quarta-feira, 23 de novembro de 2011

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL. - CÓDIGO DOS CONTRATOS PUBLICOS. - RELAÇÕES JURIDICAS DE DOMÍNIO.


 Proc. Nº 6545/10  TCAS    CA- 2º JUÍZO         03-02-2011

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL.
CÓDIGO DOS CONTRATOS PUBLICOS.
RELAÇÕES JURIDICAS DE DOMÍNIO.

I - O conceito de “empresa associada” (artigo 14º do Código dos Contratos Públicos (CCP)) é idêntico ao de “empresa” (artigos 2º e 10º nº 1 da Lei nº 18/2003) e de “sociedades coligadas” (artigo 486º do Código das Sociedades Comerciais).
II – O legislador do CCP optou por introduzir um conceito próprio de “empresas associadas”, não remetendo directamente para os conceitos de “empresa” e de “sociedades coligadas”, e apenas para proibir a participação daquelas, verificados certos pressupostos, nos procedimentos de contratação de sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais, e não para proibir a participação de empresas associadas na generalidade dos procedimentos concursais.
III – Inexiste assim qualquer norma no nosso ordenamento jurídico que proíba a participação, no mesmo concurso, de empresas que se encontrem entre si em relação de domínio ou de grupo, não podendo, deste modo, ser determinada a exclusão automática de duas ou mais concorrentes apenas por se encontrarem numa relação de subordinação.
IV - Não se pode confundir a unidade económica decorrente do nº 2 do artigo 2º da Lei nº 18/2003, com o acordo ou a prática concertada proibidos pelo artigo 4º nº 1 da mesma Lei.
V – A verificação de uma prática concertada entre empresas não decorre porém de qualquer presunção, mas há –de traduzir-se na ocorrência de factos concretos que se consubstanciem nos pressupostos de facto exarados na norma do artigo 4º da Lei nº 18/2003.
VI – De igual modo, a jurisprudência comunitária entende que é necessário avaliar o conteúdo das propostas para concluir se a relação de domínio teve influência na actuação dos concorrentes (Acórdão “ASSITUR” do Tribunal de Justiça da Comunidade, de 19 de Maio de 2009).
VII – O artigo 70º nº 2 al. g) do CCP prevê a exclusão das propostas cuja análise revele a existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras da concorrência.
VIII – Do confronto das propostas apresentadas pelas concorrentes G……….. e I………. decorre a absoluta divergência entre ambas, impondo-se a conclusão de que, no caso concreto, inexistem aspectos indiciadores de ter havido qualquer espécie de articulação entre as empresas, pelo que não se verifica a previsão do artigo 70º nº 2 al. g) , inexistindo qualquer fundamento para a exclusão dessas propostas.
IX – Como a decisão proferida pelo Tribunal a quo é passível de recurso no direito interno, o reenvio prejudicial e meramente facultativo e não se justificava no presente caso dado que existia decisão do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia que analisava caso idêntico ao dos presentes autos (Acórdão “ASSITUR”, de 19 de Maio de 2009).
X – O Acórdão de 4 de Junho de 2009 daquele mesmo Tribunal de Justiça (Proc. nº C-08/08) foi proferido no âmbito do artigo 81º do Tratado da Comunidade Europeia, pelo que não é aplicável no âmbito do contexto especifico da existência de indícios de prática concertada para efeitos de exclusão de propostas em concursos públicos.

Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

O Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), I.P., com sinais nos autos, inconformado com a sentença do TAF de Sintra, de 27 de Abril de 2010, que julgou procedente a providência cautelar de suspensão do procedimento do Concurso Público para fornecimento de refeições e serviço de bar para o Centro de Emprego e Formação Profissional da Amadora e Centro de Emprego da Amadora e dos actos de adjudicação à U……….. – Sociedade de ……………………… S.A., dela recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões (sintetizadas):

“ 1.º Desde logo, a sentença é manifestamente omissa e contrária ao regime jurídico resultante do Titulo VI – Sociedades Coligadas – do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.);

