terça-feira, 22 de novembro de 2011

CONCURSO, PROPOSTA FORA DE PRAZO, JUSTO IMPEDIMENTO, PONDERAÇÃO OBJECTIVA DE BENS SEGUNDO ALEXY.




Proc. 6659/10 CA - 2.º JUÍZO  TCAS

CONCURSO, PROPOSTA FORA DE PRAZO, JUSTO IMPEDIMENTO, PONDERAÇÃO OBJECTIVA DE BENS SEGUNDO ALEXY.

O justo impedimento é um princípio geral de direito, potencialmente aplicável a qualquer situação.
Atentos os valores da transparência, igualdade e concorrência, que deve estar presentes nos concursos públicos, não devem ser aceites propostas entregues fora de prazo, mesmo que tal tenha ocorrido por justo impedimento, não sendo aqui aplicável o referido princípio.


Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 179 que julgou improcedente a presente providência.
Foram as seguintes as conclusões do recorrente:
A) Vem o presente Recurso Jurisdicional interposto da Douta Sentença proferida em 21 Maio, peia qual o Tribunal a quo julgou improcedente a providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo requerida pelo Recorrente.
B) O Recorrente requereu providência de suspensão de eficácia da proposta de adjudicação, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 120.°, porquanto, terem sido cometidas ilegalidades no âmbito do respectivo procedimento concursal, em manifesto prejuízo dos direitos e interesses legítimos do ora Recorrente, e caso assim não se entendesse, sempre deveria ser decretada ao abrigo da alínea b) daquela disposição, desde logo por se encontrarem os requisitos nela constantes.
C) As ilegalidades em causa respeitam, por um lado à omissão de pronúncia relativamente ao requerimento dirigido ao Exmo. Senhor Capitão do Porto de Portimão e, que fez acompanhar da apresentação da sua proposta ao procedimento concursal aberto através do Edital n.° 157/2009, de 07 de Outubro, apresentada junto da Delegação Marítima de Albufeira.
D) E à omissão da notificação do Requerente/Recorrente (na qualidade de anterior titular da licença tendo para o efeito manifestado junto da autoridade competente, ora Recorrida o interesse na continuação da utilização do respectivo título), para no prazo legal exercer o direito de preferência, previsto no n 0 7 do artigo 21.° do Decreto-Lei n.° 226-A/2007, de 31 de Maio sobre a proposta seleccionada in casu do Concorrente F...- Investimentos Turísticos e Imobiliários, Lda.,
E) E consequente violação de Lei, maxime, do n.° 7 do artigo 21do Decreto-Lei n.°226-A/2007, de 31 de Maio.
F) Entendeu o Tribunal a quo que, não se verificavam os pressupostos de aplicação da alínea a) do n.° 1 do artigo 120.°, porquanto se afigurar a improcedência da pretensão material deduzida pelo Requerente/Recorrente,
G) A Douta Sentença recorrida é omissa quanto à fundamentação de direito, porquanto não especificar os fundamentos de direito da sua decisão sobre a pretensão cautelar solicitada pelo ora Recorrente, causa de nulidade, nos termos do disposto na alínea b), do n.° 1 do artigo 668.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1o.
H) E, bem assim omissa quanto à apreciação e pronúncia quanto às causas de invalidade em que o Recorrente fundamenta a sua pretensão, como seja a ilegalidade assacada ao acto administrativo suspendendo por violação do direito de preferência, porquanto não emite nenhum juízo sobre a questão suscitada da titularidade do direito de preferência que o ora Recorrente se arroga.
I) Nem tampouco, da alegada violação de lei, maxime, do n,° 7 do artigo 27.°do Decreto-Lei n.° 226-A/2007, de 31 de Maio, cujo vício é apontado ao acto administrativo suspendendo.
J) Do preceituado no n.° 2 do artigo 95°, resulta que o Tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado, excepto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas.
K) Sendo causa de nulidade da Sentença recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na primeira parte da alínea d), do n.° 1 do artigo 668.° do Código de Processo Civil.
L) Ainda que assim não se entendesse - o que apenas por cautela de patrocínio se cogita, sem contudo se conceder - sempre deveria entender-se existir erro de julgamento. Vejamos:
M) Entendeu, ainda, o Tribunal a quo que a circunstância descrita pelo ora Recorrente, no seu requerimento, não se subsume na previsão da alínea b) do n.° 1 do artigo 120.°, por não considerar relevantes nem suficientes os argumentos apresentados pelo Recorrente para fundamentar a sua pretensão de ver suspensa o acto de adjudicação.
N) A Sentença recorrida fez errado julgamento de facto e de direito, porquanto no caso concreto estamos perante uma situação em que ocorre o requisito "periculum in mora", assim por, não sendo deferida a providência peticionada ocorrer uma situação de facto consumado.
O) Os factos concretos alegados pelo Recorrente designadamente nos artigos n°s 79° a 87° do requerimento revelam um fundado receio de que, se for recusada a providência, se tornará impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade.
P) As consequências alegadas são - no entender do ora Recorrente e salvo melhor opinião - suficientemente prováveis para que se possa considerar " compreensível ou justificada " a cautela que é requerida pelo Recorrente, pois o indeferimento da providência retirará o efeito útil da Sentença que vier a ser proferida no processo principal.
Q) O requisito do periculum in mora tem de se dar por verificado, nos termos da citada alínea b) do n.° 1 do artigo 120.°, ficando, por conseguinte, prejudicado o conhecimento da produção de prejuízos de difícil reparação para o Recorrente.
R) Não obstante, sempre se diga que in casu sempre deveria tal providência ser concedida, porquanto os factos concretos alegados pelo Recorrente revelarem um fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso da providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e de difícil reparação.
S) O mesmo se diga quanto ao requisito fumus boní iuris, no qual o juízo de probabilidade da existência do direito invocado assenta no requisito negativo de que " não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular" no processo principal.
