quarta-feira, 23 de novembro de 2011

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL - ACORDO - INDEMNIZAÇÃO


Proc. 648/10 – STA

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
ACORDO
INDEMNIZAÇÃO
 

I – A impossibilidade absoluta, ou impossibilidade tout court, do objecto negocial ou do cumprimento da obrigação é a situação em que, física ou juridicamente, aquele objecto é irrealizável ou irrealizável é o cumprimento da obrigação.
II – Tendo já sido celebrado o contrato a que respeitava um determinado concurso e tendo decorrido já o prazo da sua vigência, tal determina a impossibilidade absoluta da satisfação da recorrente.
III – Assim, tendo sido adjudicado a uma firma o fornecimento de refeições para um período de tempo já decorrido e que cumpriu (ano de 2009) estamos (no ano de 2010) perante uma impossibilidade absoluta a que se refere o artigo 102º nº5 do CPTA, pelo que as partes devem ser convidadas a acordarem no montante indemnizatório
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A…, com sede na Rua …, nº …, freguesia de …, concelho de Oeiras intentou contra a Unidade Local de Saúde da Guarda, EPE, com sede na Av. D. Amélia, 6301-857, Guarda, acção administrativa especial de contencioso pré-contratual, pedindo que: a) seja anulada a deliberação de 26 de Agosto de 2009 do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde da Guarda, EPE, a qual aprovou o Relatório Final do júri e adjudicou à B…, o fornecimento de alimentação objecto do concurso público nº710001/2009; b) seja condenada a Unidade Local de Saúde da Guarda, EPE a abster-se de celebrar o contrato com a B… ou a anulação do mesmo, caso já tenha sido celebrado; c) seja condenada a Unidade Local de Saúde da Guarda, EPE a excluir a proposta da B…, e; d) seja condenada a Unidade Local de Saúde da Guarda, EPE a adjudicar à A… o serviço objecto do concurso público nº710001/2009.
Por sentença de 9/2/2010 do TAF de Castelo Branco (fls.413 a 422) foi negado provimento à acção e absolvida a ré e absolvida a ré dos pedidos formulados pela autora.
Não se conformando com esta decisão da mesma a A… interpôs recurso para o TCA Sul que por acórdão de 2/6/2010 (fls. 551 a 562) revogou a sentença recorrida e anulou a deliberação impugnada por a considerar inquinada com o vício de violação da lei.
Não se conformando a A… com este acórdão do mesmo interpôs para este Supremo Tribunal recurso nos termos do artigo 150º nº1 do CPTA, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
1ª- A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se a previsão do artº102º nº5 do CPTA se verifica quando, no contencioso pré-contratual, no qual foi pedida a anulação do acto de adjudicação e a condenação na prática dos actos devidos de exclusão da proposta do adjudicatário e de adjudicação à autora dos serviços objecto do concurso público em apreço, foi entretanto celebrado e integralmente executado o contrato com o adjudicatário ou se, ao invés, como decidiu o douto Acórdão recorrido, não se verifica a previsão de tal disposição legal porque ainda é possível a anulação, pelo que deverá o acto de adjudicação ser anulado e considerar-se prejudicado o conhecimento, por inutilidade superveniente, dos pedidos de condenação à prática dos actos devidos de exclusão da proposta do adjudicatário e de adjudicação à Autora do serviço objecto do concurso público em apreço.
- Esta questão reveste de relevância jurídica fundamental por ser susceptível de colocar-se repetidamente em casos futuros.
3ª – É bastante frequente, na pendência do contencioso pré-contratual, ser celebrado e integralmente executado o contrato com o adjudicatário, revelando-se assim essencial definir o que deve entender-se por impossibilidade absoluta de satisfação dos interesses do Autor para efeitos de aplicação do regime estatuído no art.° 102.° n.º5 do CPTA.