2.º Na verdade, tal omissão, enferma e invalida o alcance que o Tribunal “ a quo” pretendeu com a transcrição do Acórdão Assitur, Processo c – 538/07 (…), de 19 de Maio de 2009, como fundamentação do processo sub judice;

3.º Na realidade, ao invés da interpretação do Tribunal “ a quo” na decisão ora impetrada – “administração dos requerentes não é idêntica, as propostas são diferentes em conteúdo e montantes” – decorre do próprio regime jurídico aplicável a respectiva subordinação e interdependência relativamente à sociedade dominante – T……………….., S.A. (S.G.P.S.);

4.º De acordo com a alínea c) do artigo 482.º do C.S.C., consideram-se sociedades coligadas as sociedades em relação de domínio;

5.º Quer isto dizer que, para efeitos do C.S.C. as Requerentes da providência cautelar decretada são sociedades coligadas, por se encontrarem em situação de relação de grupo, de domínio total inicial por parte da T……………., S.A. (S.G.P.S.), face ao estabelecido no artigo 488.º do C.S.C.;

6.º E, por constituir um grupo de domínio total por remissão do artigo 491.º do C.S.C., a T………….., S.A. (S.G.P.S.), tem direito de dar instruções às sociedades subordinadas, isto é, às Requerentes da providência cautelar decretada, como expressamente resulta do artigo 503.º do C.S.C., encontrando-se subordinadas a uma direcção económica unitária e comum;


7.º Atente-se que apesar de juridicamente autónomas, os administradores de ambas as sociedades são nomeados pelo único sócio, ou seja, pela administração da T…………….., S.A. (S.G.P.S.), facto que, por si só, é susceptível de eliminar as incertezas quanto à actuação planeada pelas sociedades / empresas em causa, ao invés do decidido pelo Tribunal “a quo”;

8.º Ao decidir de outro modo, o Tribunal “a quo” violou as regras e os princípios da concorrência, assim como o principio da igualdade , na sua vertente – tratar de forma desigual situações diferentes -, expressamente previstos no n.º 4 do artigo 1.º do C.C.P.;

9.º Por conseguinte, mal andou o Tribunal “a quo” ao considerar que estamos perante entidades com administração distinta e autónoma do mesmo grupo de sociedades coligadas – T……………., S.A. (S.G.P.S.), - em domínio total inicial, e, nesse sentido, afigura-se-nos manifestamente incorrecta e em manifesta violação do regime juridico decorrente dos artigos 481.º a 503.º do CX.S.C.;

10.º Acresce que, o que está verdadeiramente em causa na presente demanda, é o Tribunal “a quo” sufragar a tese indefensável que “ (…) o Júri não afirma que, em concreto, existam factos indiquem a violação os princípios da igualdade, transparência e confidencialidade, limitando-se a concluir a partir de um facto – o capital social das Requerentes – ser na integra detido pela T…………… – que se mostram violados os princípios da igualdades e de “ a cada concorrente corresponde uma proposta”;

11.º Ora, foi precisamente em homenagem aos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, expressamente previstos no n.º 4 do artigo 1.º e bem assim do estabelecido no artigo 52.º, no artigo 53.º, no n.º 7 do artigo 59.º, na


alínea g) do n.º 3 do artigo 70.º do C.C.P., e na alínea i) do n.º 2 do artigo 146.º todos do C.C.P. , que o Júri do procedimento em crise, decidiu não admitir as propostas das Requerentes nos autos, ora Recorridas, por violação:

12.ª Veja-se a este respeito, por exemplo, as seguintes decisões:

A orientação perfilhada pelo tribunal Central Administrativo do Sul, vertida no Acórdão de 29 de Janeiro de 2009, no âmbito do Processo n.º 04105/08:
“ a prática concertada entre duas empresas no âmbito dos procedimentos concursais não necessita da prova material da ligação entre os concorrentes (…), ou da prova do conhecimento mútuo antecipado das respectiva propostas, mas basta-se com um juízo de objectividade resultante das próprias propostas, traduzido em factos, tendo em conta que as semelhanças em elevado grau ou identidade das mesmas possam contribuir, no caso concreto, para possibilitar a obtenção de ganhos acrescidos no acesso ao mercado por efeito da conjugação das propostas.” (cfr. Acórdão de 29 de Janeiro de 2009, do Tribunal Central Administrativo do Sul, Processo n.º 04105/08);

