor “qualidade técnica da proposta” as deficiências encontradas na metodologia de execução do projecto. Não havia, pois, qualquer motivo para excluir a proposta, pelo que, nesta parte, a sentença incorre em erro de julgamento e, com o tal, deve ser revogada.
3.3. Entendem os recorridos que a proposta adjudicada é uma proposta condicionada ou variante, “uma vez que consubstancia uma solução alternativa à exigida no caderno de encargos, pois possuía, na altura do concurso e aquando da apresentação da Proposta, a funcionalidade exigida”, e que “algumas funcionalidades propostas não estão ainda disponíveis, mas estarão no futuro, o que implica, necessariamente, que apenas poderiam ser fornecidas no futuro, não existindo à data da Proposta e do Concurso”.
Ao consideraram a proposta como condicionada ou variante parece que o fazem por dois motivos diferentes: porque o quadro interactivo a fornecer não contém a funcionalidade de escrita simultânea exigida no caderno de encargos e porque são indicadas outras funcionalidades a fornecer no futuro.
Nenhum destes motivos permite qualificar a proposta como variante ou condicionante, pois nenhum deles consubstancia uma pretensão de alteração das cláusulas técnicas e jurídicas sob que a Administração manifestou a sua disponibilidade para contratar. Não se trata de proposta condicionada porque o concorrente não declara que só quer contratar se for satisfeita certa pretensão sua, não prevista no caderno de encargos. E não se trata de proposta com variantes porque o concorrente não se propõe assumir uma obrigação diferente daquela que se prevê no caderno de encargos e que no seu entendimento serve igualmente o interesse da Administração.
Na situação de proposta com variantes, o concorrente candidata-se à adjudicação com várias propostas: a proposta base e a proposta com diferenças em relação à proposta base (cfr. art. 50º do DL nº 197/99). Ora não é isso que acontece no caso dos autos, pois, apenas foi apresentada uma proposta na qual se diz cumprir as especificações técnicas exigidas no caderno de encargos. Os adjudicatários candidataram-se ao concurso para entrega e instalação de quadro interactivos que dizem conter a funcionalidade de escrita simultânea. Portanto, não há qualquer proposta com diferenças relativamente ao que se exige no caderno de encargos. E não resulta da proposta que os adjudicatários pretendam vincular a Administração à aquisição futura de novo software que seja compatível ou adaptável ao quadro interactivo proposto. O agrupamento adjudicatário descreve o produto que se propõe entregar e instalar nas escolas, o quadro interactivo activboard, fabricado pela Promethean, cujas características permite “futuros adicionais de possibilidades funcionais” e que foi “desenvolvido para suportar importantes upgrades”. Mas dessa descrição não resulta que a Administração fique adstrita a adquirir no futuro as novas funcionalidades. Por conseguinte, não se verifica o erro de julgamento que os recorridos imputam à sentença.
3.4. A questão fulcral de todo o processo é saber se o produto proposto pelos adjudicatários contém ou não a funcionalidade de escrita simultânea. A questão tem vindo a ser levantada desde o procedimento de concurso, onde dois dos concorrentes reclamaram dizendo que a proposta do concorrente nº 3 não tinha tal funcionalidade, solicitando mesmo que fosse efectuada uma “sessão de experimentação”.
Segundo o programa de concurso e o caderno de encargos a escrita simultânea é uma funcionalidade de valorização e não de exclusão das propostas. O ponto 2.6 do anexo I ao caderno de encargos, prescreve que «são valorizadas soluções que permitam a escrita simultânea no quadro interactivo, isto é, permitam que duas pessoas escrevam ao mesmo tempo no quadro». E no anexo VIII do programa do concurso a escrita simultânea surge como um subfactor do factor qualidade técnica da proposta, sendo atribuído 0 pontos ao quadro interactivo que não suporte a escrita simultânea e 5 pontos ao permite tal funcionalidade.