4ª - O entendimento perfilhado pelo douto Acórdão recorrido é contrário à jurisprudência firmada quer pelo próprio Tribunal Central Administrativo Sul quer pelo Supremo Tribunal Administrativo (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21-01-2010, proferido no processo n.°04949/09 e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-01-2006, proferido no processo n.º0404/05.
- A admissão da presente Revista justifica-se não apenas pela importância fundamental da questão nela colocada mas também porque é necessária para uma melhor aplicação do direito.
6ª - Termos porque deverá a presente Revista ser admitida nos termos do disposto no art.° 150º nº1 do CPTA.
7ª - Nos presentes autos, a Autora formulou, cumulativamente com os pedidos de anulação do acto de adjudicação à B… e de anulação do contrato, os pedidos de condenação à prática dos actos devidos de exclusão da proposta da B… e de adjudicação à A… do fornecimento de alimentação objecto do concurso público sub judice.
8ª - A execução do julgado anulatório implicaria que a Recorrida reconstituísse a situação que existiria se o acto de adjudicação à B… não tivesse sido praticado tendo a Recorrente concretizado a forma como essa reconstituição devia ser feita, a saber, a prática pela Recorrida do acto de exclusão da proposta da B… e de novo acto de adjudicação à Recorrente.
9ª - Porém, o contrato com a B… foi celebrado e já decorreu o prazo da sua vigência.
10ª - Pelo que é impossível tal reconstituição, ou seja, é impossível a prática pela Recorrida do acto de exclusão da proposta da B… e de novo acto de adjudicação à Recorrente porquanto o fornecimento de alimentação objecto do concurso público sub judice foi já integralmente efectuado pela B….
11ª - Verifica-se, assim, a previsão do art.° 102° nº5 do CPTA, ou seja, uma situação de impossibilidade absoluta de satisfação dos interesses da Autora.
12ª - Vide, no mesmo sentido, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 21-01-2010, proferido no processo n.º04949/09 e do Supremo Tribunal Administrativo de 17-01-2006, proferido no processo n.º0404/05.
13ª - Ao entender que a anulação do acto de adjudicação ainda é possível pelo que a impossibilidade de satisfação dos interesses da Autora não é total, o douto Acórdão recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento.
14ª - A anulação do acto de adjudicação à B… constitui a Recorrida no dever de reconstituir a situação que existiria se o mesmo não tivesse sido praticado, ou seja, na prática do acto de exclusão da B… e do acto de adjudicação à A… (cfr. artº173° nº1 do CPTA).
15ª - O que se afigura impossível porquanto, tendo o contrato com a B… sido integralmente executado, o objecto da nova adjudicação à A… deixou pura e simplesmente de existir, convertendo-a num acto absurdo.
16ª - Verifica-se, pois, uma situação de impossibilidade total de satisfação dos interesses da Recorrente, sendo impossível a anulação e a condenação na prática dos actos devidos, condenação que mais não é do que a reconstituição da situação actual hipotética que a anulação por si só sempre exigiria.
17ª - Temos porque o douto Acórdão recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento, tendo violado as disposições dos arts. 102° nº5 e 45° nº1 do CPTA.
18ª - Deverá o douto Acórdão recorrido ser substituído por outro que julgue ilegal a deliberação e o contrato impugnados, recuse a anulação e a condenação à prática dos actos devidos por se verificar uma situação de impossibilidade absoluta de satisfação dos interesses da Autora, reconheça, por esse motivo, à Autora o direito à indemnização e ordene a baixa dos autos à U’ instância para cumprimento do disposto no art.° 102° nº5 e 45° do CPTA.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Por acórdão deste Supremo Tribunal, em aplicação do nº1 do artigo 150º do CPTA, foi admitida a admitida a revista (fls. 618-A a 622).