Aliás, como o próprio Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no aresto de 4 de Junho de 2009:
“ não é necessário que a concorrência seja efectivamente impedida, restringida ou falseada, nem que haja uma ligação directa entre essa prática concertada e os preços finais de venda ao consumidor. A troca de informações entre concorrentes tem um objectivo anti concorrencial quando é susceptível de eliminar as incertezas quanto á actuação planeada pelas empresas em causa(…) sempre que a empresa que participa na concertação permaneça activa no mercado de referencia, é aplicável a presunção de nexo de causalidade entre a concertação e o comportamento da referida empresa no mercado.”

13.º A decisão em causa, fez letra morta dessa fundamentação, ao exigir que se deveria “verificar se tal relação teve uma incidência concreta sobre o seu comportamento respectivo no âmbito desse processo.”;

14.º Pelo que, afigura-se-nos manifestamente incorrecta tal interpretação e em manifesta violação do disposto no n.º 4 do artigo 1.º, e bem assim do estabelecido no artigo 52.º, no artigo 53.º, no n.º 7 do artigo 59.º, na alínea g) do n.º 3 do artigo 70.º do C.C.P., e na alínea i) do n.º 2 do artigo 146.º todos do C.C.P.;

15.º Por ultimo, afigura-se-nos que, a decisão em apreço não acuatelou como deveria que, nos termos do artigo 234.º do tratado que institui a comunidade europeia publicado no JOUE n.º C 321 E, de 29/12/2006, estando no domínio de interpretação de um acto adoptado pelas Instituições da Comunidade Europeia, deverá ser submetido ao Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia;

16.º Pelo que, mal andou o Tribunal “a quo” ao considerar que não foi respeitado o disposto no artigo 29.º da Directiva n.º 92/59/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, pelo facto do Júri ter de “verificar se tal relação teve uma incidência concreta sobre o seu comportamento respectivo no âmbito desse processo.”;

17.º E, em consequência, afigura-se-nos manifestamente incorrecta tal interpretação e em manifesta violação do estabelecido no artigos 57.º, 66.º, 81.º, 82.º e artigo 234.º, todos do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia.

18.º Por fim, mal andou o Tribunal “a quo” ao considerar que o Requerido violou os princípios da igualdade e de “ a cada concorrente corresponde uma proposta”;

19.º Porquanto, é indesmentível que o ora Requerido fundamentou a sua decisão com base nos preceitos legalmente aplicáveis sem qualquer discriminação e visou precisamente impedir o tratamento desigual de situações desiguais ( em termos de propostas), a opacidade (por falta de transparência) do procedimento em termos de adjudicação, assim como a defesa da concorrência sã e livre, ao invés do que parece resultar da decisão ora impetrada;

20.º Assim, ao ter concluído de forma inversa, afigura-se-nos que o Tribunal “a quo” , cometeu um erro de julgamento e, nesse sentido, deverá ser revogada a sentença em causa e manter a decisão recorrida.”
*
As recorridas G……… e I……….S.A., contra alegaram pugnando pela manutenção do decidido.
*
Sem vistos foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida , a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 713º nº 6 do Cód. Proc. Civil.
*
Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença TAF de Sintra que julgou procedente a presente providência cautelar e, em consequência, suspendeu o procedimento do Concurso Público Internacional nº 2009.210.0031, bem como a adjudicação à contra – interessada U……….., com inerente suspensão da proposta do Júri de exclusão da proposta das requerentes, determinando que estas fossem ponderadas e avaliadas com as demais.