T) Relativamente à verificação deste requisito face ao alegado pelo Recorrente, importa dizer que também não é seguramente manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada peio Requerente da providência, ora Recorrente, e formulada no âmbito do processo principal (fumus non maiis iuris);
U) A tal não obsta o disposto no n.° 2 do artigo 120.°, nos termos do qual aquando o decretamento da providência impõe uma ponderação entre os interesses públicos e privados, em presença.
V) Assim, andou mal o Tribunal a quo ao julgar improcedente a presente providência, porquanto v existir erro na interpretação e aplicação que da alínea b) do n.° 1 do artigo 120 ° quanto aos factos apurados e alegados pelo Recorrente nos presentes autos, dado que ao Recorrente sempre assistiria o direito de protecção provisória do seu direito.
W) Ao não se entender assim, o Tribunal a quo violou o direito do Requerente/Recorrente a uma tutela jurisdicional efectiva e da garantia de acesso aos Tribunais, constitucionalmente protegido no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa e com previsão expressa nos artigos n°s2e 112.°.
Foram as seguintes as conclusões do recorrido:
A) O Recorrente coloca em crise a douta sentença de 21.05.2010 do TAF Loulé que julgou improcedente a providência cautelar de suspensão de eficácia do acto de atribuição de licença de utilização privativa do domínio público hídrico, para instalação de um apoio balnear na UB1 da Praia do Peneco, Albufeira, no âmbito do procedimento concursal aberto pelo Edital n.° 157/2009, de 07.10.2009;
B) Para tanto, alega a existência de omissão de pronúncia por parte da Entidade Recorrida no que toca ao requerimento do Recorrente para admissão da sua proposta ao referido concurso;
C) Sustentando que aquela omissão se consubstancia numa ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, nos termos da alínea d) do n.° 2 do artigo 133.° do CPA.
D) Veja-se, porém, que a proposta do ora Recorrente foi apresentada sete dias após a data limite de entrega, i.e., quando as restantes propostas apresentadas tempestivamente já haviam sido analisadas e ordenadas.
E) Na verdade, como bem ajuizou o aresto recorrido, o ora Recorrente tinha ao seu dispor mecanismos legais para se fazer representar por outra pessoa (v.g. através de procuração) motivo pelo qual não se vislumbra qualquer fundamento para que este não tenha apresentado tempestivamente a candidatura ao concurso ora em crise.
F) Assim sendo, a Entidade Recorrida nunca poderia admitir a candidatura do ora Recorrente, porquanto foi a mesma realizada fora do prazo, sob pena de infringir a norma consagrada na subalínea i) da alínea b) do n.° 3 do artigo 21.° do DL n.° 226-A/2007.
G) Não obstante, o Recorrente sustenta que goza do direito de preferência previsto no n.° 7 do artigo 21.° do Decreto-Lei n.° 226-A/2007, de 31 de Maio.
H) Sucede que tal só poderia acontecer caso o Recorrente tivesse manifestado, até 31.10.2008, o seu interesse na continuação da utilização da licença de instalação de apoio balnear;
I) Contudo não o fez, pelo que nunca poderia beneficiar do direito legal de preferência nos termos do n.° 7 do artigo 21.° do Decreto-Lei n.° 226-A/2007, de 31 de Maio.
J) Ora, ainda que se colocasse a possibilidade de o ora Recorrido poder exercer o direito de preferência, este sempre teria de ter apresentado a sua candidatura tempestivamente, em igualdade de circunstâncias com os restantes opositores ao concurso;
K) O que não sucedeu;
L) Assim, face à circunstância de a licença de utilização do domínio hídrico atribuída ao Recorrente ter caducado em 31.10.2009 sem que tivesse manifestado um ano antes que pretendia exercer qualquer direito de preferência;
M) Bem como à manifesta entrega da candidatura fora de prazo;
N) Afigura-se que não existe fundamento atendível à procedência do presente recurso.
O) Em suma, a Entidade Recorrida ao longo do procedimento de atribuição de licença do apoio balnear em causa não cometeu qualquer omissão de pronúncia nem praticou qualquer acto eivado de violação de lei, nomeadamente, por inobservância no disposto n.° 7 do artigo 21.° do Decreto-Lei n.° 226-A/2007.
P) Mais, sendo da própria natureza cautelar a apreciação perfunctória do processo, basta que se tenha constatado que a apresentação da candidatura pelo ora Recorrente foi realizada fora de prazo para condenar a providência cautelar ao insucesso.
Q) Sendo incontornável que o facto de a candidatura ter sido formulada para além do prazo legal ter afastamento do fumus boni iuris no caso concreto;
R) E, ao contrário do que alega o ora Recorrente, tendo o aresto em crise emitido pronúncia expressa sobre a aplicação da alínea a) do n.° 1 do artigo 120.° do CPTA, não existe qualquer motivo para a alegada omissão dos fundamentos de direito nos termos da alínea b) do n°1 do artigo 668.° do CPC.
S) Por outro lado, não se impunha que a douta sentença recorrida - em nome da provisoriedade e sumariedade típica das providências cautelares - emitisse qualquer pronúncia sobre o vício de violação de lei e o direito de preferência previsto no n° 7 do artigo 21.° do Decreto-Lei n.° 226-A/2007.
T) Importa ainda realçar que, por força da sumariedade das providências cautelares que resulta do n.° 2 do artigo 113.° do CPTA, não é susceptível de ser aplicado o artigo 95.° do CPTA;
U) Além do que, a existência dos vícios suscitadas pelo Recorrente no âmbito cautelar, v.g. violação de lei, deve ser devidamente apreciada na sua sede própria, i.e., na acção principal;
V) Assim, no caso concreto, tendo a douta sentença recorrida concluído que não se verificava o requisito do fumus boni iuris não havia que considerar sequer a existência de periculum in mora, nem tão-pouco proceder à ponderação dos interesses público e privado em presença;
W) Motivo pelo qual deve ser considerado improcedente o erro de julgamento invocado pelo Recorrente.
X) Deste modo, atentos os fundamentos aduzidos, deve entender-se a douta sentença recorrida fez uma correctamente apreciação do caso concreto ao ter julgado o pedido de suspensão de eficácia improcedente.