A proposta adjudicatária foi pontuada com 5 pontos no subfactor escrita simultânea. Os ora recorridos entendem que essa proposta não contém tal funcionalidade, havendo “falsas declarações” do concorrente e “erro grosseiro” do júri na avaliação da proposta e que a sentença recorrida enferma de nulidade por carecer de fundamentação quanto à falta de veracidade da proposta e de erro de julgamento por considerar não haver elementos suficientes para demonstrar a falta de verdade da proposta quando, além da prova documental em sentido contrário, havia prova que produzir prova testemunhal.
O problema nunca poderá ser de nulidade da sentença, uma vez que esta não padece de falta absoluta de fundamentos de facto e de direito. O juiz pronunciou-se sobre a eventual falta da funcionalidade de escrita simultânea, reproduzindo o Relatório Final de Avaliação do júri, onde se considera que essa funcionalidade existe na proposta dos adjudicatários e que «do teor dos documentos juntos pelas autoras não resulta tout court que a proposta apresentada pelo concorrente nº 3 seja inverídica». Se a motivação é incompleta, deficiente ou errada, tal não produz nulidade, afectando somente o seu valor doutrinal, com a possível a ser revogada ou alterada em recurso.
Mas não é isso o que acontece no presente caso
Em primeiro lugar, nenhuma dúvida existe que a proposta do concorrente nº 3 refere que os quadros interactivos a fornecer e instalar em caso de adjudicação dispõem da funcionalidade de escrita simultânea. Ao referir as características do software ACTIVstudio a fornecer com o quadro interactivo indica que também possui o “sistema multi-utilizador ACTIVarena” (fls. 15 da proposta); no ponto 1.6 do capítulo 1, à “escrita simultânea” descreve-se o modo de funcionamento do ACTIVarena; no anexo III da proposta faz referência a documentos do fabricante dos quadros interactivos – a P…– onde se menciona o ACTIVarena, como um novo produto “disponível para a sala de aula no final de 2007 (doc. de fls. 526); na tabela de conformidade exigida no programa de concurso volta a indicar que o material proposto cumpre a funcionalidade de escrita simultânea. Portanto, não há dúvida que através desta proposta os proponentes ficam vinculados a fornecer e instalar quadros interactivos com a funcionalidade de escrita simultânea.
Os recorridos alegam, porém, que essa funcionalidade não existe no momento em que a proposta é feita, pois há documentos da próprio fabricante a dizer que só em 2008 o software ACTIVarena será comercializado.
Os documentos a que os recorridos se reportam são os constantes de fls. 304 a 329 traduzidos de fls. 330 a 357 do Vol. II dos autos: três cartas da H…, um dos fabricantes dos quadros interactivos propostos pelos recorridos, a dizer que a funcionalidade da P… ainda não estar disponível no mercado em Agosto de 2008; um e-mail de algum que se diz ser gestor de conta interna da P… a dizer que activarena só será lançado em 2009; um documento, extraído do site da P…, USA, a dizer que o activarena só está disponível em meados de 2008; e vários extractos de conversas no Fórum P…, uma comunidade virtual, concebida pela P… para os professores que trabalham com quadros interactivos.
Como documentos particulares que são, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas aos seus autores. Todavia, isto só quer dizer que se torna indiscutível que a pessoa a quem o documento é atribuído fez as declarações que dele constam; mas saber se as declarações feitas vinculam o seu autor, em que medida, é já problema que não respeita à força probatória do documento, mas sim à eficácia da declaração. Ora, esta matéria está regulada no nº 2 do artigo 370º, que lhe aplica os princípios do instituto da confissão: os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante e a declaração é indivisível. Quer isto dizer que, enquanto os documentos autênticos fazem prova plena, qualquer que seja o facto representado, os documentos particulares, cuja veracidade esteja reconhecida, só têm essa força probatória quanto aos factos neles referidos que sejam contrários ao interesses do declarante, o que se exprime pela enunciação da regra de que o documento autêntico prova plenamente erga omnes e o documento particular apenas prova inter partes. Deste modo, apenas o declarante pode invocar o documento, como prova plena, contra o declarante que emitiu uma declaração contrária aos seus interesses; mas nas relações com terceiros, essa declaração somente valerá como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal, tal como sucede com a confissão (cfr. art. 351º do CCv).