Emitiu douto parecer o Exmo. Magistrado do Ministério Público, com o seguinte teor:
“O presente recurso de revista vem interposto do acórdão do TCA que, na acção em causa, interposta por A…, em processo de contencioso pré-contratual, concedeu provimento ao recurso interposto da sentença do TAF que julgara a acção improcedente, revogando a sentença e, em consequência, anulando a deliberação impugnada, mas considerando prejudicado o conhecimento, por inutilidade superveniente, dos pedidos de exclusão da proposta de B… e de condenação ao acto devido (atribuição à recorrente do serviço objecto do concurso público). A sentença entendeu não haver lugar à aplicação do art°102° n°5, do CPTA e que seria de considerar que os demais pedidos para além do de anulação estavam prejudicados por inutilidade superveniente da lide, pela razão de que «não se trata de uma impossibilidade absoluta, ou seja total, visto que pelo menos um dos pedidos o de anulação do acto — pode e deve ser atendido». Não podemos perfilhar este entendimento.
Para efeitos do disposto do art°102° n°5 do CPTA há apenas que analisar se há ou não um impedimento irremovível à plena satisfação dos interesses do autor. Na expressão de Freitas do Amaral, a propósito da «impossibilidade da execução», in A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, p. 162. Neste caso a resposta só pode ser afirmativa. Não é possível, de todo, a exclusão da B… do concurso e a adjudicação à A., ora recorrente, do serviço objecto do concurso, tal como pretendia a mesma A., por, entretanto, já ter sido celebrado o contrato de adjudicação com a B… e ter decorrido o respectivo prazo de vigência. O art°102° n°5, do CPTA (respeitante aos processos urgentes), tal como o art°45°, do mesmo Código (respeitante à acção administrativa comum e aplicável também à especial por força do art°49°), visou enxertar uma fase executiva num processo declarativo, fazendo antecipar um juízo sobre uma situação geradora de causa legítima de inexecução de forma a evitar que o processo termine por impossibilidade da lide. Neste caso, não obstante a decisão anulatória, não é possível reconstituir a situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado. Em casos como este, a fixação da indemnização destina-se a reparar os prejuízos decorrentes de uma ilegal preterição no concurso. Estamos perante um dever de indemnizar que tem como pressupostos a procedência de algum dos fundamentos da impugnação e a impossibilidade de dar cumprimento à sentença anulatória. Como reconheceu o acórdão deste STA de 2009.02.25, no processo n°47472-A: «(...) na jurisprudência deste Supremo Tribunal, há já uma corrente que entende que (1) o afastamento ilegal de um concurso, com perda de uma oportunidade de nele poder obter um resultado favorável, com repercussão remuneratória, é um bem cuja perda é indemnizável e que (ii) não podendo ser efectuada com exactidão a quantificação desta perda, é de fixar a indemnização através de um juízo de equidade, em sintonia com o preceituado no n°3 do art°566° do C. Civil, tendo como limite máximo os danos invocados pelo requerente (Vide acórdãos de 2005.11.29 rec. n°41321-A e de 2008.10.01 rec. n°42003/97-12(A)». Assim, no caso em análise, tendo o TCA concluído pela ilegalidade da deliberação impugnada e pela impossibilidade de exclusão do concurso da candidata vencedora, bem como pela impossibilidade de atribuição à A. do serviço objecto do concurso, deveria ter retirado daí as devidas consequências, dando cumprimento ao disposto no artigo 102º nº5 do CPTA. Não o tendo feito incorreu em erro de julgamento. Nestes termos, será de conceder provimento à presente revista”.
No acórdão recorrido foram dados como assentes os seguintes:
a) Através do anúncio de procedimento nº1368/2009, publicado em DR, II Série, nº 64, de 1 de Abril de 2009, foi publicitado o Concurso Público nº710001/2009, para fornecimento de alimentação para a Unidade Local de Saúde da Guarda, E.P.E.