Baseando a sua convicção de que a G……. e a I…….. devem ser consideradas um único concorrente no conceito de “empresa” constante do artigo 2º da Lei nº 18/2003, de 11 de Junho, porque detidas a 100% pela sociedade T……… (SGPS), entende o Recorrente que aquelas “ são para efeitos concursais e concorrenciais, uma única empresa e violam o disposto no artigo 14º do Programa do Concurso e no nº 7 do artigo 59º do CCP”.
Mais entende que a apresentação de propostas por parte destas duas empresas revela a existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência, pelo que excluiu ambas as propostas por força do disposto nos artigos 59º nº 7, 70º nº 2 al. g) e 146º nº 2 al. i) e nº 3.

A questão essencial a debater no presente recurso jurisdicional está em saber se a participação separada (cada uma com propostas diferentes), no presente concurso, de duas sociedades – a G……… e a I……… – detidas a 100% pela mesma sociedade – a T…………., S.A. (SGPS) - implica, só por si, e, por conseguinte, independentemente da existência, em concreto de indícios de concertação entre aquelas concorrentes, a violação do principio da igualdade e da concorrência, consagrado na nossa legislação e na comunitária.

A Mma. Juiz a quo para avaliar se no procedimento concursal em crise houve, ou não, violação dos princípios da igualdade e da concorrência invocou e transcreveu a propósito o Acórdão ASSITUR do Tribunal de Justiça das Comunidades, Proc. C- 538/07, de 19 de Maio de 2009, que foi submetido pelo Tribunale Amministrativo Regionale Per La Lombardia, enquanto questão prejudicial, concluindo “ (…) que o mero facto de existir uma relação de domínio indesmentível neste caso face ao facto de o capital social de ambas as requerentes ser detido em 100% pela T……………. SGPS, não constitui razão suficiente para que se conclua que esse facto teve efectiva importância sobre o conteúdo das propostas. Pelo contrário o Tribunal pronunciou-se no sentido de que “ a questão de saber se a relação de domínio em causa teve influência sobre o conteúdo respectivo das propostas apresentadas pelas empresas envolvidas no âmbito de um mesmo concurso publico exige um exame e uma apreciação dos factos que cabe às entidades adjudicantes efectuar” não devendo ser afastadas as empresas “ sem verificar se tal relação teve uma incidência concreta sobre o seu comportamento respectivo no âmbito desse processo”.

Ora, manifestamente essa verificação não foi feita porque não se afigurou como necessária. O Júri considerou que “ (…) a sociedade T………….. , S.A. (SGPS), detentora de 100% do capital social das sociedades G………, SA e I…………, SA, para além do direito de dar instruções vinculantes, responde por todo o passivo destas ultimas, independentemente de este ter resultado ou não do exercício concreto do seu poder de controlo intersocietário: Aquela responsabilidade respeita a todas as obrigações sociais, sendo no dizer de vários, independente da respectiva fonte ou conteúdo.
(…) Verifica-se, assim, uma relação de subordinação, devendo, por força do artigo 2º e 109º nº 2 da Lei nº 18/2003, de 11 de Junho, ser considerada como uma única empresa.”
Devia, ainda assim, ter sido continuada a análise das propostas para que, do seu conteúdo, se pudesse concluir se haviam sido violados os princípios da igualdade de tratamento de todos os concorrentes e da transparência.
Como resulta dos factos provados, a Administração das Requerentes não é idêntica, as propostas são diferentes em conteúdo e montantes. Aliás, o Juri não afirma que, em concreto, existam factos que indiquem a violação dos princípios da igualdade, transparência e confidencialidade, limitando-se a concluir a partir de um facto – o capital social das requerentes ser na integra detido pela TRIVALOR – que se mostram violados os princípios da igualdade e de “a cada concorrente corresponde uma proposta” .
Face ao exposto, conclui-se que se mostram preenchidos os requisitos previstos nos artigos 132º nº 6 e 120º, ou seja, é evidente a procedência da pretensão formulada no processo principal. Desta conclusão resulta que as requerentes têm o direito a ver as suas propostas apreciadas pelo Júri, o que implicará a (…) suspensão da deliberação do Júri no que respeita à exclusão das propostas e da adjudicação à U…………...”
Manifestamos desde já a nossa adesão à posição assumida pela Mma Juiz a quo na medida em que entendemos que só uma efectiva concertação das empresas ao concurso em causa, que tem de ser objectivamente demonstrada, pode fundar a violação do principio da concorrência e designadamente os artigos 1º nº 4, 59º nº 7, 70º nº 2 al. g) e 146º nº 2 al. i) do CCP.