Sendo a maioria daqueles documentos provenientes de terceiros os factos neles declarados são elementos de prova a apreciar livremente pelo tribunal. O problema só se podia colocar com mais dificuldade relativamente à informação extraída do site da P… EUA, sobre a comercialização em meados de 2008. Mas, nessa apreciação não pode deixar de se dizer o seguinte: dos documentos resulta a informação de que o activarena não foi comercializado ao mesmo tempo em todos os países, o que justificar que enquanto a P… de França indique que tal tecnologia existe desde 2007 (doc. de fls. 375 dos autos) a P… dos EUA faça referência a meados de 2008 (doc. de fls 330) e, por isso mesmo podemos não estar perante declarações contraditórias, embora só as declarações da direcção da empresa sediada em Inglaterra a poderiam comprometer processualmente. Mas o facto do activarena ser comercializado em 2008 (as conversas no forum on line do P… fazem referência ao Janeiro de 2008), não significa que o software não estivesse a ser comercializado à data da proposta do concorrente nº 3, pois, o concurso apenas abriu em 5/5/2008 e o acto de abertura das proposta ocorreu em 26/6/2008. Portanto, através dos factos exarados nos documentos não se pode concluir que foram efectuadas “falsas declarações”, pois em meados de 2008 é bem possível que a funcionalidade de escrita simultânea já estivesse no mercado, sendo incompreensível que o fabricante, um dos proponentes, se comprometesse a entregar um produto que de antemão sabe que lhe é impossível comercializar.
Em segundo lugar, do procedimento concursal não fazia parte qualquer fase de ensaio ou experimentação do material a fornecer. As regras do concurso não previam a possibilidade de se testar previamente os quadros interactivos para se avaliar as respectivas características técnicas. O júri avalia as propostas nos termos em que elas são apresentadas, porque a aceitação da proposta cria na esfera jurídica de ambas as partes uma obrigação de contratar. A adjudicação dá lugar a uma situação jurídica próxima do “contrato-promessa” entre o adjudicatário e a Administração, ficando aquele vinculado nos termos da sua proposta. Ora, se a funcionalidade não existe no momento da entrega dos quadros interactivos o adjudicatário é responsável contratualmente por esse facto e a Administração pode recusar recebê-los; e se o fizesse, seria responsável perante os restantes concorrentes. Assim sendo, o importante é que os quadros interactivos entregues e instalados nas escolas disponham da funcionalidade de escrita simultânea.
Não estando prevista qualquer fase de testes ou ensaios, o júri apenas tem que se ater ao alegado na proposta, confiando que o material proposto e adjudicado vai ser entregue com a funcionalidade de escrita simultânea. Não há, pois, qualquer “erro grosseiro” na avaliação da proposta, apenas se pontuou com 5 valores uma proposta que se vincula a apresentar quadros interactivos com a funcionalidade de escrita simultânea, nem havia que fazer qualquer tipo de prova testemunhal ou pericial, seja no procedimento seja na acção judicial, sobre a existência ou não da funcionalidade em questão. Com a proposta, em que se indica que a funcionalidade será fornecida, o proponente vincula-se a celebrar o contrato nos exactos termos em que declarou fazê-lo. Se efectivamente os quadros entregues pelo adjudicatário não contêm a funcionalidade de escrita simultânea, os recorridos têm direito a ser indemnizados, mas isso no âmbito de outra acção que não a presente.
4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo em decidir o seguinte:
a) Conceder provimento ao recurso jurisdicional e nessa medida revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou procedente a acção por violação das regras do concurso relativas ao prazo de execução, mantendo-a na parte em que julgou improcedentes os demais vícios
b) Julgar improcedente a acção de contencioso pré-contratual e consequentemente absolver os demandados do pedido.
Custas pelas recorridas, em ambas as instâncias.
Notifique-se.
TCAN, 23 de Setembro de 2010.
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador

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