b) O concurso referido na al. anterior detinha um “Programa do Concursoe um “Caderno de Encargos” (cfr. docs. a fls. 5 a 59 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
c) Apresentaram as suas propostas ao concurso referido no nº1, as seguintes entidades: A…, B…, C…, D…, E…, F… e G… (cfr. docs. a fls. 74 a 2634 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
d) Em documento intitulado «Relatório Preliminar», elaborado pelo Júri do concurso referido no nº1, consta que as propostas referidas no nº anterior foram admitidas, tendo sido ordenadas da seguinte forma: 1ª- proposta apresentada pela empresa B…, com o valor mensal de €63.500,55 + iva; 2ª - proposta apresentada pela empresa A…, com o valor mensal de €63.780,20 + iva; 3ª - proposta apresentada pela empresa C…, com o valor mensal de € 64.411,71 + iva; 4ª - proposta apresentada pela empresa D…, com o valor mensal de €64.713,02 + iva; 5ª - proposta apresentada pela empresa E…, com o valor mensal de e 70.299,02 ÷ iva; 6ª- proposta apresentada pela empresa G…, com o valor mensal de € 71.365,69 + iva; 7ª - proposta apresentada pela empresa F…, com o valor mensal de € 87.206,09 + iva.[...j”
e) No mesmo documento consta ainda que: “Fixa-se o prazo de 5 dias a contar da presente data para, por escrito e usando exclusivamente a plataforma electrónica onde decorre o procedimento, os concorrentes, caso queiram, se pronunciem nos
termos do artigo 123° do CPP (.1” (cfr. doc. a fls. 2637 a 2639 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
f) A Autora apresentou uma exposição escrita dirigida aos membros do Júri do concurso referido no número um para cujo conteúdo aqui se remete (cfr. doc. a fls. 2640 a 2645 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
g) Em documento intitulado «Relatório Final», do Júri do Concurso referido na alínea anterior, conclui-se que: “[...J Face ao exposto, o Júri do Concurso Público nº 710001/2009 propõe que se adjudique o “Fornecimento de Alimentação para a ULSG” à empresa B… [...]“ (cfr. doc. a fls. 2646 a 2650 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
h) Em deliberação do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde da Guarda, E.P.E., datada de 26.08.2009, extrai-se que: “[...] O Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde da Guarda, E.P.E aprova o Relatório Final de apreciação de propostas do Concurso Público N.° 710001/2009 para “Fornecimento de Alimentação para a ULSG” e delibera por unanimidade adjudicar o referido Serviço, nos termos propostos pelo Júri do Concurso à empresa B…, pelo valor mensal de E 63.500,55 ouros (Sessenta e três mil e quinhentos euros e cinquenta e cinco cêntimos), valor este a que acresce o IVA à taxa lega! em vigor [.. .1” (cfr. doc. a fls. 2651 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
i) A Autora foi notificada da decisão referida no número anterior em 27.08.2009 (cfr. doc. nº5 junto com o requerimento inicial do Proc. nº984/09.3BESNT que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
j) Em 18.09.2009, a ré e a contra-interessada B… firmaram por escrito um acordo que designaram por «Contrato n°13/2009 para Fornecimento de Alimentação à Unidade Local de Saúde da Guarda, E.P.E» (cfr. doc. a fls. 2664 a 2665 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
Apurados estes factos passamos a conhecer do mérito da causa.
Escreveu-se no acórdão de admissão da revista que “…no caso agora submetido a apreciação está em causa saber se o acórdão recorrido, em acção administrativa especial de contencioso pré-contratual, ao declarar inválida a adjudicação e inútil apreciar os restantes pedidos, designadamente o de condenação na prática de acto devido, de adjudicação do contrato à A…, se conforma, ou não, com o disposto no nº5 do artigo 102º do CPTA, que se insere, aliás, na linha da mesma filosofia e solução do artigo 45º do CPTA. Não está em causa a discussão sobre a impossibilidade ou não de dar cumprimento do dever que resultaria da pedida condenação de adjudicar o contrato à empresa que o tribunal considere como sendo aquela com quem deveria ter sido celebrado, já que sobre este ponto não há a mínima dúvida de que o contrato foi executado e, portanto, seria jurídica e praticamente impossível cumprir semelhante determinação do tribunal, pelo que este, aliás, nos termos do referido preceito – artº102º nº5 – não profere a decisão de condenação à prática do acto devido eu tenha sido requerida, embora deva verificar se a ela teria direito o A. Não fora o atravessamento, «médio tempore», da impossibilidade de a cumprir. O que importa definir, segundo a pretensão da A., coincidente com a generalidade destes litígios, é se o acórdão cumpriu a determinação legal do artº102 nº5 ou se saiu por outra via que prejudica a autora e não se conforma com a lei de processo. Ora, esta questão é recorrente em matéria pré-contratual e apresenta relevância jurídica porque a solução do acórdão deixa em aberto a questão da eventual indemnização na própria acção administrativa especial, enquanto a interpretação e aplicação pretendida pela recorrente faz com que o tribunal deva prosseguir nesta mesma acção adoptando os actos processuais necessários à apreciação da questão indemnizatória e, a final, decidi-la…”.