2. Foi a seguinte a factualidade assente pelo Acórdão recorrido:
A) Pelo despacho nº 2/2009, de 2009.05.15, foi concedido ao Autor a licença para a instalação de apoio balnear no período de 15 de Maio a 31 de Outubro de 2009, na UB 1 da Praia do Peneco (cfr doc nº 1 da oposição da Entidade Requerida);
B) O Edital nº 157/2009, de 2009.10.07, abriu concurso para atribuição de novo licenciamento para instalação de apoio balnear no período de 15 de Maio a 31 de Outubro de 2009, na UB 1 da Praia do Peneco (cfr doc nº 2 da oposição da Entidade Requerida);
C) Atestado Médico de 2009.11.23 relativo a Adolfo Miguel Gregório, que refere que este não pode comparecer na Delegação Marítima por se encontrar doente entre os dias 16 e 25 de Novembro de 2009 (cfr doc nº 2 da petição inicial);
D) O Autor não se candidatou dentro do prazo estipulado ao concurso para atribuição de novo licenciamento para instalação de apoio balnear no período de 15 de Maio a 31 de Outubro de 2009, na UB 1 da Praia do Peneco (por confissão e doc nº 6 da oposição da Entidade Requerida);
E) Em 2009.11.19, foi lavrada Acta sobre o Acto de Abertura de Propostas respeitantes ao concurso para atribuição de novo licenciamento para instalação de apoio balnear no período de 15 de Maio a 31 de Outubro de 2009, na UB 1 da Praia do Peneco (cfr doc nº 3 da oposição da Entidade Requerida);
F) Em 2009.11.19, foi elaborado o Relatório de Análise de Propostas respeitantes ao concurso para atribuição de novo licenciamento para instalação de apoio balnear no período de 15 de Maio a 31 de Outubro de 2009, na UB 1 da Praia do Peneco (cfr doc nº 4 da oposição da Entidade Requerida);
G) Em 2009.12.04, o Autor requer ao Capitão do porto de Portimão a admissão da sua proposta (cfr doc nº 6 da oposição da Entidade Requerida);
H) Em 2010.01.06, o Capitão do porto de Portimão envia a B... e outros candidatos, cópia do Relatório de Análise de propostas para se pronunciar (cfr docs nºs 7, 8, 9 e 10 da oposição da Entidade Requerida).
Ao abrigo do artº 712.1.a) CPC, mais adito o seguinte facto:
I) O recorrente enviou em 28/10/2009 um ofício ao Capitão do Porto de Portimão, onde declara que se vê “na necessidade de concorrer à atribuição de novo licenciamento para instalação de apoio balnear na Praia do Peneco – UBI” – doc. fls. 35.
O M. P. foi notificado para se pronunciar sobre o mérito do recurso, tendo-o feito a fls. 267 defendendo que o mesmo não merece provimento.
O processo foi submetido à conferência sem colher vistos, por se tratar de processo urgente.