Na verdade, a concorrente G……….. apresentou uma proposta enquanto a ITAU apresentou outra, propostas que, como resulta da factualidade dada como assente eram distintas.
Porém, e com fundamento das referidas sociedades serem detidas a 100% pela T…………. (SGPS), sustenta, no essencial, o Recorrente que esta por constituir um grupo de domínio total por remissão do artigo 491º do Código das Sociedades Comerciais, tem direito de dar instruções às sociedades subordinadas (G……… e I………..), como expressamente resulta do artigo 503º desse mesmo código, o que implica uma direcção económica unitária e comum ( cfr. conclusão 6ª da sua alegação).
E daí parte para considerar que tal situação consubstancia, por si só, factos que em abstracto configuram uma violação às regras e aos princípios da concorrência, assim como ao principio da igualdade previstos no nº 4 do artigo 1º do Código dos Contratos Públicos. Ou seja, considera o Recorrente que o domínio da SGPS T……………. leva a que estas sejam consideradas, para efeitos concursais, como uma única empresa, o que, na prática redunda na existência de duas propostas da mesma empresa, apresentadas a concurso, através das quais foram violados os princípios da igualdade e da concorrência. Consagra, no fundo, uma presunção inilidivel de que dessa relação de domínio resulta, por si só, a violação desses princípios.
Como referimos supra, não sufragamos tal entendimento e invocamos a propósito o recente Acórdão do STA de 11 de Janeiro de 2011, Proc. nº 851/10, processo em tudo idêntico ao dos presentes autos que passamos a citar na parte que interessa:
(…) Na verdade, as referidas empresas, coligadas por força da relação de domínio ou de grupo existente entre elas, apresentaram cada uma a sua proposta, ou seja propostas autónomas, que eram substancialmente distintas (…).
As empresas coligadas mantêm a sua autonomia jurídica que subsiste em todas as situações em que a mesma não seja afastada por lei. E, no âmbito da contratação publica, o Código dos Contratos Públicos não a afastou, pois que consagrou uma definição de concorrente alicerçada no conceito tradicional de personalidade jurídica, estabelecendo que é concorrente a “pessoa”, singular ou colectiva, que apresente uma proposta (artigo 53º), pelo que, tais pessoas, não estando agrupadas para efeitos de um concurso (de acordo com o estabelecido no artigo 54º) são pessoas autónomas com propostas autónomas.
Este Código, não ignorando o conceito de sociedades coligadas estabelecido nos artigos 482º e ss. do Código das Sociedades Comerciais, assumiu um conceito próprio de empresas associadas , mas apenas, como salienta a Recorrente, para proibir a participação destas, verificados certos pressupostos, nos procedimentos de contratação dos sectores da água, da energia dos transportes e dos serviços postais (…) e não para proibir a participação de empresas associadas na generalidade dos procedimentos, sendo certo que a associação, ou posição de domínio ou de grupo, que estabelece, tem de incluir no seu seio a empresa adjudicante, o que, in casu, se não verifica.
E, no que respeita a essa associação entre somente os concorrentes (excluindo, portanto, o adjudicante), o CCP só proíbe, na generalidade dos contratos, que os membros de um agrupamento possam ser concorrentes no mesmo procedimento ou integrar outro agrupamento concorrente (artigo 54º nº 2) , não caindo na sua previsão as situações em que duas sociedades detidas em 100% por uma sociedade terceira concorram autonomamente.
Do exposto resulta que, in casu, não houve, portanto, qualquer violação do principio da igualdade, porquanto cada um dos concorrentes em causa – sociedades comerciais autónomas – apenas apresentou uma proposta, tal como exige o nº 7 do artigo 59º do CCP, pelo que não se verifica a causa de exclusão da proposta estabelecida no artigo 146º nº 2 al. i) do CCP.
Vejamos agora, se não obstante as propostas serem de considerar autónomas, a situação das concorrentes coligadas, ou seja, numa posição entre si de domínio ou de grupo, implica ou não a violação do principio da concorrência.
O Acórdão recorrido considerou que sim, pelo simples facto, como vimos, da empresa que as detém (na totalidade) lhes poder dar instruções, o que implica uma direcção económica comum.
O artigo 146º nº 2 al. o) do CCP manda excluir as propostas cuja análise revele alguma das situações previstas no nº 2 do artigo 70º do mesmo Código que, por sua vez, estabelece na alínea g), entre essas situações, “a existência de fortes indicios de actos, acordos praticas ou informações susceptíveis de falsear as regras da concorrência”.
Há, assim, que determinar o conteúdo do conceito de situações susceptíveis de influenciarem a concorrência, para aferir da ocorrência dessa situação no caso presente.
Tal determinação passa pela interpretação do artigo 4º da Lei nº 18/2003, de 11/06 (Lei da Concorrência) que aprovou o regime jurídico da concorrência, no qual, sob a epigrafe “Práticas proibidas”, se dispõe:
“ 1 – São proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência, no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente as que se traduzam em (…)”.
Através desta disposição legal genérica, concretizada, a titulo meramente exemplificativo, nas suas várias alíneas, bem como das regras relativas ao abuso da posição dominante (artigo 6º), abuso de dependência económica (artigo7º), concentração de empresas (artigo 8º) e auxílios estatais (artigo 13º), o legislador procurou, conforme se escreveu no Acórdão do TCAS de 29/1/2009, Proc. nº 4105/08 “ criar mecanismos que contribuam para a livre formação da oferta e da procura e de acesso ao mercado, para o equilíbrio das relações entre agentes económicos, para o favorecimento dos objectivos gerais de desenvolvimento económico e social, para o reforço da competitividade dos agentes económicos e para a salvaguarda dos interesses dos consumidores”.
Dela resulta, claramente, que constitui uma prática proibida a prática concertada entre empresas, qualquer que seja a forma que revista, que tenha como objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência do mercado.
A esta luz, vejamos se a simples candidatura autónoma de duas empresas que se encontram entre si em posição de domínio ou de grupo é, só por si, capaz de falsear as regras da concorrência.
E, para nós, contrariamente ao decidido não é.
Na verdade, a LC não estabelece qualquer presunção, que foi o que no fundo entendeu o Acórdão recorrido, de que da simples relação de domínio entre as empresas resulte o falseamento das regras da concorrência, ou seja, situações reais e não meramente hipotéticas ou potenciais que possam ser precisamente objectivadas como tendo levar a prejudicar essa concorrência.