Ora, regula o artigo 102º do CPTA a tramitação dos processos do contencioso pré-contratual. E quando no seu nº5 se estatui que “se, na pendência do processo, se verificar que à satisfação dos interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade absoluta, o tribunal não profere a sentença requerida mas convida as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização a que o autor tem direito, seguindo-se os trâmites previstos no artigo 45º”.
Este nº5 contempla uma situação de modificação objectiva da instância que consiste em o pedido de anulação ou declaração de nulidade do acto pré-contratual ser convertido, por iniciativa do tribunal, em pedido indemnizatório, cujo montante será acordado pelas partes ou, na falta de acordo, fixado judicialmente através da tramitação prevista no artigo 45º.
Se o nº5 do artigo 102º se destina aos casos de modificação objectiva da instância nos processos de contencioso pré-contratual, já no artigo 45º vem prevista a modificação objectiva da instância na acção administrativa comum, regime este também aplicável à acção administrativa especial, por força do artº49º.
Em todas estas três situações está prevista a modificação objectiva da instância.
Relativamente, às acções administrativas “quando se constate, na fase declarativa do processo, que ocorre uma causa legítima de inexecução que tornaria inviável a execução de uma eventual sentença condenatória que viesse a ser proferida. Quando o tribunal verifique que não pode (por impossibilidade ou excepcional prejuízo para o interesse público) condenar a administração à prática de certos actos jurídicos ou de certas operações materiais, emite uma sentença em que, por um lado, recusa essa condenação com esse fundamento e, pelo outro, reconhece ao autor o direito à indemnização a que, por esse motivo, tem direito, convidando as partes a acordarem no respectivo montante. A modificação da instância traduz-se, assim, na substituição da pronúncia condenatória que o autor tinha solicitado pela fixação da indemnização que, em eventual sede de execução dessa pronúncia, sempre lhe seria de reconhecer como devida pelo facto da inexecução. E tem em vista evitar que o processo termine, ainda na fase declarativa, com uma decisão formal de impossibilidade ou inutilidade da lide” (Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, in Comentário ao CPTA, 2ª edição revista, pág. 261).
No que respeita, ao contencioso pré-contratual, ao contrário do que sucede no artigo 45º, o convite das partes para chegarem a acordo só acontece quando existe uma impossibilidade absoluta para a satisfação dos interesses do autor (artº102º nº5 do CPTA; Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, ob. cit., págs. 611).
Assim, a modificação objectiva da instância depende no contencioso pré-contratual da impossibilidade absoluta da satisfação plena dos interesses do autor, da realização jurídico-prática da sua pretensão – em si própria ou nas suas consequências – não de uma impossibilidade relativa, por ser ela de dificílimo cumprimento. E também de uma impossibilidade objectiva, de não se poder mesmo realizar a prestação, não de a Administração não o poder fazer, subjectivamente.
Cabe, agora, perguntar se estamos no caso sub júdice perante uma impossibilidade absoluta da satisfação dos interesses da autora?