3. São as seguintes as questões a resolver:
3.1. A Sentença recorrida é omissa quanto à fundamentação de direito ?
3.2. A sentença é omissa quanto à apreciação da ilegalidade assacada ao acto administrativo suspendendo por violação do direito de preferência ?
3.3. Estão reenchidos os requisitos para que a providência seja decretada ?

4.1. A sentença recorrida alonga-se na parte de direito de fls. 10 a 20. Aí se analisa a pretensão do requerente, se analisa se a mesma merece protecção atentos os requisitos do artº 120.1. do CPTA, concluindo-se que não se verifica o fumus boni Iuris, pelo que não se chegou a conhecer do periculum in mora, julgando-se a providência improcedente.
Pode-se concordar ou não com o raciocínio jurídico em causa, mas não se pode dizer que a sentença é omissa quanto à fundamentação de direito, a qual é suficiente, atenta a natureza perfunctória que as providências cautelares sempre devem revestir.
Logo, não se verifica o invocado vício.

4.2. Quanto ao invocado direito de preferência, tem a recorrente razão: a sentença recorrida não se pronunciou sobre esta questão, pelo que se verifica a imputada nulidade de falta de pronuncia.
Suprindo tal falta, vamos conhecer da mesma, nos termos do artº 149.1. CPC.
Invoca o recorrente que tem um direito de preferência com base no artº 21.7 do Dec-lei 226-A/2007 de 31 de Maio.
Diz a referida disposição legal:
“7—Sem prejuízo do disposto no n.o 4 do artigo 34.o, o anterior titular pode manifestar à autoridade competente o interesse na continuação da utilização, no prazo de um ano antes do termo do respectivo título, gozando de direito de preferência, desde que, no prazo de 10 dias após a adjudicação do procedimento concursal previsto no n.o 3 ou no n.o 4 comunique sujeitar-se às condições da proposta seleccionada.”
Ora, o direito que o recorrente invoca depende de uma declaração de preferência a emitir por ele após a adjudicação, que ainda não ocorrera à data da entrada da p. i.. Logo, não tinha a autoridade administrativa de lhe reconhecer nenhum direito enquanto ele não fosse efectivamente exercido, ou seja, enquanto não decidisse o concurso e enquanto o recorrente não emitisse a declaração de preferência.