E foi também essas situações que o CCP visou evitar, tendo consagrado a existência de fortes indícios, que não significam outra coisa que não a detecção da existência de situações, no caso concreto, que tenham prejudicado efectivamente a concorrência. Esse prejuízo tem, pois, que resultar do real comportamento dos concorrentes no âmbito do concurso, não podendo resultar de meras hipóteses ou probabilidades. Tem que resultar de uma concertação, no caso concreto, susceptível de falsear as regras da concorrência, que não pode ser considerada preenchida com uma antecedente, porventura longínqua e duradoura situação jurídica, que opera no dia a dia das empresas e que não se sabe se influencia e em que medida influencia o exercício da sua actividade. A coligação das empresas em causa já vem de trás, não foi criada para este concurso, cujo serviço constituirá, seguramente, uma pequena parte da actividade das mesmas, pelo que, só por si, não indicia qualquer concertação. Ao invés, a sua exclusão é que podia configurar prejuízo da concorrência, perturbando, através da limitação do universo de concorrentes, a livre formação da oferta e da procura.
Impõe-se, assim, concluir que se não pode imputar qualquer violação do principio da concorrência ao simples facto de ao concurso em causa terem concorrido duas empresas em relação de domínio ou de grupo, pois que a lei não estabelece qualquer presunção nesse âmbito, resultante da sua situação de coligação, antes exigindo que a existência dos indícios da violação desse principio, que têm de ser fortes, tenha de resultar de circunstâncias concretas da actuação dessas empresas no procedimento concursal e da análise das propostas por elas apresentadas (…).”
Os fundamentos invocados inspiraram-se, seguramente, no já citado Acórdão “ASSITUR “ proferido pelo TJCE de 19 de Maio de 2009 ( Proc. nº C-538/07), nos termos do qual o direito comunitário se opõe a uma disposição nacional que, embora prosseguindo os objectivos legítimos de igualdade de tratamento dos proponentes e da transparência no âmbito dos processos de adjudicação dos contratos públicos, instaure uma proibição absoluta, para as empresas entre as quais exista uma relação de domínio que estejam associadas entre si, de participar de forma simultânea e concorrente no mesmo concurso.
Já nesta senda, este TCAS em Acórdão proferido em 25 de Março de 2010, in Proc. nº 5806/09, referia que, “ (…) não sendo proibida a participação simultânea no mesmo procedimento a adjudicatário de empresas que se encontram numa relação de domínio ou de grupo, é perante as circunstâncias concretas que terá de se avaliar se foi falseada a concorrência.”