Pela negativa se pronunciou o acórdão recorrido, discorrendo nos seguintes termos: “…não se trata de uma impossibilidade absoluta, ou seja, total, visto que pelo menos um dos pedidos – o de anulação do acto – pode e deve ser atendido. Por conseguinte, não nos parece que in casu haja lugar à aplicação do preceito acima citado (artigo 102º nº5 do CPTA, nosso). E assim sendo, a consequência será a de considerar apenas que os demais pedidos estão prejudicados por inutilidade superveniente da lide (art.° 287º al.e) do CPC, ex vi do artº1º do CPTA)”.
A impossibilidade absoluta é o impedimento absoluto da Administração praticar os actos jurídicos ou as operações materiais em que deveria consistir a execução da sentença (Simões de Oliveira, Contencioso Administrativo, Braga, pág.241).
A impossibilidade absoluta, ou impossibilidade tout court, do objecto negocial ou do cumprimento da obrigação é a situação em que, física ou juridicamente, aquele objecto é irrealizável ou irrealizável é o cumprimento da obrigação (cfr. Ana Prata, in Dicionário Jurídico, vol. 1º, pág.732). Ou nas palavras de Freitas do Amaral “é uma situação em que o devedor de todo em todo se encontra impedido de cumprir” (A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, pág. 125).
Também o STA entende que “a impossibilidade absoluta na execução de acórdão não tem a ver com a sua maior ou menor dificuldade, maior ou menor onerosidade da execução mas sim com a existência de um obstáculo de natureza material ou legal inultrapassável (Ac. de 14/7/2008-Proc. nº35910-B).
Igualmente, decidiu este mesmo Supremo que terá de existir um obstáculo de natureza material ou legal à execução do julgado que se traduza em impedimento inultrapassável (Acórdão de 9/12/2004-Proc. nº30373).
Neste sentido tinha já trilhado o STA no seu acórdão de 22/6/1993 ao decidir que “a impossibilidade como causa legítima de inexecução das decisões dos tribunais administrativos não se confunde com a dificuldade ou onerosidade da prestação que se haja de realizar. Só pode ter-se por impossível aquela a que em absoluto se oponha um impedimento irremovível” (Proc. nº26594-A).
Foi seguido este mesmo caminho nos acórdãos do STA de 1/6/1993-Proc. nº25294-A e de 2/4/1998-Proc. nº19815-A).
No presente caso, entende-se que há um obstáculo material que impede a satisfação do interesse da autora e que consiste no facto de já ter expirado o prazo durante o qual devia vigorar o contrato de fornecimento de alimentação para a Unidade Local de Saúde da Guarda (ano de 2009), EPE, para o qual fora aberto o concurso. Na verdade, é materialmente impossível a reversibilidade do tempo. Estamos, por isso, perante uma impossibilidade de facto (ver: Ac. do STA de 28/5/1987-Proc. nº13328-A).
Impossibilidade de facto resultante por se haver esgotado o objecto do contrato (corpo do acórdão do STA de 7/10/2009-Proc. nº823/08).
Várias têm sido as decisões dos nossos tribunais superiores neste sentido.
Neste sentido decidiu já o TCA-Sul, ao considerar que tendo já sido celebrado o contrato a que respeitava um determinado concurso e tendo decorrido já o prazo da sua vigência, tal determina a impossibilidade absoluta da satisfação da recorrente (Ac. de 21/1/2010-Proc. nº4949/09).
Igualmente este STA decidiu que “existe impossibilidade de execução do acórdão anulatório da adjudicação de sistema de TV por cabo feita pela câmara municipal a empresa privada se o contrato que se lhe seguiu se mostra cumprido, com o fornecimento completado – independentemente de se apurar se a Administração podia, neste caso, prosseguir nessa execução ou se devia ter suspendido os termos do concurso e da contratação com o requerimento da medida provisória e o respectivo decretamento” (Ac. do STA de 17/1/2006-Proc. nº404/2005).