4.3. Alega o recorrente que o seu requerimento a pedir que a sua proposta fosse aceite, apesar de intempestiva, não foi apreciada pela entidade administrativa.
As providências cautelares são antecipatórias quando “procuram antecipar a tutela jurisdicional que se pretende obter através da acção principal” (Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., pág. 235). Serão conservatórias quando “visam garantir a realização de um direito” (cit.). Ou, como diz Freitas do Amaral, “as providências antecipatórias são aquelas que visam obter, antes que o dano aconteça, um bem a que o particular tenha direito, enquanto que as providências conservatórias são aquelas que se destinam a reter, na posse ou na titularidade do particular, um direito a um bem de que ele já disponha, mas que está ameaçado de perder” (As providências cautelares do novo contencioso Administrativo, in Justiça Administrativa, nº 43, pág. 6).
No caso das providências destinadas a suspender a eficácia de um acto administrativo, como é o caso destes autos, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. 2005, pág. 556, defendem que se trata de uma providência conservatória.
As providências conservatórias vêm previstas no artº 120.2.b) do CPTA, e, para além da exigência do periculum in mora, têm como requisito que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo, ou seja, um fumus non malus iuris.
Tem o recorrente razão na parte em que alega que o seu requerimento não foi apreciado pela entidade administrativa. Contudo, como por força do artº 66.2. do CPTA o objecto do processo não pode ser a apreciação da omissão do pretendido acto administrativo, mas a pretensão material do interessado. Ou seja, o objecto do processo não é saber se a autoridade administrativa deveria ter decidido, não saber-se se a entidade administrativa agiu bem ou mal ao não conhecer do seu pedido, é saber-se se o recorrente tem direito a ver a sua proposta aceite, ainda que entregue fora de prazo.
O recorrente alega que não pôde entregar a proposta dentro do prazo por justo impedimento. Mas, como bem refere a sentença recorrida, era ao Requerente que cabia precatar-se da situação de doença do seu representante legal, fazendo-se representar para o acto de entrega da candidatura e dos subsequentes, se fosse caso disso, designadamente mediante procuração.
Acresce que o recorrente não indica a disposição legal que permite relevar tal justo impedimento em sede deste concreto concurso. E, os Códigos de Processo que contêm tais figuras do justo impedimento para a prática de actos, não são lei supletiva deste concurso público para atribuição de um licenciamento para instalação de um apoio balnear. A figura do justo impedimento também não aparece no CPA.
A única defesa da tese do recorrente é aceitarmos que o justo impedimento é um princípio geral de direito, aplicável a qualquer situação. Contudo, não vemos razão para, mesmo que se admita que o justo impedimento possa ser um princípio geral de direito, ele seja aplicável à apresentação das propostas em concursos públicos (existe a figura em sede de CCP, mas na hipótese limitada do artº 86.2, o que também serve de argumento no sentido que aqui defendemos: se o legislador admitisse em sede geral a figura do justo impedimento em contratação pública, não a teria regulado expressamente numa determinada situação). É que a sua aplicação permitiria a um dos concorrentes apresentar a sua proposta depois de conhecer as propostas dos restantes concorrentes, ou ter mais tempo para a preparar. Logo, atentas as especificidades dos concursos públicos (cujas regras entendo aqui aplicáveis, apesar de neste caso concreto o Estado não aparecer na veste de adquirente, mas fornecedor de uma situação de privilégio para os concorrentes interessados), os valores impostos pelos princípio da transparência, de igualdade e de concorrência que devem presidir aos mesmos, entendo que ele não deve vigorar aqui. Se por algum motivo, mesmo por justo impedimento, um potencial concorrente não apresenta a proposta dentro do prazo legal, perde o direito de a apresentar. Abrir a janela do justo impedimento para o prazo da entrega das propostas, é destruir toda a confiança pública que os concursos têm de ter, toda a imagem de isenção, legalidade, transparência. O facto de um princípio ceder perante outro é apenas a manifestação do entendimento que os princípios jurídicos não são fixos, quando em litígio, eles são comprimíveis e expansíveis (vide neste sentido, Robert Alexy, Theorie Der Grundrechte, 1986).