Do que ficou exposto, resulta que é absolutamente ilegal qualquer presunção no sentido da verificação de uma prática concertada entre empresas, designadamente com base numa relação de domínio vigente entre concorrentes.
Assim, para concluir pela existência de uma prática concertada entre a G……. e a I……… no âmbito do concurso em apreço o Júri teria que ter identificado factos de que resultasse a existência de contactos entre elas, através dos quais estas tivessem coordenado a sua actuação por forma a adoptarem um comportamento susceptível de falsear as regras da concorrência, que tivessem agido em coordenação no sentido da elaboração das propostas e dos preços a apresentar ou que tivessem adoptado comportamentos paralelos, traduzidos numa homogeneidade das propostas.
Ora, o Relatório Final é absolutamente omisso quanto a factos em que consubstanciasse a concertação ou paralelismos de comportamentos entre a G……… e a I…….. e relação de causa – efeito (cfr. artigo 11º da factualidade dada como assente), pelo que bem andou o Tribunal a quo quando entendeu que “ deveria, ainda assim, ter sido continuada a análise das propostas para que, o seu conteúdo se pudesse concluir se haviam sido violados os princípios da igualdade de tratamento de todos os concorrentes e da transparência”.

Acresce ainda que o Relatório do Júri é igualmente omisso quanto a mais três elementos essenciais à verificação da prática concertada proibida pelo artigo 4º da Lei nº 18/2003, a saber:
- Objecto ou efeito anti-concorrencial;
- Carácter sensível da restrição da concorrência;
- Mercado relevante.