Por acórdão do STA foi decidido que “não obstante a anulação do acto de adjudicação de uma empreitada de obra pública, se as obras respectivas foram totalmente concluídas, verifica-se a inexistência de causa legítima de inexecução que obsta à prática de novo acto de adjudicação” (Ac. do STA de 3/3/2005-Proc. nº41794-A).
Também “encontrando-se uma empreitada de obras públicas totalmente concluída, existe causa legítima de inexecução do julgado, por parte da Administração, relativamente a acórdão que anulou o acto de adjudicação daquela, no respectivo concurso” decidiu o STA (Ac. de 27/3/2001-Proc. nº44140; ver: Ac. do STA de 9/6/1998-Proc. nº29166-B).
No caso presente, não temos dúvidas sobre a verificação do requisito enunciado: impossibilidade absoluta da satisfação plena dos interesses do autor, da realização jurídico-prática da sua pretensão.
Todavia, o TCAS entendeu que, formulando a autora quatro pedidos (1º- a anulação da deliberação de 26/8/2009 do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde da Guarda, EPE; 2º- a condenação da Unidade Local de Saúde da Guarda, EPE a abster-se de celebrar o contrato com a B… ou a anulação do mesmo; 3º- a condenação da Unidade Local de Saúde da Guarda, EPE a excluir a proposta da B…, e; 4º- a condenação da Unidade Local de Saúde da Guarda, EPE a adjudicar à A… o serviço objecto do concurso público) e só procedendo um (a anulação da deliberação) e, por o contrato já ter sido celebrado e decorrido o prazo da sua vigência, julgou prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos por inutilidade superveniente, perante tal situação que não havia uma impossibilidade absoluta ou seja total, por que um dos pedidos tinha procedido.
Porém, uma impossibilidade absoluta pode não ser o mesmo que total.
Uma coisa é a procedência ser total se procedem todas as pretensões formuladas ao tribunal, ou meramente parcial, se apenas uma ou algumas; coisa bem diferente, é a impossibilidade absoluta da satisfação do interesse da autora. Assim, no caso dos autos, apesar de se estar na presença de uma procedência parcial dos pedidos, todavia, face ao facto de se haver esgotado o objecto do contrato, o seu interesse – de ser ela a fornecer as refeições no ano de 2009 – não pode ser satisfeito.
Assim, perante a existência da impossibilidade absoluta já referida não pode a autora ver satisfeito o seu interesse pelo que, face à procedência da acção, com a anulação do acto de adjudicação pelo acórdão do TCAN, não impugnada, há lugar ao cumprimento do disposto no artigo 102º nº5 do CPTA.
Neste sentido se pronunciaram Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha ao escrever “ora, a modificação objectiva da instância, nos termos do artº45º do CPTA, só tem lugar nos casos em que o pedido inicial devia proceder, mas subsiste um motivo que torna inviável a execução da pronúncia condenatória que viesse a ser emitida. É nesta situação que o tribunal convida as partes a acordarem no montante da indemnização devida, sem pronunciar a sentença pretendida pelo autor. Como a fixação da indemnização se destina a substituir a satisfação do pedido originário, o juiz não pode deixar, portanto, de exprimir um juízo de procedência quanto a esse pedido, dado que só a impossibilidade ou o excepcional prejuízo para o interesse público na execução da sentença favorável justificam a convolação do processo dirigido à emissão da decisão pretendida pelo autor num processo dirigido à obtenção de um sucedâneo económico (in Comentário ao CPTA, 2ª edição revista, pág. 262).
Em concordância com tudo o exposto, julga-se procedente o presente recurso jurisdicional, revogando-se a deliberação em causa no segmento em que julga prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos por inutilidade superveniente, e, por existir uma impossibilidade absoluta na satisfação do interesse da autora, ordenar a baixa ao TCAS para ser dado cumprimento ao disposto no artigo 102º nº5 do CPTA.
Sem custas.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2010. – Américo Joaquim Pires Esteves (relator) – António Bernardino Peixoto Madureira – Fernanda Martins Xavier e Nunes.

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