O raciocínio que acabamos de fazer consiste numa ponderação de bens: de um lado a norma que exige o respeito pelos prazos para apresentar propostas, do outro a norma do respeito pelo justo impedimento. A ponderação de bens aparece assim como um mecanismo de resolução de conflitos normativos.
Só que a ponderação que acabamos de fazer é puramente subjectiva. Muitos autores defendem hoje que esta ponderação tem de ser objectiva. Nas impressivas palavras de Marko Novak, in Three Models of Balancing (in Constitutional Review), Ratio Iuris, vol. 23, Nº 1, Março 2010, “explicar as razões de uma decisão, nos casos de deduções e ponderação, é, afinal, o que os juízes devem à sociedade (às partes e ao público em geral) numa democracia” Entre eles avulta a tese de Robert Alexy, que defende a aplicação de uma fórmula do peso para fazer a ponderação de bens (vide neste sentido, Robert Alexy, On Balancing and Subsumption, A Structural Comparison, revista Ratio Iuris, vol 16, nº4, Dezembro 2003, 433-49).
Alexy defende que na ponderação devemos entrar com três variantes, a saber:
a) a intensidade de interferência com o princípio oposto;
b) o peso do direito em causa;
c) a fiabilidade dos pressupostos assumidos.
A cada um dos itens atribui-se numa escala tripartida, a classificação de valor fraco, moderado ou forte.
Assim, no caso sub-judice:
a) A intensidade da interferência deve ser classificada de forte na norma que exige o respeito pelos prazos para apresentar propostas, pois exclui completamente o bem do justo impedimento;
b) O peso da norma do respeito pelos prazos para apresentar propostas também deve ser classificada de forte, no quadro do ordenamento jurídico, por força dos princípios da transparência e da concorrência;
c) A fiabilidade destas avaliações deve ser considerada forte.
Por seu turno, analisando agora a perspectiva do lado da norma do justo impedimento, temos que:
a) A intensidade da interferência da norma do justo impedimento com o do respeito pelos prazos para apresentar propostas é média, pois a sua utilização terá sempre um carácter excepcional e pode ser controlada;
b) O peso do valor do bem do justo impedimento é de valor médio, no quadro do ordenamento jurídico;
c) a fiabilidade destas avaliações deve ser considerada forte.
Ou seja, neste caso concreto deve prevalecer a norma que exige o respeito pelos prazos para apresentar propostas sobre a norma do justo impedimento, pois tem argumentos de valor mais elevado.
Convém frisar que este método destina-se apenas a demonstrar a racionalização da ponderação, não é uma fórmula cega para obter resultados. Trata-se de uma matéria em evolução na ciência jurídica, sendo inevitável que vá sofrer alterações (v.g., Jan Sieckmann defende que o critério do peso do direito deve ser subdivido em dois, o peso abstracto e concreto).
Em face de tudo quanto foi dito, parece pois manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular, pelo que é inútil conhecer do periculum in mora, como se concluiu na sentença recorrida.
Logo, tem de ser julgada improcedente esta providência.

5. Conclusão: Por tudo quanto vem de ser exposto, Acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul em:
5.1. Anular a sentença recorrida.
5.2. Julgar improcedente a presente providência cautelar, absolvendo o recorrido Ministério da Defesa Nacional dos pedidos formulados pelo A...Clube.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.

18/11/2010


Declaração de voto:


Salvo o devido respeito pelos fundamentos de direito que obtiveram vencimento, de acordo com o entendimento doutrinário nacional, a excepção do justo impedimento tem aplicação no domínio dos procedimentos de contratação pública, vd. Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de adjudicação administrativa – das fontes às garantias, Almedina/2003 (reimpressão), págs. 398 e ss, Margarida Olazabal Cabral, O concurso público nos contratos administrativos, Almedina/1997, pags.159 e ss.
No tocante aos pressupostos do direito legal de preferência consagrado no artº 21º nº 7 DL 226-A/2007 de 31.05, mantemos o entendimento sustentado no acórdão de que fomos relatora tirado no rec, nº 6349/10 de 04.Nov.2010.


Lisboa, 18.11.2010


(Cristina dos Santos

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