E, da factualidade dada como assente decorre a absoluta divergência entre as propostas da G……….. e da I………, qualquer que seja a comparação efectuada.
Na verdade, G…….. e I……… têm sede e administração distintas( cfr. artigo 17º da factualidade dada como assente).
A proposta da G………. está assinada pelo Presidente do Conselho de Administração José Luís …………. e pela Administradora Natália …………….. ( cfr. artigo 18º da factualidade dada como assente).
A proposta da I……… está assinada pelo legal representante José Alberto ………… ( cfr. artigo 19º da factualidade dada como assente).
O preço proposto pela G……… para a refeição completa é de 2,04€ e para a refeição em regime de mini-prato 1,73€ ( cfr. artigo 20º da factualidade dada como assente).
O preço proposto pela I………… para a refeição completa é de 2,69€ e para a refeição em regime de mini-prato 2,28 ( cfr. artigo 21º da factualidade dada como assente).
As propostas apresentam uma estrutura gráfica semelhante apenas por exigência dos documentos concursais que impunham formulários pré-definidos e de preenchimento obrigatório.
Efectivamente, decorre do artigo 12º do Programa de Concursos que as propostas deviam ser apresentadas de acordo com o modelo constante do Anexo III, e as Notas Justificativas de Preços de Refeição e de Tabela de Bar e deviam ser elaboradas nos termos dos modelos constantes dos Anexos VI e VII.
De igual modo, o Caderno de Encargos também fixava o quadro de pessoal e o horário do refeitório e do bar ( cfr. artigo 32º e Anexo I).
Do confronto das propostas apresentadas pelas concorrentes G………… e I…………. decorre a absoluta divergência entre ambas qualquer que seja a comparação realizada impondo-se a conclusão de que, no caso concreto, inexistem aspectos objectivamente indiciadores de ter havido qualquer espécie de articulação entre as empresas.
Assim, da análise das propostas não se retiram quaisquer indícios de acordo ou prática concertada entre a G………. e a I…………..susceptível de falsear as regras da concorrência, o que o Júri poderia constatar se tivesse procedido à análise das propostas, não se verificando, por conseguinte, a previsão do artigo 70º nº 2 al. g) do CCP, para exclusão das propostas das concorrentes como entendeu, e bem, a Mma. Juiz a quo.

Na conclusão 15 da sua alegação defende o Recorrente que como está em causa a interpretação de um acto adoptado pelas instituições da Comunidade Europeia (ou seja, as Directivas Comunitárias aplicáveis à contratação pública) o Tribunal a quo deveria ter suscitado uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 234º do Tratado da Comunidade Europeia.
Ora, como resulta dos parágrafos segundo e terceiro do artigo 234º do Tratado da Comunidade Europeia, o reenvio prejudicial apenas é obrigatório quando as decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.
Em todos as demais instâncias, o reenvio é meramente facultativo.
Está aqui em causa a sentença proferida em procedimento cautelar, em 1ª instância, pelo TAF de Sintra, decisão susceptível de recurso nos termos dos artigos 142º e 147º do CPTA, sendo que o Acórdão proferido nesta instância de recurso poderá ser objecto de novo recurso, caso se verifiquem os pressupostos no artigo 150º do CPTA.
Por conseguinte, o reenvio pelo Tribunal (TAF de Sintra) era meramente facultativo, não se justificando que fosse desencadeado este mecanismo na medida em que o Tribunal a quo procurou verificar se o direito comunitário permitia a existência de uma disposição que permitisse a exclusão de participação no mesmo concurso de duas ou mais entidades que estivessem em relação de grupo ou de dominio.
O Acórdão “ASSITUR”, de 19 de Maio de 2009 analisa, como referimos, questão idêntica à dos presentes autos, concluindo no sentido negativo, conquanto que não fosse permitido às partes demonstrar que tal relação em nada influenciou o seu comportamento no concurso.

Atenta a celeridade que rege os procedimentos cautelares e existindo decisão aplicável ao presente processo não se justificava qualquer pedido de interpretação do Tribunal de Justiça das Comunidades, pelo que não violou o Tribunal a quo o artigo 234º do Tratado da Comunidade Europeia.

Sustenta por último o Recorrente que existe outra decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades que decidiu em sentido contrário ao Tribunal a quo.
Sucede que o citado Acórdão, de 4 de Junho de 2009 (Processo C-08/08) foi proferido no âmbito do artigo 81º do Tratado da Comunidade Europeia, pelo que não é aplicável no âmbito do contexto especifico da existência de indícios de prática concertada para efeitos de exclusão de propostas em concursos públicos.

*
Em face do que ficou exposto, improcedem todas as conclusões da alegação da Recorrente , sendo de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar na íntegra a sentença recorrida.
*
Acordam, pelo exposto, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida.

*
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2011
António Vasconcelos
António A. C. Cunha
Cristina dos Santos

Sem comentários:

Enviar um comentário